O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Gramsci de opereta (ou o fascismo redivivo)

Não tenho tempo para tudo, nem vivo de jornalismo. Tenho mais o que fazer e não posso ficar escrevendo sobre tudo o que me interessa. E eu me interesso por muita coisa: pelo futuro do Brasil, por exemplo, pela democracia, pelos direitos humanos, por certos valores que talvez estejam em baixa, mas que para mim ainda são fundamentais: como a honestidade intelectual, por exemplo, ou o simples fato de chamar um pau um pau, ou um cara de pau um cara de pau (por vezes também se trata de um mau caráter; aí já me contenho, pois certas pessoas talvez queiram me processar por difamação, sei lá).
Posso não ter tempo para escrever sobre tudo o que gostaria, mas arrumo tempo para ler (quase) tudo o que me interessa, mesmo que para isso precise sacrificar horas de sono, e até algum lazer bobo (como ficar vendo esses filmes americanos de boa qualidade, por exemplo).
Bem, tudo isso para dizer que, embora não concorde com tudo isso (ou talvez com o estilo do jornalista em questão), acho que ele toca nas questões reais, aliás as únicas que interessam nesse nosso Brasil de fraudadores políticos e de meliantes eleitorais.
Apenas por isso, ou talvez mais do que isso, transcrevo o que segue...
Paulo Roberto de Almeida

Esmagados pelo esquerdismo oficial. Ou: ecos do totalitarismo
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Vamos a um daqueles textos longos? Então vamos!

A decisão do TSE, que, parece, pretende interditar o binômio “PT-Farc” no debate político , deve ser entendida, penso eu, num âmbito maior do que excesso ou falta de rigor jurídico. Especialmente porque, em seu direito de resposta no site do PSDB, os próprios petistas não se ocuparam de repudiar os narcoterroristas colombianos. Limitaram-se a anunciar os seus bons propósitos. E, como sabemos, bons propósitos todos temos. Com alguma ironia, devo lembrar que o Capeta seria apenas um diabo sincero e malsucedido se revelasse o que realmente pretende. Ele só é o Capeta das tentações porque mente, cheio de ardil, não porque é mau… Sigamos.

Não sei se notam: parece que uma espécie de superestrutura, digamos, “moral” está a policiar o confronto de idéias. E é sobre isso que quero falar. É nesse contexto que enxergo a decisão do TSE. Não quero ficar fazendo proselitismo contra esta ou aquela decisão do tribunal. Ocupo-me de entender a questão política e cultural que ela revela. Vamos ter de voltar um pouco no tempo.

Ninguém, como o teórico comunista italiano Antonio Gramsci, conseguiu sintetizar tão bem o horror totalitário. Com uma particularidade: à diferença de um George Orwell, por exemplo, Gramsci era um partidário do totalitarismo. Quando ele imagina o “Partido” como o “Moderno Príncipe”, estabelece o que, para ele, é um horizonte a ser alcançado. Vale lembrar, mais uma vez, o que escreveu. Leiam com atenção:
“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.

É o sonho do totalitarismo perfeito. Notem que o “partido” se transforma na única referência dos indivíduos, cujos atos serão avaliados segundo o que é o que é não é útil àquele ente, que toma o lugar da divindade. No mundo sonhado por Gramsci, não há pensamento possível fora do “Moderno Príncipe” — mesmo que seja para… opor-se a ele! O fascismo, segundo a fórmula de Giovanni Gentile, pregava: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. A fórmula de Gramsci substituía o Estado pelo Partido. E tudo, fascismo ou socialismo, era uma porcaria anti-humanista.

Do fascismo, felizmente, há não mais do que resquícios quase folclóricos aqui e ali. Nem mesmo se pode dizer que foi assumindo nova conformação, guardando a sua essência. Acabou! No Brasil, por exemplo, a coisa mais parecida com um partido fascista é mesmo o PT, mas isso se deve à semelhança — de fato, é a mesma matriz — do fascismo com o socialismo. Este, sim, ainda está muito presente na cultura política moderna, o que não deixa de ser espantoso, prova do quão hábeis têm sido os esquerdistas em manipular a história. Ninguém quer “socializar” mais nada, claro! Reportagem da VEJA desta semana — falo depois a respeito — demonstra que o “socialismo” pode movimentar bilhões entre continentes. O que restou das velhas teorias do bolchevismo, aí sim, foi o desapreço pela democracia e a tentação, ainda presente, de substituir a sociedade pelo partido.

Não há mais a menor chance — e Gramsci vislumbrou isso precocemente — de se fazer uma revolução de caráter soviético ou, se quiserem modernizar a conversa, cubano. Já era! A “guerra socialista”, que é hoje apenas guerra contra a democracia, se dá na esfera dos valores. Como é que Gramsci imaginava que o partido deveria “subverter as relações intelectuais e morais”? Pondo seus quadros para ocupar funções de Estado — naquele Estado dito burguês com o qual o partido queria acabar. Em suma, tratava-se de fazer uma GUERRA DE VALORES. E as modernas esquerdas continuam a fazê-la.

Águas hostis ao confronto democrático podem ter batido na praia do TSE? Por que não? O tribunal não é uma bolha imune à metafísica influente. Caso se aceite como fato, e parece ter sido o caso, que o PT mantém, sim, vínculos, intelectuais que sejam (estou sendo generoso), com as Farc, mas se repudie por imprópria a inferência de que isso significa, por desdobramento lógico, aquiescência com o narcotráfico, creio que duas operações mentais, já no território do que os marxistas chamariam superestrutura, estão operando:
1 - tenta-se reconhecer o grupo narcoterrorista como algo mais do que, afinal, narcoterrorismo;
2 - tenta-se preservar o PT de si mesmo, lavando as manchas de sua história.

