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sábado, 11 de maio de 2013

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (2) - Paulo Roberto de Almeida

Continuação do post anterior.

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (2)

Paulo Roberto de Almeida

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Tendo me politizado precocemente, justamente em função dessas crises do início dos anos 1960 e do “golpe militar”, acompanhei muito de perto, embora ainda adolescente, as movimentações que se seguiram à inauguração da nova fase política. Todo o ambiente universitário ao qual eu me vinculava intelectualmente – a despeito de ainda estar no secundário – era invariavelmente caracterizado por uma ideologia de esquerda, basicamente marxista, nas diversas variantes da época, mais a radicalização concomitante da chamada Igreja progressista. Como muitos outros jovens da minha geração, fui sendo levado quase naturalmente para a opção socialista, que na época se apresentava como uma solução “factível” e “possível”, tendo em vista os exemplos precedentes da revolução bolchevique, da guerra civil conduzida por Mao Tsé-tung na China e, sobretudo, porque bem mais perto de nós, da aventura guerrilheira cubana.
Tudo isso era muito teórico para mim, já que eu era, basicamente, um “rato de biblioteca”, ávido por ler de tudo, orientação que foi sendo concentrada na literatura marxista à medida em que eu me formava politicamente. Mal sabia eu – como vim a descobrir mais tarde – que grupos de pessoas, movimentos inteiros, considerando os partidos de esquerda (na verdade, representados quase unicamente pelo Partidão, o Partido Comunista de orientação soviética) muito conservadores, já haviam decidido seguir o exemplo cubano da guerrilha rural, alguns até o exemplo maoísta da guerra revolucionária camponesa. Vários jovens, como eu, participávamos de manifestações contra o regime militar, contra o imperialismo americano, basicamente na forma de panfletagens e de ruidosas passeatas contra as autoridades políticas e contra algum representante do império (lembro-me de ter protestado amplamente contra a visita ao Brasil do vice-presidente Nelson Rockefeller, símbolo do capitalismo, e contra os acordos do Ministério da Educação, então comandado pelo coronel Jarbas Passarinho, com a USAID, para a modernização do sistema universitário no Brasil).
Progressivamente, esses movimentos foram se preparando para a luta armada, de acordo com as diretrizes que então emanavam de Havana, onde tinha sido organizada, em 1965, a conferência tricontinental, para prestar solidariedade ao Vietnã do Norte, em sua luta contra a república pró-americana do sul, e para estimular a luta armada na América Latina, como recomendava Fidel Castro e como já tinha passado à ação Ché Guevara. Este era – parece que continua sendo, a despeito de todas as evidências em contrário – o símbolo da rebeldia juvenil contra a opressão capitalista, e a metodologia proposta para romper com o capitalismo e o imperialismo era dar início a um “foco guerrilheiro”, conforme teorizado pelo militante francês Regis Debray, em livrinho então muito lido por todos nós, ainda que clandestinamente. No Brasil, entretanto, na ausência de enormes massas camponesas sujeitas a algum tipo de dominação “feudal”, ou de alguma “Sierra Maestra” próxima das cidades e dos latifúndios, nem a solução maoísta da guerra camponesa, nem o modelo cubano da coluna de guerrilha rural pareciam aplicáveis, razão pela qual os líderes comprometidos com a luta armada adotaram a via da guerrilha urbana, como depois seria enfatizado no “Mini-manual do guerrilheiro urbano”, do dissidente do Partidão e líder da ALN, Carlos Marighella.
Essas nuances das táticas de combate não se manifestavam, contudo, de forma muito clara no debate político desses grupos guerrilheiros, que decidiram passar à ação mesmo na completa confusão do que fazer, de quem doutrinar, que tipo de mensagem política preconizar, ou que tipo de governo se pretendia, exatamente. O que é certo é que ninguém, nenhum desses grupos tencionava lugar contra a ditadura militar para colocar no lugar uma “democracia burguesa”, e sim alguma variante dos regimes cubano ou chinês (a União Soviética já era julgada então como muito burocrática e conservadora). Mas essas eram questões que não me afetavam ainda, ou a meus colegas de debate político, ocupados que estávamos principalmente com as lutas estudantis.
Desde essa época constatei que os grêmios estudantis e os diretórios acadêmicos vinham sendo sistematicamente tomados de assalto pelos militantes do PCdoB, uma tribo de fundamentalistas maoístas com os quais era impossível ter qualquer discussão racional: eles estavam dispostos a qualquer manobra suja, a todos os tipos de manipulações políticas, e a muita propaganda enganosa, para se apossar das representações estudantis (isso até hoje, como demonstra seu longo domínio sobre a UNE e outras associações de estudantes). Talvez tenha sido por isto que, com todo o meu radicalismo juvenil, chegando mesmo a me acreditar um “guevarista”, eu nunca suportei os hábitos de seita e as ações conspiratórias dos maoístas alucinados.
Mais adiante, durante e mesmo depois do completo fracasso da aventura guerrilheira de Ché Guevara na Bolívia, os grupos que se preparavam, de modo algo canhestro – como depois vim a reconhecer – para a luta armada no Brasil passaram à ação, com ataques a quarteis, atentados a bomba, assaltos a bancos (chamados de “expropriações”) e de municiamento em armas e munições, mas tudo isso de forma muito desorganizada e improvisada, como também vim a saber bem depois. Nessa época, ou seja, antes do AI-5, que representou um endurecimento do regime, ante o recrudescimento dos ataques desses grupos armados, eu não tinha contato direto com o “pessoal da pesada”, como chamávamos os guerrilheiros urbanos. Meu “trabalho”, auto-atribuído, de militante contra a ditadura era apenas o de um manifestante a mais, um participante de eventuais passeatas e um doutrinador voluntário de colegas de escola, tentando converter à “boa causa” aqueles a quem designávamos como “alienados”, segundo um termo marxo-marcusiano bastante usado nessa época. Alienados eram todos aqueles que não compartilhavam da nossa crença no futuro radioso da humanidade sob o socialismo, enfim liberta das taras do capitalismo e da dominação burguesa. Em outros termos, minhas ocupações eram totalmente marginais e acessórias ao verdadeiro trabalho de um revolucionário profissional, o que eu também aspirava ser, assim que a ocasião se apresentasse.
Na verdade, como eu vinha de uma família muito modesta, e tive de acumular trabalho e estudo desde muito cedo em minha vida, eu simplesmente não tinha tempo, como os “filhinhos de papai” – como eram chamados os garotos de classe média alta, que não precisavam trabalhar, e portanto podiam dedicar-se à “revolução” – de tornar-me um revolucionário profissional: acordar às 6:00hs da manhã, seguir para a fábrica às 7:00hs, retornar às 18:30 para casa, engolir uma comida rápida e correr para o colégio (depois para a faculdade), estudar até às 11:00 da noite, e voltar cansado para casa, não combina muito, convenhamos, com a dedicação integral que um verdadeiro profissional precisa dar à causa revolucionária. De resto, todo meu tempo livre era dedicado à leitura, seja dos textos necessários aos estudos, seja da literatura marxista, com a qual eu já estava amplamente familiarizado: uma leitura “de ônibus”, portanto, quando dava.
(...)
(Continua...)

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