O Refinanciamento da divida dos estados e municípios
09/10/2013 por Mansueto de Almeida
Vou escrever rapidamente sobre esse assunto e não vou falar com ninguém sobre isso. Sugiro aos jornalistas que telefonem e peçam explicações à equipe técnica do Ministério da Fazenda, em especial, à Secretaria do Tesouro Nacional e Secretaria de Política Econômica.
A renegociação da dívida dos estados e municípios acordada ontem entre o PMDB e o Governo Federal foi uma surpresa para todos, inclusive, para a equipe econômica do próprio Ministério da Fazenda. Explico. A possibilidade de refinanciamento da dívida é um debate que vem desde sempre, mas que se intensificou no ano passado.
Cheguei a conversar com alguns técnicos do Tesouro Nacional que sempre resumiram esse debate para mim com uma única palavra: “absurdo”. A Secretaria de Política Econômica, pelo que escutei de coordenadores já na gestão do Márcio Holland, em 2012, também era contra. Se aceitava, no máximo, a possibilidade de mudar o indexador para frente, mas não havia espaço para uma renegociação retroativa nos moldes do que foi anunciado ontem.
Vale lembrar três coisas. Primeiro, de 1997 até final de 2012, a taxa de juros Selic acumulada foi superior a IGP-DI+ 6% ao ano. Nas minhas contas dá 1.096% para Selic de 1997-2012 contra 849% do IGP-DI+6% ao ano. Assim, para quem participou das negociações desde o seu inicio, não faz sentido rever o passado. O ganho maior é para quem perdeu 1997 e 1998, quando a diferença entre Selic e IGP-DI foi grande. Esse é justamente o caso do município de São Paulo que só assinou o acordo em dezembro de 2000.
Segundo, além das taxas de juros Selic menores que IGP-DI+6% ao ano no acumulado, quando ocorreu o refinanciamento das dividas dos estados, em 1996/1997, as taxas acordadas (IGP-DI + 6% ou 7,5% para os estados) eram menores do que aquelas que os entes subnacionais estavam pagando aos bancos privados. Assim, houve um subsídio grande desde o início e isso vale também para a prefeitura de São Paulo. Adicionalmente, no caso dos estados, houve também o saneamento dos bancos estaduais com essa nova dívida incorporada ao valor total da divida renegociada.
Terceiro, como tudo em economia, não existe almoço grátis e isso foi tema de um artigo no ano passado no jornal Valor Econômico de um técnico de carreira do Tesouro Nacional (leiam o artigo aqui – Não existe almoço grátis – Valor 11 de maio de 2012), no qual alerta que o custo médio do endividamento do governo federal também é maior que a Selic e, assim, se o governo renegociasse as dívidas dos entes subnacionais pela taxa Selic estaria dando um novo subsídio.
O que vai acontecer? Bom, ao invés de eu responder vou deixar a reposta para o artigo citado acima:
“A despeito do senso comum de que a troca dos indexadores das dívidas estaduais irá beneficiar a todos os Estados é importante frisar, inicialmente, que haverá uma elevada concentração de benefícios nas unidades mais ricas da federação, que se beneficiaram com a implantação de infraestrutura econômica decorrente das dívidas refinanciadas.
Por fim, deve-se ter presente que o pagamento da dívida decorrente do refinanciamento das dívidas estaduais irá impactar o resultado primário do governo central – ou exigindo um esforço maior por parte da União para não elevar o endividamento público, via elevação do superávit primário, ou da ampliação do patamar da dívida federal. Ou seja, intertemporalmente, a dívida federal será quitada ou pela ampliação da receita, via elevação da carga tributária ou pela redução das despesas, por meio da contenção dos gastos com bens públicos. Em ambos os casos a distribuição dos ônus deverá recair de forma desproporcional entre as unidades da federação.”
E na passagem acima o debate era restrito à renegociação da divida dos estados. Com a inclusão dos municípios, especialmente São Paulo, o custo será ainda maior. Como o governo federal fará para elevar o seu primário? Não tenho a mínima ideia. Na minha modesta opinião, estamos conseguindo elevar ainda mais o risco de uma queda maior do primário, aumento da dívida e aumento da carga tributária como fala a passagem acima.
É claro que algumas pessoas acreditam que aumentar hoje a divida traz crescimento de 4,5% ou 5% ao ano lá na frente e conseguiremos, com maior crescimento, pagar todo esse aumento da dívida e do gasto. Eu discordo dessa visão, mas respeito quem pensa diferente. Mas se alguém pensa assim, bem que poderia sugerir o mesmo para Grécia, Espanha, Irlanda e Portugal.
Por favor, não me chamem de fiscalista. Não defendo teses de estado mínimo, controle a qualquer custo do custeio, etc. Mas não entendo como um governo que está com o resultado primário em queda e quer aumentar o investimento faz uma bondade dessas para todos os entes subnacionais. Até entenderia se essa renegociação fosse restrita aos municípios e estados mais pobres. Mas esse não é o caso.
Um rápido lembrete: o Brasil na década de 1970 aumentou a sua divida precisamente para continuar com os grandes projetos de investimento. Infelizmente, o resto do mundo, EUA, com sua política monetária nos pegou de calça curta. Será que agora será diferente? ou há o risco de os EUA novamente aumentarem a taxa de juros no futuro próximo?
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