O futuro econômico dos Brics (se
existe um...)
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário de jornalista
Recebi, de um jornalista
de uma rede de comunicações, que havia lido um trabalho anterior meu sobre o
Brics – até então apenas Bric – uma série de questões para uma entrevista
formal. Apenas como forma de organizar meu pensamento, alinho abaixo alguns
comentários que podem servir de guia para a entrevista oral.
1) O Brics já está em um período de estagnação ou
ainda não pode ser considerado um grupo que já produziu o seu melhor?
PRA: Existe uma profunda
incompreensão de certa parte da mídia – o termo cobre os meios de comunicação
de forma geral, com destaque para a imprensa escrita – com respeito ao que é,
realmente, esse grupo chamado Brics, que parece ter assumido uma estatura de
grupo formal e de entidade dotada de poderes próprios, quando nada disso se
aplica no terreno da realidade.
A sigla designa uma
assemblagem arbitrária de países, dotados de certas características externas
aparentemente semelhantes, mas que nada representa a não ser o que estava
implícito em seu significado original, feito por um economista de um banco de
investimentos: quatro (agora cinco, embora este seja bem menor, e tenha entrado
por razões políticas, não econômicas) grandes economias em desenvolvimento, não
pertencentes ao bloco de grandes potências econômicas ocidentais (inclusive o
Japão), que são tradicionais democracias de mercado. Os quatro originais nada
mais eram do que grandes promessas de crescimento econômico – por uma série de
razões próprias a eles, mas isoladamente, e não como grupo – e que por isso
foram identificados como grandes oportunidades de investimento, pelas promessas
de ganhos de mercado que representam: grandes territórios e populações, boa dotação
em recursos naturais, por vezes humanos, também, crescimento razoável e
crescente inserção nos circuitos da economia global.
Nada mais do que isso,
ponto. A partir dessa adjunção voluntária, arbitrária e totalmente oportunista
de quatro países sumamente diferentes feita por um indivíduo interessado apenas
em ganhos de mercado, dirigentes desses países resolveram, dado o bom
acolhimento e o charme pouco discreto da sigla, formalizar uma suposta união
para perseguir objetivos alegadamente comuns. Quais são esses objetivos? Cabe
aos dirigentes desses países, que promoveram seus encontros ministeriais e de
cúpula, dizerem, com suas próprias palavras, o que eles, como grupo, pretendem
fazer em relação aos grandes problemas da agenda mundial: crescimento, meio
ambiente, segurança, direitos humanos, democracia, criminalidade internacional,
e muitos outros temas que ocupam a agenda da ONU, do G7 e de outras
organizações intergovernamentais.
Por causa disso, os Brics,
ou o Brics, constituem um grupo econômico? Nada mais longe da realidade. Quando
se fala de um grupo econômico, se entende um grupo de países integrados
comercialmente, produtivamente, com intenso intercâmbio entre eles, com base
num conjunto de regras comuns, e tendencialmente apontado para a convergência
de políticas econômicas. Os Brics não exibem essa condição; não são, portanto,
um grupo econômico, a não ser arbitrariamente, como declaração própria, mas
isso não é comprovado pelos fatos.
Não se pode, portanto,
falar em crescimento ou estagnação conjuntos: cada um dos fenômenos econômicos
dos Brics serão, essencialmente, constituídos de processos exclusivamente
nacionais, independentes, autônomos, não correlacionados entre si. Não existe
uma base comum, políticas comuns, apenas intercâmbio, o que se dá com quaisquer
outros ajuntamentos heteróclitos de países que se faça.
Porque falar dos Brics e
esquecer, por exemplo, um grupo chamado CIMT? Não existe? Pois acabo de criar:
Coréia (do Sul, obviamente), Indonésia, México e Turquia. Ainda não se reuniram?
Pois é: estão perdendo a oportunidade de serem conhecidos. Mas eles não têm
nada em comum? Engano! Exibem tantas características comuns quanto os Brics
possuem entre si. Não são tão grandes? Não tem importância: podem ter maior
crescimento e ser tecnologicamente mais avançados...
2) O crescimento que colocava os quatro países no
mesmo grupo já se encerrou ou está sendo apenas afetado pela crise
internacional?
