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sexta-feira, 28 de março de 2014

Politica externa brasileira: malabarismos eticos - Marcos Troyjo

Brasil sem perfil
Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo, Sexta-feira, 28.3.2014

Nações atuam no teatro global num misto de princípios, interesses e conjuntura. Isto vale para Alemanha, Mianmar ou qualquer país. A (não) posição do Brasil perante acontecimentos na Ucrânia comporta todas essas dimensões.

Brasília invoca noção vaga de “não-ingerência”. Anódino chamamento ao “diálogo, negociação e respeito aos direitos humanos”. Fingir-se de morto, no entanto, colide com o papel que o Brasil projetava para si durante o Governo Lula. Basta lembrar do desejado protagonismo na questão nuclear iraniana ou no conflito israelo-palestino.

O Brasil não exerce monopólio da desfaçatez. A atuação de Pequim nas últimas semanas também é ilustrativa.

A abstenção chinesa durante votação no Conselho de Segurança da ONU que condenava o referendo na Crimeia não deve ser tomada pelo valor de face. Na certeza da negativa russa à resolução, a abstenção equivaleu a veto. Putin agradeceu a China abertamente no triunfal discurso ao parlamento russo.

O Brasil deseja fortalecer a plataforma de chefes de Estado e a construção institucional dos BRICS. Estes negociam um Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) com US$ 50 bilhões para infraestrutura. Moscou é parte importante nessa dinâmica, cujo encontro de Cúpula se realiza em Fortaleza após a Copa.

Nesse assunto da Ucrânia, como em muitos outros, o Brasil se faz de tonto. Ainda assim, não será cobrado por potências ocidentais.

Não que a ausência de repercussão negativa resulte de ação bem pensada da atual política externa. É que várias frentes de interesse do país contam com suas próprias forças paralisantes.  

É zero a influência do episódio sobre a intenção do Brasil – antiga quanto a própria ONU – de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança. Sua reforma, que depende da vontade dos atuais membros, não sai em futuro previsível.

Melhor tirar o cavalo da chuva. A tensão Ocidente-Rússia não convida à modernização do sistema internacional, mas a nova versão do "Congelamento do Poder Mundial" apontado por Araújo Castro nos anos 70.

O "não perfil" brasileiro tampouco será sentido nas relações governo a governo ou no comércio com EUA ou Europa.

Depreciado há tempos, o diálogo Brasília-Washington deteriorou-se ainda mais pela bisbilhotagem da NSA. Para o Planalto, as desculpas americanas pelo episódio são ponto de honra. Como elas nunca virão, Brasil e EUA não acertam o passo. E, com Bruxelas, carregar o Mercosul nas costas já é complicado o bastante. 

A flexibilidade moral do Brasil não se explica apenas pelo interesse estratégico em fortalecer os BRICS. É, antes, resultado da predileção por cenário em que EUA e Europa têm menor importância relativa.

Tal leitura convém à preferência ideológica dos atuais “influenciadores” da política externa brasileira. Daí não surpreende todo irrealista apego às relações Sul-Sul e nossa maleabilidade ante Cuba, Venezuela, Honduras e UNASUL.  

O tempo dirá se essa combinação de malabarismo ético com distanciamento do Ocidente serve ao objetivo de tornar o Brasil mais próspero e respeitado no mundo.


Modelo brasileiro de desenvolvimento: da substituicao de importacoes a...??? - Marcos Troyjo

Latin Trade, March 2014 issue
World Economic Forum Latin America, Special Report

Development models or growth tactics?
By Marcos Troyjo
Import substitution practices shielded Brazil and in general, Latin America, from the effects of the global recession. Now it’s time to rethink trade and openness.

Many around the world believed until recently that Latin America – and particularly Brazil – had devised an economic formula assembling high growth and social inclusion.
But that magic recipe doesn’t really exist. Policies put in place by Brazil in the past few years to boost its economy weren’t pillars of a new miracle. For the past 10 years, Brazil has resorted to import substitution and the appetite of its domestic market as recurrent tactical attempts to promote growth.
The Brazilian case offers a valuable example of the distance between “development models” and “growth tactics” in Latin America. The former are strategic in nature; they include a “plan,” a well-structured vision of the future. The latter are superficial – they react – to changes in the global economy. Models are about sustained development. Tactics are about punctual growth.
These differences are further enhanced by the stance countries take towards the “reglobalization” now in the making – a new phase in international relations shaped by further integration to global supply chains and increased terms of trade.
As a consequence, a “two-speed Latin America” emerges. On the one hand, the Pacific Alliance (México, Colombia, Perú and Chile) and its competitive drive. On the other, Mercosur – a platform now characterized by the old-fashioned ideological and protectionist attitude of its members.
Brazil is key to how Latin America will be reconfigured. The region´s largest economy has not gone down the path of isolation as deeply as Venezuela and Argentina. Nor, has it opted for a competitive integration with the global economy.
The current reinterpretation of import substitution policies in Brazil is a good example of the difference between a development model and growth tactics. Nearly all experiences in industrial development around the world resorted to some sort of import substitution as a stopover to local capacity-building.
But, import substitution cannot become an everlasting rule. In order to enable a particular sector of the economy to compete internationally, it is only to be applied at “infant industry” level. Fostering domestic consumption as a countercyclical tool following the Great Recession of 2008 did make the economy respond positively to stimulus. However, there are many constraints for such growth tactics to become a development model.
Low levels of savings and investment, outdated labor and tax legislations, infrastructure bottlenecks, a business environment lagging behind that of its competitors. These are some of the obstacles keeping Brazil away from a development road paved by entrepreneurship and innovation.
Brazil could definitely use the old economy to help build new competencies. This would necessarily involve sectors such as agribusiness, mining, deep-water oil, biofuels. These should generate surpluses to service the construction of new competitive advantages – in nanotechnology, biotechnology, new materials – areas that may drive Brazil to the forefront of emerging markets.
Building a development model requires three ingredients. Political will, capital availability and a good diagnosis of what the world is today. If along these three lines, Brazil manages to enact the much needed structural reforms, the country would be driven away from an autarkic approach to development. And, it would certainly edge closer to its rightful place amidst the leading economies of the 21st century.

