O partido inorgânico da classe ociosa
Paulo Roberto de Almeida
Quem
não gostaria de ganhar dinheiro sem fazer força? De preferência com o dinheiro
vindo até você. Melhor ainda quando ele pinga sem impostos. Pois não
que é existem essas vacas leiteiras, com poucos riscos e sem grandes
investimentos iniciais? Basta ter saliva, um microfone e uma boa disposição
para aprender a Bíblia. Refiro-me ao grande negócio das empresas religiosas, ou
melhor, das igrejas comprometidas com a salvação de sua alma, contra modestos
10% da sua renda. Estou esperando o novo Lutero que vai despejar a sua fúria contra a venda de indulgências. Podia ser um procurador da República desconfiado com tanta devoção, mas a fé do povo brasileiro não deve permitir ataques contra obras de embromação religiosa. Enquanto esse Lutero não aparece, fico imaginando uma dissertação de mestrado sobre o espírito empresarial desses homens da fé, responsáveis, talvez, por algo como 5% do PIB brasileiro (minha estimação do volume de negócios é de cunho monetário-religioso).
Olhando
as belas construções arquitetônicas que brotam nas cidades brasileiras,
suplantando as modestas edificações da igreja romana, pergunto-me se o governo
não podia fazer PPPs, isto é, parcerias público-privadas, com alguns desses
empresários da fé, dando-lhes, por exemplo, a administração da Febem, de
presídios ou até mesmo de algumas universidades públicas, que parecem ter
entrado em decadência irremediável. Estou certo de que, em pouco tempo, eles
conseguiriam transformar esses poços sem fundo em lucrativos negócios.
Mas
existe um outro negócio quase tão bom, ou quiçá melhor, do que esse da
exploração da fé e da ingenuidade do bom povo do Brasil. Refiro-me à criação de
um partido político orgânico, dedicado à organização do povo em prol da
transformação fundamental do país e comprometido com a redistribuição da renda,
a começar pela dos particulares e a do próprio Estado. Aliás, o Estado não tem
renda própria, ele só redistribui o que recolhe nos bolsos dos contribuintes compulsórios,
que somos todos nós, e nos caixas oficiais das empresas que ainda sobrevivem no
Brasil.
Estou certo de que você já
ouviu falar do gigantesco empreendimento comercial que é esse do partido que
nos governa, com muito charme e dedicação. Não é que ele conseguiu montar um
esquema imbatível, inesgotável, de arrecadação (obrigatória e voluntária) de
recursos financeiros? Renda garantida: anualidades para os simples sócios,
mensalidades para os felizes detentores de cargos públicos, taxas para os nomeados
não por mérito próprio mas por deterem carteirinha de membros, contribuições
compulsórias para outros militantes da causa, enfim, um sistema complexo,
eficaz e implacável de extração de recursos que faria corar de inveja qualquer
empresário religioso ou capitalista digno desse nome. Até um negócio modesto,
que antes de chamava “lojinha”, agora virou “grife” e traz artigos de uma
marca que já deve estar registrada no INPI (se ainda não o fizeram, cuidado com
a pirataria, pois algum mega-empresário americano poderia ser tentado a se
apropriar da idéia, da simbologia e das cores).
O que eu não sei é se os
militantes podem invocar o sagrado princípio capitalista da “satisfação
garantida ou seu dinheiro de volta”, para reduzir o nível da extração (ou seria
de extorsão?), pois nos últimos tempos tenho ouvido muita reclamação contra a
continuidade das políticas da igreja, perdão, partido anterior, sem ao menos
aquela compensação de eucaristia política, que resultava na transubstanciação
do pão e do vinho, o que permitia um pouco de elevação espiritual. A salvação
já não parece mais estar ao alcance da mão e os últimos crentes são orientados
a ter um pouco mais de esperança na capacidade redentora dos velhos sacerdotes
do culto, hoje um pouco mais gordos e menos messiânicos do que apareciam num
passado ainda recente, de santas cruzadas contra o malvado dragão do
capitalismo internacional.
Mas o fato é que, apenas por
pertencer a essa agremiação quase religiosa, muita gente já está garantindo
bons rendimentos, sem demonstrar perícias particulares. Tem até o caso daquele
ex-sindicalista, amigo do presidente, que acumula duas vezes o salário do
próprio, apenas para dirigir um centro de aconselhamento espiritual de empresas.
Um sociólogo dissidente chamou-os de “nova classe”, ao que eu agregaria,
seguindo Veblen, “ociosa”, pois que até agora o desempenho demonstrado não
justificou os salários pagos. Mais um pouco e o partido deixa de ser
“orgânico”, como queria Gramsci, para ser apenas uma máquina inorgânica de
produzir dinheiro.
Mas, a pior situação deve ser
a daquele militante, detentor de mandato ou cargo público e que, além disso,
ainda é adepto de uma dessas igrejas empresariais: do dízimo obrigatório aos
vinte ou trinta por cento do salário político (também obrigatório), o infeliz crente pode
deixar quase a metade da sua renda para as arcas das duas confrarias. Amém!
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