PRA: Crescimento, por si
só, não serve de cola: cada país pode crescer por razões diferentes, não
conectadas entre si. A natureza do crescimento de cada um dos Brics (na
verdade, apenas China e Índia vinham crescendo de maneira consistente nos
últimos anos, e aparentemente já vêm enfrentando uma baixa de ritmo, dada a
crise das economias norte-americana e europeia) não tem nada a ver com os
fatores de crescimento dos demais, uma vez que eles possuem características
diversas e se inserem de maneiras distintas na economia mundial, assim como
seus intercâmbios recíprocos obedecem a padrões diferenciados, únicos no plano
bilateral.
Em outros termos, eles
estavam crescendo de maneira completamente descoordenada, cada processo obedecendo
a impulsos próprios, sem qualquer base comum. Que eles venham agora a sofrer
impactos da estagnação ou depressão nas economias desenvolvidas, isso se fará,
também, por canais próprios a cada um, sem qualquer relação estrutural entre
si. A crise afeta os países individualmente, não esse grupo um pouco arbitrário
chamado Brics.
3) É possível comparar o Brics com os Tigres
Asiáticos, que cresceram a taxas altas e depois se estagnaram?
PRA: Não, pela simples
razão de que os assim chamados tigres asiáticos JAMAIS constituíram um grupo,
ou uma entidade formal. São países de economias dinâmicas do Pacífico asiático
que tiveram seus processos de crescimento vinculados à economia mundial
capitalista, mas cada qual com políticas próprias, sem coordenação entre eles.
Se eles estagnaram – uma vez mais, cada qual segundo características próprias –
os fatores podem ter sido os mesmos, atuando de forma independente em cada um
deles, ou diversos, a que cada país reagiu de forma independente, com base em
políticas nacionais. Taiwan e Coréia do Sul enfrentaram crises, mas não estão
estagnados. Vietnã, que nunca foi chamado de tigre, vem crescendo de maneira
significativo nos últimos anos; eventualmente enfrentará problemas mais
adiante, como ocorre com qualquer economia, mas não se pode atribuir processos
independentes a uma única causa ou pelo fato de países integraram, ou não,
grupos formais. Alguns dos tigres pertencem a Asean, mas ela é uma entidade
flexível, voltada para comércio e cooperação, sem o grau de aprofundamento das
políticas econômicas que possui, por exemplo, a UE.
4) O desenvolvimento dos Tigres Asiáticos deixou
legados tecnológicos (especialmente na Coreia do Sul) e o modelo de
industrialização foi recriado em outros países da região (novos tigres). É
possível falar em um modelo semelhante para o Bric?
PRA: A Coréia do Sul teve
sucesso tecnológico e industrial devido a políticas absolutamente nacionais,
não por ter sido incorporada a um grupo que não existe, ao qual se deu o nome
de “tigres asiáticos”. Não existe nenhum modelo dos tigres, a não ser um
propósito compartilhado (mas não coordenado) de se integrar mais intensamente à
economia mundial, desenvolvendo laços produtivos, acolhendo investimentos
diretos e fazendo acordos comerciais com países consumidores. Isso não
constitui nenhum modelo, já que os países assim decidiram fazer com base em
ferramentas já disponíveis existentes no mercado: abertura a investimentos, a
acordos preferenciais de comércio, treinamento de mão-de-obra, ambiente
favorável aos negócios internos e externos, nada disso constitui modelo, e sim
apenas demonstrações de bom senso.
Assim como nunca existiu
um grupo chamado “tigres asiáticos” e nunca existiu um modelo deliberadamente
aplicado por esses países, e sim decisões nacionais, não existe um modelo para
os Brics, que, sim, decidiram formar um grupo formal, sem que isso, contudo, se
tenha traduzido em ferramentas próprias de integração ou de coordenação de
políticas econômicas.
5) Já é possível falar em um legado do Bric e o que é
possível esperar ainda do grupo?
PRA: O único legado acumulado
pelos Brics, até o momento, é o registro de suas reuniões formais, em nível
ministerial ou de cúpula, e as declarações feitas nessas ocasiões. Não se sabe
se isso é legado, ou mero registro de ocorrências. O que eles fizeram, por
exemplo, para avançar certos temas da agenda mundial? Ou suas próprias agendas?