Relembro: em seu direito de resposta, os petistas não repudiaram aquele movimento. Talvez tribunal e partido considerem que sobrevive nos narcoterroristas aquela estranha legitimidade que as esquerdas costumam reivindicar, que lhes daria licença para matar em nome da construção de um novo homem. Certamente não ocorreria ao TSE punir partido ou veículo de comunicação que afirmassem que a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, empregou no governo federal a mulher de Olivério Medina, com requerimento assinado e tudo. Talvez os ministros aceitem que se informe, conforme provam os e-mail do laptop de Raúl Reyes, que Medina segue sendo um líder terrorista e que as Farc se ocupam do narcotráfico. Mas não se pode afirmar que o requerimento sugere uma ligação entre o PT e um movimento de narcotraficantes. Aí não pode. A política, submetida à escolástica esquerdista, é um território onde A é igual a B, B é igual a C, mas A não é igual a C porque isso já seria ilação demais… Para alguns, a boa política repudia até a matemática.

Vamos ver. Quantas foram as vezes, ao longo desses sete anos e meio — e mesmo agora, durante a campanha — em que Lula contou a história como bem quis, acusando o governo FHC, entre outras falácias, de ter “quebrado o Brasil três vezes”, o que é uma mentira boçal? Quantas foram as vezes em que Lula chamou para si os benefícios da estabilidade — e o PT o fará de novo na campanha eleitoral —, quando é fato que se opôs ao Plano Real? Apontar os reiterados contados do PT com as Farc rende punição, mas mentir a respeito de fatos históricos comprovados está protegido pelo direito à liberdade de expressão? Chegamos ao duplipensar orwelliano pela via petista-gramsciana? Ignorância, agora, é força?

Mas quê… Um “valor” já se insinuou nas trincas legais da democracia e tenta fazer a sua morada num tribunal superior — na imprensa, ele já é dominante: apontar a vinculação do PT, ainda que nem ele o negue, com as Farc constitui dano moral e política do medo. Imaginem a assinatura de Serra num requerimento contratando a mulher de um terrorista de extrema direita… Sua candidatura já teria sido liquidada. Não haveria a menor chance de isso acontecer, claro. Levo o argumento ao limite para que fique bem clara a natureza da questão. Vocês já perceberam que nenhum repórter — NENHUM!!! — teve a “coragem” de perguntar para Dilma por que ela requisitou os serviços da mulher de Medina? Vocês já repararam que nenhum repórter teve a coragem de perguntar para Dilma por que ela solicitou os préstimo da mulher de um terrorista? Por que não? Vai ver que isso soaria “reacionário” demais, o que, desde logo, torna as Farc, então, “progressistas”…

É claro que são tempos difíceis estes. O critério da conveniência antecede o da mentira e o da verdade, de sorte que uma falácia conveniente, mas assente em valores hegemônicos do “Partido”, é só exercício da política; já uma verdade inconveniente, que contesta a verdade oficial, é tratada como crime a merecer reparação. Nessa marcha, segundo a predição de Gramsci, teremos de nos filiar ao PT se quisermos fazer críticas ao… PT. A ser assim, o partido não precisa nem mesmo cuidar de proteger a sua reputação. Um tribunal se encarregará de fazê-lo.

Diplomacia dos acordinhos comerciais...

Parece que o Estadão é um jornalão sem humor, sobretudo sem sutilezas. Ele não percebe a enorme importância desses acordos que vem sendo negociados pelo Mercosul, seu enorme impacto sobre a economia brasileira. Ele não percebe que a nova geografia do comércio internacional tem razões que a própria razão desconhece. Ignora essas coisas que são feitas com o coração, e não simplesmente com o bolso. Materialistas vulgares...
Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul e seus parceiros
Editorial - O Estado de S.Paulo
04 de agosto de 2010

Sem um acordo sequer com os grandes mercados do mundo rico, o Mercosul acaba de fechar seu segundo tratado de livre comércio fora da América do Sul. Desta vez o acerto foi com o Egito. O anterior foi com Israel. Há um acordo de preferências comerciais com a Índia, definido formalmente como primeiro passo na direção de um pacto de livre comércio. O entendimento com o Egito foi oficializado na cidade argentina de San Juan, na segunda-feira, no primeiro dia da reunião de ministros e presidentes do bloco. Foi um dos principais eventos de uma conferência sem grandes emoções.

A ministra de Indústria e Comércio da Argentina, Débora Giorgi, descreveu o acordo como um passo importante para o bloco, porque o Egito, com 76 milhões de habitantes, tem crescido com rapidez e alcançou no ano passado um PIB de US$ 187 bilhões. O chanceler Celso Amorim mostrou igual entusiasmo. Segundo nota do Itamaraty, o acerto com o Egito "reafirma o interesse dos países do bloco em negociar acordos comerciais ambiciosos".

O acordo pode ser interessante, mas a adjetivação usada pelos diplomatas brasileiros é um tanto exagerada. No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,4 bilhão para o mercado egípcio e importou US$ 87,7 milhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro, açúcar, carne bovina congelada e aviões. As principais importações foram de fertilizantes e algodão. O autor da nota aproveitou para lembrar negociações com outros parceiros da região - Jordânia, Marrocos e países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã).

A parte final da nota é especialmente instrutiva para quem quer entender as atuais prioridades comerciais do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Segundo a notícia, o Egito tem acordos de livre comércio com a União Europeia, a Turquia, o Mercado Comum da África Oriental e Austral e a Área de Livre Comércio Pan-árabe. Graças ao novo acordo, os países do Mercosul poderão exportar para o Egito com as mesmas facilidades já concedidas àqueles blocos e países.

Em outras palavras: o Brasil poderá competir com os países da União Europeia e com a Turquia pelo mercado egípcio. Mas o governo brasileiro e seus parceiros do Mercosul fizeram muito menos que o necessário, nos últimos dez anos, para competir com o Egito e a Turquia pela conquista de mercados na Europa.