*Marcos Troyjo teaches international affairs at Columbia University, where he directs the BRICLab, a special forum on Brazil, Russia, India and China.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Terra entrevista Marcos Troyjo: 'Crimeia: "reintegracao e' evento mais importante no pos-URSS"'

Crimeia: "reintegração é evento mais importante no pós-URSS"
Mayara Moraes
Terra, 19 de Março de 2014

Em entrevista ao Terra, o cientista político e prof. da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, explica que, embora a anexação seja importante para a Rússia, a medida terá impactos econômicos e políticos para além do país de Vladimir Putin.
Marcos Troyjo é cientista político e professor do Ibmec-RJ e da Universidade Columbia em Nova York 

A Ucrânia está politicamente estilhaçada e financeiramente quebrada. Sem condição alguma de travar um conflito armado de grande fôlego.
A Otan também se mostra impotente, pois se vê num jogo de xadrez em que seu oponente conta com denso poderio nuclear. Dessa forma, não pode resolver a parada apenas com forças convencionais sem temer que o conflito escale até o nível nuclear.
Crises como a da Ucrânia exigem um tipo de diplomacia presencial que é muito cara.
Além do isolamento político, caso o impasse se prolongue, a Rússia experimentará deterioração de seu status como economia emergente.
A maioria da Crimeia é russa e compartilha dos sonhos grandiosos de integrar uma “Rússia Imperial”, uma “Grande Rússia”.

A Ucrânia tem vivido dias difíceis desde a queda do presidente Viktor Yanukovitch, em 22 de fevereiro. Revoltas populares eclodiram no país, e a população da península da Crimeia enxergou na crise a oportunidade de realizar o desejo histórico de se reintegrar à Rússia. A realização de um referendo popular que culminou com a aprovação da anexação, e com a sua oficialização pelo presidente russo Vladimir Putin, fez com que as potências do Ocidente se envolvessem na crise ucraniana. Desde então, condenações foram feitas e sanções aos envolvidos no referendo foram lançadas. Em entrevista ao Terra, o cientista político e professor da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, explica as causas e os desdobramentos da crise. Para Troyjo, a reintegração da península crimeana é o evento mais importante para a Rússia desde o fim da União Soviética, mas que essa ousadia pode custar caro a Putin e a seus aliados. Confira a íntegra da entrevista.

Terra - Quais seriam as consequências da anexação da Crimeia para a Rússia, para a Ucrânia e para o mundo como um todo? Essa anexação pode agravar ainda mais a crise na Ucrânia?
Troyjo - Acho que a Ucrânia hoje é assombrada pelo fantasma de um desmembramento maior do que apenas o da própria Crimeia. Fervem as antipatias históricas entre ucranianos do Oeste e russos, o que sem dúvida oferece farta matéria-prima para novos conflitos. Para o Ocidente há também um impacto grande.
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) mostra-se de certa forma enfraquecida.  Dado o poder de veto da Rússia no Conselho de Segurança, a ONU está de mão atadas para adotar resoluções e tentar remediar a crise. Parece que estamos de volta à "Balança de Poder" que marcou a formação de alianças internacionais na Europa durante o século 19.
Para a União Europeia, a crise também representa um ônus, pois a maioria de seus países-membros encontra-se em meio a uma recuperação econômica ainda frágil. E apesar dessa vulnerabilidade, a EU é forçada a mostrar-se presente e interessada nos países do Leste.
A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) também se mostra impotente, pois se vê num jogo de xadrez em que seu oponente conta com denso poderio nuclear. Dessa forma, não pode resolver a parada apenas com forças convencionais sem temer que o conflito escale até o nível nuclear.
Para os EUA também a crise representa mudança. Washington não conseguirá implementar política externa e de defesa mais “retraída”, como parecia ser a vontade do Governo Obama. Crises como a da Ucrânia exigem um tipo de diplomacia presencial que é muito cara. Não dá para resolver apenas com drones pilotados a milhares de quilômetros de distância.
E sobre a importância desses acontecimentos para a Rússia basta dizer o seguinte. Em termos geopolíticos, a eventual reintegração da Crimeia é o evento mais importante para o país no período pós-URSS.

Terra - As consequências não seriam ruins para a Rússia já que os EUA e os países da União Europeia ameaçam impor uma série de sanções ao país? A Rússia não ficaria ainda mais isolada?
Troyjo - Sem dúvida. A Rússia e seus aliados têm muito a perder. Além do isolamento político, caso o impasse se prolongue, a Rússia experimentará deterioração de seu status como economia emergente.
O “Custo Rússia” refletirá uma imensa combinação de desconfiança e risco político. O volume de IEDs (investimentos estrangeiros diretos), de que a Rússia tanto depende, certamente cairá. O impacto disso sobre a bolsa de valores russa será marcante. Ademais, a Rússia “desconvidará” à formação de novas alianças, especialmente com potências ocidentais. Os que desejarem caminhar de mãos dadas com a Rússia sofrerão os efeitos colaterais da lógica do "diga-me com quem andas e te direi quem és".

Terra - Por que a Crimeia tem sido tão disputada há tanto tempo, não apenas por Rússia e Ucrânia, como por vários outros povos ao longo da história?
Troyjo - Há sobretudo uma importância geopolítica. Pode parecer coincidência, mas em 1904, há exatos 110 anos, o geógrafo britânico H.J. Mackinder, apresentava àRoyal Geographical Society em Londres um artigo acadêmico intitulado "O Pivô Geográfico da História". Mackinder, que muitos consideram o pai da Geoestratégia, conceituava naquele texto a gigantesca massa de continentes formada por Europa, Ásia e África como sendo a "Ilha-Mundo", cujo "Heartland" (literalmente “coração da terra”) tem epicentro na Europa Oriental.

