A República ainda não existe. Algumas das razões estão nesse editorial.
Resumo: o Estado sempre foi grande, e atualmente continua engolindo a sociedade. Os atuais donos do poder não vão mudar isso. Mesmo que tivessem consciência— e alguns não têm a mínima noção do que são políticas de Estado —, não têm convicção nem intenção. Seria preciso que fossem estadistas.
Conclusão: vamos continuar a nos arrastar penosamente em direção à modernidade, com várias bolas de ferro atadas às duas pernas.
Algumas dessas bolas são justamente representadas por alguns dos atuais donos do poder, nos três poderes...
Paulo Roberto de Almeida
130 anos de República
Editorial Gazeta do Povo
15/11/201
As bases da república inaugurada há 130 anos ainda estão aí e não foram capazes de lançar a nação rumo ao grupo dos países desenvolvidos
Neste 15 de novembro, a república presidencialista brasileira completa 130 anos desde sua proclamação em 1889, quando um golpe político e militar liderado pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca aboliu a monarquia parlamentarista, destituiu o imperador dom Pedro II e instaurou a república. O Brasil já havia decidido, 77 anos antes, tornar-se livre e responsável por seu destino com a declaração de independência em relação a Portugal, em 1822. Desde então, o país aprovou sete constituições, a “Lei Fundamental” das bases, princípios e normas sob as quais o país e sua população decidem como querem existir e se desenvolver. A primeira Constituição data de 1824, logo após a independência; a segunda, de 1891, menos de dois anos após a proclamação da República; a terceira, de 1934, na chamada Segunda República; a quarta, de 1937, na época do Estado Novo, sob a ditadura de Getúlio Vargas; a quinta é de 1946, voltando às bases da Constituição de 1934, para eliminar os ditames do regime autoritário getulista; a sexta, de 1967, foi elaborada pelos militares que haviam assumido o poder em 1964, com o golpe que depôs João Goulart; por fim, a sétima – e que vigora até hoje – foi promulgada em 1988; apelidada de Constituição Cidadã, ela consolidou a redemocratização iniciada em 1985.
Essas sete constituições e suas emendas resultaram todas da promessa de criar as bases para o desenvolvimento nacional, superar a pobreza e oferecer um bom padrão de vida e de bem-estar social ao povo brasileiro. A Constituição atual, promulgada em 5 de outubro de 1988, já teve pouco mais de 100 emendas, entre as ordinárias e as emendas de revisão, e ainda terá várias outras, a julgar pela quantidade de PECs em tramitação no Congresso Nacional. Portanto, não é por falta de normas constitucionais que o Brasil continua com baixo crescimento econômico, elevado desemprego e altos índices de pobreza. O problema não reside na quantidade de normas, mas em seus princípios e sua qualidade.
Vários erros foram cometidos pelo país ao longo de sua história, e eles fazem parte da explicação sobre o atraso e a pobreza, a despeito das riquezas naturais abundantes. Sempre são invocadas causas como a formação nacional, a cultura, os hábitos e a mentalidade da população – temas que são objeto de profundas controvérsias –, aos quais se juntam erros conhecidos. Um deles, a industrialização tardia e a permanência do país dependente de um setor agrícola pobre e sem tecnologia, como resultado do fato de que, embora a independência tenha ocorrido em 1822, somente em 1844 foram instalados os primeiros pilares para a industrialização.
Outro erro foi a demora em abolir a escravidão, o que ocorreu somente em 1888, retardando o surgimento de uma classe de trabalhadores livres, necessários para o novo ciclo de desenvolvimento baseado na indústria e nas tecnologias surgidas a partir da Revolução Industrial décadas antes. Os trabalhadores livres teriam sido importantes para formar uma classe com renda capaz de significar uma nova classe de consumidores, necessária à formação de um mercado consumidor interno. Para agravar o quadro, o terceiro erro foi a não criação, junto com a declaração da independência, de um sistema de educação básica pública e gratuita para todos os brasileiros. A omissão do Estado em relação à educação, desde a expulsão dos jesuítas em meados do século 18, foi talvez o mais grave dos erros. No tempo da colônia, os jesuítas atuavam na educação brasileira, mas, após um longo histórico de problemas com a Coroa portuguesa, o rei dom José I, aconselhado pelo Marquês de Pombal, decidiu pela expulsão dos jesuítas do reino português e suas colônias em 1759, sem que o governo – seja o português, até a independência, seja o imperial, depois de 1822 – assumisse a tarefa de montar um moderno sistema educacional.
Embora a industrialização tardia, a demora em pôr fim à escravidão e a inexistência de um sistema educacional tenham dado causa à pobreza e ao baixo desenvolvimento que vigoram até hoje, esses fatos da vida nacional não respondem sozinhos pelo atraso do país. As bases da república inaugurada há 130 anos ainda estão aí e não foram capazes de lançar a nação rumo ao grupo dos países desenvolvidos. Um dos problemas é que, a cada Constituição implantada, aumentava o inchaço do setor estatal; mais o governo passava a interferir na vida dos indivíduos e nos negócios, mais a burocracia estatal se tornava cara, ineficiente, sufocante e corrupta, de forma que se acabou criando uma sociedade a serviço do Estado, e não o inverso, que seria o correto.
Ulysses Guimarães, presidente da Câmara e da Assembleia Nacional Constituinte na promulgação da Constituição de 1988, chamou a carta magna de “Constituição Cidadã” sob o argumento de que ela trouxe o cidadão para dentro da lei fundamental, alegando que isso iria servir aos pobres e melhorar as condições sociais. A intenção pode ter sido boa, mas o que se viu, ao longo desses 130 anos de República e 31 anos da Constituição de 1988, com suas mais de 100 emendas, foi um país amarrado, lento, fechado e pouco inovador. O povo não foi trazido para dentro da Constituição: pelo contrário, o Estado subiu nos ombros do povo para tributá-lo e controlá-lo. O resultado é que nem os 130 anos de República, nem os quase 200 anos de independência (a completar em 2022), e muito menos a Constituição Cidadã foram suficientes para tirar o país do atraso, superar a pobreza e melhorar o padrão de bem-estar social médio dos 208,5 milhões de habitantes a ponto de tornar o Brasil um país desenvolvido. O desafio de cumprir os objetivos declarados na Carta Magna continua aberto, à espera das reformas que efetivamente coloquem o Estado para servir o cidadão.
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