Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
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quarta-feira, 25 de julho de 2018
Gustavo Franco vs Roberto Gianetti: debate sobre politicas económicas
Cada parágrafo de seu artigo vale por uma aula de história econômica, de economia política, aliás de puro bom senso e adesão à realidade...
Paulo Roberto de Almeida
(cliquem para ler melhor)
terça-feira, 15 de maio de 2018
Seminario ‘Brasil, brasis’ na ABL: Gustavo Franco e Jorge Caldeira
Acadêmico Merval Pereira coordena na ABL o Seminário ‘Brasil, brasis’ de maio 2018 intitulado ‘As riquezas do Brasil’
quinta-feira, 26 de abril de 2018
A Moeda e a Lei, de Gustavo Franco - resenha de Vinícius Muller
sábado, 17 de março de 2018
A moeda e lei - Gustavo Franco (Zahar)
A moeda e a lei
A experiência monetária brasileira nos oitenta anos que se seguiram (1933-2013) talvez não tenha paralelo no mundo, seja pelo difícil relacionamento de nossa moeda com as de outros países, pelo tumultuado processo de constituição de um banco central com plenas funções ou ainda pela longa, intensa e complexa convivência com a inflação. Tudo é superlativo nesse trajeto, em que o Brasil teve oito padrões monetários, cinco congelamentos, confiscos pequenos e grandes, crises sem limite, euforias idem e batalhas épicas para ordenar a moeda nacional, evitar abusos fiscais e financeiros bem como para estabilizar o seu poder de compra.
O livro é uma história das instituições monetárias brasileiras, tendo como fio condutor o olhar econômico sobre a letra da lei. Seu foco incide nas convenções pensadas para criar e destruir um objeto que é hoje cada vez menos um pedaço de papel, uma cédula colorida com símbolos nacionais, e cada vez mais um impulso magnético, abstrato e conceitual. Os acontecimentos aqui analisados têm imensa atualidade, pois as dúvidas que governam essa história continuam muito vivas. Como se estivéssemos aprisionados há décadas em um mesmo enredo, sempre às vésperas de uma fórmula ideal que parece estar logo ali, mas nunca chega – uma catedral cuja construção talvez jamais se encerre.
A moeda e a lei
Uma história monetária brasileira, 1933-2013Ficha Técnica
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quarta-feira, 29 de novembro de 2017
O Plano Real e os ajustes ainda por fazer atualmente - Gustavo Franco no Roda Viva
Dei uma aula sobre essa entrevista aos meus alunos de doutoramento esta manhã, intercambiando perguntas de jornalistas e respostas do entrevistado com meus comentários, contextualizando certas passagens, comentando políticas econômicas e explicando determinadas medidas de política econômica na sua dimensão própria. Como o próprio entrevistado referiu-se ao filme (Real) e ao livro que lhe deu origem, lembrei-me de antiga resenha que fiz desse livro, que já anunciava um possível filme.
Aqui vai, novamente:
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; http://www.pralmeida.org/)
Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3
Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas.
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem.
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170).
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real.
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Partido NOVO: Gustavo Franco preside a Fundacao NOVO
Temos a satisfação de informar que o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, um dos formuladores do Plano Real e recém-filiado ao partido, aceitou o desafio de presidir a Fundação NOVO.
A Fundação terá como principais objetivos: elaborar propostas para programas de governo; desenvolver estudos de políticas públicas; conduzir atividades de educação política; e realizar convênios e parcerias com outras instituições no Brasil e no exterior.
De acordo com Gustavo Franco, “nos últimos anos os horizontes se ampliaram extraordinariamente para as ideias pró-mercado e para novas abordagens sobre o desenvolvimento tendo como base o indivíduo, o progresso pessoal e a liberdade para empreender. O NOVO oferece um veículo e uma oportunidade muito valiosa para que essas ideais se apresentem de corpo inteiro no espectro partidário e estabeleçam sua importância nos debates nacionais”.
