Uma trilogia do lulopetismo: a Grande Farsa, A Grande Ilusão, A Grande Mentira
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CONVIDADOS ESPECIAIS
Uma trilogia do lulopetismo: a grande mentira
Por Terracoeconomicojul 04, 2016Sem comentários
“O mais importante é inventar o Brasil que nós queremos.”
Darcy Ribeiro
“Brasil, o País do Futuro”
Título do mais conhecido livro de Stefan Zweig
Advertência: calma, muita calma leitor anti-petista ferrenho, pois neste terceiro de três artigos não defenderei que tudo o que os governos Lula I e II e o governo Dilma I e mezzo 2 fizeram foi inútil, mentira, errado. Na verdade, quase tudo, mas não a totalidade das ações e políticas de governo.
A Grande Mentira. Qual foi a cartada de mestre (Ace in the Hole) dada pelo governo petista em 2014? Qual foi sua grande mentira? Por que ela foi usada? Este é o último de três artigos que tentam desvendar a farsa, a ilusão e a mentira implícitas dos governos petistas. Mas, não, não foram as pedaladas em si somente o enredo da Grande Mentira: há algo mais sutil, como veremos.
Billy Wilder (1906–2002) foi um dos mais importantes cineastas que migraram para os EUA e sem dúvida um dos que mais cinicamente criticaram os valores hegemônicos americanos no pós guerra. Podemos atestar isso pelos roteiros e estórias que escolhia, pela forma de dirigir, pelo humor ácido em The Apartment (Mundo do Trabalho), por exemplo ou pela degradação produzida da fama e vaidade em seu próprio meio Sunset Blvd.
Qual seria seu melhor filme? Difícil sempre é responder este tipo de questão. Qual é o melhor Kubrick? O melhor Allen? O melhor Coppolla (este talvez seja mais fácil, The Godfather II, mas quem esqueceria The Conversation?). Dependendo do momento, dependendo do gênero, nossa hierarquia se altera. No caso de BW, quando pendo na crise moral engendrada pelo governo Dilma, vêm-me à mente como o melhor Ace in the Role.
O repórter fracassado, caçador de notícias sensacionalistas, depois de sua última demissão (por mais do que justa causa) Charles Tatum (Kirk Douglas) vai parar em Albuquerque, Novo México. Na procura por trabalho, consegue um no jornal da cidade. Com o passar do tempo e sem nada de relevante para cobrir — Albuquerque nos anos 50 do século passado não era bem LA — vê-se, por ordem do chefe, na obrigação nada desafiadora de fazer uma reportagem sobre uma corrida de cascavéis no interior.
No caminho para o local do certame reptiliano, ele e o fotógrafo que o acompanha fazem uma parada corriqueira num posto de gasolina e descobrem que um cidadão local, Leo Minosa, estava preso em uma mina. Tatum, enfim, está diante de uma potencial matéria de destaque, quiçá não somente regional, mas de âmbito nacional. Ele constrói várias mentiras — não serei spoiler — para fazer a matéria render. Mas, a pior estava baseada no atraso deliberado do resgaste do infeliz, já que havia descoberto uma forma de tirá-lo de lá rapidamente, mas ele a oculta de todos. Quanto mais durasse a notícia, mais dramática ficava a situação, mais matérias ele poderia escrever, maior seria sua notoriedade e, quem sabe, conseguiria emprego num grande jornal, talvez na Califórnia. Ademais, passaria ainda a imagem de amigo de última hora da vitima e de seu salvador. O que acontece ao final? Não serei spoiler II, mas acho que dá para inferir…..
As mentiras de Dilma foram trágicas e moralmente condenáveis como as atitudes de Tatum. Em 2013 e principalmente em 2014, já havia evidências de que algo de podre estava a ocorrer na condução da política fiscal. A bem da verdade, na monetária também. Contudo, vários economistas alentavam para este fato e o surgimento da contabilidade criativa. A proximidade entre Arno Agostin e Dilma não era segredo. Vamos lembrar que Barbosa sai do governo por não aceitar a política fiscal implementada.
Os resultados de tudo isso todos conhecem, ocioso perder tempo aqui com eles. Mas é bom lembrar como se deu a construção de uma narrativa da mentira, principalmente logo após a Copa de 2014, quando enfim a campanha eleitoral ganha fôlego. Lembremos que o discurso da Presidente e de sua campanha era de que a economia estava em ordem e que os outros candidatos vinham com discursos catastrofistas, de complexo de vira lata.