Mais tarde, Mackinder teve de resumir sua teoria numa lógica bastante assustadora, pois ela foi utilizada tanto na Primeira quanto na Segunda Guerra Mundial. Mackinder salientava que "quem domina a Europa Oriental comanda o Heartland; quem domina o Heartland comanda a Ilha-Mundo; quem domina a Ilha-Mundo controla o mundo".
Para a Rússia o acesso naval às águas quentes do Mar Negro é essencial a sua ideia de segurança nacional e projeção de poder
Marcos Troyjo
cientista político e prof. Universidade de Columbia, NY

Além disso, para a Rússia o acesso naval às águas quentes do Mar Negro é essencial a sua ideia de segurança nacional e projeção de poder. Isso faz do litoral da Crimeia peça-chave na geoestratégia formulada no Kremlin.

Terra - A Crimeia foi ‘dada de presente’ à Soviética  República Socialista  Ucrânia pela República Socialista Federada Soviética da Rússia, em comemoração aos 300  anos de amizade entre a Rússia e a Ucrânia. Com o colapso da União Soviética, a Crimeia tornou-se parte da Ucrânia, mas a população de maioria russa ficou bem ressentida com a mudança.  Podemos dizer que a insatisfação da população russa que vive na Crimeia é histórica?

Troyjo - Sem dúvida. Quando Nikita Kruschev “cedeu” a Crimeia à Ucrânia, destancando-a da Rússia, imaginava estar contribuindo com um pilar de comunhão entre as duas mais importantes repúblicas soviéticas. Aliás, por curiosidade, Kruschev nasceu na cidade russa de Kalinovka, praticamente na fronteira entre Rússia e Ucrânia.

Para compreender essa questão das afinidades étnicas naquela região, vale ressaltar que os eslavos gostam de definir sua “nacionalidade” menos em termos do lugar onde nasceram e mais em função do sangue de seus pais. É por isso que, após o Referendo de domingo passado, a maioria russa da Crimeia disse que “estava voltando para casa”.

Terra - Se essa insatisfação é histórica, por que a ideia da realização de um referendo aprovando a anexação da região à Rússia aconteceu apenas agora?
Os russos se aproveitaram da confusão política em Kiev e do vácuo de poder na Ucrânia para fazer valer uma antiga vontade geopolítica
Marcos Troyjo
cientista político e prof. Universidade de Columbia, NY

Troyjo - Porque os russos se aproveitaram da confusão política em Kiev e do vácuo de poder na Ucrânia para fazer valer uma antiga vontade geopolítica. A situação lembra um famoso ditado chinês: “onde há confusão, há lucro”.
Terra - Além da Crimeia, outras cidades e regiões da Ucrânia, como Carcóvia e Sebastopol  estão igualmente interessadas em se separar da Ucrânia. Por que há tanto interesse em deixar de fazer parte da Ucrânia e o que elas têm a ganhar se anexando à Rússia?

Troyjo - A maioria da Crimeia é russa e compartilha dos sonhos grandiosos de integrar uma “Rússia Imperial”, uma “Grande Rússia”. Esse sentimento é percebido em todas as localidades do leste da Ucrânia em que há presença étnica russa significativa.
Além disso, apesar de todas as dificuldades econômicas que os russos enfrentam, hoje o PIB (Produto Interno Bruto) per capita da Rússia é quase três vezes maior que o da Ucrânia. É realmente uma lástima, pois a Ucrânia como um todo prefigura uma das maiores potências agrícolas do mundo – tem muitos fatores positivos para tornar-se um país mais próspero e harmonioso.

Terra - Podemos dizer que a  diversidade étnica na Crimeia torna o conflito mais explosivo? Vimos que o povo tártaro boicotou a votação.
Troyjo - Creio que não. Comparada com outros conflitos étnicos recentes, como o horror que predominou na ex-Iugoslávia nos anos 1990, a violência na Crimeia tem sido pequena.
O problema maior é o embate entre os interesses nacionais da Rússia e da Ucrânia. Além disso, dada sua posição geográfica e dependência econômica externa, a Ucrânia acaba sofrendo os efeitos perversos do cabo-de-guerra entre Rússia e Ocidente.
Isso se manifestou claramente na tentativa de atração da Ucrânia ao polo gravitacional da União Europeia como também na possibilidade da Ucrânia vir a integrar a OTAN, ambas as hipóteses fortemente rechaçadas por Moscou.

Terra - Há um risco real de confronto militar entre Ucrânia e Rússia? Em caso afirmativo, quais  seriam as consequências desse confronto militar (sabemos que a Ucrânia está em muita desvantagem em relação à Rússia)?
Troyjo - Acho a probabilidade pequena. O novo governo na Ucrânia vai tentar consolidar-se na porção ocidental do país com a ajuda política e financeira da comunidade internacional. A Ucrânia está politicamente estilhaçada e financeiramente quebrada. Sem condição alguma de travar um conflito armado de grande fôlego. Não creio que veremos a reedição de um confronto como o que opôs Rússia e Geórgia em 2008.