Gustavo é carioca, 61, economista formado pela PUC-Rio e Ph.D pela Universidade de Harvard. É sócio fundador da Rio Bravo Investimentos e professor da PUC-Rio. Foi presidente do Banco Central e exerceu outras atividades no serviço público entre 1993 e 1999. Tem vários livros publicados.
A vinda de uma pessoa competente, alinhada e comprometida com os valores do NOVO, como o Gustavo, é mais um passo rumo à construção de um país admirado.
terça-feira, 30 de maio de 2017
Real - O Plano por Trás da História - Filme 2016 - breve avaliacao (PRA)
O filme tem roteiro baseado no livro do jornalista Guilherme Fiuza, 3.000 dias no Bunker, que eu já havia resenhado em 2006, quando ele foi lançado, afirmando que ele tinha um jeito cinematográfico, mas não acreditando que um plano de estabilização pudesse fornecer matéria conveniente para um filme.
Vejam aqui a minha resenha desse livro:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html
Minha opinião sobre o filme. Para entendê-lo bem é preciso um mínimo de conhecimento sobre como se desenvolveu a história econômica (e política) brasileira desde a redemocratização, com o furor inflacionista desencadeado desde o governo Sarney, e agravado nos dois governos seguintes.
Mas, um filme didaticamente adequado nesse sentido não seria um filme adequado ao grande público, onde emoções e paixões devem estar presentes para ser minimamente aceitável.
Os melhores atores deste filme são indubitavelmente Orciollo, que faz o protagonista principal, Gustavo Franco, e Sequeira, que mostra perfeitamente como Itamar era um presidente que nunca entendeu, realmente, como foi feito o Real, e por isso mesmo está fiel ao original (o único, aliás).
Lamento pelo papel desempenhado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, que aparece no filme numa postura indigna de seu grande papel durante todos os oito anos do governo FHC.
O próprio FHC não aparece muito bem no filme, mas isso não tem a menor importância.
O líder do PT é imaginado, muito mais articulado como deveria ter sido na realidade.
Com todas as suas qualidades e defeitos, recomendo, ainda assim, o filme, pois se trata do segundo plano mais importante do Brasil, depois do PAEG (1964-66), que foi ao mesmo tempo um plano de estabilização e de reformas econômicas e de retomada do crescimento.
Um filme de Rodrigo Bittencourt com Emílio Orciollo Neto, Bemvindo Sequeira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes.
domingo, 22 de maio de 2016
Gustavo Franco: abriu-se uma janela de oportunidade para consertar as coisas (Entrevista Estadao)
'Para reduzir a dívida pública, é preciso vender patrimônio', diz Gustavo Franco
Ex-presidente do Banco Central defende a privatização como caminho para recompor o fluxo de caixa do governo – que é o superávit primário
Alexa Salomão
O Estado de S.Paulo, 21maio 2016
O economista Gustavo Franco se diz surpreso com a excelente qualidade da equipe econômica. Ficou acima do que ele mesmo esperava. Também está positivamente surpreso com a decisão do presidente em exercício, Michel Temer, em “sentar na cadeira, fazer o diagnóstico e assinalar o legado – que parece horroroso”. Mas Gustavo Franco faz uma ressalva para o novo time: para reduzir a dívida pública, a prioridade neste momento, será preciso ir muito além do corte de gastos. Na avaliação dele, será preciso resgatar uma agenda perdida, a das privatizações. “Só conseguirá fazer reduções relevantes na dívida pública se vender patrimônio: concessões, participações, créditos. Esse é o principal desafio, cujos termos do enfrentamento ainda não estão definidos”, diz Franco. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Estado.
O que lhe parece a nova equipe econômica?
Melhor do que se esperava. Assinala que haverá uma guinada drástica da política econômica na direção do bom senso.
Quais são seus principais desafios?
