Um Editorial histórico.
O venerável jornal reacionário se colocando ao lado das FFAA que reagiam aos desmandos do presidente que se mostrava conivente com as quebras de hierarquia nas FFAA: primeiro em relação à greve dos sargentos da Aeronáutica, que em setembro de 1963 deixaram Brasília sem comunicações com o resto do país durante horas, senão dias; depois com a revolta dos marinheiros no início de 1964, que foram deixados impunes por decisão do próprio ministro da Marinha, o que revoltou o conjunto dos comandantes militares.
Mal o jornal sabia que, no momento em que seu editorial era publicado, tropas comandadas pelo impulsivo general Olympio Mourão Filho começavam a se deslocar de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro.
Era o início de um movimento que iria durar, sem que fosse possível prever, 21 anos.
Paulo Roberto de Almeida
O exército e os desmandos do presidente
Editorial do jornal "O Estado de São Paulo, edição de 31 de março de 1964
Após os primeiros momentos de extrema confusão provocados pela atitude insólita do sr. Presidente da República no caso da rebelião dos marinheiros nacionais, volta a calma aos espíritos e com ela parece a Nação não estar longe de considerar de certo modo benéficos os acontecimentos desenrolados na ex-capital da República na quinta e sexta-feira da Paixão.
Dos gestos com que vinha surpreendendo o País, e que se diria não encontrarem uma barreira nas Classes Armadas, passou S.Exª numa clara demonstração de que a força de que se julgava detentor era ilusória para uma posição em que vai muito além daquilo que parecia senão razoável pelo menos admissível.
Segundo a sua própria versão, S. Exª teria levado a sua campanha aos últimos extremos coagido pela necessidade de obter contra a oposição das correntes "retrógradas" da coletividade medidas que não visariam senão ao bem de todos e, particularmente, o das camadas que mais sofrem as conseqüências da hostilidade de certos meios e do atraso geral das estruturas sociais do País. E, beneficiando-se dessa possível interpretação de sua conduta, julgou-se em condições, diante do levante das guarnições dos nossos vasos de guerra, de ir ao extremo de solidarizar-se com o gravíssimo atentado à hierarquia militar.
Já da revolta verificada em Brasília, entre os sargentos das nossas forças aéreas, o princípio da autoridade militar havia sido profundamente atingido Através dessa intentona, os que têm por missão esclarecer a opinião pública sobre o que se vem passando desde a posse do sr. João Goulart até hoje não tiveram dificuldade em advertir a Nação de que o episódio ocorrido nada mais era do que o prenúncio de coisas muitíssimo mais graves. A maneira quase paternal com que as autoridades federais deliberaram tratar os revoltosos denunciava, só por si, a origem oficial daqueles lamentabilíssimos acontecimentos.
A grande maioria dos oficiais das forças do ar não se deixou iludir sobre o verdadeiro significado do golpe que então recebeu. Atingidos no seu pundonor profissional, puderam desde logo concluir que a Nação não se achava diante de um episódio fortuito, mas sim, no início de um processo em que os acontecimentos não tardariam a desdobrar-se com a agressividade proporcional à absoluta impunidade com que haviam saído do movimento subversivo os sargentos revoltosos.
Nessa altura, já brotava no seio das forças da terra o sentimento de que algo de extremamente grave vinha fermentando no mais íntimo da estrutura nacional. Mas o sentimento de disciplina, o respeito à hierarquia e a obediência ao preceito constitucional que faz do Presidente da República o chefe das Forças Armadas levaram o Exército a conter o sentimento de repulsa que, na quase totalidade das suas fileiras provocaram os desregramentos do ocupante do Palácio da Alvorada.
A tensão entre as forças terrestres era notória e não demonstrava nenhuma argúcia o observador político que não vislumbrasse a precariedade do poder que sobre elas supunha ainda possuir o caudilho. E foi dentro dessa atmosfera pesada e sombria que se verificaram os acontecimentos da Semana Santa. Não se poderá afirmar que tanto a Marinha como o Exército os julgassem tão próximos. Não se iludiam as duas corporações quanto ao que estava para se produzir, mas jamais poderiam supor que a crise alcançasse as proporções com que explodiu. Se a rebelião dos sargentos da Aeronáutica fora suficiente para anular praticamente a eficiência da Arma, a subversão da ordem na Marinha assumia as dimensões de um verdadeiro desastre nacional.
Foi, aliás, o que desde o primeiro instante compreendeu a única instituição militar que até agora não foi contaminada pela ação revolucionária daqueles que se propuseram destruir pela base as forças cuja missão consiste em defender a ordem e a integridade institucional do País. A atitude de incondicional solidariedade aos seus colegas de armas, assumida pelo Clube Militar, a altivez com que o almirantado fez ouvir a sua voz na defesa da corporação a que pertence, assim como, os entendimentos que sabemos estar em curso neste momento entre o alto comando das forças da terra e os que, nas diferentes regiões do País, chefiam o II, o III e o IV Exército, permitem-nos afirmar que cessou, de uma vez por todas, a liberdade de movimentos do sr. Presidente da República contra as instituições.
Bem analisadas as coisas, e vistas em profundidade, o chefe do Executivo sente-se, neste instante, em sérias dificuldades em face daqueles que até aqui não cessaram de dar mostras do seu respeito a Constituição, através do acatamento dado às ordens de S. Exª. A promessa que acaba de tornar pública o Sr.Presidente da República de voltar atrás do seu ato de insânia, mandando abrir inquérito sobre os acontecimentos, não deixa, apesar da sua capciosidade, dúvida alguma de que o Exército nacional disse um BASTA categórico e definitivo aos desmandos de S. Exª.
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