Egípcios, turcos e vários países do Mediterrâneo têm acesso privilegiado à União Europeia, concorrendo vantajosamente com os brasileiros. Os negociadores do Mercosul deveriam ter trabalhado há muito tempo para eliminar essa diferença, mas objetivos como esse não se encaixam bem na sua concepção de comércio. O acordo com a União Europeia, em negociação há mais de dez anos, permaneceu emperrado por muito tempo, principalmente por causa de divergências entre Brasil e Argentina. As discussões foram retomadas e o acordo agora está próximo, segundo autoridades do Mercosul. Mas isso já foi dito em outras ocasiões.

Os governos do Brasil e da Argentina tiveram o cuidado, pelo menos, de não enterrar as negociações com os europeus, como fizeram no caso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A liquidação da Alca dependeu muito mais de Brasília e Buenos Aires do que de Washington. Depois, o governo americano avançou em conversações com outros sul-americanos. Reação do Itamaraty: são acordos sem grande consequência, porque esses mercados são menos importantes que o brasileiro para os EUA. Como agora, os estrategistas de Brasília enxergaram o quadro de cabeça para baixo.

Com aqueles acordos, outros países sul-americanos teriam acesso preferencial ao maior mercado não só do hemisfério, mas do mundo, e ganhariam investimentos de empresas interessadas nessa vantagem. Empresas brasileiras também seriam atraídas. Além disso, esses países se abriram não só às indústrias americanas, mas também às de outros países, como a China. O Brasil perdeu de todos os lados. Só os estrategistas de Brasília parecem não perceber.

Elogio da exploracao (well, sort of...)

Não, não é exatamente isso de que trata este meu artigo, já anunciado anteriormente mas ainda não transcrito aqui, o que faço agora.
Mas prometo tratar, num próximo artigo, de modo elogioso, da exploração, um dos fenômenos mais relevantes do progresso civilizatório. Não pretendo chocar ninguém, apenas abalar a ingenuidade de alguns...
Paulo Roberto de Almeida

Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?
por Paulo Roberto de Almeida
Ordem Livre, 02 de Agosto de 2010

Este é, provavelmente, um dos mais equivocados, mas persistentes, “axiomas” da teoria social dita de esquerda sobre as origens das desigualdades entre as pessoas e os países. Embora não especificamente marxista em sua origem, foi com o marxismo que essa “tese” se difundiu e adquiriu ares de “evidência histórica” como nunca tinha sido o caso no pensamento utópico das correntes socialistas anteriores. De fato, desde Babeuf (e sua “conjuração dos iguais”), passando por Proudhon – “A propriedade é um roubo” – e pelos anarquistas de todas as tendências (menos os anarco-capitalistas, claro, que são mais exatamente libertários), “progressistas” de todas as cores vêm repetindo (em todas as variantes possíveis, e com sucesso) esse credo aparentemente plausível, mas redondamente falso e, no limite, intelectualmente desonesto.

A partir do Manifesto Comunista (1848), que sacraliza a ‘interpretação materialista’ da história como sendo o desenvolvimento da luta de classes desde o começo dos tempos – entre amos e escravos, senhores feudais e servos, burgueses e proletários –, e dos diversos volumes do Capital, que colocam no centro da “teoria da exploração” a extração de mais-valia, o “axioma” ganhou ares de verdade científica, posto que se conformando aparentemente às evidências prima facie. Sim, é um fato que as sociedades são desiguais, internamente e entre si, que algumas categorias sociais são imensamente ricas, enquanto os pobres formam a maioria da população, assim como os países pobres constituem a maioria da comunidade internacional. Daí é fácil chegar à conclusão de que os ricos se apropriaram de riqueza criada pelos pobres e que os países avançados se tornaram ricos porque exploraram – pela via do colonialismo e do imperialismo – países da periferia dominada e oprimida. A relação de exploração e de intercâmbio desigual perduraria até hoje, como “atestam” dezenas de discursos na ONU, e em várias de suas agências, e os representantes desses países.

Universitários ainda são instruídos (como se o livro constituísse verdade histórica incontestável) com a mais inacreditável salada terceiro-mundista de que se tem notícia desde o aparecimento do conceito, consagrado no obsessivamente editado As Veias Abertas da América Latina, cujo autor – devidamente identificado como o “mais perfeito idiota latino-americano” – se serve de todos esses equívocos simplistas para provar que a região poderia ter sido rica e desenvolvida não fosse pela “exploração colonialista” das potências ibéricas e pela “dominação imperialista” dos Estados Unidos. Estupidamente, a “exploração” começa desde o descobrimento, como se a América Latina pudesse ser o que ela é hoje sem o seu passado colonial.

Sem recusar a realidade da dominação e da exploração, e até mesmo do “intercâmbio desigual” – relações que se encontram em todas as situações possíveis, desde o ambiente familiar até um contrato juridicamente perfeito –, cabe descartar como insustentável a tese da acumulação de riqueza numa ponta, como o resultado da extração dessa mesma riqueza na ponta miserável. Mesmo as situações de dominação direta e de exploração pela força bruta, são derivadas de um diferencial anterior de produtividade e de capacitação tecnológica. Afinal de contas, ninguém é imperialista apenas como expressão de uma vontade dominadora, ou por puro ato de barbárie: não se é imperialista porque se quer, mas apenas porque “se pode”.

Para dominar um outro povo, é preciso, antes de tudo, dispor de um aparato produtivo moderno – que se reflete, obviamente, no poder de fogo dos canhões; é necessário, também, uma organização econômica superior, para poder “extrair recursos”; estes são os requisitos prévios e indispensáveis ao ato de dominação. Ou seja, é preciso ter feito a sua “acumulação primitiva” de fatores de dominação e de exploração, e não exatamente no sentido marxista da expropriação direta, mas no da aquisição preliminar de “meios de exploração” produtiva: em geral, ninguém se torna mais capaz explorando camponeses analfabetos e trabalhadores ignorantes.