O Brasil, por acaso, começou a crescer mais rapidamente apenas por fazer parte
desse grupo? Altamente duvidoso que isso tenha ocorrido, sobretudo porque as
causas do baixo crescimento do Brasil estão no próprio Brasil, não na economia
mundial, ou na China, que até favoreceram bastante esse pequeno crescimento,
pela demanda de matérias primas e mercados para seus outros produtos.
Para esperar algo desse
grupo seria preciso que ele tivesse um poder de alavancagem sobre a economia
mundial que ele ainda não tem. E seria preciso que ele oferecesse respostas a
problemas comuns que não foram vistas ainda. O Brasil, por sua vez, tem buscado
“soluções” (entre aspas) no protecionismo comercial (que visam, aliás,
importações de um dos Brics) e no estímulo ao consumo, que não constituem
respostas a nenhum dos problemas de produtividade e de competitividade do país.
Para fazê-lo crescer – o que não tem nada a ver com os Brics – seria preciso
maiores investimentos, obras de infraestrutura, redução da carga tributária e
um ambiente geral de negócios favorável a investimentos estrangeiros. Nada
disso depende dos Brics, apenas do próprio Brasil e de seu governo.
6) Seria o momento de pensar em uma reformulação?
Só se pode reformular algo
quando se dispõe de um diagnóstico preciso sobre a origem de problemas, bem
identificados e com prescrição adequada. Como os Brics se reúnem regularmente,
talvez eles tenham suas próprias receitas, mas suspeito que as soluções para os
problemas de cada um deles não tenha nada a ver com as respostas aos problemas
dos demais, a não ser num nível muito alto de generalidade: expansão da
economia mundial, abertura comercial e aos investimentos, poupança, crédito,
moedas estáveis, bom ambiente de negócios. Isso pode existir, ou não, mas cabe
aos governos nacionais transformar as condições existentes em oportunidades de
aumento da renda e riqueza nacionais (sempre nacionais), o que deriva da
competência de cada um deles, não da existência de um grupo, formal ou não.
Aliás, o exemplo da UE demonstra que mesmo com um grupo altamente estruturado,
a possibilidade de crises é bem real...
Os Brics não parecem
dispor de uma tal identidade de políticas e de propósitos que justifiquem
pensar em reformulação, sem que se saiba, primeiramente, do que, exatamente, ou
em que direção. Na verdade, não existe diagnóstico comum a respeito de qualquer
coisa que se pense fazer em torno dos Brics, uma vez que não existe nenhum
coesão formal entre eles. Toda e qualquer especulação em torno dos Brics vale
para qualquer outros países, tomados isoladamente ou conjuntamente: ou seja, se
trata de exercício meramente retórico, sem argumentos concretos. Os Brics, se
continuarem pretendendo assumir políticas comuns, terão um largo caminho pela
frente para se apresentar, pelo menos, como grupo, o que eles ainda não são,
pelo menos não do ponto de vista econômico.
Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 30 de junho de
2012)
Professor,
ResponderExcluirPoderia passar algumas referencias sobre o assunto? (Desenvolvimento dos Tigres Asiaticos, estrategias adotadas, etc...)
Obrigado
Abraco,
Felipe Xavier
Não tenho referências específicas a dar. Tudo o que eu sei é o resultado de uma vida inteira lendo livros, revistas, jornais, pesquisando na internet, etc.
ResponderExcluirFaça como eu: comece pesquisando e leia tudo o que encontrar. Metade será bom, e isso basta...
Paulo Roberto de Almeida
Os tigres asiáticos são considerados um bloco econômico, enquanto o Brics não é formalmente um bloco econômico , apesar de indicar o mesmo.
ResponderExcluirREPITO o que já disse no texto: NAO existe NENHUM grupo econômico conhecido como "bloco dos tigres". Isso é bobagem de jornalistas, apenas isso.
ResponderExcluirBloco é quando um grupo de países adota regras comuns em determinada área. Isso NUNCA ocorreu com os tigres asiáticos. PONTO.
Paulo Roberto de Almeida