O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador Marco Aurelio Nogueira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marco Aurelio Nogueira. Mostrar todas as postagens

domingo, 16 de novembro de 2025

Ricupero, Lafer e as relações internacionais do Brasil: Livro Vidas Paralelas, de Paulo Roberto de Almeida - Marco Aurelio Nogueira

Livros | Comentários, Slider

Ricupero, Lafer e as relações internacionais do Brasil
Marco Aurelio Nogueira blog, 16//11/2025

Livro reconstroi trajetórias e ideias de duas figuras que fizeram, ao longo da vida, uma verdadeira ode à diplomacia, à busca da paz e da harmonia no mundo

Você lê o interessantíssimo livro do diplomata Paulo Roberto de Almeida como se estivesse acompanhando uma conversa entre amigos. Há um mestre de cerimônias, o autor, que se mistura com os amigos, menciona suas biografias, qualidades e trajetórias. São todos especialistas em diplomacia, Itamaraty e política externa.

O livro transpira afinidades eletivas, como Paulo Roberto menciona algumas vezes. As afinidades o auxiliam a captar o lado humano e profissional das duas grandes figuras públicas merecedoras de sua atenção, Rubens Ricupero ( e Celso Lafer (1941) Há convergências e confluências entre eles, mas também diferenças. Paralelismo. Ricupero e Lafer são personagens de destaque da política externa brasileira. São intelectuais refinados, escritores de livros seminais e de intensa atividade pública.

Vidas paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil (RJ, Ateliê de Humanidades, 2025) tem seu mérito maior na exposição que nos faz de duas figuras que fizeram, ao longo da vida, uma verdadeira ode à diplomacia, à busca da paz e da harmonia no mundo. Viveram as guerras e atrocidades das últimas décadas, estudaram suas determinações, enveredaram pelas trilhas da pesquisa e da reflexão teórica, sempre à procura de novos conhecimentos. O foco de ambos foi localizar o lugar do Brasil no mundo e compreender sua história no terreno das relações internacionais.

Ricupero escreveu o imprescindível A diplomacia na construção do Brasil (1750 – 2022) (Versal Editores, 2024). Foi ministro da Fazenda e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento-UNCTAD, entre 1995 e 2004, período durante o qual incentivou a pesquisa em economia criativa.

Lafer, por sua vez, foi um acadêmico atento às teorias do direito internacional, publicou importantes livros e atuou por duas vezes como Chanceler brasileiro (1992 e 2001-2002), além de ter trabalhado na área diplomática internacional. É autor de A Identidade Internacional do Brasil e a política externa brasileira (Perspectiva, 2020).

Diferentes, mas convergentes trajetórias. Interesses comuns, afinidades intelectuais (Norberto Bobbio, Hannah Arendt, Raymond Aron) e perspectivas políticas semelhantes, “um liberalismo com consciência social”. Continuam a formar uma dupla não projetada, mas que se afirmou no correr do tempo, alimentada por uma comunhão de ideais e atividades. “Diplomatas da inteligência”, como Ricupero afirmou certa vez, ao homenagear José Guilherme Merquior.

O projeto que Paulo Roberto materializou nesse livro é, no essencial, uma história intelectual. Os dois intelectuais de que ele se ocupa são figuras públicas proeminentes, que, no arco de sessenta anos, deram importante contribuição para um melhor conhecimento do Brasil pelo mundo e pelos próprios brasileiros. Com origens e trajetórias pessoais distintas, seus caminhos terminaram por se “cruzarem, se imbricarem e não mais se desligarem”. Ambos continuam a trabalhar, a manter relações de amizade e afinidade intelectual.

O livro não se propõe a ultrapassar os limites impostos pela concepção de história intelectual. Há uma recuperação pontual de traços biográficos, mas o texto sabe como incorporá-los. Do mesmo modo, Paulo Roberto estabelece com clareza que será dada “atenção apenas seletiva à ação de ambos no campo da diplomacia prática, ou da governança de maneira geral”. O foco estará sempre nas ideias, com o objetivo de “ressaltar os aspectos mais significativos de duas trajetórias intelectuais e de atuação pública”, de alcançar “uma síntese tentativa do imenso volume de conhecimento que eles colocaram à disposição do público brasileiro, e até estrangeiro”.