Terra - Você acredita que algum país interviria militarmente no conflito?
Troyjo - É pouco provável. Os laços econômicos entre Rússia e Europa são muito fortes e o risco potencial de um engajamento militar do Ocidente na Ucrânia é insuportavelmente alto.
Terra 

sábado, 1 de março de 2014

Eclipse global do Brasil - Marcos Troyjo (FSP)

MARCOS TROYJO
Folha de S. Paulo, 28/02/2014

O imenso potencial do país é conhecido; a ideia de eclipse sugere ocultação só temporária dos astros

Países, assim como estilos, entram e saem de moda.
No início dos anos 90, México e Tailândia estavam com tudo. A "crise tequila" de 94 e "maquiladoras" ofuscadas pela hipercompetitividade chinesa minaram o entusiasmo pelo primeiro. Em 97, o derretimento do baht tailandês precipitou o colapso financeiro do Sudeste Asiático e aparou garras do promissor "tigre".
Muito do balde de água fria que a conjuntura joga neste ou naquele país deve-se à formação de expectativas do mercado financeiro, por vezes superficial e imediatista. Será então que o atual desalento com que o Brasil é visto no mundo deve-se a seu desempenho como destino de investimentos de portfólio?
Sobram motivos para entender que a perda de brilho extrapola apostas financeiras. O "eclipse" envolve percalços abrangentes nos três campos das relações internacionais: o econômico-comercial, o político-militar e o dos "valores".
Durante a cúpula do G20 há cinco anos, Obama chamava Lula de "o cara". O Brasil era "o país". Parecia em rota para ultrapassar a França como quinta maior economia em 2015. Hoje, após três anos de crescimento medíocre, estamos às portas da recessão técnica. Taxas de poupança e investimento inferiores a 20% do PIB, ocaso do Mercosul e inexistência de acordos comerciais com polos mais dinâmicos projetam baixa expansão.
Também nosso "soft power" irradia-se com menos força. Programas como o Bolsa Família, cuja aplicabilidade se cogitou na África e noutras regiões em desenvolvimento, têm viabilidade questionada na ausência de crescimento vigoroso.
Na política internacional, mesmo que a reforma do Conselho de Segurança da ONU andasse, qual a contribuição efetiva do Brasil à segurança internacional se, no próprio território, 50 mil homicídios/ano superam a destruição de vida nos conflitos de Afeganistão, Iraque e Sudão?
Na América Latina, a liderança brasileira fragmentou-se com inconsistência moral. Empregamos "padrões duplos" – marca do cinismo de potências que sempre criticamos – nas crises presidenciais de Honduras e Paraguai. Nossa tradição de equilíbrio parece incongruente com endosso automático aos regimes de Cuba e Venezuela.
Grande capital diplomático foi despendido para elegermos dirigentes de instituições como OMC e FAO, cujas funções são arbitrais e de coordenação, não a alavancagem direta dos interesses brasileiros.
Acrescente-se o atabalhoamento de Dilma na diplomacia presidencial – a que, quando chamada, vexa compatriotas – e se completa o quadro de retração brasileira em diversas frentes globais.
Esse eclipse não resulta tão somente de ceticismo macroeconômico ou inépcia internacional da presidente. Reformas estruturantes, essenciais ao bom lugar do Brasil no mundo, terão de incluir também a política externa.
O imenso potencial brasileiro é conhecido e admirado – e a ideia de eclipse sugere ocultação só temporária dos astros. Trabalhemos para que isso, e não um obscurecimento mais profundo, seja o que aguarda o Brasil no concerto internacional. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

EUA: a industria do declinismo de novo assanhada... - Marcos Troyjo (FSP)

Marcos Troyjo
Folha de S.Paulo, 14/02/2014

O peso dos EUA no cenário global está diminuindo? A questão segmenta os que vislumbram declínio ou aumento da importância relativa do país no mundo.

"Declinistas" apontam que, em 1950, os EUA representavam metade do PIB mundial, contra apenas 20% hoje. Em 2023, observaremos um eclipse em que a China converte-se na maior economia do planeta. Nos últimos meses, o país asiático já superou os EUA como maior nação-comerciante (resultado atingido pela soma total em dólares de exportações e importações).
No campo político-militar, embora os EUA sejam a única potência capaz de intervenção com forças convencionais em qualquer lugar do planeta, sua máquina de guerra encontra-se em fadiga. Oneroso legado humano, político e orçamentário da "Guerra ao Terror" e suas impopulares investidas no Afeganistão e no Iraque.
Pior, a ausência de mandatos negociados na ONU, bem como a rede de bisbilhotagem eletrônica voltada também a parceiros tradicionais, fragilizaram a influência de Washington. No âmbito do soft power, os EUA desfalcaram-se do argumento moral  a sustentar onipresença geopolítica. Um gigante cínico, não uma "superpotência benigna".

Já os "relativistas" entendem que, embora já tenham respondido por fatia percentualmente maior do PIB mundial, os EUA são mais centrais do que nunca. A ascendência do FED sobre as finanças globais não tem paralelo. O atual escarcéu com eventuais inflexões mais bruscas da política de estímulos monetários bem o provam.
A revolução do xisto altera dramaticamente a conta custo-benefício do fator energia no mundo.  Neste ano os EUA provavelmente superarão a Rússia como maior produtor mundial de petróleo & gás. A China já compra mais barris de países-membros da OPEP do que os EUA. Para quem então o Oriente Médio passa a ser mais estrategicamente vital?
Os EUA são o principal motor da negociação para mega-acordos econômicos no Atlântico e no Pacífico.  Em termos de inovação, lideram ao articular capital, ciência e empreendedorismo no desencadeamento de novos ciclos econômicos.
Daí surgem tecnologias disruptivas orientadas a lucros civis e dianteira militar. Os drones são bom exemplo. Por um lado, podem precipitar revolução na logística, como vem experimentando a Amazon.  Por outro, alteram a própria natureza de operações militares no ar. Muitos sugerem que o caça F35, hoje estado-da-arte em termos de sofisticação, talvez seja a última aeronave de combate a depender de um piloto humano em seu cockpit.
Essa combinação de “desengajamento” em certos temas e regiões com o avanço de tecnologias passíveis de aplicação militar retira o foco da questão do declínio. Debate mais relevante é o da "metamorfose" do papel dos EUA, pois parece convidar Washington a uma política global menos “presencial”.
Com a emergência de novas potências e a retração de suas (autoimpostas) responsabilidades globais, tudo indica que os EUA não serão hegemônicos. Não haverá uma Pax Americana. Gostemos ou não, aguarda-nos contudo um cenário em que, ao lado de importantes coadjuvantes, os EUA terão o papel de protagonistas.    



sábado, 25 de janeiro de 2014

Brasil e China no túnel do tempo - Marcos Troyjo

Brasil e China no túnel do tempo
FOLHA DE S. PAULO, Sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Suponha que os 3 mil participantes do Fórum Econômico Mundial entrassem num túnel do tempo. Regressariam até 1971, ano do primeiro encontro de Davos.

