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domingo, 17 de maio de 2020

Política externa bolsonarista - Celso Lafer

Resumindo: inconstitucional, contrária aos interesses nacionais, mantém o Brasil isolado do mundo e da própria região.

Política externa bolsonarista
Ações da diplomacia de confronto são desvio incompatível com os ditames constitucionais
Celso Lafer
O Estado de S. Paulo, 17 de maio de 2020

Em nosso país a competência constitucional para a condução da política externa é da alçada do presidente da República. Na experiência histórica do Brasil a prática confirma esse tradicional preceito constitucional. 
Foi pela ação, e por vezes também pela omissão, que em nosso país os presidentes exerceram a função de conduzir a política externa, definindo, à luz do cenário internacional, os caminhos da inserção do Brasil no mundo e no nosso contexto regional. Nessa condução seguiram a estratégia e o temperamento de sua personalidade. 
O mesmo se pode dizer da política externa do governo Bolsonaro, que se amolda à estratégia do temperamento do presidente e do seu modo de ser e de atuar, que foi desde sempre o do confronto. 
O confronto marcou a sua curta vida de militar da ativa. E caracterizou, com pouca ressonância, a sua longa carreira parlamentar. A lógica do confronto foi também a marca identificadora de sua campanha presidencial de 2018. 
Na sequência, vem governando pelo ímpeto do confronto, nutrido por sua vocação para a “ascensão aos extremos”, destituída, porém, da sobriedade recomendada por Clausewitz nessa matéria. 
São incontáveis os eventos da manifesta inconformidade do seu temperamento com tudo o que na vida democrática legitimamente cerceia o poder monocrático da sua caneta de chefe de Estado. 
O presidente alimenta cotidianamente a sua lógica de confronto pelo intenso uso das redes sociais, abastecidas pelo “gabinete do ódio”. O ódio é um sentimento que, como esclarece Ortega nas Meditações do Quixote, desliga e isola, fabricando a falta de conexão com o pluralismo da realidade nacional e internacional. O ódio veiculado pelo amplo uso das redes sociais instrumentaliza suas mensagens pelas fake news das falsificações mentirosas. 
A política externa do governo Bolsonaro é igualmente a expressão e o desdobramento, no plano externo, da sua lógica de confronto. É uma diplomacia de combate ao que identifica, também no plano externo, como “conspirações” e “inimigos” de sua autorreferida visão de mundo. Em função dessa linha de orientação, rejeita de maneira inédita o significativo acervo de realizações da política externa do nosso país. Denega sem hesitação a seriedade do decoro que sempre a assinalou, e que o Conselho de Estado do Império sintetizou nos seguintes termos: “Diplomacia: inteligente, sem vaidade; franca, sem indiscrição; enérgica, sem arrogância”, traços que granjearam o respeito e a credibilidade internacional do Itamaraty, mesmo em momentos difíceis, interna e externamente. 
Os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, estipulados no artigo 4.º da Constituição, consolidaram a vis directiva da tradição da diplomacia brasileira. As ações da política externa bolsonarista, todavia, são um desvio incompatível com a letra e o espírito dos ditames constitucionais. 
A Constituição prescreve a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o que se faz por meio do relacionamento com outros Estados e pela participação em organizações internacionais. É essa a fundamentação jurídica da diplomacia de cooperação, que nos seus matizes é rejeitada, com graves consequências para o País, pela diplomacia de combate e de confronto do governo Bolsonaro. 
O bolsonarismo da política externa apregoado, com patético passionalismo desconectado dos dados da realidade internacional, pelo chanceler Ernesto Araújo aniquila nossa credibilidade internacional. Induz a perda de mercados e de investimentos. Antagoniza gratuitamente parceiros relevantes como a China, a França, a Alemanha e a Argentina, indispensáveis para a própria agenda econômica do governo. Isola-nos na nossa região, até no Mercosul, e, por via de consequência, corrói a capacidade brasileira de nela atuar construtivamente para lidar com os desafios do presente. Alia-se ao agressivo unilateralismo dos EUA de Trump, intensificando o desmoronamento da nossa capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, especialmente no âmbito das instâncias multilaterais, como a ONU, a OMC e, inexplicavelmente, em função das urgências da pandemia de covid-19, com a Organização Mundial da Saúde. Liquida o nosso ativo de liderança na área do desenvolvimento sustentável, construído a partir da Rio-92, em consonância com o disposto na Constituição sobre meio ambiente. Faz tábula rasa do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, que deve ser coerentemente harmonizado com o estipulado no plano interno pela Constituição. 
Em síntese, a inepta e desastrada política externa de combate e de confronto do bolsonarismo não permite traduzir necessidades internas em possibilidades externas, que é a tarefa da diplomacia como política pública. É um fardo imobilizador da capacidade do Brasil de encontrar o seu apropriado lugar num mundo tenso e turbulento que tende a se complicar no amanhã do pós-covid-19. 