Na origem das desigualdades entre os povos, e dos diferenciais de renda entre as pessoas, situa-se um fator econômico relativamente simples no seu conceito, mas provavelmente complicado nas suas diversas manifestações concretas: ele se chama produtividade do trabalho e condensa aquilo que numa terminologia marxista se poderia designar por ‘modo inventivo de produção’. Ele significa que um sistema econômico mais eficiente é necessariamente constituído por pessoas altamente produtivas – e, portanto, com uma educação de qualidade – capazes de reter os frutos do seu trabalho (o que se chama direitos de propriedade, normalmente garantidos pelo estado). Sistemas desse tipo eram, na prática, inexistentes até uma fase relativamente recente da história da humanidade; seu aparecimento não decorre da revolução industrial; ao contrário, é esta que decorre daqueles fatores, segundo Douglass North.

As diferenças entre os países – que eram, até então, relativamente homogêneos em sua baixa produtividade agrícola – começam a se aprofundar a partir desse crescimento acelerado da produtividade, num processo que os historiadores econômicos chamam de “grande divergência”. Com exceção de uma reduzida elite, sempre abastada em todas as épocas e sociedades, os níveis de vida de “ricos” e “pobres” não conheciam diferenças radicais; mesmo um conhecido milionário, como o banqueiro Nathan Rothschild poderia – como de fato ocorreu – morrer de uma simples infecção provocada por um arranhão.

O mesmo Rothschild, aliás, não ficou rico explorando os pobres, ainda que ele tenha emprestado bastante dinheiro para países “emergentes”, como o Brasil imperial e o da Velha República; seus lucros fabulosos decorreram de empréstimos para os próprios países ricos, ou melhor, para os reis, príncipes e os governos desses países. O fabuloso poderio militar, as proezas tecnológicas e a riqueza da sociedade americana não derivam da exploração de países pobres, ao contrário: as empresas americanas são capazes de “explorar” esses países justamente por dispor de uma tecnologia superior e de uma organização dos negócios mais eficiente do que as dos “explorados”.

Em outros termos, renda, riqueza e poder são o resultado da eficiência do sistema econômico e da produtividade do trabalho daqueles que são responsáveis pela organização do sistema, não o produto da exploração de outros povos e trabalhadores, ainda que essa realidade também exista (mas ela não é o centro, nem a chave explicativa das diferenças e das desigualdades distributivas entre povos e pessoas). Bill Gates, por exemplo, o Rothschild de nossa época, nunca extraiu um quilo sequer de matéria prima de qualquer país que fosse: sua riqueza é fruto da pura inteligência.

Explicações simplistas, como a “teoria” marxista da “exploração”, podem ser admitidas em pessoas de baixa instrução e de pequena capacidade de raciocínio; que também sejam partilhadas por universitários e até por pessoas tidas por ‘intelectuais’ já revela uma insuficiência de compreensão de como o mundo funciona realmente. Isso só pode ser fruto de miopia ideológica ou de desonestidade intelectual, quando não é demonstração de ignorância histórica, pura e simples. Enfim, nada que a leitura de bons livros de história e de manuais honestos de economia não consiga remediar.

Creio que os acadêmicos marxistas precisam melhorar a produtividade de suas leituras: eles não têm nada a perder, a não ser os grilhões ideológicos que os prendem a explicações ultrapassadas. Eles têm um mundo inteiro a ganhar...

Diplomacia de bar (vai uma pro santo?)

Não, o título não é meu; é do jornalista do Estadão, que, aliás, sempre se ocupou de política doméstica. Não me lembro dele ter tocado, uma vez sequer, em temas de política externa. Se o faz agora, é porque deve se sentir algo incomodado com a situação reinante em certas esferas federais.
Não, obviamente, o mesmo incômodo que a infeliz iraniana possa estar causando num regime pelo qual nosso guia tem especial carinho, mas um outro tipo de incômodo, talvez aquele que faz a gente enjoar e, para os mais sensíveis, ter até sensação de vomitar. De fato, certas coisas causam náuseas, talvez até mais do que isso, mas não pretendo entrar aqui em conceitos duros, em linguagem forte, que algumas almas sensíveis podem achar estranho num blog mantido, como direi, por alguém que deveria exibir certa subserviência aos poderes constituídos. Pois é, tem gente que decepciona, como esse jornalista, por exemplo: em lugar de se ocupar de seu menu habitual, que é do que entende, vai se meter em política externa. Vai saber por que...
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia da mesa do bar de Tia Rosa
José Nêumanne
O Estado de S.Paulo, 4 de agosto de 2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus lugar-tenentes - o ministro oficial Celso Amorim e o chanceler oficioso Marco Aurélio Garcia - têm surpreendido o mundo com um tipo de política externa pouco respeitado, pelo menos entre Estados democráticos de Direito no Ocidente: a diplomacia da conveniência. Trata-se de uma leitura heterodoxa da ética da conveniência de Max Weber. E esse aparente pragmatismo a toda custa se traduz no slogan que o ministro de Relações Exteriores brasileiro cunhou para explicar a súbita adesão do chefe de governo brasileiro ao pleito de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, tirano da Guiné Equatorial, país de colonização espanhola e francesa, de entrar na comunidade lusófona: "Negócio é negócio."