Lá chegando, os muitos CEOs, futurólogos e vencedores do Nobel fariam uma aposta. Que países do que à época se chamava “Terceiro Mundo” – hoje “emergentes” – seriam as estrelas da economia global em 2014?

Imagine que déssemos pistas aos ilustres senhores. Em algum momento entre 2020 e 2023, um dentre os emergentes superaria o PIB nominal dos EUA. Contabilizaria volume somado de exportações e importações acima dos US$ 4 trilhões anuais, tornando-se em 2014 a potência comercial líder.
Seu investimento em pesquisa e inovação rapidamente convergiria à média dos países ricos. Essa nação lideraria em 2013 o ranking da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em número de marcas registradas, patentes e desenho industrial. Rivalizaria com os EUA na condição de principal destino de investimentos estrangeiros diretos (IEDs). 
Esse Davos imaginário poderia prever que tal país seria a China?
No início dos 70, a China não se distinguia pela planta manufatureira.  Já o Brasil, no auge do “Milagre”, era o maior parque industrial do Hemisfério Sul. O “Brasil Potência” crescia mais de 10% ao ano.  
Em 1978, China e Brasil tinham PIB equivalente: US$ 200 bilhões. O Brasil contava 100 milhões de habitantes. A China, 1 bilhão. De lá para cá, a população brasileira dobrou. A da China cresceu 30%, já levando em conta a reintegração de Hong Kong (1997) e Macau (1999). Nesse período, nossa economia aumentou 12 vezes. A da China multiplicou-se por 45. 
Por que a China decolou e o Brasil voou rente ao chão?
Muitos creditam a diferença do desempenho à mão forte de regimes autoritários e às virtudes do dirigismo. Isso é um equívoco. A China, da Revolução de 1949 até a morte de Mao Tsé-Tung em 1976, também era tenebrosamente ditatorial e planificadora – e sua economia não ia a lugar algum.
O Brasil redemocratizou-se nos 80 e cresceu comparativamente pouco desde então. Mas o problema não é a democracia. A questão é que,  com 40 % da renda circulando pelo Estado, o País continua estatizante e dirigista.
A diferença está no tipo de estratégia adotada. A economia chinesa, desde 1978, foi orientada a competir globalmente. Caracterizou-se por parcerias público-privadas, baixo custo trabalhista e tributário, acúmulo de poupança e investimento, atuante diplomacia empresarial.
Já a vertente brasileira foi voltada para dentro. Ambiente cartorial de negócios, busca de fortalecimento de "campeãs nacionais", política comercial e industrial defensiva, investimento mirrado, seguridade social que não cabe no PIB.
O túnel que Brasil e China atravessarão para chegar ao futuro é distinto daquele que os trouxe ao presente. Os chineses parecem saber disso. Hoje redirecionam seu modelo industrial-exportador rumo a uma economia em rede mais sofisticada. Será que o Brasil conseguirá fazer o mesmo com seu Capitalismo de Estado?   

sábado, 18 de janeiro de 2014

Marcos Troyjo: o que fazer em Davos? - FSP

Riscos de um ‘selfie’ em Davos
Marcos Troyjo
 FOLHA DE S.PAULO, Sexta, 17 de janeiro de 2014

A presidente Dilma subirá ao palco do Fórum Econômico Mundial sexta que vem. Em meia hora, tentará reverter o desânimo com que os mercados veem o futuro próximo do Brasil.
Poderá, no entanto, empalidecer percepções ainda mais. Basta que sua fala seja um “selfie” – uma arenga autocongratulatória das “realizações” dos governos petistas.  
Quarenta chefes de estado vão a Davos. Quase 3.000 líderes empresariais. Jornalistas e burocratas globais completam a turma. Se Dilma usar a ocasião apenas para traçar autorretratos destinados ao eleitorado brasileiro, a escalada alpina será um desserviço ao interesse nacional.
Em 2002, havia a "brasilfobia" provocada pela incógnita “Lula”. Sucedeu-a em 2010 a "brasilmania" precitada pelos 7,5% de crescimento e a promessa de efeitos multiplicadores dos megaeventos.
Hoje o que domina é a brasil-apatia. Segundo o Banco Mundial, em 2014 cresceremos abaixo da média global. E perderemos de todos os emergentes, salvo Irã e Egito. Nada de colapso econômico. Nada, porém, de escapar dos inerciais 2% de expansão ao ano.
A chance da repetição de um discurso “selfie” é elevada. A intervenção da presidente tem tudo para ser uma “fondue” entre a exposição autista feito no Goldman Sachs em setembro e a idílica mensagem de fim de ano.  
Na primeira, Wall Street foi informada de que o Brasil implementa o “maior programa de concessões do mundo” e sua política industrial “foca em inovação e desenvolvimento tecnológico”. Na segunda, os brasileiros soubemos que em 2014 nosso padrão de vida será “ainda melhor”.
Em Davos, fazem-se comparações. O Brasil impressiona mais quando se mede contra seu próprio passado. Menos quando se ladeia com emergentes asiáticos ou com o desempenho de seus primos latino-americanos da Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru).
O problema é que Davos estará cheio de guerreiros psicológicos. Como o Fórum se inicia dois dias antes, quando a presidente fizer sua intervenção na sexta os milhares de presentes já terão sido martelados com análises de que “os ricos estão emergindo”.
EUA, Europa e Japão voltaram a crescer e isso não é necessariamente boa notícia para países que, como o Brasil, vislumbraram o declínio do capitalismo interdependente.
O Planalto aposta que a simples presença de Dilma ajuda na retomada da confiança no Brasil. A mensageira seria mais importante que a mensagem. Tal superestimação é um erro.
Uma presidente carrancuda lendo roboticamente um “selfie” prefabricado não inflexionará opiniões. Falar de improviso, olhar nos olhos, comprometer-se com reformas estruturais, reconectar-se à globalização, dizer que o país não se permitirá ficar para trás. Isso, sim, pode surtir efeito. A presidente terá essa postura e visão?
Em 2010, quando era “o cara”, Lula admoestava Davos: “não há sinais de que a crise tenha servido para repensarmos a ordem econômica mundial".
Tomara Dilma dê sinais de que a nova ordem econômica mundial está servindo para que o Brasil se repense – e se reposicione.