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP; FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

terça-feira, 12 de maio de 2020

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador - CEBRI

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores

Sputnik - O presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, foi embaixador do Brasil na Argentina, Japão e China, entre outros países, além de ter sido secretário de Assuntos Estratégicos do Ministério das Relações Exteriores.
À Sputnik Brasil, Neves defendeu a nota publicada pelo Cebri no último sábado (9), na qual os rumos da política externa brasileira sob o governo do presidente Jair Bolsonaro são criticados.
Entre outras afirmações, o documento se refere a "um acumulado de erros recentes e que atingiram agora um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo para o país ao seguir o caminho oposto do que seria natural durante a crise provocada pelo novo coronavírus".
"[O que motivou a nota] foi a disfuncionalidade crescente da política externa brasileira está tendo como consequência a irrelevância da atuação internacional do governo brasileiro, o que é grave e altamente prejudicial aos interesses brasileiros", disse Neves à Sputnik Brasil.
O presidente emérito do Cebri é um dos 27 signatários do comunicado, que ressalta que "em datas recentes o governo brasileiro, através do Itamaraty [...] tem feito declarações gratuitas e inconsequentes, proferido votos e adotado posições que nos enfraquecem e isolam sem com isso, de forma alguma, fortalecer a defesa de nossos interesses".
"Se acumulam as queixas e ressentimentos com posições nossas que se desviam de nossa longa tradição de cooperação construtiva com a sociedade internacional. Tudo isso tem um preço que pode vir a nos ser cobrado quando mais precisamos de uma coisa que já tínhamos merecidamente conquistado e que era o mais amplo respeito da sociedade internacional que via no Brasil um parceiro amistoso, confiável e, acima de tudo, generoso", acrescentou a nota.
Neves pontuou que parece claro que a política externa brasileira esteja sem rumo, "com algumas manifestações esparsas, grosseiras e inconsequentes". Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o diplomata não mencionou diretamente, mas o órgão lida com o maior parceiro comercial do Brasil, o mesmo atacado por ministros e filhos de Bolsonaro recentemente.
"Além das 'declarações gratuitas e inconsequentes', o Brasil tende à pior forma de isolamento, que é aquele decorrente da irrelevância de sua atuação em suas relações internacionais; acrescente-se a conduta errática de algumas autoridades em relação a países com os quais o Brasil tem parcerias estratégicas relevantes para o maior interesse nacional, que é o de promover seu desenvolvimento econômico e social", completou o ex-embaixador.
Na sexta-feira (8), vários ex-chanceleres brasileiros – incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – divulgaram em jornais de grande circulação um manifesto contra a atual situação do Itamaraty, que é associado mais ao alinhamento automático com os EUA e o negacionismo do que com o multilateralismo que sempre regeu a política externa do país.
Em resposta, Ernesto Araújo usou as suas redes sociais e atacou tanto o manifesto quanto a nota do Cebri. O chanceler recentemente foi criticado por associar a China à covid-19, tecendo o termo "comunavírus" para associar a pandemia a um suposto levante comunista no planeta.

CEBRI se manifesta sobre a ausencia de politica externa e diplomacia destrambelhada

O CEBRI finalmente saiu de sua timidez e hesitação “tucana” (ou seja, ficar em cima do muro) para simplesmente dizer a verdade sobre o horror que é a diplomacia destrambelhada do inepto chanceler acidental, conduzindo de maneira canhestra uma política externa que basicamente NÃO existe — pois nunca foi exposta claramente (pela incompetência e ignorância de seus verdadeiros patronos amadores) — e que atua CONTRA os interesses da nação. O CEBRI tem entre seus apoiadores financeiros grandes empresas brasileiras e estrangeiras. Isso significa que, se o Grande Capital (essa figura mítica dos marxistas) ainda não rompeu totalmente com o desgoverno do capitão apalermado, ao menos já rompeu com a antidiplomacia da EA, a Era dos Absurdos.




quarta-feira, 6 de maio de 2020

A Amazônia Legal e a politica externa brasileira - Paulo Roberto de Almeida e Américo Alves de Lyra Jr. (7/05)

Recebi, junto com o professor Américo Alves de Lyra Jr., convite da Federação Nacional de Estudantes de Relações Internacionais do Brasil (FENERI), entidade que atua há anos promovendo diversos debates acadêmicos sobre as Relações Internacionais no Brasil, para participar de um ciclo de palestras, com diversos doutores e pesquisadores das Relações Internacionais do Brasil, que tem por objetivo inaugurar e promover a revista FENERI.
O ciclo de palestra, que se inicia amanhã, dia 7/05/2020, às 19hs, foi pensado como um impulso para a revista que ainda não foi lançada, mas breve o será (recebi convite para colaborar, o que pode ser feito por meio do paper que preparei para esta minha palestra inaugural).
O público alvo, segundo os organizadores, são os estudantes de graduação e pós graduação em RI, que possivelmente, assim que for lançada oficialmente a revista, farão submissões e contribuirão para esse projeto avançar ainda mais. 
A atividade desta quinta-feira será constituída, primeiro, de uma fala inicial do mediador, seguida de 20 minutos para minha exposição e mais 20 minutos para a exposição do prof. Américo. Em seguida passamos para as perguntas do público em geral. 



Aproveito para anunciar novamente o texto que preparei para esta oportunidade, mas que não pretendo ler: os interessados poderão fazer perguntas a partir de alguns dos meus argumentos.

A Amazônia legal e os desafios da política externa brasileira
 Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42945592/A_Amazonia_legal_e_os_desafios_da_politica_externa_brasileira_2020_). Anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-amazonia-legal-e-os-desafios-da.html).