A ideia de traçar o paralelismo entre a vida de Ricupero e Lafer encontra apoio em pontos essenciais: “Uma mesma origem na imigração, ainda que diferente em suas raízes, uma trajetória similar de construção de vida pelo trabalho, o mesmo esforço nos estudos, uma absoluta identidade de propósitos quanto a objetivos maiores”. O que prevalece, da história narrada por Paulo Roberto de Almeida, é sua admiração pelos intelectuais estudados, unidos por dois elementos intangíveis: a cultura e a inteligência.

O livro, em resumo, nos ajuda a compreender melhor a contribuição que Rubens Ricupero e Celso Lafer deram e continuam a dar para tornar o Brasil mais conhecido e, quem sabe, mais preparado para lidar com o complexo mundo atual e enfrentar seu futuro. Uma ótima iniciativa.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, professor universitário e autor de diversos livros e artigos. Entre suas publicações mais recentes, incluem-se Apogeu e demolição da política externa. Itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba, Appris, 2021) e, como organizador, Intelectuais na Diplomacia Brasileira: A cultura a serviço da nação (Rio de Janeiro: Francisco Alves; São Paulo: Unifesp, 2025).

Marco Aurélio Nogueira

Cientista político brasileiro, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e Professor Titular Aposentado da Universidade Estadual Paulista-UNESP. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Indicação sem diplomacia (Dudu Bolsonaro em Washington) - Marco Aurelio Nogueira

Indicação sem diplomacia

Blog Marco Aurélio Nogueira, 7/07/2019
embaixada 1
O presidente da República, Jair Bolsonaro, compareceu a uma solenidade na Câmara dos Deputados, segunda-feira 15/7, para declarar, entre outras coisas, que as críticas feitas à possibilidade de indicar seu filho Eduardo (PSL-SP) para assumir a embaixada do Brasil em Washington são a melhor prova de que a indicação está correta. Se o filho “está sendo criticado, é sinal de que é a pessoa adequada”, afirmou Bolsonaro na tribuna da Câmara.
Nos últimos dias, várias vozes se levantaram para criticar a pretensão presidencial, interpretada como incompatível com as normas democráticas, a política externa brasileira e suas tradições de pragmatismo e independência, e também como uma atitude de nepotismo. Em sua esmagadora maioria, as críticas foram feitas sem qualquer recorte político-partidário.
A pretensão do presidente não é só nepotismo. É uma mistura de nepotismo com falta de visão estratégica (dos interesses nacionais) e com espírito de provocação. Revela falta de quadros e teimosia. Embaixadores são agentes do Estado, não podem ser reduzidos à condição de preferidos do presidente, especialmente se são seus familiares. Precisam de estofo técnico e intelectual e devem ser indicados a partir de avaliações criteriosas, que levem em conta a formação dos candidatos e sua capacidade de representar adequadamente os interesses do País. Isso tudo é mais do que sabido, e causa espanto que o presidente dê de ombros para obviedade tão grande.
Eduardo Bolsonaro não tem credenciais para representar o Estado brasileiro em Washington. Faltam-lhe experiência, vivência mundana, conhecimento técnico e histórico, consistência e maturidade intelectual. Também não se caracteriza por ter particular disposição para o diálogo, que é a essência da diplomacia. Não é um negociador “natural”, mas um provocador, que pratica a hostilidade permanente e vê inimigos por toda parte.
Ao Brasil em nada interessa que seu embaixador em Washington seja cegamente alinhado com as políticas de Trump, pois isso trava a soberania do País, pode implicar desrespeito aos interesses nacionais e colide com o tradicional pragmatismo da política externa brasileira. O gesto do presidente vem com sabor de “vingança” contra a parcela do corpo diplomático que resiste ou é contra as novas orientações. É mais ressentimento que outra coisa, com uma dose extra de desejo de promover o filho.
Hoje em dia, confusão pouca é bobagem. No episódio, ela se repõe, ampliada. Quanto mais atrito e dissonância, melhor. Como quem nada quer, o bolsonariano extremista Olavo de Carvalho buscou dar sua contribuição ao debate. Para ele, Eduardo não deveria aceitar a embaixada pois, caso o fizesse, deixaria de dar continuidade à investigação sobre o Foro de São Paulo, que, na sua opinião, tem muito maior relevância para o ajuste de contas com a esquerda, meta estratégica do governo. Em sua obsessão anticomunista e do alto da soberba de se achar qualificado para opinar sobre tudo e todos, o astrólogo parece vetar Eduardo porque deseja ficar com o campo livre para continuar posando de “embaixador informal” nos EUA.