POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA: O URANIO É NOSSO?
Rubens Barbosa
Com uma visão de médio e longo prazo, o Brasil
deveria rever sua política em relação à pesquisa, prospecção e lavra do urânio.
O desastre com a usina nuclear de Fukushima no Japão em 2011 determinou o
fechamento de usinas na Alemanha e no Japão e ocasionou, em muitos países, a
desaceleração de planos para a construção de novas usinas atômicas para geração
de energia. Com isso reduziu a demanda do urânio e do plutônio, combustíveis
para essas centrais.
O mercado internacional para o urânio vem num movimento de alta,
cotado ao redor de 65 dólares por quilo, ainda 60% abaixo do pico alcançado em
2011. A situação mudou. Enquanto naquela época os contratos spot eram
reduzidos, agora, o custo de produção aumentou e os contratos a longo prazo
estão expirando (existem poucos para além de 2020). Segundo opinião de
especialistas internacionais, a tendência de longo prazo parece clara: a
demanda global deve aumentar perto de 45% ate 2025. A China tem 19 reatores
nucleares em construção e mais 41 planejados. A Arábia Saudita deve construir
suas duas primeiras usinas. O Egito, Jordânia, Turquia e os Emirados Árabes Unidos
anunciaram programas de construção de plantas. Essa expansão vai requerer novas
minas e o preço spot deve crescer. Casaquistão (com 39% da produção global),
Austrália e Canadá respondem por mais de dois terços da produção mundial. Nesse
mercado, a questão do preço não é o que mais conta, mas a segurança de
suprimento. Em um sinal de que considera essa questão séria, a empresa China
National Uranium Corporation adquiriu em novembro passado uma mina na Namíbia,
garantindo pelo menos 3% da produção mundial do minério. E os EUA estão
examinando a possibilidade de restringir as importações e estimular a produção
doméstica.
O Brasil detém a sétima maior reserva de urânio do mundo, mas nossa produção
representa apenas 15% do consumo de Angra 1 e 2. O minério é um monopólio da
União e a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), sem recursos adequados,
é responsável pela prospecção, pesquisa e lavra do Urânio. Desde
2015, contudo, a produção foi suspensa porque a mina em céu aberto em Cachoeira
na Bahia, a única em exploração no Brasil, deixou de ser viável economicamente.
Abandonando a lavra subterrânea, a INB decidiu investir em outra mina a
céu aberto na jazida de Engenho, esperando que a partir de meados do corrente
ano comece a lavra da mina. De 2000 a 2015, a produção de concentrado
de urânio abasteceu Angra 1 e 2, mas a partir de 2016 o Brasil tem
importado urânio para abastecê-las. Com a construção de Angra 3 e, nos próximos
anos, com a provável a expansão das usinas nucleares, a demanda interna
crescerá significativamente. Como podemos lembrar, no governo Lula, com a
economia crescendo, foi anunciado um ambicioso programa de construção de oito
usinas ate 2030, que nunca saiu do papel.
As bases para uma nova visão dessa questão foram lançadas em dezembro passado
com a consolidação da Política Nuclear Brasileira cuja finalidade seria
orientar o planejamento, as atividades nucleares e radioativas no país, levando
em conta a soberania nacional, com vistas ao desenvolvimento e à proteção da
saúde humana e do meio ambiente. O Comitê de Desenvolvimento do Programa
Nuclear Brasileiro (CDPNB) coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) da Presidência da República, produziu documento que trata do fomento à
pesquisa e prospecção de minérios nucleares e do incentivo à produção nacional
para atender a demanda interna e à exportação, além de assegurar o recurso
geológico estratégico do minério nuclear. A nova política é importante porque
prevê a abertura do mercado brasileiro.
Levando em conta o novo cenário político interno
e a evolução do mercado internacional, será importante evitar-se o equivoco que
a sociedade brasileira incorreu no setor de petróleo. Antecipando o debate
sobre a privatização, não seria, no momento, do interesse brasileiro
empunharmos a bandeira do “O urânio é nosso”. Dada as características
estratégicas da utilização do minério, seria importante associar o setor
privado aos trabalhos da INB. As restrições orçamentárias, derivadas da crise
fiscal, certamente devem ter afetado a capacidade de investimento da empresa
estatal. A perspectiva de aumento da produção do minério será facilitada pela
eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa
dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de
consorcio entre a INB com empresas privadas. Existe uma série de situações
intermediárias onde a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser
lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não
precisaria, em princípio, passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente
necessite de alteração na legislação.
O mercado interno em expansão nos próximos anos
e a tendência de um mercado externo em crescimento com preços em alta,
representarão incentivos para o investimento privado.
O novo ministro de Minas e Energia, Almirante
Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, em seu
discurso de posse, foi muito claro ao dizer que o novo governo pretende
“estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com
o mercado sobre essa fonte estratégica da matriz energética brasileira”. “O
Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas
vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da
tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas
de urânio em nosso território”.
Mãos à obra.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais
e Comércio Exterior (IRICE)
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