Essa retórica de fazer corar o mais pétreo dos especuladores do mercado de capitais passou por cima de graves acusações de violação de direitos humanos. E, pior ainda, do fato de o ditador ter sido considerado o oitavo governante mais rico do planeta pela revista Forbes, apesar de (ou seria et pour cause?) o país por ele governado ser um dos mais pobres do paupérrimo continente africano. Mas esta não foi a primeira nem a única vez que Sua Excelência, do alto de sua respeitável biografia de herói da democracia construída sobre os escombros do regime autoritário tecnocrático-militar no Brasil, fez pouco-caso da vida humana em benefício das próprias conveniências, que ele e seus áulicos confundem com as da Pátria. Mais chocante que o relógio de ouro e diamantes exibido pelo mandachuva há 31 anos em seu país, o mais antigo presidente da África inteira, foi a gargalhada flagrada pelos fotógrafos quando Lula conversava com Raúl Castro, o irmão mais novo de Fidel, no instante em que o cubano era informado da morte do prisioneiro dissidente em greve de fome Orlando Zapata. O escárnio do líder de um partido que se diz de trabalhadores pobres, ao manifestar tal descaso pelo sacrifício do preso negro, pedreiro e mártir de uma ditadura ainda mais longeva que a de Nguema, assustou, mais do que surpreendeu, as boas almas do mundo que devotam genuína admiração ao self made man que ascendeu da mais baixa à mais alta escala social, tornando-se o mais poderoso e popular governante do Brasil desde o desembarque do português Tomé de Souza em praias da Bahia. E o susto foi tão legítimo como a admiração.

Engana-se, contudo, redondamente quem imaginar que essa gargalhada tenha sido o ápice das desastradas intervenções brasileiras no episódio dos dissidentes cubanos. Lula comparou-os com bandidos comuns em prisões brasileiras. E Marco Aurélio Garcia tentou ficar com o crédito pela libertação esporádica de um grupo deles, dizendo que os espanhóis, que participaram efetivamente do acordo que os soltou, só fizeram o gol numa jogada armada pelo Itamaraty.

A diplomacia lulista não precisou sair do Caribe para armar mais uma confusão causada por essa mistura de arrogância e ignorância que o professor Roberto Campos chamava de "arrognância". Num lance de grosseria explícita, Sua Excelência resolveu ignorar a presença de Álvaro Uribe na presidência da Colômbia, menosprezando a soberania do vizinho amigo e democrático para beneficiar o compadre venezuelano Hugo Chávez. O desrespeito se assemelha a negar pedido de extradição do criminoso Cesare Battisti pela Itália, soberana e democrática, que lhe teria negado pleno direito de defesa.

A presidência da Colômbia, entre um vizinho arruaceiro e outro grosseiro, emitiu nota oficial na qual resumiu em poucas linhas a mentalidade que comanda a política externa brasileira nos últimos sete anos e sete meses: Lula tem dificuldade de distinguir o pessoal do institucional. Hábil negociador sindical, confunde a negociação em fóruns internacionais com as noitadas no bar de Tia Rosa, em São Bernardo, onde decidia os passos dos metalúrgicos nas greves no fim dos anos 1970. Para retaliar Uribe ele se dirigiu diretamente a Juan Manuel Santos, o eleito que tomará posse na presidência colombiana sábado, adotando atitude idêntica à assumida no mesmo dia pelas Farc.

Há uma semana, o jeito peculiar do lulismo de tratar da soberania dos povos produziu outra pérola da insensibilidade diplomática, quando o presidente brasileiro se recusou publicamente, como havia feito com os dissidentes cubanos, a pedir a comutação da pena de apedrejamento de uma mulher iraniana a seu "amigo" Mahmoud Ahmadinejad. "As pessoas têm leis. Se começarem a desobedecer às leis deles para atender ao pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", justificou seu desinteresse pela vida de Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva acusada de adultério.

Mas Lula, o insensível, virou Lula, o magnânimo, em seu palco preferido, o palanque de sua candidata à própria sucessão, Dilma Rousseff, em Curitiba, sábado passado. Ali, na certa convencido de que lhes seria mais conveniente apelar pela vítima do que apoiar o carrasco, candidatou-se, com uma frase infeliz, a herói mundial pela comutação da pena capital da mãe de dois filhos condenada por adultério, que, em países democráticos, caso do Brasil, nem é mais passível de pena como crime ou sequer contravenção. "Se vale minha amizade e o carinho que tenho pelo presidente do Irã e pelo povo iraniano, se esta mulher está causando incômodo, nós a recebemos no Brasil", disse ele.

O recuo de Lula, mesmo não sendo atendido pelo destinatário, deve ser relevado em nome da boa causa. Elogiável será o efeito da metamorfose ambulante do presidente brasileiro pelo resultado que pode produzir. Mas não é exagerado lembrar que vidas humanas estão acima de interesses negociais e que a amizade pessoal nunca deve prevalecer sobre a liberdade individual. É bom que a diplomacia de conveniência do governo lulista tenha abraçado uma causa justa, mas tal mudança só produzirá efeitos positivos se vier com a consciência de que em diplomacia a conveniência não pode abrir mão do respeito.

JORNALISTA E ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO "JORNAL DA TARDE"

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O troco de Teerã a Lula
Editorial - O Estado de S.Paulo
04 de agosto de 2010

O governo iraniano rejeitou ontem, em termos ríspidos, a oferta do presidente Lula de dar asilo à viúva Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento por um suposto crime de adultério - caso que mobilizou as organizações de defesa dos direitos humanos em muitos países e deu origem, no Brasil, ao movimento "Fala Lula", difundido pela internet. "O presidente da Silva tem uma personalidade muito emotiva e humana", disse o porta-voz do Ministério do Exterior do Irã, Ramin Mehmanparast, "mas provavelmente não tem informação suficiente sobre o assunto."

Portanto, aos olhos do regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad, de quem ele se considera amigo e por quem diz sentir carinho, Lula é um exaltado que não sabe do que está falando. Na véspera, uma agência de notícias arquiconservadora ligada à Guarda Revolucionária, que age como uma espécie de polícia de costumes da teocracia, acusou o brasileiro de interferir em questões internas do Irã, "sob influência da mídia estrangeira". O que não se esperava era a canelada do próprio governo que tem em Lula o seu único aliado respeitável no Ocidente.

