"Guerreiro Ramos ensinou que nome correto de reformas que só criam privilégios é entreguismo"
SILVIO ALMEIDA
Folha de S. Paulo, 18/09/2020
O último domingo (13) foi dia de relembrar 105 anos do nascimento de Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), homem negro, nascido em Santo Amaro da Purificação (BA), um dos maiores pensadores do Brasil. Foi assessor da Presidência da República do segundo governo de Getúlio Vargas, diretor do Instituto de Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e técnico do Departamento Administrativo do Serviço Público (Daso), dentre outros cargos administrativos que exercera. Deputado federal em 1963, teve seu mandato cassado pelo golpe de 1964. É importante destacar que entre 1948 e 1950 Guerreiro Ramos fez parte do Teatro Experimental do Negro (TEN), uma das experiências estético-políticas mais importantes da história brasileira. Além da carreira técnica e política no serviço público, foi professor da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebape), da Fundação Getulio Vargas, e da Universidade Federal de Santa Catarina. Com sua expulsão do Brasil em 1964, radicou-se nos Estados Unidos, onde lecionou na University of Southern California (Universidade do Sul da Califórnia) até a sua morte. Guerreiro Ramos é, afinal, a síntese de tudo aquilo que o atual governo brasileiro vem se empenhando em combater: uma pessoa negra, um intelectual, um defensor da soberania nacional e um servidor público preocupado com o Brasil. Por isso, retomar suas ideias nos permita compreender mais amplamente os desafios nacionais. Do imenso legado de Guerreiro Ramos, gostaria de destacar três pontos. O primeiro é o conceito de “redução sociológica”. O sentido de “redução”, como nos ensina o historiador Júlio César Vellozo com uma feliz metáfora, é o da culinária, em que reduzir é o mesmo que “concentrar”, a fim de ressaltar as características mais marcantes de um alimento. Para ele a tarefa de livrar o Brasil da dependência e do subdesenvolvimento envolve uma dimensão epistemológica, que consiste em afastar-se de uma “sociologia importada” cujos métodos foram urdidos em outro contexto cultural.
A pretensa universalidade da sociologia é, na verdade, a reafirmação de uma lógica colonial que impediria os povos periféricos de tomar “consciência de si”. Não significa que o pensamento estrangeiro deva ser rechaçado, mas que deva ser subsidiário de um pensamento desenvolvido a partir dos desafios nacionais. A redução sociológica é condição epistemológica do desenvolvimento. O segundo aspecto é a forma com que Guerreiro Ramos trata a questão racial. A situação do negro não é circunstância excepcional, mas parte inextrincável do subdesenvolvimento e das dificuldades de integração nacional. Aquilo que a sociologia brasileira chamava até então de “problema do negro” é uma das características de uma formação social dependente. O racismo é, nas palavras de Guerreiro Ramos, uma “patologia social do branco brasileiro” que se expressa no ódio ao negro e à cultura popular. O derradeiro aspecto é a contribuição de Guerreiro Ramos para ciência da administração pública. Qual o modelo ideal de administração pública? A boa administração pública, para o autor, é aquela pensada a partir dos desafios nacionais e não feita a partir de abstrações teóricas ou por planilheiros pós-graduados. Com Guerreiro Ramos aprendemos o nome correto de projetos de “reforma do Estado” que só servem para criar privilégios e impedir o país de resolver seus problemas históricos: entreguismo e destruição do Estado brasileiro.
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