Com a ajuda de seu marqueteiro, as peças publicitárias usadas contra a oposição, notadamente contra Marina Silva, passaram do limite do aceitável em termos de mentira e construção de discurso meramente obscurantista. Vamos lembrar dois filmes importantes dessa campanha, que cá entre nós, contribuiu para rachar de vez o país num maniqueísmo torpe de coxinhas e petralhas. A primeira peça de propaganda que faria Goebels levantar do túmulo e aplaudir é aquela sobre a independência do Banco Central. Parem um pouco de ler este artigo e o vejam, agora com um certo distanciamento temporal e emocional. O vídeo é violento, desinforma sobre algo importante em termos de educação econômica e chega a ser leviano. Mas é eficaz para a construção de uma narrativa da mentira.
Considerem outro vídeo, sobre “se Dilma não for eleita vocês voltarão de onde vieram, da classe pobre”. A estória contada é voltada exatamente para os milhões de brasileiros que ascenderam à chamada classe C. Se qualquer outro candidato ganhasse, haveria a perda de todas as conquistas. Claro, campanha é campanha, mas há limites — ou deveriam haver. Os eleitores de Dilma descobririam que as perdas viriam com Dilma mesmo. Boa parte delas e deles não entende a razão — como em qualquer democracia de massas, assim as coisas se dão.
O mais interessante é ver alguns petistas e simpatizantes — isso também foi dito por ex-ministro — que, agora, com a baixa popularidade de Dilma, atesta-se que “os pobres” são ingratos, que deveriam saber que foi o lulopetismo que os colocou numa melhor situação. Isso é mentira.
Vamos lá, desconstrução de uma narrativa mentirosa.
Lula foi essencial para o Brasil, assim como o PT o é, não era. Os governos de Lula colocaram o combate à desigualdade extrema e à pobreza na agenda das políticas de Estado. Nossas elites são extremamente conservadoras e o discurso hipócrita da meritocracia sempre foi a regra quando do debate sobre pobreza e desigualdade. Sabemos que meritocracia é um valor em si — ou deve sê-lo — quando falamos de diferenças de riqueza e renda entre iguais, ou mais ou menos iguais. Do contrário, tal discurso é insensato. “Sem igualdade de oportunidades, falar de meritocracia é piada”, diria Ricardo Paes de Barros recentemente ao Valor.
Parte da divisão que há hoje no Brasil entre coxinhas e petralhas existe também devido à resistência dos endinheirados — muitos nem tanto — a aceitar que os mais pobres que haviam ascendido tivessem o direito de “participar da festa”. A economia política do desenvolvimento indica-nos que mentalidades custam a mudar, mesmo quando as condições objetivas de produção já mudaram. Mas parte dessa confusão foi, repito, explorada como tática de propaganda no nível de “Protocolos dos Sábios do Sião” pelo agora encarcerado João Santana, reforçando maniqueísmos e mentiras que, como salientei em parte nos dois artigos que antecedem a este, duram pouco. A verdade se impõe.
A queda na desigualdade e na pobreza é obra de FHC I e II e de Lula I e II, mas também de fatores exógenos. Vamos lá: quais seriam as causas da melhoria dos indicadores sociais, principalmente Gini e pobreza? Até onde sabemos, pois isto é objeto de estudo de muitos economistas hoje em dia, seriam:
- O controle da inflação feito pelo Plano Real, bem como o relativo, parcial, saneamento das contas públicas, diminuiu sensivelmente o imposto inflacionário que atingia os mais pobres e permitiu ao Estado ter condições de implementar políticas públicas sociais, a começar pelas mandatórias, estabelecidas na Constituição de 1988, aliás não assinada pelo PT;
- Por falar na “Cidadã”, a necessidade legal de sua implementação de facto, não apenas de jure, impôs aos governos FHC a necessidade de aumentar o gasto social;
- A transição demográfica que ocorre em função da urbanização acelerada do Brasil, entre os anos 50 e 80 e a inflexão na taxa de crescimento populacional e na fertilidade vão surtir resultado na primeira década do Século XXI, com uma mudança estrutural no mercado de trabalho;
- O crescimento promovido por Lula I — que não foi somente “efeito China”, mas também de reformas microeconômicas liberais implementadas durante o governo — puxou tanto o emprego como a renda do salário dos mais pobres, lembrando que houve formalização do trabalho e aumentos do salário mínimo (inconsistentes agora, mas ocorreram);
- A partir da segunda década deste século começam a aparecer os frutos do Bolsa Família (que não é uma política de redistribuição de renda numa mesma geração, mas intergeracional), com mão-de-obra jovem mais qualificada, o que, com crescimento, eleva o salário dos mais pobres mais do que os dos mais ricos.
