A galinha sem ovos de ouro
Carlos Brickmann
Observatório da Imprensa, 13 de março de 2012
Como a galinha da fábula, a indústria brasileira enriqueceu seu sócio maior, o Governo. Graças aos impostos que pagou, o país chegou aos 40 ministérios, aos quase 600 congressistas, a milhares de vereadores e deputados estaduais, todos com mordomias invejáveis, todos com comitivas de assessores e auxiliares. Até que a galinha, exaurida, reduziu drasticamente a produção de ovos de ouro. Aí vem o ministro Guido Mantega e promete algum alívio para que a indústria respire e se recupere. Um dos alívios é a desoneração da folha de pagamentos.
Há pouco mais de 20 anos este colunista apurou quanto a empresa onde trabalhava tinha de tirar dos cofres para que ele recebesse o salário líquido de 900,00 (qual seria a moeda da época?) Pois bem: eram 2.200,00 - mais do que o dobro. Estes dados foram oferecidos a vários meios de comunicação; nenhum se interessou por fazer uma matéria precisa sobre o que se paga sobre a folha. Quem sabe agora, quando até o Governo vê que o problema é sério?
Uma empresa brasileira leva mais tempo para iniciar as atividades, por problemas burocráticos, do que qualquer outra de um país do mesmo porte. Os impostos e encargos são mais altos. O custo de treinamento é onerado pela ineficiência do ensino público. É preciso ter um sistema próprio de saúde, ou conformar-se com prolongadas ausências dos empregados que tenham de recorrer ao sistema público. A complexidade e instabilidade da legislação tributária fazem com que as empresas tenham de desviar talento e recursos só para decifrá-la. Não basta pagar impostos: é preciso gastar muito tempo, muito dinheiro, para saber quais impostos devem ser pagos. A energia elétrica tem uma tributação inacreditável; os insumos chegam por rodovia (raramente por trem, quase nunca por navio), e poucas rodovias têm qualidade. Os produtos saem por essas mesmas rodovias, com mais perdas e mais lentidão, e ficam mais caros - isso quando não são roubados no caminho.
Os meios de comunicação cuidam de quase todos esses temas, com certa frequência e com boas reportagens. O difícil é encontrar matérias que mostrem como é que esses problemas afetam o emprego e a vida de cada um de nós. As vergonhosas estradas que nos ligam à Amazônia (e que aparecem nas reportagens, especialmente durante as chuvas) encarecem nossa alimentação (e isso está fora da reportagem); o transporte ferroviário, como rabo de cavalo, só cresce para baixo - há 50 anos provavelmente havia mais quilômetros de trilhos do que hoje.
As boas reportagens não precisam ser partidárias. Os problemas de sufocamento da indústria vêm de longe (a agricultura só não está sendo sufocada, pelos mesmos motivos que fazem a indústria sofrer, graças ao crescimento das vendas à China - e alguém já viu, em algum meio de comunicação, uma boa análise do que pode acontecer à agricultura brasileira, e a toda a economia, e aos empregos que aqui existem, com a redução já prevista do crescimento chinês?)
Explicando direitinho
Uma boa pergunta: por que a China pode crescer algo como 10% ao ano, sem inflação, e o Brasil não pode? Às vezes a imprensa traz alguma informação sobre os baixos investimentos, que freiam o aumento da produção e, portanto, obrigam o país a conter o consumo. Com mais frequência há queixas sobre os juros altos. A imprensa critica o Governo pelo excesso de gastos, mas não mostra a relação entre esse excesso e a alta dos juros, nem o pouco investimento.
Os problemas da indústria brasileira são uma crise anunciada. E, se não houver um trabalho conjunto, a redução das compras chinesas pode criar problemas também para a agricultura. O Brasil tem boas reservas internacionais, as maiores que já acumulou em toda a sua história, mas nada substitui uma economia que funcione bem.
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