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Politica Externa Bolsonarista: ameaça aos interesses do Brasil - Editorial O Globo

Quando um grande jornal toma posição sobre um item da política externa, ainda que seja sobre uma questão aparentemente tópica, é porque esse Editorial também tem escopo conceitual e pretende firmar posição sobre questões fundamentais que atingem os interesses do país como um todo.
Há muito tempo que a diplomacia olavo-bolsonarista vem causando constrangimentos ao Brasil, não apenas à sua imagem lá fora, que já está terrivelmente diminuída – como poderiam atestar TODOS os diplomatas em postos no exterior, se pudessem falar livremente –, mas também aos interesses concretos de setores econômicos DENTRO do país.
Parece que o comitê de tutela militar sobre o Itamaraty, e sobre o próprio presidente, que andava um pouco desativado nos últimos meses, vai ter de voltar ao trabalho, para evitar desgastes ainda maiores, não só à nossa imagem, mas sobretudo aos interesses de exportadores e empresários em geral. Parece que o ministro da Economia já andou reclamando da área ambiental; deveria se preocupar com a área diplomática também.
Apenas um reparo a esse Editorial do Globo, "Guinada do Itamaraty põe em risco os interesses do país": quando se fala de Itamaraty, o coletivo está ERRADO. Não se trata do Itamaraty, e sim do chanceler acidental, em sua fidelidade sabuja a um dirigente totalmente incompetente em matéria de política internacional, de relações exteriores e de diplomacia.
Reproduzo aqui textualmente o último parágrafo, cujo argumento está reproduzido no lead: 
"As atuais posições político-religiosas na política externa refletem os ideais totalitários de uma ala que, ocasionalmente, ocupa áreas-chave no governo. O problema é que tais imposições começam a redundar na multiplicação de riscos aos interesses nacionais."
Paulo Roberto de Almeida.


domingo, 16 de fevereiro de 2020

Consequência da adesão a Washington: "Morte de general do Irã fez Brasil se preparar para guerra" (OESP)

Morte de general do Irã fez Brasil se preparar para guerra

Assassinato de Qassim Suleimani em ataque americano, em janeiro, fez embaixada brasileira em Bagdá estocar comida e combustível

A morte do general iraniano Qassim Suleimani, em janeiro, fez a embaixada brasileira em Bagdá entrar em alerta. Telegramas enviados ao chanceler Ernesto Araújo - obtidos pelo Estadão -, apontaram para o risco de guerra e mostram que os diplomatas adotaram medidas de segurança para proteção dos brasileiros, incluindo a compra de combustível e de comida.
O general iraniano foi morto na madrugada do dia 3 de janeiro, à 1 hora no horário local (19 horas do dia 2 de janeiro, em Brasília). O primeiro relatório da embaixada foi emitido com caráter "urgentíssimo" e relatava o que havia sido reportado pelo noticiário, reproduzia a primeira justificativa dos EUA para a morte - "deter planos iranianos de ataque" - e oferecia ao Itamaraty uma análise da nova conjuntura do Iraque.
Suleimani era chefe de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã e o militar de mais alto escalão do país. A ofensiva americana também matou Abu Mahdi al-Muhandis, comandante do Comitê de Mobilização Popular, uma milícia xiita iraquiana apoiada pelo Irã.
Iranianos com bandeiras do Irã comemoram 41º aniversário da Revolução Islâmica em Teerã
11/02/2020 Nazanin Tabatabaee/WANA (West Asia News Agency) via REUTERS
Iranianos com bandeiras do Irã comemoram 41º aniversário da Revolução Islâmica em Teerã 11/02/2020 Nazanin Tabatabaee/WANA (West Asia News Agency) via REUTERS 
Foto: Reuters
"As circunstâncias da morte do general Suleimani e do comandante Abu Mahdi al-Muhandis constituem grave escalada, em território iraquiano, nas disputas envolvendo Irã e EUA e, certamente, deterioram, em muito, o já delicado quadro político-militar no Iraque. Não é descabido temer a eclosão de conflagração interna", diz o comunicado.
A crise no Oriente Médio teve repercussão no Brasil. Jair Bolsonaro prestou solidariedade ao governo dos EUA logo após o ataque. O Brasil disse apoiar a "luta contra o flagelo do terrorismo" e ignorou a morte do militar iraniano. A mensagem foi interpretada com um alinhamento ao discurso de Donald Trump e criticada pela comunidade muçulmana.
Os telegramas a Araújo foram escritos pelo diplomata Flávio Antônio da Silva Dontal, encarregado de negócios da embaixada. Quando a crise começou, o embaixador brasileiro em Bagdá, Miguel Júnior França Chaves de Magalhães, estava de férias. Mesmo assim, todas as ordens para as providências partiram dele.
"Por instrução do titular do posto, que se encontra de férias, determinei às empresas que nos prestam serviços de segurança e logística o reforço de pessoal e coordenação com a polícia federal iraquiana; e aquisição de óleo diesel e de mantimentos adicionais, talvez precauções que se mostrarão excessivas, mas recomendáveis no momento", escreveu Dontal.
Um segundo relatório "urgentíssimo" foi enviado ao Brasil na tarde do dia 3. Nele, a diplomacia brasileira descreveu a escalada da tensão e os protestos em Bagdá. O governo brasileiro foi alertado sobre a decisão de uma empresa de segurança privada americana de retirar 900 funcionários do Iraque por precaução. As tropas dos EUA estavam sendo reposicionadas em países vizinhos e havia expectativa de reação de milícias xiitas no Iraque.
Paralelamente, a embaixada brasileira recebia "inúmeros pedidos de orientação" de brasileiros que vivem no Iraque. Grupos no WhatsApp e no Facebook foram divulgados para facilitar a comunicação. A embaixada também sugeriu a reprodução da nota enviada a esses grupos no site do Itamaraty, o que foi atendido.
"No atual quadro de incertezas e especulações, a embaixada do Brasil recomenda aos portadores de passaporte brasileiro que monitorem as notícias por meio de fontes confiáveis, evitando tomar decisões com base em rumores e especulações que, como sabemos, são comuns e se espalham rapidamente nessas horas de crise", dizia o comunicado.