Há ainda muito o que se estudar — e até se questionar sobre o acima afirmado — mas não foi o simples fato de Lula entrar que o Brasil melhorou em termos de desigualdade e pobreza. Existem lagsde causalidade. Causação é um conceito científico para lá de importante e por isso o ensino de ciências — cabe aqui breve comentário — é tão importante para o desenvolvimento do raciocínio crítico. Se qualquer um pegar tabelas de Gini e pobreza verá que a partir de 2003 tudo começa a mudar, para melhor. Pois é, mas existem causas, principalmente quando trabalhamos com tempo e fenômenos complexos como o social (isso vale para os meteorológicos também, por sinal), espalhadas pelos anos, pelo passado. Seus efeitos demoram para aparecer.
A Grande Mentira não foi somente a enganação deliberadamente colocada na campanha eleitoral de 2014, estelionato. Ela se baseia na construção de uma narrativa falsa. Repito, o mérito dessa esquerda meio estranha, que dá dinheiro do trabalhador para eikes batistas, foi realmente colocar a pobreza e a desigualdade como problemas a serem atacados. Mas, afirmar que foram as políticas do lulopetismo, somente elas, responsáveis por isso, é má fé ou ignorância econômica ou, como sempre digo, um pouco de cada uma.
Não vou rediscutir aqui algo que o eleitor já deve estar cansado de saber. A Grande Mentira se baseou também nas pedaladas, na contabilidade criativa, na destruição sistemática da ordem fiscal e monetária conquistada a duras penas. Para mim isto é chover no molhado. Neste artigo, contudo, desejei apenas finalizar a trilogia dando destaque a uma mentira, nem sempre revelada como tal.
Mas devo reconhecer que a “Nova Matriz Macroeconômica” não foi fruto da desonestidade, mas da ignorância econômica mesmo. O que preocupa é ainda uma certa esquerda, petista e do PSOL, ignorante em termos de economia. Melhor dizendo, a falta de conhecimentos básicos de economia por parte dos intelectuais orgânicos do PT e PSOL — e a racionalização que fazem sobre os fracassos com os apelos a teorias conspiratórias e a devoção a uma crença voluntarista — são entraves não somente para o sucesso eleitoral desses partidos, mas também para a construção de um debate mais honesto e informado sobre políticas econômicas e sociais. Neste sentido, recomendo fortemente a leitura de artigo recente na Folha de São Paulosobre economia e a esquerda daquele que hoje considero o principal intelectual à esquerda no Brasil, Celso Rocha de Barros.
Antes de acabar, um breve comentário. O que queremos ser? Creio que a maioria dos brasileiros quer crescimento, estabilidade monetária e combate às desigualdades e pobreza. Este foi o sinal dado pela reeleição de Lula e pela eleição daquela que nem vereadora foi, Dilma Rousseff. Creio que desejamos mais. Precisamos buscar nosso sonho. Em geral brasileiros oscilam entre a utopia e a distopia, ambas irracionais. O Brasil é ainda half full, half empty, mas o momento pelo qual passamos nos coloca do lado “meio cheio”, ao contrário do que a leitura comum que se faz do país hoje coloca (leitura distópica).
Millôr Fernandes escreveu, “Brasil, o país do faturo”, Paulo Francis, “Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso”, Raymundo Faoro, “Acho que a história do Brasil é um romance sem heróis”, Stanislaw Ponte Preta, “A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”, Millôr, mais uma vez, “O Brasil é realmente muito amplo e luxuoso. O serviço é que é péssimo”, Roberto Campos, “O Brasil é um país que não perde uma boa oportunidade de perder uma boa oportunidade”, Barão de Itararé, Aparício Torelli, “O Brasil é feito por nós. Só falta agora, desatar os nós”.
Há algo de verdadeiro sobre nós nestas frases? Sim e não. Há algo que o dinamismo econômico, social e informacional do país passa a não tolerar, talvez muito do que subliminarmente acima está colocado. Nossa mania nacional é tentar prever o passado, como seríamos se não o fossemos. Creio ser mais sensato desenhar o futuro, a partir do que somos.