No Ministério da Fazenda, o comando central de todos os desafios da área econômica, é difícil hierarquizar o mais sério e o mais urgente, inclusive porque eles lá dentro estão tendo uma percepção mais fina do que é possível perceber daqui de fora. Mas, para começar, é bastante claro que enxergaram uma situação fiscal muito pior do que se imaginava – e já se imaginava uma coisa muito pior do que o conhecido. Eu acredito que eles precisam deixar isso muito claro, na partida, evitar o que aconteceu com Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda): sentar na cadeira e assinalar o legado. Levy não assinalou o tamanho dos problemas que herdava e ficou parecendo que os problemas foram criados por ele. Hoje a gente vê muita gente colocando no Joaquim a culpa pelos descaminhos da política econômica. Começou muito bem a nova equipe em dar uma parada e fazer o diagnóstico. O próprio presidente Temer deve fazer um pronunciamento à nação. Independentemente disso, vejo com muita clareza que é preciso estabelecer qual é o legado – e ele parece horroroso.
Do lado de fora, conseguimos prever o que pode vir ou é obscuro?
É obscuro porque as coisas mais polêmicas ficam numa área que não é bem do orçamento ou dos bancos públicos federais. Ficam ali no meio disso: são as operações criativas envolvendo bancos, fundos, Tesouro. A área que, nós técnicos, chamamos de parafiscal. É onde a Lei de Responsabilidade Fiscal tem pouco a dizer, pouco controle, e onde ocorrem as piores atrocidades. Mas a síntese, por assim dizer, do problema fiscal é o nível do endividamento público interno. Nunca tivemos uma dívida interna tão grande e tão cara. O Brasil pagou de juros, no ano passado, o equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso é algo como duas vezes o que pagou o Tesouro grego. É a maior conta de juros do mundo. É claro que isso ocorre porque o juro é alto e porque a dívida é alta. A dívida é alta demais para o Brasil. Na minha percepção, esse é o maior desafio de todos. Não há muito precedente histórico, seja aqui, seja em outros países, de desalavancagem – a redução rápida do estoque da dívida interna. Há alguma coisa que vale observar no pós-guerra, nas economias desenvolvidas. Também naquele momento era uma dívida de guerra, com caráter excepcional. Pessoas que compraram algo como bônus da vitória não estavam tão interessadas em receber do mesmo jeito que hoje os detentores da dívida pública brasileira estão.
E como resolve?
Só conseguirá fazer reduções relevantes na dívida pública se vender patrimônio. Se vender ativos: concessões, participações, créditos. Esse é o principal desafio, cujos termos do enfrentamento ainda não estão definidos. Há boas intenções no ar, mas não vimos nada operacional ainda.
Parte dos ativos em questão são aqueles que não se conseguiu privatizar lá atrás, no governo do PSDB, porque eram privatizações polêmicas. Um governo não eleito, de transição, consegue privatizar Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa?
Tem muita coisa para fazer tirando esses três que você mencionou. Tem uma infinidade de participações do setor elétrico. O governo federal vai fazer programa de ajuda aos Estados. Tal qual fez no passado, poderá aceitar empresas estaduais em pagamento e as privatizar. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, pode fazer isso com a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto). Ou seja: trata-se de o governo federal fazer o que a Petrobrás está fazendo. Sem maior alarde, a Petrobrás vendeu uma porção de ativos, sem passar pelo rito e burocracia do Programa Nacional de Desestatização. Mas é fundamental que a Petrobrás tenha agilidade para fazer isso, com o mesmo intuito que é o do governo federal: reduzir o endividamento. Isso precisa ser feito com agilidade. Esse é um desafio que perpassa todos os outros. Você precisa recompor o fluxo de caixa do governo – que é o superávit primário. Mas não é com um superávit primário de 1%, 2% do PIB que você vai reduzir dramaticamente uma dívida que já está em 73% do PIB – que é onde se encontra, por ora, a dívida bruta.
Há economistas defendendo que uma medida prioritária é reduzir o juros da dívida. Como o sr. vê essa questão?