Funeral

O corpo de Muhandis foi enviado a Najaf, no sul do Iraque. O de Suleimani, a Teerã. A procissão começou ainda no dia 4. O enterro do general só ocorreria três dias depois, com o trágico desfecho de dezenas de pessoas mortas pisoteadas na multidão que foi às ruas prestar homenagens ao militar, considerado um herói nacional.
Contudo, rumores detectados pelo serviço de segurança da embaixada brasileira davam conta de que, na verdade, os restos mortais de Suleimani haviam sido enviados a Teerã antes mesmo do cortejo. No documento elaborado no dia 5, o funeral transcorreu "com razoável normalidade" e o telegrama ganhou prioridade normal nas linhas de comunicação da embaixada com o Itamaraty.

Repercussão

A manifestação oficial do governo brasileiro sobre o episódio provocou reação por parte do Irã. O Ministério das Relações Exteriores iraniano chegou a convocar a encarregada de negócios do Brasil em Teerã, Maria Cristina Lopes, para explicar a posição. Em Brasília, o governo temia possível represálias terroristas em razão da posição em favor dos EUA.
Dados da empresa AP Exata, publicados pelo Estadão no sábado, mostram que o dia do ataque foi o que mais rendeu comentários negativos contra o presidente desde a posse. Internautas que temiam o alinhamento do Brasil com os americanos criaram a hashtag #BolsonaroFicaCalado. O mau humor das redes foi crescente nos dias seguintes. Outro pico de críticas ocorreu no dia 8, quando Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo para acompanhar a fala do presidente americano.

Política externa bolsonarista: impregnada de religião

Governo deixa religião guiar política externa sob argumento de que Brasil é 'país cristão'

Diplomatas e lideranças evangélicas falam em corrigir 'erro histórico'. Especialista critica viés religioso na presidência de Jair Bolsonaro

O Globo, 16/02/2020

BRASÍLIA - O discurso em nome da fé cristã se tornou um dos nortes da política externa brasileira no governo do presidente Jair Bolsonaro. Para aqueles que argumentam que, pela Constituição, o Estado é laico, os diplomatas mais próximos ao Palácio do Planalto têm uma resposta pronta: todos os credos e religiões devem ter o mesmo tratamento, mas a realidade é que o Brasil é um país cristão.
Essa nova vertente da diplomacia brasileira se consolidou há cerca de dez dias, em Washington, quando BrasilEstados UnidosHungria e Polônia lançaram oficialmente a Aliança pela Liberdade Religiosa. O objetivo central desse “chamamento global” é combater a perseguição de cristãos no mundo.

Mas há outros movimentos na política externa. Brasil e Hungria discutem a criação de um fundo para financiar comunidades cristãs que vivem no Oriente Médio. Outro passo foi dado em março de 2019, quando o Brasil e mais sete países conseguiram aprovar uma resolução, na ONU, declarando 22 de agosto como o Dia Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou Crença.

Embaixada em Israel

No horizonte, existe a promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. A medida, que segundo o presidente será tomada até 2021, tem a questão religiosa como pano de fundo — denominações evangélicas apoiam Israel no desejo de transformar Jerusalém em sua única capital.
O setor oriental de Jerusalém é considerado território ocupado pela ONU e reivindicado pelos palestinos como capital de seu futuro Estado. Se a transferência se concretizar, as relações do Brasil com os países islâmicos podem ser prejudicadas.
A guinada na política externa se repetiu em relação aos direitos humanos. O caso mais simbólico e polêmico nesse sentido ocorreu em março passado. A delegação brasileira nas Nações Unidas se recusou a assinar um documento sobre saúde reprodutiva da mulher, alegando que, por trás desse debate, estava embutido o direito ao aborto.
Uma fonte do governo Bolsonaro afirmou que, hoje, corrige-se um “erro histórico”: o Itamaraty defenderia os direitos humanos em todos os organismos multilaterais que participava, menos quando os direitos violados eram de cristãos. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, costuma dizer que a política externa, hoje, “tem alma”.
Em uma deferência à bancada evangélica no Congresso, Bolsonaro e Ernesto Araújo costumam levar esses parlamentares em viagens internacionais. No início de janeiro, acompanharam Araújo para um périplo por países africanos os deputados Helio Lopes (PSL-RJ), Marco Feliciano (Podemos-SP) e Márcio Marinho (PRB-BA) — os dois últimos bispos da Universal. Todos são da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara.

Feliciano ressalta que a “a igreja evangélica é missionária” e que “o internacionalismo está em seu DNA”. Ele diz, porém, que não há ingerência na política interna de outros países. Na África e na América Latina, há forte presença de igrejas brasileiras.
— Como parlamentares, juramos defender a Constituição, a qual salienta o direito à autodeterminação dos povos — afirma.
Para Nelson Franco Jobim, professor de pós-graduação em Relações Internacionais das Faculdades Hélio Alonso, se o Estado é laico, a política externa não deve ter viés religioso. Para ele, a contaminação da política pela religião traz o risco do fundamentalismo.
— Vamos discriminar países muçulmanos? A religião é dogmática, não pode fazer concessões em diversas áreas. É uma boa desculpa para adotar políticas radicais em nome de Deus — afirma.