Nota: recomendo aqui a leitura, com apresentação de Caetano Veloso, de Trópicos Utópicos, de Eduardo Giannetti da Fonseca, lançado dia 27 de junho, pela Cia das Letras. Vale!
MARCOS FERNANDES G DA SILVA, pesquisado associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia, ética e governo (FGV/EAESP e Escola de Direito de São Paulo da FGV) e economista da Fundação Getulio Vargas marcos.fernandes@fgv.br
Uma trilogia do lulopetismo: a grande ilusão
Por Terracoeconomicojun 23, 2016Sem comentários
“Há máquinas de felicidade dispendiosas, que funcionam com enorme desperdício, e há outras económicas, que, com as migalhas da sorte, criam alegria para uma existência inteira.”
Joaquim Nabuco
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“A justiça pode irritar-se porque é precária. A verdade não se impacienta, porque é eterna. “
Ruy Barbosa
Advertência: calma, muita calma leitor anti-petista ferrenho, pois neste segundo de três artigos não defenderei que tudo o que os governos Lula I e II e o governo Dilma I e mezzo 2 fizeram foi inútil, mentira, errado. Na verdade, quase tudo, mas não a totalidade das ações e políticas de governo.
A Grande Ilusão. A Grande Ilusão (1949) talvez seja um dos mais subestimados filmes americanos do imediato pós-guerra, mas se trata de obra fundamental. Não somente pela reflexão nua e crua que faz da evolução da vida de um político idealista que se transforma num pulha corrupto, mas como uma obra de arte em si.
All the King’s Men, título original, assim como sua tradução no Brasil, não reflete bem o conteúdo do filme. Em outros países e idiomas, ele ficou melhor, tal são os casos de Portugal (A corrupção do poder), França (Les fous du roi), Espanha (El Político) e Argentina, México e Chile (Decepción).
A estória é simples, mas a forma como é narrada, dramática. Um advogado Willie Stark (Broderick Crawford), a princípio sem intenções políticas — ou aparentemente — dedica-se à defesa dos direitos em geral de minorias e grupos mais pobres da comunidade. Tal atuação dá-lhe fama e prestígio, de defensor dos direitos civis e contra os poderosos. Sua reputação passa a ser — e o era — de cidadão honesto, trabalhador, low profile e defensor desinteressado dos mais fracos.
Stark conquista a simpatia de boa parte do eleitorado e das massas em geral, em boa parte devido ao seu trabalho, mas também por sua forma simples, meio red neck caipira, um tanto populista também. Entretanto, com o passar do tempo, o advogado popular coloca para si outro objetivo: a carreira política. Stark torna-se muito poderoso e, dramaticamente, vê-se abraçado pelo abuso de poder e corrupção.
Na verdade, o filme, pelos títulos atribuídos nos países acima, poderia ter um subtítulo: o desapontamento com relação a um político corroído pela corrupção e pelo poder. Essa é a estória, em parte, da grande ilusão pela qual passamos aqui no Brasil, entre 2003 e 2013. O governo Lula começa com uma farsa, a de atribuir o problema do Brasil a uma suposta herança maldita de FHC e que não havia programas e gastos sociais antes de Lula. Do lado criminal, a farsa tem manchas de sangue: o assassinato de Celso Daniel, a sina, a marca da maldade genética do lulopetismo.
A política econômica de FHC foi a melhor possível, dentro das restrições externas — Lula nunca pegou uma sequência de crises como FHC. De fato, a reação contra a grande crise de 2008 foi correta, mas somente foi possível devido à existência das políticas macroprudenciais praticadas por FHC e herdadas pelo governo Lula, dado o pragmatismo dele e Palocci, e a escolha de uma equipe econômica — e um ministério nas áreas-chave — de elevada qualidade.
Vamos lembrar um pouco o que acontece logo que Lula começa a montar sua equipe, uma vez vencidas as eleições. Para os mais jovens, aqui vai uma estória sobre a arrogância dos economistas campineiros e da Federal do Rio de Janeiro (não todos, mas a dos grupos hegemônicos nestas academias). Contei parte deste enredo no artigo passado (A Grande Farsa); agora agrego detalhes sobre as sórdidas negociações de bastidores.