Infelizmente, isso você precisa combinar com os credores. Aqui é preciso clareza. O Brasil, no passado, teve problemas com a dívida externa. Aí era possível, com muita facilidade, transformar um credor estrangeiro em inimigo e tornar o assunto politizado e irracional. Agora é diferente. A dívida é interna. Os credores são os aposentados de fundos de pensão, os poupadores. É impensável fazer qualquer pirueta com os títulos e suas remunerações. Quantos milhões de aposentados são remunerados por fundos de pensão? Quantos compraram papéis no Tesouro Direto? Não há o que fazer, seja reduzir artificialmente os juros ou mexer na remuneração dos papéis. Isso torna o problema do endividamento público diferente do que foi no passado. Esse tema é parte do assunto que, no fundo, pertence ao Congresso. Corte de gastos do governo e aumento de tributos ou aumento da dívida: essa é a escolha do Congresso. Se não aceitar cortes, nem elevar impostos, o Congresso estará elevando a dívida. Mas estou otimista. O Brasil está enfrentando com mais maturidade temas importantes, como a reforma da Previdência.
É ano de eleição municipal e os especialistas em Previdência dizem que, na hora de mexer em direitos, as pessoas resistem. Uma agenda impopular pode mesmo ser aprovada agora?
As coisas que se dizem impopulares são meio enganosas. A coisa mais impopular que existe em economia é errar. O que esse governo não pode fazer é errar. Mas depois que você faz uma coisa impopular do jeito certo, todo mundo gosta. O Plano Real tinha muitas coisas impopulares. É preciso ter clareza de que mais importante do que fazer coisas populares é fazer correto. Se fizer correto, o povo vai gostar.
Qual será o desafio de Ilan Goldfajn à frente do Banco Central?
A escolha dele é muito boa. Ilan é uma macroeconomista de mão cheia e participou da criação do regime de metas. Nota dez para a escolha. Agora, o BC não é o centro do problema. O desafio é fiscal. O inimigo agora é outro. Claro que, se tudo der certo no fiscal, a taxa de câmbio tenderá a se valorizar e o Banco Central de Ilan vai enfrentar o que ocorreu comigo, com o Henrique (Meirelles, atual ministro da Fazenda e ex-presidente do BC): ver a apreciação cambial, com seus efeitos, como afetar a competitividade brasileira. Mas aí tomara que esse desafio apareça: vai significar que a economia vai bem.
Há apreensão em relação à saúde de bancos de médio porte. Poderia vir daí uma surpresa desagradável?
Pode ser, sim, que haja um razoável conteúdo de estresse creditício, tendo em vista o que ocorreu no nível de atividade. Mas hoje a qualidade de supervisão bancária, o nível de capitalização, a transparência na supervisão da qualidade das carteiras de crédito nos colocam num patamar muito melhor do que em 1993, seja nos bancos público, sobretudo nos privados, onde não vejo nada muito significativo. É uma situação ciclicamente difícil, mas está longe de ser uma mega desafio como foi lá atrás.
E os bancos públicos? Há especial preocupação com a Caixa.
É verdade. O Banco Central vai ter de ver isso. No caso da Caixa, há um complicador: o FGTS. As relações entre o FGTS e a Caixa merecem um destaque, uma transparência inicial. Deveria haver mais isolamento entre uma coisa e outra. A Caixa, por outro lado, como é um banco 100% do Tesouro, é quem efetua muitas políticas de governo e coloca no seu balanço. É um problema antigo. O Banco do Brasil sempre teve um minoritário privado, atento a essas coisas. Tanto que o Banco do Brasil manteve muito mais a sua integridade operacional e patrimonial nos últimos anos. O desafio é colocar a Caixa no mesmo padrão do Banco do Brasil. Aí talvez se possa, para melhorar a sua governança, abrir o capital da Caixa – até porque o dinheiro vai ser bem-vindo.