 mt2792@columbia.edu

sábado, 30 de novembro de 2013

Era uma vez um BRIC que fez tilt, e depois estilhacou - Marcos Troyjo

Marcos Troyjo
FOLHA DE S. PAULO
Sexta-feira, 29.11.13

Se países não têm boa performance, gestores mudam seu foco para outro grupo e assim por diante

Habita o futuro da economia global grande população de acrônimos. Bric, Brics, Ibas, N-11, Mist. E agora, Mint (conjunto de México, Indonésia, Nigéria e Turquia). É a novasigla elaborada por Jim O' Neill, primeiro formulador da ideia de Bric.
Por que essas siglas surgem aos montes? A aposta nos mercados de maior crescimento no futuro às vezes é jogada de marketing. Sofisticados fundos são montados por bancos de investimento quando um grupo de países está prestes a arremeter. E esses fundos ajudam na decolagem --percebida e real.
Foi o que aconteceu com o Bric a partir de 2001-2003, quando se organizaram os primeiros produtos financeiros agregando numa mesma cesta papéis desses países. Tudo isso é legítimo e faz parte do jogo.
Se países não têm boa performance, gestores mudam seu foco para outro grupo e assim por diante. Aqui, o termo forte é "mercados emergentes", e o desempenho é medido sobretudo em matéria de retorno sobre investimentos.
O "Bri" (Brasil, Rússia e Índia) de Bric tem decepcionado com crescimento baixo e imobilismo político. Excetuando-se a China, a média de crescimento recente do Mint é bem superior à do Bri. E o Mint apresenta ainda melhores perspectivas em termos de bônus demográfico.
Há também o tema da institucionalização de novos agrupamentos político-econômicos. Aqui, ao contrário do que supunham os céticos, os Brics (acrescidos de África do Sul) têm conseguido consistência. No ano que vem, em Fortaleza, realizarão sua sexta cúpula de chefes de governo.
Possuem densa agenda comum --com grupos de trabalho em áreas como saúde pública ou combate ao terrorismo. Lançam em breve o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), com capital de US$ 50 bilhões para infraestrutura. É irreal supor que o Mint venha a percorrer processo de construção institucional semelhante ao dos Brics.
A questão mais importante, no entanto, diz respeito ao conceito de "potências emergentes". É algo mais abrangente do que o critério majoritariamente financeiro com que se abordam "mercados emergentes".
É por isso que, quando surgem novos siglas a denotar o dinamismo das nações, logo se pergunta: "Brics são coisa do passado e serão substituídos pelo Mint?".
O maior risco para os Brics não vem de um outro acrônimo da moda. O perigo é o descolamento da China como superpotência a pactuar-se mais com EUA e Europa do que seus parceiros emergentes.
Pequim e Bruxelas iniciaram conversações para acordo de comércio e investimentos. Prosseguem tratativas entre Pequim e Washington para um acordo bilateral ou algo no âmbito da Parceria Transpacífico, que envolve também outros atores de Ásia, Oceania e América do Sul.
Focalizada em objetivos maiores, a China pode utilizar a plataforma Brics de forma decorativa. Isso será ruim para o Brasil.
Saltará aos olhos nossa ingênua aposta na OMC e na Cooperação Sul-Sul. Seremos cada vez mais percebidos como potência intermediária de crescimento insatisfatório, nenhum apetite para reformas e governo disfuncional.

domingo, 25 de novembro de 2012

Brics: discussao na Columbia University (27/11)

Universidade Columbia, NY, discute papel dos BRICs no crescimento global

Liderado pelo brasileiro Marcos Troyjo e o francês Christian Deseglise, BRICLab reúne empresários, políticos e acadêmicos em 27 de novembro





A Universidade Columbia, de Nova York, através de de seu BRICLab – Fórum sobre Brasil, Rússia, Índia e China –, em parceria com o jornal “Financial Times”, vai realizar a Conferência “BRICS: The Quest for Global Growth”, no dia 27 de novembro.