Um passo atrás, contudo. Quando Ciro Gomes sai do páreo, no primeiro turno das eleições de 2002, ficam Lula e Serra. A agenda econômica de Ciro foi elaborada por economistas qualificados. Ainda no primeiro turno, José Alexandre Scheinkman aceitou convite de Ciro Gomes para elaborar uma agenda econômica e social para o Brasil. Scheinkman lecionava em Princeton na época e não queria se dedicar integralmente. Como conhecia Marcos Lisboa, na época professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV), pediu para ele o ajudar na tarefa.
Palocci, pragmático e racional, diante da reação negativa ao “programa” de Lula e a todas esquesitices e anacronismos alardeados por anos sobre dívida externa, pública e política econômica, literalmente pega a agenda de Ciro e com ela, Marcos Lisboa e outros colegas.
A Carta ao Povo Brasileiro, de PT-Lula, cuja função era pacificar os mercados e boa parte da Nação, já tem em si mesma os princípios de política econômica que seriam implementados, de fato, no início do governo Lula. Nesse interim, contudo, Maria da Conceição Tavares, reconhecidamente leve e educada ao falar, ataca Marcos Lisboa e toda a equipe ao redor. Baseado na agenda, Palocci anuncia logo ao início de 2003 o documento “Política Econômica e Reformas Estruturais” e Conceição (representando o “pensamento” da UFRJ e satélites) chama Marcos de débil mental (sic), com sua habitual delicadeza e educação, vocacionada para a humildade. Bem, eu já fui vítima de MCT, conto isso num artigo do JOTA, quando em 1988, em pleno Instituto de Estudos Avançados da USP tomei uma “microfonia” (microfonada: ser atingido por um microfone deliberadamente atirado por alguém de forma intencional). Por fora, a UNICAMP, Instituto de Economia, atacava por outro flanco, tentando emplacar Ricardo Carneiro.
Graças a Deus prevaleceu a sabedoria política de Palocci e Lula. As políticas, micro e macroeconômica, estavam bem guardadas e foram aperfeiçoadas, se comparadas ao período FHC. Na área social, contudo, José Graziano da Silva e equipe de petistas patinava na política social prioritária, o Fome Zero. Como prenúncio da Grande Mentira que viria mais tarde com o discurso da crise de 2015, que é de 2014 em diante, na verdade, e da narrativa “Num vaiê tê Golpi”, os petistas “esqueceram” que quem salva a política social de Lula e carro chefe do lulopetismo, o Bolsa Família, é Ricardo Paes de Barros, com o aval do desprezado e imperialista Banco Mundial.
O programa foi dado de presente a Lula e Ricardo Paes de Barros vai aperfeiçoar, com Marcos, os programas herdados de FHC, unificando-os, reduzindo assim custos de transação (gestão) e focalizando o gasto social, que é, no caso do Bolsa Família, condicionado a incentivos, para evitar os tortos e maximizar o objetivo do programa: alimentação e educação.
Qual foi a reação da esquerda, na época inclusive com políticos que viriam depois a formar o PSOL? “Política social neoliberal” foi a qualificação mais polida. Mais uma vez, a economista líder, o farol da sabedoria do petismo e do esquerdismo pateta nacional, Maria da Conceição Tavares afirma: “A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos os países e deu uma cagada”. Cagada, e de proporções inimagináveis, dá em tudo em que o lulopetismo, sem a prudência econômica, toca, como viríamos mais tarde, com a Grande Mentira (objeto do derradeiro artigo desta sequência). Necessitamos de pesquisas em coprologia avançada para decifrar todo este pensamento econômico.
Logo, a política econômica não foi petista, nem a social. Mas, claro, o mérito de Lula, não dos petistas, foi colocar o combate à fome — lembrem-se sempre de Betinho, “o irmão do Henfil” — e a luta por justiça econômica e social (direitos civis para minorias) na agenda. E isso não é pouca coisa num país ainda com uma elite econômica reacionária, em muitos casos, que acha que Bolsa Família é mero “dar o peixe e não ensinar a pescar” e que “nordestino e pobre não sabem votar”. Afinal, o primeiro Presidente que veio mesmo a representar todos nós — e fincado na maioria da população, foi Lula. Pena ter se traído e produzir uma profunda decepção.