Editorial da FSP castiga a submissão de Bolsonaro a Trump

O jornal "preferido" do presidente-capitão, a Folha de S. Paulo, faz um um editorial destinado a deixar o capitão ainda mais satisfeito com a sua linha, dedicado a condenar a submissão beata do capitão ao unilateralista que administra (mal) a maior potência planetária, assim como voltado a fustigar a ausência de qualquer sentido de estratégia diplomática, uma vez que o capitão é ignorante nessa matéria e os "açeçores", familiares e amadores, são totalmente ineptos e inaptos para a tarefa de instrui-lo, uma vez que o chanceler acidental se exime da tarefa.
Como fica explícito desde o segundo parágrafo: 
"À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão."
Não se sabe se o capitão vai mudar sua postura. Sendo cabeça dura, e achando que sabe tudo, quando ignora tudo em política externa, e continuando com ineptos à sua volta, parece difícil que sua cabeça mude pelo menos um pouco.
Paulo Roberto de Almeida

Negócios à parte

EUA mostram mais uma vez que alinhamento de Bolsonaro não garantirá vantagens

A esta altura o governo brasileiro já deveria ter entendido o básico das relações internacionais —que países têm interesses, não amigos. Isso se faz ainda mais evidente no caso dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, eleito com o bordão “América primeiro”. 
À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão.
Nem mesmo as hostes mais ingênuas do governismo podem duvidar do óbvio —o Brasil não terá tratamento especial, ainda menos quando o tema for econômico. 
A mais recente mostra da inutilidade do posicionamento brasileiro se deu nesta semana, com a decisão dos EUA de rever a lista de países em desenvolvimento elegíveis para tratamento diferenciado sob as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Saíram da relação 25 países, entre eles Brasil, China, Coreia do Sul e Índia. 
A mudança, na prática, facilita que Washington investigue e retalie países que subsidiam suas exportações a ponto de, na visão da Casa Branca, prejudicar a indústria norte-americana. 
No critério geral da OMC, os governos devem descontinuar investigações para a imposição de restrições comerciais se os subsídios detectados forem inferiores a 1% das compras. Quando o caso envolve nações consideradas em desenvolvimento, o limite sobe para 2%. 
Segundo o argumento dos EUA, o critério anterior estava obsoleto. Foram desconsiderados, por exemplo, países membros do G20, da OCDE, da União Europeia ou que já são classificados como de alta renda pelo Banco Mundial. Alguns deles, de fato, já se transformaram em competidores comerciais ferozes, como a China. 
Não se trata, portanto, de uma medida direcionada a um país em particular. Mesmo assim, é mais um lembrete de que as apregoadas afinidades entre Trump e Bolsonaro não proporcionarão vantagens especiais para o Brasil. Nossas vendas em setores como o siderúrgico, já sujeitas a cotas e altas tarifas, ficam mais ameaçadas.
A mudança unilateral americana não tem execução automática, uma vez que os excluídos podem continuar a pleitear a classificação “em desenvolvimento” na OMC. 
Evidencia-se, assim, a imprudência da diplomacia brasileira, que prometeu abrir mão do tratamento favorecido nas futuras negociações comerciais em troca do apoio americano à entrada na OCDE. 
Demonstra-se que a falta de competitividade nacional não será amenizada por facilidades nas negociações. Cabe ao país trabalhar para remover suas amarras e não contar com amigos imaginários.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Senado deveria corrigir os rumos da diplomacia brasileira - Hussein Kalout

A perigosa inércia do Senado nos rumos da política externa brasileira

Cabe aos senadores a tarefa de coibir excessos ou distorções no exercício da atividade pública internacional pelo Poder Executivo