Acadêmicos, empresários e políticos debaterão, a partir de uma perspectiva dos BRICs, temas como inovação e sustentabilidade, recuperação da economia americana, crise das dívidas soberanas na Europa e novos rumos da economia chinesa.
Professor Marcos Troyjo: "Mais do que criativos, os BRICs têm de ser inovadores"
O Professor Marcos Troyjo, codiretor do BRICLab da Columbia, entende que os BRICs tiveram suas ascensão econômica num cenário que já não existe mais. Troyjo afirma: “Os BRICs haverão de passar por uma metamorfose e se converter em pólos dinâmicos de tecnologia, ou perderão relevância. Mais do que criativos, os BRICs têm de ser inovadores. É a necessidade dessa mudança de DNA que debateremos. Todos querem saber para onde vão o Brasil e os BRICs. Mais do que expectativa, há muita esperança quanto à performance desses gigantes econômicos.”
Já Christian Deseglise, também codiretor do BRICLab e diretor de Global Asset Management do HSBC, lembra que de 1992 a 1995 o crescimento global era dividido por Japão, Europa e Estados Unidos, com fatias de 40%, 30% e 20%, respectivamente. Mas, de 2005 a 2010, os emergentes responderam por cerca de 60% do crescimento mundial; a Europa, por 30%; e os Estados Unidos, por 15%. Para Deseglise, o Fundo Monetário Internacional projeta que, em 2012, 80% do crescimento virão dos BRICs.
Os conferencistas de “BRICS: The Quest for Global Growth” também examinarão o quadro de fragilidades e potencialidades de cada um dos BRICs e o papel que podem desempenhar na promoção dos fluxos internacionais de comércio e investimentos.
Em dois painéis, serão debatidos a conjuntura global e seus impactos empresariais nos BRICs. O quadro de palestrantes é composto por: Liam Casey, CEO da PCH International; James Crombie, editor da “Bloomberg Brief”; Christian Deseglise, codiretor do BRICLab; Timothy Frye, especialista em Rússia e diretor do Harriman Institute, Columbia University; Mark Gyetvay, CFO da Novatek; Stephen King, economista-chefe do HSBC; Robert C. Lieberman, reitor, interino, da Columbia University School of International and Public Affairs; Xiaobo Lu, professor do Barnard College e pesquisador sobre China no Council on Foreign Affairs; Marcelo Lyra, vice-presidente da Braskem; Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil; Arvind Panagariya, especialista em Índia e professor da Columbia University; Gregory Stoupnitzky, especialista em Energia e diretor da CIS Capital LLC; Jan Svejnar, diretor do Centro sobre Governança Econômica Global da Columbia University; Alessandro Teixeira, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil; Thomas J. Trebat, diretor, Columbia Global Center, Rio de Janeiro, Brasil; Marcos Troyjo, codiretor do BRICLab, Columbia University; Jonathan Wheatley, editor-adjunto de Mercados Emergentes do “Financial Times”; e Mark Zeffiro, CFO da TriMas Corporation.
Fundada em 1754, a Columbia University é uma das mais antigas instituições de ensino superior dos Estados Unidos e já abrigou quatro presidentes americanos e 82 agraciados com o Prêmio Nobel, buscando continuamente ampliar as fronteiras do conhecimento e promover a compreensão e o direcionamento dos temas globais.
O BRICLab da Columbia University, fundado em 2011, é um centro voltado à ascensão de Brasil, Rússia, Índia e China nas relações internacionais contemporâneas. Promove um curso oferecido em nível de pós-graduação intitulado “The Rise of BRIC”, além de séries com palestrantes convidados, programas de Educação Executiva e conferências anuais realizadas em Nova York e em cada um dos BRICs.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

BRIClab University of Columbia - Marcos Troyjo

Diretor do BRICLab, Marcos Troyjo, conversa com o Imil sobre o centro inaugurado na Columbia University

