A Argentina, por exemplo, foi sequestrada por aventureiro, setenta anos atrás, e ainda não se libertou da cadáver e das suas ideias bizarras. O Brasil, por sua vez, parece que está copiando um peronismo de botequim, com perdão do botequim...
Enfim, nada a ver com o livro, que é muito bom:
Hermanos, pero no mucho |
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org) Essa complexa realidade é examinada por um historiador de cada um dos dois países. Eles colocam em perspectiva, não necessariamente em paralelo, duas trajetórias comparáveis, na forma e no conteúdo. O "ensaio de história comparada" começa por um excelente capítulo introdutório que discute as vantagens e as modalidades do comparatismo em história. As influências mútuas dos dois maiores países da América do Sul foram, na verdade, limitadas. As duas economias sempre foram voltadas para o hemisfério norte. Além disso, os regimes políticos mantiveram, contra toda a racionalidade e os interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade. Os autores mostram como os dois países enfrentaram, depois de superadas suas repúblicas "oligárquicas" - nos anos 30 -, seus processos de modernização econômica e política por meio de experimentos nacionalistas e populistas. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi bem menos errático no seu processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina. Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político também conduziram ambos os países a episódios de autoritarismo militar. A redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 50, desta vez segundo um formato bilateral - um tratado para a formação de um mercado comum, de 1988. Mas a zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções e o mercado comum, prometido para 1995, é um sonho ainda distante. O longo ensaio histórico não traz notas de rodapé, mas um capítulo final com recomendações bibliográficas, o que confirma que os autores trabalharam com literatura secundária. Uma cronologia paralela de mais de 40 páginas completa a informação histórica sobre a trajetória contrastante, poucas vezes coincidente, de dois países, que a visão otimista do presidente Roque Sáenz Peña pretendia resumir nesta frase: "Tudo nos une, nada nos separa". Talvez, mas a história ainda precisa provar essa assertiva, com a provável exceção dos campos de futebol. ========= Agora a versão completa:
Hermanos, pero no mucho
Boris Fausto e Fernando J. Devoto:
Brasil
e Argentina: Um ensaio de história comparada (1850-2002)
São Paulo:Editora 34, 2004, 574 p: ISNB:
85-7326-308-3
Brasil e Argentina
padecem de certa insuficiência de desenvolvimento econômico e social, sendo a
maior parte dos problemas derivada de erros de gestão macroeconômica e de
escolhas infelizes de suas elites políticas ao longo dos anos de formação das
nações respectivas e dos momentos de ajuste aos desafios externos, no decorrer do
século XX. Durante muito tempo, prevaleceu no Brasil a noção de que a Argentina
era bem mais desenvolvida, graças a um maior componente “europeu” na sua
formação étnica e aos maiores cuidados com a educação do seu povo. Depois,
prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem sucedido na
industrialização e no fortalecimento da base econômica, graças ao maior
envolvimento de seu Estado na gestão macroeconômica, em lugar do liberalismo
praticado naquelas margens da bacia do Prata. Hoje, se pretende avançar no
desenvolvimento conjunto, mediante o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios
ao livre comércio demonstram os limites da integração econômica.
Essas visões,
parcialmente corretas, decorrem de uma complexa realidade que é examinada com
lentes cuidadosamente focadas nas particularidades nacionais por um historiador
de cada um desses dois países, que colocam em perspectiva comparada, mas não
necessariamente em paralelo, duas trajetórias comparáveis, na forma e no
conteúdo. Eles se baseiam, neste empreendimento inédito na historiografia
regional, em metodologia proposta há muitos anos pelo historiador francês Marc
Bloch, que recomendava o estudo de sociedades próximas no espaço e no tempo,
buscando não apenas as semelhanças, mas também as diferenças. Este “ensaio de
história comparada” começa, justamente, por um excelente capítulo introdutório
que discute as vantagens e modalidades do comparatismo em história.
As influências mútuas entre os dois maiores países da
América do Sul foram, na verdade, limitadas, uma vez que as duas economias
sempre foram relativamente excêntricas – isto é, voltadas para os parceiros
privilegiados no hemisfério norte – e os regimes políticos mantiveram, contra
toda racionalidade e interesses imediatos, certo distanciamento competitivo,
que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade, isto é, para a
corrida armamentista e uma possível disputa pela hegemonia regional. Esta se
deu desde o início da formação dos dois estados nacionais, primeiro em torno da
Cisplatina – finalmente consagrada como o estado independente do Uruguai, um
“algodão entre cristais”, segundo a definição do diplomata britânico que
presidiu ao arranjo de 1828 –, depois a propósito do Paraguai, que antes de
surgir como enclave independente, integrava o Vice-Reinado do Rio da Prata, do
qual fazia parte a Bolívia, também. A diplomacia imperial sempre se preocupou
em assegurar que o mesmo poder não ocuparia as duas margens do Prata, daí os
conflitos com os caudilhos argentinos, que aliás se prolongaram, pelo menos
como hipótese bélica, até avançado o século XX.
Os autores mostram, num jogo de contrastes e
comparações, como os dois países enfrentaram, depois de superadas suas
repúblicas “oligárquicas” – mais ou menos na mesma época, isto é, os anos 1930
–, seus processos respectivos de modernização econômica e política por meio de
experimentos nacionalistas e populistas, politicamente identificados com as
figuras de Vargas e Perón. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de
inserção social, mas o Brasil foi bem menos errático no seu processo de
desenvolvimento, conseguindo consolidar a construção de uma base industrial que
nunca teve paralelo na Argentina, que permanece ainda hoje uma economia
agro-exportadora.
Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas
classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema
político também conduziram ambos os países em direção de episódios mais ou
menos prolongados de autoritarismo militar. Este assumiu dimensões bem mais
dramáticas na Argentina, com um custo elevado em vidas humanas e outras
conseqüências menos desejáveis no plano das relações bilaterais, como o
fenômeno que os autores chamam de “afinidades repressivas”.
A fase de redemocratização permitiu revigorar o processo
de integração, que tinha começado no final dos anos 1950, desta vez segundo um
formato bilateral – tratado para a formação de um mercado comum de 1988 – que
logo se desdobrou numa dimensão quadrilateral, ao incorporar os dois vizinhos
menores em 1991. O Mercosul logrou incluir outros países associados, como o
Chile e a Bolívia (em 1996) e, recentemente, os demais vizinhos andinos, mas
sua zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é
perfurada por inúmeras exceções nacionais e o mercado comum, prometido para
1995, um sonho ainda distante.
Este longo ensaio histórico (512 páginas de texto) não
traz notas de rodapé, mas um capítulo final de recomendações bibliográficas, o
que confirma que os dois autores, dispensando referências diretas de arquivo,
trabalharam sobretudo a partir da literatura secundária, em especial sínteses
históricas anteriores, o que não diminuiu em nada o seu próprio esforço de
síntese. Uma cronologia paralela de mais de 40 páginas completa a informação
histórica sobre a trajetória contrastante, poucas vezes coincidente, de dois
países, que a visão otimista do presidente Roque Sáenz Peña pretendia resumir
nesta frase: “Tudo nos une, nada nos separa”. Talvez, mas a história ainda
precisa provar essa assertiva, com a provável exceção dos campos de futebol.
Paulo
Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
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A reação de Rio Branco parece mais emocional do que racional. Talvez devesse, ainda que à vezes, ouvir os colaboradores...
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