Logo, embora seja mentira dizer que “nunca antes na história deste país” investiu-se no social, pois ogasto social cresce mais exatamente em FHC, pode-se afirmar que Lula tem o mérito inquestionável de colocar na agenda, como política de Estado, combater as desigualdades e pobreza. Sim, é mentira com todas as letras afirmar que não houve gasto social durante FHC I e II, mesmo pois isto seria impossível, pois a constituição começou a ser implementada. Vamos lembrar que nunca se assentou tanto como em FHC.
Em termos de taxas — nunca esqueça de logaritmo e de derivadas — é claro que cresceu muito o gasto social em FHC, dado que saímos de um patamar muito baixo.
Mas se pegarmos os dados sobre desigualdade e pobreza observamos que elas caem a partir de 2003. Isso quer dizer que o índice de Gini viu que Lula assumiu o poder e falou para si mesmo “ops! É hora de cair”? Não, a queda na pobreza, que é uma coisa, e da desigualdade, que é outra, têm várias razões, algumas fortuitas (em termos, veremos), outro resultado de política econômica racional e responsável e, em parte, políticas sociais do governo Lula, basicamente neoliberais, como eles, petistas e psolistas, gostam de dizer.
Mas, como esta parte da estória tem relação com a Grande Mentira, isso ficará para nosso próximo artigo. Veremos a cartada de mestre (Ace in the Hole) do lulopetismo e do dilmismo, sua versão degenerada, temperada pela marca da maldade da corrupção e do crime de responsabilidade que, com justiça, custaria colocar a cabeça de Dilma a prêmio.
A balada de políticos corroídos pela corrupção e pelo poder ou a balada de Lula Stark Dirceu da Silva.
MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, pesquisado associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia, ética e governo (FGV/EAESP e Escola de Direito de São Paulo da FGV) e economista da Fundação Getulio Vargas marcos.fernandes@fgv.br
Uma trilogia do lulopetismo: A Grande Farsa
Por Terracoeconomicojun 17, 20162Comentários
Convidados Especiais | Marcos Fernandes G. da Silva*
Advertência: calma, muita calma leitor anti-petista ferrenho: nestes três artigos não defenderei que tudo o que os governos Lula I e II e o governo Dilma I e mezzo 2 fizeram foi inútil, mentira, errado. Na verdade, quase tudo, mas não a totalidade das ações e políticas de governo.
A Grande Farsa. The Third Man é um dos filmes mais brilhantes de todos os tempos e com uma apresentação e trilha sonora comparáveis somente às de The Touch of Evil, estrelado e dirigido por Orson Wells (a atuação do elenco é matadora, Charlton Heston — excelente, por incrível que pareça — Janet Leigh, Marlene Dietrich).
Baseado no livro homônimo de Graham Greene e com um elenco de tirar o fôlego (Orson Welles, Joseph Cotten, Alida Valli, Trevor Howard) e com a direção de Carol Reed, The Third Man narra a estória de um anti-herói, um escritor medíocre, Holly Martins, que vai para a Viena destruída bem ao final da Segunda Grande Guerra encontrar um amigo e descobre que ele, Harry, morreu. Holly decide investigar o caso e começa a desconfiar das explicações dos conhecidos de Harry para sua morte. Não vou ser spoiler, mas na medida em que vai descobrindo a verdade — e se apaixonando por Ann, namorada do falecido amigo — caminha para sua própria desgraça, encarando sua profunda e inexorável mediocridade.
A estória de Greene, como de hábito, é uma grande farsa. Voltaremos, contudo, ao outro filme aqui citado, mas no último artigo desta trilogia (A Grande Mentira). A natureza de uma farsa se baseia numa mentira que, contada ad nauseiam, transforma-se em verdade. Vejam o filme.
Mas o nosso aqui não foi belo, nem teve boa trilha sonora. O governo Lula começa com uma grande farsa e, ironicamente, parecido com The Third Man, com conteúdo de film noir, dado pelo assassinato misterioso do colega de FGV e da USP, Celso Daniel. Vendo o passado com os óculos do presente, aquilo bem que foi um aviso. Roteiro feito.
O lulopetismo baseou-se em três argumentos que ajudaram a montar a grande farsa, a grande ilusão e a grande mentira:
- Havia uma herança maldita de FHC herdada por Lula;
- Toda a política econômica de FHC era errada.
