Um pronunciamento alternativo sobre o novo salário mínimo
Sugestão: Paulo Roberto de Almeida
Se eu fosse o responsável supremo da Nação, eu teria feito o seguinte discurso depois do
anúncio do novo mínimo:
Brasileiras e brasileiros,
O governo acaba de anunciar os novos valores do salário mínimo e do
salário-família. Não pude, ainda desta vez, conceder os aumentos que considero justos e necessários e que tinha, sinceramente, a intenção de dar a
todos aqueles que dependem, de uma forma ou de outra, do valor do salário
mínimo.
E não pude fazê-lo, meus caros concidadãos e concidadãs, por uma razão
muito simples: o Estado brasileiro está quebrado. Pode parecer estranho eu
dizer um coisa dessas, sendo eu o responsável por pelo menos uma parte desse
Estado, mas esta é a verdade mais pura e cristalina que eu poderia trazer a vocês
neste começo de ano: o Estado brasileiro, apesar de coletar quase dois
quintos de tudo o que se produz neste país durante um ano, não tem condições de
enfrentar novos gastos, dado o nível de comprometimento já alcançado pelas
contas públicas, sobretudo no que se refere à previdência social.
Vocês sabem que os três níveis da federação brasileira arrecadam os mais
diversos tributos, taxas e contribuições das empresas e dos cidadãos em geral.
Todos reclamam, aliás, que o nível global de arrecadação está longe de
corresponder à qualidade dos serviços prestados pelos estados e municípios,
assim como pela própria União. Pois, bem, apesar disso tudo, os recursos
auferidos ainda não são suficientes para cobrirmos todas as despesas previstas
e, além disso, fazermos os investimentos que seriam necessários para melhorar a
vida dos brasileiros e brasileiras, de todas as idades e condições sociais,
especialmente os mais pobres.
Há uma imensa gama de serviços que não são prestados na devida forma ou
que simplesmente não são prestados em absoluto a muitos cidadãos, em especial
em cidades menores ou nas favelas, como segurança e justiça, por exemplo, ou
ainda vagas em número suficiente nas escolas e hospitais. Já não me refiro aos
investimentos ainda mais necessários, na simples manutenção de estradas ou
construção de novas obras de infraestrutura, necessárias ao desenvolvimento
sustentado do Brasil. Este é um fato meus caros brasileiros: o Estado deixou de
corresponder ao que dele se espera, deixou de atender às aspirações dos
brasileiros e converteu-se, ele mesmo, em fonte de problemas.
Como foi isso possível? A verdade, meus caros brasileiros, é que nós,
líderes políticos, fomos, durante muito tempo, irresponsáveis com o nosso
patrimônio. Não apenas gastamos mais do que seria recomendável, mas sobretudo
gastamos onde não é o mais adequado, nos meios do Estado, em lugar de gastar
com os fins do Estado, que são o bem-estar e a segurança das pessoas, o seguro
à velhice e os investimentos.
O fato é que o Estado tornou-se hoje um peso para a economia e para a
vida dos cidadãos. Esta é uma situação que compromete o nosso futuro e o
bem-estar dos nossos filhos e netos.
Por que isso ocorre? As razões são múltiplas, mas elas podem ser
resumidas em duas fórmulas: nós deixamos de fazer investimentos no plano
interno e estamos perdendo, contra nós mesmos, a corrida por maiores níveis de
produtividade humana, o que nos deixa para trás na competição internacional.
Isto não se deve a nenhuma conspiração do mundo contra o Brasil, a imposições
de firmas estrangeiras ou a problemas trazidos de fora, como o pagamento de
juros ou da dívida externa.
A verdade, meus caros concidadãos, é que nós, todos nós, mas em especial
nós líderes políticos, fomos irresponsáveis e permitimos que a inflação e o
protecionismo comercial fossem roubando todas as oportunidades que nos foram
dadas de construir um caminho de produtividade e de incorporação tecnológica.
Daí esses extremos de riqueza e de pobreza e os muitos bolsões de miséria ainda
remanescentes numa sociedade que, de outra forma, poderia ser muito rica e
desenvolvida.
O fato é que todos os nossos problemas foram e continuam a ser provocados
por nossos próprios atos e fatos: somos fabricantes da nossa própria miséria.
Consciente dessa realidade,
comprometo-me com vocês a trilhar, doravante, um caminho de trabalho e de
reordenamento das finanças públicas. Vamos dar início a um processo gradual de
redução da enorme carga fiscal representada pelo Estado: terá de ser feito ao
longo de vários anos, mas comprometo-me a começar a trabalhar em prol desta meta
desde já.
Comprometo-me também a parar de tentar encontrar
lá fora a culpa ou a solução de problemas que foram criados aqui dentro e que têm aqui
dentro sua única e exclusiva solução. Em uma palavra, vou parar de fazer discurso e tratar
da realidade. Esta é uma promessa. Podem me cobrar...
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