O que esperar da “política externa” em 2020? Como projetar os interesses reais e estratégicos do Brasil na frente externa? Como defender o país de riscos que podem obliterar a sua capacidade de atuar em múltiplos tabuleiros no futuro? Como corrigir os rumos da atuação do Brasil na contramão do direito internacional?
Nos debates sobre a atual “política externa”, o Senado Federal tem sido até o momento o grande ausente. Os Senadores da República se tornaram, ao que parece, apenas observadores da realidade em vez de importantes baluartes na redefinição das linhas da política exterior do país. Tomados provavelmente pela perplexidade que a atual diplomacia provoca, nossos Senadores não conseguiram articular propostas, demandar explicações ou exigir cobranças ao Executivo.
A diplomacia regressiva hoje vigente não encontrou no Senado seu contraponto e uma fonte de moderação. Diferentemente do que se poderia imaginar em certos círculos, o papel dos Senadores não deveria ser, a priori, a de meros carimbadores de sabatinas para as representações diplomáticas do Brasil no exterior. Não foi para este fim que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) foi criada.
Na verdade, a função primordial da Comissão consiste em zelar pelo legítimo exercício do controle constitucional sobre as atividades da política externa, identificando riscos à segurança nacional do Estado brasileiro e atuando para corrigir as distorções nos rumos das relações do Brasil com o mundo.
Vale lembrar que, em matéria de política externa, o Senado da República é a única instituição capaz de impor legalmente o respeito ao regime de freios e contrapesos, quando houver excessos ou distorções no exercício da atividade pública internacional pelo poder executivo.
Nos círculos diplomático, empresarial, político, acadêmico e militar é praticamente uníssona a convicção de que a política externa brasileira não vai bem. A tese de que o Brasil está depauperando o capital reputacional de sua diplomacia está mais do que cristalizada. E o que os Senadores da República irão fazer? A inércia pode ser interpretada como sinal de condescendência ou de desinteresse. Para evitar isso, é mister que a CRE assuma plenamente suas prerrogativas, inclusive para evitar novos danos aos interesses do país.
Logo na reinstalação do ano legislativo, o Senado poderia demandar do Ministério das Relações Exteriores um relatório pormenorizado sobre as propostas para o ano de 2020; os custos econômicos que serão destinados em cada ação; os responsáveis envolvidos em cada iniciativa; os resultados esperados para o país; e uma análise de risco quanto aos projetos propostos. Isso se chama, em linguagem técnica, um planejamento estratégico, algo que tenha começo, meio e fim, que traduza objetivos e metas em resultados, com indicadores claros para que o Senado e o público em geral possam monitorar o bom uso dos recursos públicos.
A CRE, poderia solicitar a apresentação de dados mais concretos sobre os logros recentemente anunciados pelo chefe do Itamaraty. Um relatório técnico acerca de tais resultados deveria conter informações estratificada por projeto, área, tema e região. Isso ajudaria o Senado a compreender e a prestar contas aos seus constituintes – o povo brasileiro – para que pudessem compreender os benefícios de cada ação para a sociedade.
Na mesma toada, seria importante o Senado ter acesso a cópia do acordo assinado entre o Mercosul e a União Europeia e, se possível, destrinchando as concessões feitas pelo Brasil aos membros da Comissão. Assim, o Congresso Nacional tomará conhecimento sobre o que de fato consta no documento – já que cedo ou tarde terá de ratificá-lo.
Igualmente, seria oportuno se os Senadores pudessem conhecer em detalhe o escopo do acordo comercial Mercosul-EFTA. Isso poderia ajudar a elucidar qual é o grau de importância desse tratado para o Brasil. A soma das exportações brasileiras aos países que compõem o EFTA – Liechtenstein, Islândia, Noruega e Suíça – gira em torno de 0,01% da pauta comercial brasileira.
Outro importante feito anunciado pelo Chanceler, diz respeito ao volumoso grau de novos investimentos estrangeiros aplicado no país. Seria muito útil ao Senado saber quem investiu, quanto se investiu e onde se investiu – e quanto será investido, nos próximos anos, em cada setor. É importante que o Senado cobre a distinção entre anúncios e o efetivo desembolso de investimentos.
Assumindo a premissa de que a proposta de combater o globalismo, o marxismo cultural, a agenda 2030 da ONU, negar o aquecimento global, refutar o desmatamento na Amazônia é, de fato, assertiva e atende aos interesses gerais na nação, a chancelaria poderia fornecer ao Senado informações sobre: quais foram efetivamente os avanços na execução dessas propostas; em que estágio está cada vetor; como as representações brasileiras no exterior se mobilizaram para cumprir instruções; em que estágio se encontra essa estratégia; e quantos recursos públicos foram investidos em sua implementação.
O Senado deveria ter acesso, também, ao “projeto reformador” do chanceler para a implementação de sua estratégia regional. Seria vital saber como a chancelaria pretende promover a democracia, as liberdades e combater o socialismo na Venezuela, Argentina, Bolívia, Suriname, Nicarágua, Cuba e México. Afinal, isso daria maior legitimidade às ações propostas pelo Itamaraty e, possivelmente, até com o endosso institucional do Senado. É fundamental, ainda, que sejam esclarecidas a CRE a real orientação da política exterior para o Oriente Médio. Nessa matéria, o nível de contradição é substancial. Igualmente, o envio de um relatório pormenorizado sobre a missão do chanceler a África seria útil para o Senado avaliar a concretude dos resultados.  
Nesse sentido, também, é importante esclarecer para o Senado por que 187 países votaram na ONU contra o embargo unilateral a Cuba e apenas 3 países a favor. Assim, as dúvidas que pairam sobre o posicionamento brasileiro podem vir a ser dissipadas. Afinal, o voto não teve contornos ideológicos, não é certo?
Como guardiões da ordem constitucional na frente externa, o Senado precisa estar antenado e informado até para não ser injustamente responsabilizado. Pois, até o momento, a presidência da Câmara é quem tem feito esse contraste e clamado por maior racionalidade e responsabilidade na execução dos temas de política externa. E isso sem mencionar que meses atrás o próprio STF teve de atuar para mitigar problemas nessa área. Os Senadores fariam bem em demandar um plano estratégico com objetivos, metas e indicadores. Assim, em 2021, veremos se os resultados serão concretos, reais, tangíveis ou cascatas para ludibriar o povo brasileiro.
Enfim, parece que está na hora do Senado assumir a sua missão como o poder contra majoritário para tornar a política externa respeitosa com a constituição e com os interesses vitais do Estado brasileiro – se vivos estivessem, seria essa a mensagem de homens como Barão de Rio Branco, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, San Tiago Dantas, entre tantos outros, aos nobres Senadores da República!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O Brasil virou uma republiqueta? Cosi è, si vi pare - Hussein Kalout

O Brasil contra o Direito Internacional

O ramo, princípio basilar de nossa atuação, passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado

