Africanos Aceitaram Perder a Liberdade de
Conduzir a sua História?
Minhas observações
Paulo
Roberto de Almeida
Hoje, 1o de Abril (mas não por isso), recebi uma
mensagem, dessas que são disparadas a número indeterminado de receptores, todos
eles, provavelmente, estudantes de “coisas” brasileiras, da parte de alguém que
se dispõe a subsidiar o conhecimento desses estudantes com elementos de
informação ou com material de estudo sobre o tema em pauta, que se resume, segundo
a linha do assunto da mensagem, nesta pergunta:
Não tenho certeza de que isso ocorreu, se ocorreu, alguma vez na
História – com H maiúsculo – mas tenho problemas com a questão, e com as
questões subsidiárias que se seguem, que transcrevo imediatamente
aqui:
On Apr 1, 2015, at
06:00, [Nome] <email@mail.com> wrote:
Bom dia, Paulo!
1) Você já parou
para pensar como foi o processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo
Colonialista dos países europeus?
2) Você sabe que
até a primeira metade do século XIX os africanos apresentaram aos europeus
apenas a "Casca" do seu continente?
3) Você já refletiu
sobre os motivos que levam nós Brasileiros a negar a África que Existe em cada
um nós?
Tenho não apenas problemas, mas objeções aos termos, aos conceitos e
aos enunciados dessas questões, objeto de meus comentários, enviados a
expedidor, e que transcrevo aqui.
Minhas observações sobre as questões:
Meu
caro [Nome],
1) Tenho
um problema com essa expressão: “Você já parou para pensar como foi o processo
que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos países europeus?”
Creio
que existe um problema maior nesta mensagem e no tipo de alegação que é feita
nela.
África,
simplesmente não existe para os “africanos”, uma multitude de povos diferentes
com culturas, línguas e histórias muito diferentes entre si.
Falar
de “processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos países
europeus” equivaleria a dizer que ocorreu um “processo que levou os europeus a
se tornarem colonialistas, exploradores, imperialistas, invasores de outros
povos e outros continentes, e instalarem a supremacia dos europeus sobre o
mundo”.
Existiu
tal coisa? É evidente que não.
Alguns
empreendimentos, de alguns soberanos ou aventureiros europeus, deram início ao
processo de descobertas de outras terras alcançadas pelos mares (Oceano
Atlântico, depois Índico), num episódio histórico que ficou identificado com as
grandes navegações, começando pelos portugueses, ainda no início do século 15 e
que se estende até o século 17, mais ou menos, quando todos os continentes
estavam mais ou menos mapeados, com base em empreendimentos “estatais” (ou de
soberanos), de aventureiros, comerciantes, etc., aqui incluindo espanhóis,
franceses, ingleses, e alguns outros.
Foi
um processo coordenado em escala europeia? É evidente que não. Cada um foi
tentar a sua sorte, geralmente com o objetivo de alcançar riquezas (ouro,
produtos raros e preciosos, conquista de novos territórios, propagação da fé
cristã, busca de prestígio, etc.).
Falar
de um “processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos
países europeus” equivaleria igualmente a dizer que ocorreu um “ processo que
levou povos nativos do Novo Mundo Aceitarem o Jugo Colonialista dos países
europeus”, o que tampouco é verdade.
Existiam
povos muito diferentes no hemisfério ocidental, que foram conquistados,
submetidos, eliminados, escravizados em épocas diferentes, por métodos
diferentes, por empreendedores, conquistadores, aventureiros, guerreiros muito
diferentes, atuando com motivações muito diversas.
Simplesmente
não havia povos africanos, nem povos do Novo Mundo, num conceito unificado,
pois isto não faz nenhum sentido, nem histórico, nem cultural, nem étnico,
nada.
Quanto
aos “povos europeus”, talvez o único elemento a identificá-los seria o
cristianismo, que se disseminou lentamente, paulatinamente, progressivamente, a
partir do final do Império Romano, quando a religião cristã se torna oficial no
Império. Mas foi um processo muito lento, que levou séculos. Alguns povos,
mesmo bárbaros, pós Império Romano, tiveram suas línguas latinizadas, ou
emergiram a partir de remanescentes linguísticos e literários do latim (que era
a língua franca e dos documentos escritos durante os séculos de completa
anarquia política nesse minúsculo território que é a Europa ocidental), e que
por isso mesmo acabaram se remetendo a uma fonte comum de autoridade política
que durante anos foi uma espécie de "ONU" da Idade Média: o poder
papal, e sua capacidade de emitir bulas sagrando tal e qual soberano como o
legítimo detentor da autoridade política sobre um determinado território. Foi
assim que nasceu o Portugal moderno, um dos primeiros Estados cristãos a
receber a bula confirmatória do chefe da Igreja em Roma.