- Nunca antes na história deste país investiu-se no social;
Vamos desmontá-los um a um, mas neste primeiro artigo ficamos apenas no primeiro. Qualquer um que lesse o programa econômico do PT sairia correndo aos berros pelas ruas da cidade. Aquela gororoba pregava tudo de errado em termos de política econômica, de calotes a controles de mercados. Naquele contexto, com Lula, antes do primeiro turno, crescendo, com ele indo ao segundo turno e diante dos sinais de que o candidato Serra não decolava, os mercados reagiram. Reagiram colocando “o dólar a 4”.
Entre o segundo turno e as eleições fica claro que Lula deve firmar um compromisso, racional, crível e razoável em termos de política econômica. Ciro Gomes não passa para o segundo turno e, em boa parte, sua agenda econômica, a chamada “agenda perdida”, cai nas mãos do PT. O realismo político de Lula levou-o, corretamente, a abraçar as propostas e fazer a Carta aos Brasileiros. Nunca confiou, com razão, em seus economistas com papo groselha, Guido e Mercadante: ambos, Mercadante com mais “profundidade argumentativa”, orientaram Lula a criticar o Plano Real e a falar na eleição que levaria FHC para seu primeiro mandato que o plano fracassaria. Lula não engoliu nem engole mais os dois. Lula é inteligente e racional.
Mas a grande farsa começa com uma estória, essa sim, digna de John Le Carré. Matias Spektor, professor e pesquisador de relações internacionais da FGV, narra, em seu brilhante e essencial livro,18 Dias, como FHC não somente ajudou Lula — que sempre foi mal criado, ingrato, arrogante e soberbo (erro) — mas efetivamente avalizou-o e o PT diante dos mercados e dos republicanos americanos. Notem que os republicanos, naquele momento, eram linha dura, apoiaram um fracassado golpe de estado na Venezuela contra Chaves e Wall Street iria quebrar o Brasil: Soros foi explícito ao afirmar que nos detonaria, simples assim.
O título completo é 18 dias: quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de George W. Bushe nele Matias nos narra, com tons de romance de diplomacia e intrigas, como Lula e FHC uniram-se em 2002 para apagar um incêndio de enormes proporções, talvez a mais grave crise internacional e diplomática que o Brasil já enfrentou. Os republicanos, apesar do final da Guerra Fria há mais de década, temiam o populismo de esquerda na América Latina. Havia clara percepção de que Lula e o PT engendrariam um Eixo do Mal na região. Lembremos que a política internacional dos EUA sofre uma inflexão radical após o 11 de Setembro de 2001 e havia a percepção, não importa se certa ou errada, mas era a crença do governo americano, que tal eixo poderia se aliar ao outro, envolvendo Irã. Matias entrevistou Condoleeza Rice: é de arrepiar, corremos um risco enorme.
Na eminência de uma crise diplomática, que se tornaria econômica e política, Fernando Henrique e Lula despacharam enviados para os EUA: até Dirceu foi, apesar de não saber inglês. O resultado, dada a sabedoria e pragmatismo de Lula, a articulação de FHC e um pouco de sorte, foi melhor do que o esperado. Bush teria dito a Soros e aos republicanos linha dura: “Lula é de esquerda, mas é meu amigo”.
Podemos dizer que Lula e Bush tornaram-se amigos. Bush aproximou o PT dos republicanos e dos Estados Unidos e de Wall Street. Recomendo a leitura, pois o livro ajuda a desmontar um dos argumentos da grande farsa. Spektor, que é também pesquisador do CPDOC da FGV pesquisou vários documentos secretos e entrevistou os presidentes Lula e FHC.
Logo, FHC não somente passou uma economia devidamente ajustada — com problemas ainda, fato — estabilizada, com os esqueletos na sala, mas pelo menos às vistas, com LRF e princípios fiscais que Dilma destruiria na sua Grande Mentira, mas também ajudou a pavimentar o governo do PT. Eu acreditava, àquela altura, que finalmente o PT se transformaria num partido social democrata moderno, responsável, racional e razoável em termos de política econômica e ativo, em termos de políticas sociais. Sonhei, sonhei que estavas tão linda: foi a Grande Ilusão.
*MARCOS FERNANDES G DA SILVA, pesquisado associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia, ética e governo (FGV/EAESP e Escola de Direito de São Paulo da FGV) e economista da Fundação Getulio Vargas marcos.fernandes@fgv.br
***As opiniões aqui omitidas são de responsabilidade do autor do texto***
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