Revista Época, 31/01/2020

Quem se dedica ao estudo das relações internacionais provavelmente se formou com uma certeza: a defesa do direito internacional tornou-se, ao longo do século XX, parte inextrincável da identidade internacional brasileira.
Do Barão do Rio Branco e da atuação de Rui Barbosa na Conferência da Haia, passando pela fundação da ONU e das instituições de Bretton Woods e outros arranjos regionais à OEA e ao MERCOSUL, o Brasil consolidou a reputação de um grande defensor do direito como método para regular as relações entre países.
Essa defesa do direito internacional – e das instituições multilaterais, que são supostas dar-lhe consequência prática – ganhou estatura de princípio constitucional em 1988, refletindo um amplo consenso na sociedade, nos partidos políticos e na academia. Um consenso que, perseguido na prática por meio da política externa, tornou-se fonte de credibilidade e influência.
Não adotamos, é certo, esse princípio apenas por idealismo, mas por considerar que essa postura atende melhor ao interesse nacional, contribuindo para criar previsibilidade nas relações internacionais, ao mesmo tempo em que protege os relativamente mais fracos da imposição de interesses pelos mais fortes.
Nos últimos 75 anos, o Brasil investiu capital político e diplomático para reforçar as instituições multilaterais. O país se engajou na construção de arcabouços jurídicos com vistas a enfrentar desafios comuns em variados campos: paz e segurança, direito humanitário, direitos humanos, comércio internacional, meio ambiente, entre outros.
Em matéria de direito internacional, a antiga certeza converteu-se, por força da atual “política externa”, em dúvida. O consenso passou a ser ativamente combatido em nome de uma ruptura conservadora, cujos objetivos conjunturais de política interna são priorizados em detrimento do compromisso histórico com o direito e as regras multilaterais. 
Dessa forma, o direito internacional, de princípio basilar de nossa atuação passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado.
Isso tem sido a nova norma, como demonstram o voto contrário à resolução que condenava o embargo unilateral contra Cuba, a inédita posição sobre o conflito Israelo-Palestino e o endosso irrestrito à eliminação do general iraniano Qassem Suleimani pelos Estados Unidos.
Em cada um desses temas, o Brasil se afastou do seu compromisso com o direito internacional. O governo preferiu agarrar-se cegamente a alinhamentos puramente ideológicos, patrocinou narrativas alheias ao interesse nacional e marginalizou a análise racional dos interesses de longo prazo. 
Análises lúcidas e preocupações justificáveis de nossos militares e de assessores econômicos foram descartadas, levando de roldão o princípio de respeito ao direito internacional que no passado sempre nos blindaram contra guinadas que teriam colocado em risco interesses concretos do país.
No caso do embargo contra Cuba, a ideia teria sido punir o regime que exporta revolução socialista desde 1959. Mas se é assim, por que será que aliados dos EUA e críticos do governo cubano, como o Canadá e todos os europeus, inclusive o Reino Unido, integraram a maioria de 187 países que votaram a favor da resolução que condenava o embargo unilateral?
Não foi certamente por amor ao socialismo que até a Hungria de Orbán votou a favor da resolução. O propósito era não legitimar o instrumento do embargo, que é contrário ao direito internacional. Apoiar o embargo, como fizemos, é aceitar que o mais forte pode decidir sozinho medidas coercitivas. Se no futuro formos alvos de medidas de força, será difícil esgrimir o direito internacional para nos defender.
A nota do Itamaraty saudando o “acordo do século” do presidente Trump para a “paz e a prosperidade” entre Israel e os palestinos é um dos mais grotescos passos da história da diplomacia brasileira. O suposto acordo de paz não é um acordo e nem é de paz. Trata-se de uma tentativa de impor solução unilateral arquitetada para salvar a reeleição de Netanyahu em Israel e fortalecer a posição eleitoral de Trump. 
O pioneirismo fica por conta de como o Brasil decidiu entrar nessa farsa, diminuindo-se ao patamar de uma republiqueta de quinta categoria. Joga-se por terra um posicionamento de 73 anos de uma diplomacia profissional que sempre buscou se pautar pelo equilíbrio na busca de uma solução negociada de dois Estados.
Para endossar esse teatro, a diplomacia bolsonarista topou agredir o direito internacional, ferir a constituição federal e implodir o voto brasileiro em todas as resoluções do âmbito das Nações Unidas – inclusive aquelas aprovadas com apoio dos EUA ou sem o veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU. 
E isso sem contar, ainda, que o Brasil já mudou uma série de votos em organismos internacionais para favorecer Israel, inclusive no tema do Golã sírio ocupado e da agência de apoio aos refugiados palestinos (UNRWA).
Na mesma toada, no episódio da eliminação do General Suleimani o Itamaraty só faltou aplaudir o assassinato - uma grave violação ao direito internacional. O afã de agradar foi tão grande que o Brasil, país sem interesse estratégico na região, deu um endosso que nem aliados mais próximos e membros da coalizão anti-Estado Islâmico se dignaram a estender aos EUA.
Quando se minimiza o direito internacional em nome de alianças políticas, visão ideológica ou alucinações teocráticas, o que se tem como resultado não é apenas o definhamento de um abstrato poder de influência e persuasão. 
Nos casos mencionados, além de fazer minguar nosso já escasso “soft power” e contribuir para um mundo mais caótico e desordenado na esteira da política temerária de Trump, nossa diplomacia está arando um terreno minado, alimentando os monstros que diz atacar e aumentando a probabilidade de perdas econômicas e elevando o risco de segurança.
Espero que, antes de adotar essa postura, nossos luminares da política externa tenham executado medidas de reforço da segurança dos bens e ativos do Brasil no exterior, inclusive de nosso pessoal diplomático e nossas comunidades de expatriados. Afinal, não seriam tão amadores a ponto de não calcular pelo menos esse risco que afeta a segurança e a integridade dos nossos compatriotas.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Política externa: rumo a lugar nenhum - Maria Herminia Tavares de Almeida (FSP)