Nada
disso existia na “África” – um conceito genérico, sem real significação política
ou mesmo cultural – ou nos territórios do hemisfério ocidental. No máximo,
alguns povos, no norte da África e no Sahel, penetrando em alguns pontos da
África subsaárica, ou negra, foram islamizados, à força, pelos invasores vindos
da península arábica ou de territórios já conquistados no norte da África, e se
tornaram "povos islâmicos", mas mesmo esse conceito é enganoso, pois
compreende uma grande diversidade de situações. Não podemos esquecer que tanto
no norte da África quanto no Oriente Médio, existiam tanto povos quanto chefes
de Igreja se reclamando da fé cristã, que foram conquistados pelos árabes
muçulmanos, depois reconquistados em algumas cruzadas, mas que depois vieram a
cair novamente sob o julgo muçulmano, e mais exatamente otomano, quando foi o
caso.
Ou
seja, falar de povos africanos não faz nenhum sentido, como não faz sentido o
politicamente correto de alguns beócios acusar a “invasão colonizadora” no Novo
Mundo como fonte de exploração e pilhagem, quando em vários continentes, em
várias épocas, esse foi o padrão civilizatório seguido invariavelmente ao longo
dos séculos: invasões de povos guerreiros, escravização ou eliminação, em todo
caso sujeição, dos povos “autóctones”, novas estruturas e novos aportes humanos
criando novas comunidades e sociedades. Tanto incas quanto astecas, por
exemplo, eram povos conquistadores, que se impuseram sobre tribos
pré-existentes em seus “impérios” respectivos. O mesmo ocorreu na África, onde
determinadas etnias submeteram outras etnias, reduzindo-as à escravidão (por
vezes até na própria etnia), e depois inserindo esse processo no tráfico
transatlântico, quando a ocasião se apresentou.
2) Esta
outra expressão, tampouco faz qualquer sentido: “até a primeira metade do
século XIX os africanos apresentaram aos europeus apenas a 'casca' do seu
continente”.
Não
faz sentido porque não foram “africanos” que apresentaram a “europeus” qualquer
coisa. Foram determinados chefes de tribo de determinados pontos da África que
apresentaram a alguns europeus – traficantes portugueses, espanhóis, franceses,
ingleses, americanos ou até brasileiros – escravos que eles “pegavam” no
interior, e traziam até a costa para vende-los aos mercadores escravistas
“europeus”, da mesma forma como mercadores árabes, ou de outros povos do
índico, pegavam nas costas da África oriental (Somália, Zanzibar, ou Tanganica,
no atual Moçambique), sua cota de escravos que iam trabalhar no Oriente Médio.
3) Por fim, também não concordo com esta
terceira expressão: “Você já refletiu sobre os motivos que levam nós
Brasileiros a negar a África que Existe em cada um nós?”
De
que brasileiros se está falando? Os descendentes de imigrantes europeus que
povoaram o Sul e Sudeste, levam alguma África dentro de si? Isso não faz nenhum
sentido. Algumas regiões do Brasil foram mais tocadas do que outras pela
escravidão de “africanos” e ficaram mais marcadas em seus traços culturais que
persistem até hoje. Esses traços não são “africanos”, a não ser numa acepção
extremamente larga, geograficamente, desse termo. Existiam povos bantus, ou
ovambos, ou xossas, ou de quaisquer outras etnias de origem que foram trazidos
de pontos diversos daquele continente para pontos diversos do Brasil:
eventualmente, em alguns lugares ocorreu uma agregação de determinadas etnias,
o que permitiu a sobrevivência de seus traços culturais de origem e até reflexos
disso na sociedade de “acolhimento”, como por exemplo na revolta dos malês da
Bahia, conduzidas por escravos islâmicos, ou islamizados, que não poderia ser
escravizados, segundo as prescrições da sociedade islâmica.
Na
maior parte dos casos, os diferentes povos, mais exatamente grupos de
indivíduos, ou pessoas isoladas foram imersas no novo ambiente e acabaram se
dissolvendo no mainstream cultural que emergiu no Brasil, com certas
“sobrevivências” das culturas de origem por afinidades naturais de origem,
costumes, línguas, etc. (inclusive porque a maior parte dos novos aportes
consistia de adultos dotados de toda uma carga cultural de origem).
Sinto
muito dizer, mas eu sempre gosto de refletir sobre a História, e não me deixo
levar pelo politicamente correto.
Recomendo,
a propósito, ler Jared Diamond: Armas,
Germes e Aço.
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Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 1o
de abril de 2015
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