À chinesa
Carlos
Aberto Sardenberg
O
Globo, 8/11/2013
As
contas públicas estão se deteriorando, a despesa cresce mais que a arrecadação,
o superávit primário é cada vez menor
Dizem que o fantasma de Deng Xiao Ping, o
líder que criou a China moderna, foi invocado pelo atual presidente, Xi
Jinping, para orientá-lo sobre como conduzir uma nova onda de reformas. De
carro, Xi conduziu Deng pelo país, para exibir os resultados das primeiras
mudanças, aquelas iniciadas em 1978. De repente, a estrada que tomara mostrou uma
perfeita bifurcação. Xi para na encruzilhada e pergunta: grande líder, viramos
à direita ou à esquerda? E Deng, sem vacilar: dê sinal à esquerda, vire à
direita.
Esta piada é um
clássico. E permanece porque, acreditem, reproduz o modo de agir da liderança
chinesa em momentos cruciais. O presidente Xi Jinping é conhecido como
reformista, cercou-se de reformistas em seu governo e colocou na cadeia o chefe
da outra ala do Partido Comunista, Bo Xilai, que comandava um movimento pela
recuperação do maoísmo.
As reformas
discutidas na ala de Xi estavam claramente na direção de mais mercado, mais
propriedade privada, em resumo, mais capitalismo. Portanto, para simplificar,
Xi representava a direita e Bo, a esquerda.
Pois não é que o
começo do governo de Xi coincide com o que se chamou de uma “onda vermelha”? O
próprio presidente falou mais de uma vez em recuperar os valores do maoísmo.
Mais ainda: nas vésperas da crucial reunião plenária do Comitê Central do
Partido Comunista, marcada para o próximo fim de semana e anunciada por Xi como
tão importante quanto a comandada por Deng em 1978, diversas companhias
estrangeiras tornaram-se alvos de órgãos de fiscalização, receberam punições e
foram atacadas como imperialistas impiedosas.
Diante da
perplexidade de observadores e mesmo de executivos de grandes multinacionais
recebidos com honras pelo presidente Xi, os mais experientes recomendavam
calma: o sinal é à esquerda...
Veremos. A
plenária do Comitê Central, claro, será fechada. E todo mundo sabe que já está
tudo decidido. Aquela regra universal da política: só se chama uma reunião
importante, com muita gente (300 e tantos membros, no caso), quando já se
resolveu pelo menos o essencial.
Ficam todos,
portanto, à espera dos sinais à direita — mudanças efetivas como, por exemplo,
a permissão para que agricultores vendam suas terras ou as entreguem como
garantia de empréstimo. Seria a consagração da propriedade privada da terra. A
registrar: uma das reformas cruciais da era Deng foi justamente permitir que os
agricultores vendessem sua produção no mercado livre, em vez de entregarem tudo
ao governo. Isso levou, então, a uma forte expansão da produção agrícola.
Resumindo: a
propaganda seria maoísta, a prática, ao modo Deng.
O governo Lula, o
do primeiro mandato, foi tipo chinês. A propaganda, inclusive a eleitoral, era
para mudar tudo e desmontar o regime neoliberal. Na prática, o governo aumentou
o superávit primário a níveis inéditos, nomeou um banqueiro para o Banco
Central que, autônomo, foi logo aumentando os juros para colocar a inflação na
meta, e aplicou reformas que favoreceram o ambiente de negócios.
Já o governo
Dilma parece adotar a mesma técnica, mas invertida. Jura fidelidade ao
superávit primário, ao regime de metas, promete liberdade e oportunidades ao
capital privado — e faz tudo ao contrário.
A questão é: faz
isso de propósito ou tudo é uma grande confusão, resultado da falta de
objetivos e capacidade?
Não é
brincadeira. A dúvida persiste inclusive entre os aliados do governo, tanto os
da esquerda quanto os da direita. Todos estes — e mais os críticos adversários
— concordam com os números: as contas públicas estão se deteriorando, a despesa
cresce mais que a arrecadação, o superávit primário é cada vez menor e a
tendência da dívida pública é de alta. Sinais claros disso: sobe a taxa de
juros, o real se desvaloriza mais que outras moedas.
Os aliados mais à
esquerda, digamos, sustentam que isso não tem nada demais e que o governo
deveria sair do armário e assumir que vai aumentar mesmo o gasto público e
derrubar os juros de qualquer jeito.
Os amigos mais à
direita, digamos, contam que há um desvio momentâneo, compreensível, que neste
momento o superávit primário pode mesmo ser menorzinho, mas daqui para a frente
— olhem lá, hein?! — é preciso dar uma segurada nos gastos e arrumar a
contabilidade.
Os críticos e
adversários sustentam que as bases macroeconômicas estão sendo destruídas, mas
não se entendem se é por vontade ou por incompetência.
Aí vêm a
presidente e o ministro Mantega e garantem: está tudo sob controle. Qual
controle? Certamente não é do tipo chinês.
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