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quarta-feira, 13 de julho de 2016

De onde vem meu anarquismo anti-estatal? (desculpem a redundancia) - Paulo Roberto de Almeida

Confesso que, mesmo quando eu era marxista, no século passado, no milênio anterior, eu nunca gostei muito do Estado, pois sempre fui um rebelde com causa, e o Estado é a coisa mais determinada que possa existir, sempre se metendo na nossa vida, dizendo o que podemos, e sobretudo o que não podemos fazer.
Assim, mesmo quando eu  queria expropriar a burguesia, nacionalizar os setores ditos estratégicos, e socializar a riqueza, eu nunca fui muito propenso a entregar tudo isso a burocratas. Talvez tenha sido a influência do Maurício Tragtenberg, meu professor de História no colegial (clássico), na segunda metade dos anos 1960, ele que era um judeu ateu, e um socialista anarquista, da tradição autogestionária (já escrevi sobre ele, e vou recuperar esse texto sobre "A Educação de Maurício Tragtenberg").
Mas, no texto abaixo, que recupero nesta hora da saudade (de 2004), está minha primeira reflexão sistemática (e utópica) sobre o Fim do Estado e a adesão a uma tresloucada coisa que eu chamei de "governança global" (como se pode ser ingênuo, não é mesmo?).
Mas, sem mais delongas, vamos ver o que eu escrevia sobre isso doze anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de julho de 2016


Contra a soberania estatal: uma proposta para acabar com Vestfália

Paulo Roberto de Almeida
Simpósio trilateral da Fundação Konrad Adenauer sobre
Política Social Internacional
(Rio de Janeiro, 27 e 28 de Maio de 2004;
Pestana Rio Atlântica Hotel – Av. Atlantica, 2964 - Copacabana – RJ)

(Notas para desenvolvimento oral, e ulteriormente texto escrito)

            Respondo sumariamente à seguinte questão que me foi colocada pelos organizadores:
“Que reformas no sistema internacional são desejáveis e possíveis a fim de se alcançar justiça social internacional?”
            Sendo telegráfico, eu diria apenas o seguinte:
O sistema de relações internacionais precisaria caminhar para a construção de uma arquitetura política e econômica que possa se basear na governança global e na democracia preventiva.
            Dito assim, parece fácil, mas o que estamos propondo resultaria, a termo, na própria extinção, eliminação ou redução substancial do sistema de Vestfália, ou seja, o da soberania absoluta dos estados nacionais.
            Talvez seja totalmente utópico, irrealista e impossível de ser implementada uma tal revolução no sistema de relações internacionais, mas acredito, sinceramente, que o direito internacional se encaminha, ainda que a passos muito lentos, nessa direção.
            Recordemos, antes de mais nada, que também Kant aspirava a uma utopia desse tipo, a paz perpétua, que para ele deveria ser baseada numa espécie de monarquia universal, o que significaria, em nossos tempos, regimes constitucionais e democráticos. Ora, o avanço do sistema multilateral, consubstanciado na ONU e na OMC, representa, de certa forma, um esboço dessa futura arquitetura política na qual os conflitos tendem a ser marginais e decrescentes.
            Se partilharmos da opinião, bastante sensata, de que regimes plenamente democráticos não conduzem guerras ofensivas e que respeitam os direitos básicos de seus cidadãos e os de todos os demais, então podemos afirmar que a democracia é um requisito essencial de todo e qualquer regime aspirando à justiça e à paz internacionais.
            Ora, sendo as ditaduras o resultado de processos políticos internos aos países e que estes são normalmente constituídos e reconhecidos segundo o modelo de Vestfália, então poderemos concluir, pela lógica formal, que a realização da democracia pode requerer, em certos casos, a abrogação gradual do sistema de Vestfália para que o ideal democrático possa ser realizado. Estou simplificando, obviamente, e nem acredito que a democracia possa ser implantada desde fora, mas creio, fundamentalmente, em valores universais que são os representados pelo Iluminismo europeu, multilateralizados na prática desde a Revolução francesa e o moderno sistema onusiano (com suas conhecidas limitações soberanistas, justamente). Desse ponto de vista, recuso o relativismo histórico e a relatividade culturalista: valores universais são valores universais, e o primado do indivíduo deve passar antes dos interesses dos Estados.
            Por isso, acredito que o próximo passo na elaboração conceitual do direito internacional esteja indicado pelo itinerário da afirmação dos direitos individuais contra os direitos do Estado e contra a razão de Estado. Não é fácil admitir este princípio, pois se teme o unilateralismo, a arrogância imperial e os abusos derivados dos interesses dos mais fortes, mas creio que o multilateralismo político já avançou ao ponto de poder limitar o poder da força e tentar afirmar, doravante, a força do direito.
            Contrariamente aos que acreditam que a intervenção americana no Iraque representou uma crise da ONU e de seu CS, creio que ela representa, ao contrário, uma reafirmação de certos princípios básicos que estarão sendo novamente defendidos pela maioria dos países membros.

            Isto, do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos. Do ponto de vista da afirmação das aspirações dos povos a maior bem-estar, a maior justiça, pela garantia de condições mínimas de uma existência digna, creio igualmente que o caminho para essa prosperidade ampliada dos países e pessoas mais pobres ou mesmo miseráveis (que são justamente os suscetíveis de abrigarem regimes despóticos e autoritários) passa pela ampliação irrefreável da globalização, o fator mais poderoso, nos dias que correm, para a ampliação das franquias e a criação de riquezas.
            Uma globalização ampliada constitui o mais poderoso fator de convergência entre os povos, ainda que alguns acreditem que ela produz desemprego, concentração ou até mesmo miséria. Os dados disponíveis até aqui são todos inquestionavelmente em favor da globalização. O nacionalismo econômico costuma ir de par com regimes fechados, cartelizados, protecionistas, enfim, restritivos das escolhas individuais e portanto das liberdades humanas, entre elas a liberdade econômica de trabalhar e de acumular.
            Trabalhei sobre alguns dos estudos de economistas, entre eles Sala-i-Martin e Surjit Bhalla, que confirmam os efeitos inegavelmente positivos da globalização na melhoria da condição dos mais pobres.
            Dois requerimentos se impõem para ampliar a globalização: eliminar o absurdo protecionismo comercial e o subvencionismo pornográfico dos países ricos nas áreas da economia agrícola e da produção industrial labour-intensive, e reduzir o absurdo nacionalismo econômico dos países mais pobres, que só traz prejuízos aos seus povos, em benefício exclusivo de suas elites. Alguns ainda crêem que soberania econômica e capitalismo nacional são sinônimos de dignidade e bem estar, quando estes princípios, na verdade, estão associados a baixos níveis de produtividade e de desempenho econômico.
            Por isso, não hesito em afirmar: abaixo Vestfália, abaixo o soberanismo político e o nacionalismo econômico, ambos restritivos e tendencialmente autoritários. Viva a abertura, a universalização dos direitos individuais, a globalização e o internacionalismo.
            O sentido da história é este: poderá demorar um certo tempo, mas o caminho é este.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de maio de 2004

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