20 de dezembro de 2011 
Autor: Instituto Millenium


Marcos Troyjo
O economista e sociólogo Marcos Troyjo, especialista do Instituto Millenium, assumiu a chefia do centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China que a Columbia University acaba de inaugurar em Nova Iorque (EUA), o BRICLab. Em entrevista ao Imil, Troyjo conta quais são as perspectivas do BRICLab, a importância desses países na economia mundial, especialmente do Brasil, e as especificidades do conceito criado pelo economista inglês Jim O’Neill.
Leia a entrevista
Instituto Millenium:  O que é o BRICLab?
Marcos Troyjo: É um centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China fundado na School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. É a primeira do tipo em uma universidade de primeira linha dos Estados Unidos. O BRICLab foi fundado e será dirigido por mim e pelo francês Christian Deseglise, que também é chefe da área de mercados emergentes do HSBC em Nova Iorque, além de ser um estudioso da Saint Paul e professor da Columbia University.
A cerimônia de inauguração contou com a presença do vice-presidente do Brasil, Michel Temer, além de Sergei Guriev, reitor da New Economic School de Moscou; Stefan Wagstyl, editor de mercados emergentes do “Financial Times”, e uma palestra  do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O evento atesta a importância de se estudar esses quatro países absolutamente fundamentais para as relações internacionais do século XXI.
O BRICLab vai ter quatro áreas de concentração. Uma delas é um curso oferrecido na pós-graduação da School of International and Public Affairs chamado “The Rise of Brics” que terá sua aula inaugural no dia 23 de janeiro (de 2012), ministrado por mim e pelo Deseglise. Teremos também conferências sobre os BRICs em Nova York e em diversas partes do mundo. A primeira vai ser no Rio de Janeiro, provavelmente no próximo dia 23 de março. Nós vamos fazer um programa de educação executiva intitulado ‘Doing Business with BRICs’, voltado para profissionais dos Estados Unidos e de outros países. Ele será realizado em NY, terá duas semanas de duração, e vai focar na especificidades de se fazer negócios com esses quatro países.
Também planejamos uma série de estudos para programas do tipo speaker series, palestras itinerantes de grandes personalidades dos quatro países. Eu obviamente estou muito honrado, pois é a primeira vez que um brasileiro dirige um centro desta natureza.
Imil: O interesse pelos BRICs cresce em todo o mundo. Existem outros centros de pesquisa dedicados ao tema?
Troyjo: No Rio de Janeiro, existe o BRICs Policy Center, que também se concentra no assunto com uma perspectiva bem acadêmica. No BRICLab, teremos um pé na academia e o outro na relação com os formadores de opinião, homens de negócio, pessoas da “prática” e que vão utilizar esse espaço acadêmico para entender melhor as implicações da ascensão desses quatro países.
Para se ter uma ideia, hoje as reservas cambiais somadas do Brasil, Rússia, Índia e China chegam a 4,5 trilhões de dólares, um valor com que esses países poderiam comprar 80% das empresas negociadas hoje na Nasdaq.
Algumas pessoas perguntam: “Mas os BRICs também não inclui a África do Sul?”. É muito importante separar as duas coisas. Uma das maneiras é você chamar este conjunto de BRIC ou BRICs. Quando falamos isso estamos nos referindo a Brasil, Rússia, Índia e China, conceito originalmente que apareceu no trabalho do Jim O’Neill, que formulou a sigla. Mas existe também uma agremiação política, reunião de consultas, que envolve os chefes de Estado de alguns países, dentre eles a África do Sul – BRICS. Não vamos nos debruçar tanto sobre a África do Sul e vamos nos ater ao conceito original de O’Neill.
Imil: Você poderia falar mais sobre como será esse intercâmbio entre o centro de estudos e os empresários?
Troyjo: A primeira maneira será por meio de organizações que reúnem setores, como é o caso das confederações nacionais das indústrias, fazer chegar a eles muitas das conclusões e estudos que serão desenvolvidos pelo BRICLab. Temos, também, os programas voltados para a educação executiva que desejam obter conhecimentos práticos: como se abre uma empresa nesses países, como tratar a questão tributária, quais os pré-requisitos em termos de transferência de tecnologias, patentes, enfim, temas do cotidiano daqueles que hoje tem de gerir empresas globais.
Imil: A crise internacional chegou ao BRIC? Quais são os aspectos da crise que mais devem afetar os BRICs?
Troyjo: Não se pode falar em crise internacional como algo restrito aos Estados Unidos e Europa. A crise internacional, até por sua natureza, afeta todos os países. Mas se você fizer uma análise da China você vai perceber que ela está calçada em 3,2 trilhões de dólares. Porém, este país tem praticamente 60% de seu Produto Interno Bruto (PIB) atrelado a exportações, de modo que ela já está sofrendo uma certa redução em sua demanda. Por outro lado, os mecanismos de incentivo de consumo interno da China são muito grandes. As reservas cambiais, as taxas de investimento e os níveis de poupança que a China tem hoje são mais do que suficientes para mitigar as perdas e eventuais correntes de comércio que ela tenha nos próximos 18 ou 24 meses.
No caso da Índia há algo semelhante. Apesar de a Índia ter uma pujança muito grande na exportação de serviços de alta tecnologia de informação, o mercado interno indiano é também bastante aquecido e é intensivo em áreas de contratação que são menos afeitas à crise, pois as vantagens comparativas que eles apresentam em relação as suas contrapartes americanas e europeias são muito grandes. Hoje praticamente todo o serviço de call center foi para a Índia, e não há política anticíclica da Europa e dos Estados Unidos que faça com que esses serviços deixem de ser contratados em um país que utiliza a língua inglesa e tem custos laborais baixíssimos. Acredito que a Índia sofra menos do que outras nações.
No caso da Rússia, o país não é tão dependente de exportações: o PIB russo tem uma pequena parcela de comércio exterior em sua composição. A Rússia sofre um pouco é com eventuais oscilações para baixo do preço internacional do petróleo, pois é seu maior produtor internacional e também produtor importantíssimo de gás. Como, geralmente, a retração da economia global vem acompanhada de queda no preço do barril, a Rússia sofre um pouco com a crise, sem dúvida. No entanto, ela tem reservas cambiais robustas, acho que o país aprendeu bastante com a crise do final dos anos 1990, o que faz com que ela possa, também, ter mecanismos de incentivo e compensação.
No caso do Brasil, o país está muito bem calçado também – 350 bilhões de dólares de reservas cambiais. Nunca tivemos isso. Somos credores líquidos no Fundo Monetário Internacional (FMI). Vamos bater recordes da taxa de investimentos estrangeiros diretos neste ano, apesar de toda a crise internacional. E temos em nosso comércio exterior um perfil de exportações de baixo valor agregado. Mas, por outro lado, são os destinos dessas exportações que farão com que o comércio exterior brasileiro continue pujante.
Imil:  Qual é o maior desafio para o crescimento brasileiro hoje?
Troyjo: O maior desafio é transformar uma visão de crescimento tática, sempre muito de curto prazo, para estratégica. O que quero dizer é que as razões que estão levando ao atual crescimento do Brasil não são as mesmas de amanhã. Por que o Brasil está crescendo hoje? Porque conseguiu se estabilizar macroeconomicamente, promoveu alguns programas de inclusão social, que aumentaram o consumo das classes mais baixas, tornou-se referência mundial em biocombustíveis, fez reformas competitivas na agricultura, e conseguiu estabelecer marcos de responsabilidade da gestão bancária e fiscal que são paradigmas no mundo inteiro. Mas, sobretudo, o Brasil está crescendo porque durante muito tempo tivemos um déficit de infraestrutura, que está sendo sanado, e que demanda muitos investimentos. Os investimentos geram efeitos multiplicadores no setor da construção civil, obras públicas, rodovias, estradas, ferrovias e portos. Mas isso não é o futuro, é o presente.
O PAC, por exemplo, não é um plano para fazer o Brasil sair do presente e chegar ao futuro, é um plano para fazer o Brasil sair do passado e chegar ao presente, o que é ótimo. Onde está o crescimento futuro? Está em setores como robótica, tecnologia da informação, novos materiais, nanotecnologia, química fina, biotecnologia e exploração de petróleo. É neste sentido que o Brasil tem uma janela de oportunidades extraordinária, que é utilizar esses recursos volumosos que vão ser auferidos com o petróleo offshore para realmente robustecer os investimentos em educação, ciência e tecnologia. São eles que vão permitir ao Brasil se tornar uma sociedade densa em tecnologias. Hoje investimos apenas 1% do PIB em pesquisa em desenvolvimento. A China, que há dez anos investia 0,6% do PIB, já investe 1,5% e vai chegar a 2020 investindo 2%. Daqui a pouco ela vai alcançar percentualmente a Coréia do Sul, o país que mais investe em ciência e tecnologia no mundo. Não podemos nos contentar em ser um país desindustrializado, um país sustentado apenas no setor agroexportador e na pujança de recursos energéticos. Precisamos de uma sociedade diversificada, mas utilizando o recurso dos setores mais competitivos para provocarmos  um grande choque tecnológico na sociedade brasileira.