O regime teocrático iraniano é o que é e Ahmadinejad representa a linha-dura dos aiatolás no poder civil, mas Lula, efetivamente, tem demonstrado fartamente que "não tem informação suficiente sobre o assunto", como diria o porta-voz da chancelaria iraniana. Não tendo, quem sabe imaginasse que, depois de tudo que fez por Ahmadinejad no contencioso sobre o programa nuclear de seu país, teria direito a uma recompensa que o projetaria como salvador de uma vida a ser extinta por um dos meios mais bárbaros já inventados. Isso atenuaria o que ele disse no ano passado da brutal repressão aos dissidentes iranianos - "apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos". E talvez apagasse a lembrança da sua manifestação inicial sobre a tragédia de Sakineh, a mãe de 2 filhos presa desde 2006, já punida com 99 chibatadas por alegado "relacionamento ilícito", e que, se não for afinal apedrejada, poderá morrer na forca aos 43 anos. Há uma semana, coerente com a sua folha corrida em matéria de direitos humanos - que o digam os prisioneiros políticos cubanos que comparou a "bandidos presos em São Paulo" -, Lula recusou-se a interceder pela iraniana com este desastrado argumento: "Se (as pessoas) começarem a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", declarou, no mais castiço lulês.

No círculo íntimo presidencial, alguém há de ter levado as mãos à cabeça e chamado a atenção do chefe para o provável custo eleitoral da enormidade que proferira, logo ele que escolheu uma mulher para lhe suceder. É a explicação mais plausível para a reviravolta que se seguiu, a menos que se acredite na versão de um assessor, segundo o qual "Lula ouviu a voz da consciência". O fato é que, na primeira ocasião apropriada - um comício em Curitiba, no sábado, ao lado da candidata Dilma Rousseff -, ele fez a sua oferta, com a promessa de ligar para Ahmadinejad.

Se ligou, não se sabe. Mas, à parte o áspero troco iraniano, o episódio é um exemplo dos improvisos e desencontros do governo na execução de sua desastrada política externa. A crer no chanceler Celso Amorim, ele havia pedido ao seu colega iraniano Manouchehr Mottaki que Teerã perdoasse Sakineh. Amorim disse ter feito o apelo, que o seu interlocutor ouviu em silêncio, há duas semanas - antes, portanto, de seu guia falar em "avacalhação". Além disso, o ministro deixou implícito que Lula deu o dito pelo não dito sem combinar com o Itamaraty. Dois dias depois da guinada, o chanceler comentou que ainda precisaria conversar com o presidente sobre a melhor maneira de formalizar a sua proposta de asilo.

Tudo isso não empana o mérito de Lula. Apesar da confusão e do atraso - e quaisquer que tenham sido os seus motivos -, ele fez a coisa certa ao sair em defesa da iraniana. As provações de Sakineh Mohammadi Ashtiani e a monstruosa ameaça que paira sobre ela ofendem o mais elementar senso de decência humana.

Vamos esperar que, mais bem informado, agora, sobre a essência totalitária do regime iraniano, Lula modere o apoio que lhe dá.

Diplomacia da tolerancia com infratores de direitos humanos

Faz sentido. Combina inteiramente com quem ocupa o poder atualmente. Afinal de contas, é preciso olhar com um certo carinho todos esses assassinos e celerados. Eles também são humanos e tem direito aos direitos humanos, em primeiro lugar o de serem ouvidos e acatados. Por que seus governos não teriam o benefício da dúvida e da tolerância?
Paulo Roberto de Almeida

Brasil quer que ONU evite censura a países que violam direitos humanos
Jamil Chade - correspondente em Genebra
O Estado de S.Paulo, 04 de agosto de 2010

Em carta enviada a todos os Estados-membros da organização, representantes brasileiros defendem o diálogo com 'infratores' e propõem reforma para que a condenação pública seja apenas o último recurso do Conselho de Direitos Humanos

O governo brasileiro quer mudar a maneira como as Nações Unidas tratam as violações de direitos humanos no mundo. Em uma carta enviada a todos os Estados-membros da ONU, o Itamaraty propôs que a organização evite censurar publicamente regimes autoritários. A denúncia pública é considerada a principal forma de pressiona um país acusado de atentar contra os direitos humanos a mudar sua conduta.

O Brasil defenderá o diálogo com regimes violadores na revisão do funcionamento do Conselho de Direitos Humanos, que começa no fim do mês e termina em 2011. O argumento é que as reuniões de emergência da ONU detonariam crises internas.

As mudanças sugeridas na carta brasileira, datada de 19 de julho, à qual o Estado teve acesso com exclusividade, deve provocar controvérsia. Nos últimos anos, o Itamaraty evitou condenar países violadores nos órgãos da ONU. A estratégia é abster-se em votações sobre alguns casos e manter o diálogo, mesmo com governos que reconhecidamente cometeram atrocidades.

Em diversas ocasiões, o Brasil manteve-se distante dos países que criticaram abertamente Coreia do Norte, Irã, Sri Lanka, Sudão, entre outros governos, por desrespeitar direitos fundamentais. Para o Itamaraty, durante anos, a ONU virou palco de condenações e ataques que nunca resolveram as violações de direitos humanos. Nessas ocasiões, entidades como Anistia Internacional e Human Rights Watch criticaram a opção brasileira pelo silêncio. Brasília rejeita a avaliação e insiste que o atual sistema também não funciona.

Ineficácia. "Hoje, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vai diretamente para um contencioso", diz a carta brasileira. Quando há uma crise ou violação generalizada de direitos humanos, os países podem propor uma reunião de emergência e a aprovação de uma resolução pedindo o fim da violência e condenando um governo pelas violações. O Brasil acredita que essa prática não é eficaz. "Elas servem aos interesses daqueles que estão fechados ao diálogo, já que lhes dá uma espécie de argumento de que há seletividade e politização", afirma o Brasil.

"Não se trata de aliviar as resoluções", diz uma fonte do governo brasileiro, mas de aperfeiçoar o caminho até que se chegue a elas, tornando-as mais efetivas. Para o Itamaraty, as críticas feitas até agora são pontuais e isoladas, o que não impede que a proposta brasileira seja colocada efetivamente em prática.