O sr. divulgou uma nota comemorando a nova direção do BNDES...
Entre o BNDES e o Tesouro ocorreram muitas operações exóticas. Há meio trilhão de títulos transferidos ao BNDES, numa modalidade de operação parecida com a que havia entre Tesouro e Banco do Brasil, que a gente chamava de conta movimento e achava um absurdo. O principal desafio de Maria Sílvia (Bastos Marques, nova presidente do BNDES), ao sentar na cadeira, é devolver meio trilhão ao Tesouro dessas operações. É uma coisa que só executivos experientes como ela têm conhecimento para fazer.
Muitos economistas dizem que o tempo desse governo é curto para mostrar resultados. O sr. concorda?
Vou começar com um lugar comum. O tempo é relativo. É uma das variáveis econômicas mais delicadas e interessantes. O tempo pode ser ampliado conforme o horizonte de expectativas se expande. Cada boa notícia aumenta o tempo deles. Você não pode encarar o pouco tempo como uma restrição para fazer só coisas de curto prazo. Eles podem trazer coisas cujos os efeitos integrais só serão sentidos muito lá na frente. Reforma da Previdência, por exemplo. Os efeitos não são imediatos, mas sobre as expectativas, são avassaladores.
O sr. parece mesmo otimista.
Estou. Abriu-se uma janela. A gente está olhando lá para fora, ainda deslumbrados. No calor dos acontecimentos, a gente não consegue discernir as coisas, mas daqui há dez anos, quando olharmos para trás, talvez a gente perceba que esse momento foi paradigmático. As pessoas querem reformas, falam em fazer coisas ambiciosas, que eram impossíveis. De repente, o impossível parece corriqueiro.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Gustavo Franco: "O governo acabou, mas ainda nao percebeu isto" - entrevista O Financista
Entrevista: Brasil continua a ser o país do futuro, diz Gustavo Franco
O Financista, em 24/02/2016 12:36Em entrevista a O Financista, o economista, autor de 14 livros publicados, falou sobre os problemas causados por um "governo desastroso" que culminam em um "tempo perdido, que não se recupera".
"Faço votos para que esta experiência lamentável de fracasso do 'pensamento alternativo' seja como a dos 'choques heterodoxos', que foram banidos do dicionário das coisas sérias em economia", afirma ele, que teve participação relevante na formulação do Plano Real (1994). Além de presidente do BC, Franco foi secretário adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda.
Quer começar o dia bem informado?
O Financista: Primeiro veio a Constituição de 1988, depois a abertura da economia no início dos anos 1990, a estabilização da moeda e a vitória sobre a inflação graças ao Plano Real e, mais recentemente, a ampliação das políticas sociais. Feita a contextualização, para onde o Brasil caminha agora?
Gustavo Franco: Caminharia para consolidar esses progressos, alguns dos quais pela metade ainda (instituições fiscais e dívida pública) e outros ainda muito no começo (abertura). A dívida pública é imensa, um peso enorme sobre o país, e o Brasil continua a ser o país mais fechado do mundo. Reformas de verdade no setor real, aquelas que vão mexer com a produtividade, como a trabalhista, tributária, além de abertura para valer, nem começaram. O Brasil continua a ser o país do futuro.
O Financista: Parte dos problemas fiscais parece decorrer de questões estruturais, mais ligadas à rigidez do gasto em meio a uma Constituição muito em favor do Estado de bem-estar social. Seria o caso de rever elementos da Constituição para garantir maior solidez das contas públicas? Como sanear a questão fiscal?
Franco: Não sei bem o que são essas coisas “estruturais” e misteriosas sempre a impedir a responsabilidade fiscal. O país teve superávit primário de 3,5% do PIB em média durante uma década (1998-2008): o que aconteceu em 2008 de tão “estrutural” para desarrumar a casa?
O Financista: O Banco Central está em dominância fiscal?