     Rumo a lugar nenhum

Atual governo destrói com empenho a política internacional do país     

Maria Hermínia Tavares de Almeida
Folha de S. Paulo, 23/01/2020

No final de 2019, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou no Twitter o balanço da política externa brasileira no primeiro ano de sua gestão.
Segundo ele, a ação exterior de sua pasta acumulara êxitos na área comercial, na afirmação da soberania e na promoção da democracia e dos valores do povo brasileiro. Há quem concorde com o ministro, enfatizando que nossa política externa, por ser coerente com a orientação do governo Bolsonaro, estaria no rumo certo.
Mas qual é mesmo o rumo? Isso existe no comércio internacional. Aí o dinamismo e os interesses do agronegócio definem o caminho. Fora disso, em meio a discursos grandiloquentes, ofensas gratuitas a parceiros e obsequiosa subserviência ao presidente Donald Trump, Bolsonaro e seu fiel ministro empurram o país rumo à insignificância internacional.
Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores - Ueslei Marcelino - 4.dez.2019Reuters
Muitas décadas atrás, o embaixador Araújo Castro (1919-1975), diplomata tarimbado, disse que, nos anos 1950, embora houvesse desenvolvido uma política externa, o Brasil ainda carecia de uma política internacional. Com isso distinguia as relações de um país com outros —fossem elas bilaterais ou no interior de organismos multilaterais— da existência de concepção mais ampla e de longo alcance do papel internacional que aspira a desempenhar bem como das estratégias para chegar lá.
Ao longo das últimas décadas, governos de diferentes orientações políticas foram construindo a visão de uma nação pacífica que desejava mais protagonismo nas decisões internacionais. Um país que buscava relações de cooperação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que reafirmava sua autonomia em relação à grande potência do Norte. E que se propunha a desempenhar função estabilizadora e de articulação política na América do Sul —além de se somar à causa da preservação ambiental. Para realizar seus objetivos, o compromisso forte com o multilateralismo tornou-se política de Estado, não por ideologia, mas por ser esse o arranjo no qual limitados recursos de poder disponíveis a uma nação emergente poderiam ser potencializados.
Assim, em sua ação externa, o Brasil somou-se à construção de regimes internacionais —entre eles o da mudança climática— e teve participação ativa nos organismos multilaterais, nos quais passou a demandar assento nos centros de decisão mais importantes, como, por exemplo, a direção da Organização Mundial do Comércio ou uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
É a política internacional do Brasil que o governo de extrema direita está destruindo com empenho. Sem ela, a política externa ruma certeiramente para lugar nenhum.


Maria Hermínia Tavares
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.       

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A política externa do governo Bolsonaro está no caminho certo? NÃO - Rubens Ricupero (FSP)

Depois que Alberto Pfeifer respondeu que SIM, à pergunta da Folha de SP, sobre se a política externa de Bolsonaro estava no caminho certo, o embaixador Rubens Ricupero responde com um sonoro NÃO!

A política externa do governo Bolsonaro está no caminho certo? NÃO

Diplomacia tem dedo podre, erra sistematicamente

Toda diplomacia deve ser julgada pela correta percepção da realidade mundial e pela capacidade de produzir resultados em favor do país. A diplomacia do governo atual falha nos dois requisitos.
Na crise entre Irã e EUA, por exemplo, o governo errou duplamente. Endossou um ato de terrorismo de Estado e hostilizou a vítima, país que é um dos principais mercados brasileiros no Oriente Médio. 
Em uma questão que ameaça a paz mundial, o Brasil deveria agir como força construtiva de moderação e equilíbrio. Em vez disso, o governo se precipitou ao aprovar uma ação irresponsável, o que até os aliados militares dos norte-americanos se abstiveram de fazer. 
A melhor garantia aos direitos brasileiros está num sistema mundial baseado em leis e instituições, ameaçado mortalmente pelas iniciativas unilaterais do governo dos EUA. Jair Bolsonaro sacrifica os objetivos permanentes do Brasil ao prestar à obra de demolição do governo Donald Trump colaboração contrária ao interesse nacional. 
A diplomacia bolsonarista tem dedo podre, erra sistematicamente ao avaliar situações. É por isso que o presidente acerta mais quando recua do que quando avança. É enorme a lista de absurdos abandonados ou corrigidos: oferta de bases aos EUA; anúncio de saída do acordo do clima de Paris; intenção de mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém; declarações hostis aos chineses e aos árabes; nomeação frustrada de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington; e apostas em alianças falidas (Macri, Salvini, Netanyahu, o chileno Piñera, o venezuelano Juan Guaidó). 
Quando não volta atrás, é pior. As ofensas à França e a Macron põem em risco o acordo do Mercosul com a União Europeia; a antipolítica ambiental na Amazônia ameaça causar represálias de importadores; e a defesa das sanções americanas deixa o país isolado contra a quase unânime opinião universal. 
Sem motivo concreto, o governo demoliu a amizade com a Argentina, cuja construção, desde a solução do problema de Itaipu, em 1979, custou 40 anos de esforços a sete governos sucessivos. Trata os vizinhos não com a solidariedade de que precisam em hora difícil, mas com a arrogância com que nos tratavam as grandes potências.
A personalidade política cultivada pelo presidente, por seus filhos e por assessores se caracteriza pela agressividade interna e externa. É o oposto das qualidades “diplomáticas” exigidas pela convivência internacional. Infelizmente, o chanceler agrava, em vez de compensar essa “antidiplomacia”.
Na raiz das dificuldades encontra-se uma ideologia de extrema direita que distorce a complexidade do mundo, reduzindo-a, de forma simplista, a uma suposta ofensiva contra a cultura judaico-cristã. Alienada da realidade social dentro e fora do país, essa ideologia isolou o Brasil no mundo. Converteu-o em pária ambiental e dos direitos humanos, dilapidou o prestígio e patrimônio de “poder suave”, ou “soft power”, acumulado em décadas. 
O governo Jair Bolsonaro agrava a queda de exportações e a piora da balança de pagamentos ao multiplicar atritos com parceiros. 
Agora que Donald Trump começou a obrigar a China a desviar em favor dos americanos compras que fazia do agronegócio brasileiro, não terá a quem se queixar, pois o governo Trump, do qual é subserviente servidor, desmantelou o mecanismo de solução de litígios da Organização Mundial do Comércio.