Uma alternativa apresentada pela diplomacia brasileira é a realização de reuniões técnicas, sem a aprovação ou a proposição de resoluções. O encontro ocorreria na ONU, entre as agências internacionais e o governo em questão. Outra proposta é promover viagens de delegações de governos ao local da crise, algo que já ocorre em outros órgãos da ONU. No entanto, governos europeus querem saber se essas viagens substituiriam a presença de relatores independentes. O temor é que uma delegação formada apenas por governos acabe, mais uma vez, poupando o país envolvido na crise de críticas mais duras. A delegação, segundo a proposta brasileira, teria de ser formada por representantes de várias regiões.

A ex-relatora da ONU para investigar abusos em Cuba, Christine Channet, diz que, como a ONU faz hoje, não há como avançar. "Não vejo muita esperança diante da estrutura que temos hoje", disse ela ao Estado. Christine, contudo, preferiu não responder se o modelo proposto pelo Brasil faria alguma diferença. / COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA

Para entender
O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem 47 países-membros, com mandato de três anos. Para que uma resolução seja aprovada, é necessária a maioria simples dos membros. A cada quatro anos, os governos são obrigados a passar por uma sabatina sobre suas políticas de direitos humanos. Os governos também apresentam propostas de resoluções a cada três meses, mas reuniões de emergência podem ser convocadas para a votação de uma resolução, caso haja apoio substancial.

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Comentário de um jornalista que visivelmente não concorda:

Achando que ainda não chegaram ao fundo do poço, Lula e Amorim propõem a ONU que pegue mais leve com os tiranos de todo o mundo
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

O lixo moral que a política externa brasileira vai acumulando é uma coisa espantosa — e sem limites. Quando a gente supõe que o megalonanico e o megalobarbudo já atravessaram os umbrais do opróbrio, eles aprontam mais uma.
(...)
O que o Brasil propõe, em suma, é aliviar a pressão sobre ditadores e facínoras. Não por acaso, países africanos e árabes receberam muito bem a proposta — afinal, concentram boa parte das tiranias do mundo. Lula quer que a ONU, em suma, mantenha com os gorilas as relações que ele próprio mantém. Como sabemos, ele consegue ser de uma eficácia fabulosa, não é mesmo?

É uma humilhação para a política externa brasileira, que chega ao fundo do poço entre os países que têm alguma relevância no mundo. O pretexto, como sempre, é o da “maior eficiência”. Lula se abraçou com todos os déspotas do mundo. Eles se tornaram melhores por isso? Não! Mas o Brasil viu minguar a sua reputação.

Insisto na tese levantada aqui há alguns meses: a política externa brasileira é, dado o que sabemos, incompreensível e injustificável. Talvez só possa ser explicada e justificada com o concurso do que a gente ainda não sabe.

Pergunto-me sempre: que laços terão atado, de modo tão firme, o governo do PT ao governo do Irã? Sim, meus caros, nessa equação, uma vez mais, o objeto dos carinhos de Lula é o regime iraniano.

Um problema nacional, e de politica externa: as drogas da Bolivia

Não adianta "tampar" (como já disse alguém) o sol com a peneira. Este é um problema real, que exige soluções reais, efetivas, mais do que simples conversa mole.
Meu único papel aqui é o de informar...

CCJ faz audiência sobre tráfico de drogas da Bolívia para o Brasil
Reinaldo Azevedo, 3.08.2010

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado fará amanhã (4.08.2010) uma audiência pública para debater o tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil, que cresceu enormemente depois da chegada de Evo Morales à Presidência daquele país. O requerimento foi apresentado pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). “Somos o segundo país das Américas em número de usuários de drogas, perdendo apenas para os Estados Unidos. Não podia imaginar que nosso país fizesse parte de um ranking negativo como esse”, afirmou a senadora.

Mais de 70% da cocaína consumida no Brasil — inclusive a parcela destinada ao crack — vem da Bolívia. “O mais grave é que existem fortes indícios de que essa droga chegue ao Brasil com a cumplicidade do governo. Com essa discussão, a população conhecerá as ações de combate ao tráfico de drogas e os procedimentos adotados na fronteira quando o assunto é essa relação entre Brasil e Bolívia”, afirmou Kátia.

A senadora está sendo polida. Há mais do que “indícios”. Há mesmo a certeza. A produção de pasta de coca cresceu muito na Bolívia sob o governo Evo. Ele próprio se encarregou de criar campos novos de cultivo da folha em áreas fronteiriças com o Brasil. Não há consumo ritual que justifique esse incentivo, uma vez que, para esse propósito, o país já produz muito mais do que pode mascar. Segundo a ONU, 64% da produção se transforma em cocaína e crack. E o Brasil é o grande “comprador”. Evo também recusou um programa de ajuda dos Estados Unidos que dava incentivo à cultura de alimentos em vez do cultivo da coca.

O sacerdote aimará que deu posse simbólica a Evo Morales e principal representante do consumo ritualístico da folha foi preso com 250 quilos de… cocaína líquida! Em Chapare, berço político de Evo, a quase totalidade da produção das folhas 93% (!!!) vira cocaína e crack. A demanda cresceu tanto que o país já está importando matéria-prima do Peru!!!

A audiência da CCJ reunirá o Coordenador Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes, Oslain Campos Santana; o Promotor de Justiça do Mato Grosso do Sul Tiago Di Giulio Freire; o Secretário Nacional de Segurança Pública Substituto, Alexandre Augusto Aragon; o Coronel da Aeronáutica Cassiano Cordeiro Batista, e o Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.