Franco: Sim, estamos em uma situação onde a dívida pública é grande demais para permitir juros de primeiro mundo.
O Financista: Há cerca de cinco anos, quando o entrevistei, o senhor comparou a política econômica do governo petista com um relógio quebrado (capaz de acertar a hora uma vez por dia) em alusão aos gastos do governo em tempos de crise. O que representam os rebaixamentos de rating do Brasil? Há o temor de retomada da "gastança" em caso de volta dos "anos de bonança"?
Franco: Acho que me enganei: é um relógio que marca as horas de forma errada, é pior do que ficar parado, pois não acerta nem mesmo uma vez. Faço votos para que esta experiência lamentável de fracasso do “pensamento alternativo” seja como a dos “choques heterodoxos”, que foram banidos do dicionário das coisas sérias em economia.
O Financista: Os anos de paralisia na atividade econômica reduziram drasticamente o PIB potencial? Quais as consequências?
Franco: O prejuízo permanente decorre de um tempo perdido, que não se recupera. O investimento que não se fez, em capital físico e humano, até pode ser feito no futuro, mas o atraso é para sempre.
O Financista: O Fed começou a subir o juro, ainda que de maneira gradual. Enquanto isso, o Banco Central Europeu e o BC japonês continuam a estender as políticas monetárias expansionistas. Essa descoordenação pode criar algum tipo de distorção prolongada nos mercados internacionais?
Franco: Não creio. São movimentos tectônicos que já surtiram seus efeitos, que não são relevantes para nós. Nossos problemas são domésticos, causados por um governo desastroso que vai produzir a maior depressão econômica desde quando as contas nacionais começaram a rodar no início do século 20.
O Financista: Pensando na hipótese de que o Brasil continua sem ajuste fiscal, apenas com uma coisa ou outra, como vamos chegar em 2018? E qual será o passo inicial de um novo governo?
Franco: Tudo leva a crer que vamos para uma espécie de “feijão com arroz”, à semelhança do que foi a segunda metade da presidência José Sarney, quando o governo não tinha poderes, nem imaginação para enfrentar a crise e, em razão disso, preferiu submergir na rotina do dia a dia e não inventar nada. Era uma forma de vestir como opção a ausência de opções, ou de disfarçar o fato de que o governo tinha se esgotado antes do fim de seu mandato. É o que temos agora.
domingo, 1 de novembro de 2015
Convite Gustavo Franco-Fabio Giambiagi: 17/11 - Lançamento "Antologia da Maldade"
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Crise brasileira: debate com tres ex-presidentes do BaCen - SP, 13/11 (Inst. Millenium)
Como todos sabem, o Brasil vive uma crise política, institucional e econômica como poucas vezes vivemos em nossa história. O Governo Federal está sem liderança e sem projetos consistentes para mudar os rumos do país.
Em momentos como esse, é fundamental que a sociedade civil, a imprensa livre e a iniciativa privada se mobilizem para apresentar propostas para sair dessa inércia.
Com esse objetivo, o Instituto Millenium realizará um SEMINÁRIO com três dos mais preparados e competentes ex-Presidentes do Banco Central do Brasil: ARMINIO FRAGA, GUSTAVO FRANCO e HENRIQUE MEIRELLES. O tema do Seminário será: ESSA CRISE TEM SAÍDA. A VISÃO DE TRÊS EX-PRESIDENTES DO BANCO CENTRAL.
13 de novembro, sexta-feira, de 2015 - Das 8h às 11h
FECOMERCIO (Rua Dr. Plínio Barreto, 285), em São Paulo
O Instituto Millenium (www.institutomillenium.org.br) é uma organização sem fins lucrativos que promove e fortalece a democracia, o Estado de Direito, a economia de mercado e a liberdade.
Envio o link com as informações completas e formulario de inscrição: http://www.institutomillenium.org.br/brasil/.
Espero que vocês possam participar.
Por favor, compartilhem com os seus contatos.
Paulo Uebel