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Addendum (datado de 4.08.2010):

Chefe da Polícia Federal confirma, na prática, o que disse Serra: governo da Bolívia é conivente com o narcotráfico
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Noticiei ontem aqui, vocês devem se lembrar, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, por iniciativa da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), realizaria hoje uma audiência sobre o tráfico de drogas da Bolívia para o Brasil. Pois bem. Leiam o que informa a Folha Online. Volto em seguida:

PF diz que Bolívia aumentou plantação de coca no governo de Evo Morales
Por Gabriela Guerreiro
Folha Online, 4.08.2010

O diretor-geral da PF (Polícia federal), Luiz Fernando Corrêa, disse nesta terça-feira que a Bolívia aumentou sua plantação de coca no governo do presidente Evo Morales. Ao participar de audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado para discutir o narcotráfico na Bolívia, o diretor da PF disse que mais da metade das drogas consumidas no Brasil são produzidas no país vizinho, maior fornecedor de cocaína ao Brasil.

“O que é público e notório que a ONU [Organização das Nações Unidas] atestou em seu relatório é que a área plantada [de coca no governo Morales] aumentou. No mínimo, em torno de dois terços ou pouco mais da metade da droga que se apreende no Brasil comprovadamente é boliviana. Então, nós temos que enfrentar a questão da matéria prima, da oferta lá na origem, além dos cuidados de contenção de fronteira”, afirmou.

Corrêa disse que a PF firmou parceria com o governo boliviano para combater o narcotráfico na região, embora o país ainda esteja no processo inicial de articulação contra a ação dos traficantes. “Lá esbarramos em questões culturais, a folha de coca é sagrada. Mas isso se destina ao narcotráfico e o Brasil é um desses destinos dessa produção ilícita.”

Segundo o diretor da PF, o governo brasileiro não pode “invadir a soberania” boliviana para erradicar as plantações de coca, mas deve criar mecanismos para separar o consumo para “fins culturais” do tráfico internacional. “Já temos oficiais de ligação em território boliviano trabalhando no campo da inteligência que tem nos permitido identificar e prender pessoas e carregamentos e também auxiliá-los.”

Corrêa disse que o trabalho da Polícia Federal é “muito maior” do que simplesmente evitar o ingresso de drogas ilícitas no país. “Tudo isso é enxugar gelo se não tratarmos a questão da oferta”, afirmou.

Na audiência, Corrêa defendeu a criação de uma rubrica específica no Orçamento Geral da União para a ação de combate ao narcotráfico nas fronteiras do Brasil com a Bolívia e o Paraguai –maior exportador de maconha ao país.

“Queríamos que esse esforço compartilhado tivesse uma rubrica própria. Se não, essa ação permanente de controle de fronteira quando tiver restrição orçamentária, pára. E no momento que parar, o tráfico vai se segurar porque não estamos presentes”, afirmou.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) disse que o percentual destinado no Orçamento da União à PF não é empenhado integralmente, o que prejudica as ações do órgão. Segundo a senadora, nos primeiros seis meses deste ano a Polícia Federal recebeu R$ 141 milhões dos R$ 2,7 bilhões destinados na dotação orçamentária para a instituição.

POLÊMICA
Em maio, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, provocou polêmica a afirmar que o governo da Bolívia é “cúmplice” do tráfico de cocaína para o Brasil.

Na época, o governo boliviano rechaçou as acusações do tucano ao afirmar que os dois países realizam “ações conjuntas na luta contra o flagelo do narcotráfico” e que Morales ratificou seu compromisso contra as drogas. O governo boliviano atribuiu as palavras de Serra à disputa eleitoral.

Candidata do PT, Dilma Rousseff disse que o tucano “incriminou” o governo boliviano sem provas.

Comento [Reinaldo Azevedo]
1 - Se eu disser que, segundo a PF, o tucano José Serra estava certo, e a petista Dilma Rousseff, errada, corro o risco de ser punido pelo TSE?;
2 - Se eu disser, mais uma vez, que o governo Lula mantém “vínculos especiais” com um outro governo leniente com o narcotráfico, o PT pode pedir, e conseguir, direito de resposta, ainda que eu apresente ao TSE a informação prestada pelo diretor geral da Polícia Federal?

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Et encore [certos jornalistas exageram; ficam pegando no pé...]

PT tem de pedir direito de resposta ao diretor-geral da PF, né?
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

Acho que o PT e a candidata Dilma Rousseff têm de entrar na Justiça pedindo direito de resposta ao diretor-geral da Polícia federal, Luiz Fernando Corrêa. Ele confirmou que a produção de coca na Bolívia cresceu muito sob o governo Evo Morales, com o que Lula e Dilma não concordam. Acham que isso é puro preconceito do tucano José Serra contra o índio de araque.

Ou, então, é preciso arrumar uma outra autoridade na PF para falar o contrário. Se não for assim, a campanha fica muito desequilibrada. Não dá para todo mundo ficar falando a verdade. O PT tem de exigir o “outro lado”.

Diplomacia da vinganca: uma nova modalidade, até aqui desconhecida...

Lula diz que vai “se vingar” ao participar de jantar de despedida de Uribe
Nathalia Passarinho
Portal G1, 3.08.2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira (3), ao assumir a presidência rotativa do Mercado Comum do Sul (Mercosul), que “vai se vingar” das críticas do colega colombiano, Álvaro Uribe, participando do jantar de despedida dele, em Bogotá. Lula participou de reunião de cúpula do bloco regional em San Juan, na Argentina.

“Eu falei uma coisa com a imprensa esses dias que o Uribe ficou nervoso, fez uma nota. Sabe como vou me vingar de Uribe? Vou no jantar de despedida dele, para ele saber que eu não tenho nenhum problema com ele, eu quero ajudar. Ele é meu amigo. Quero ver ainda se ele me coloca para jantar ao lado dele”, afirmou.

Na última quinta-feira (29), o presidente colombiano disse “deplorar” o fato de Lula se referir à crise diplomática com a Venezuela como se fosse um “caso de assuntos pessoais”, ignorando a ameaça que seria para a Colômbia a presença da guerrilha das Farc em território venezuelano.

Na última quarta (28), Lula afirmou que é preciso “ter paciência” e esperar a posse do novo presidente colombiano, Juan Manuel dos Santos, para que o conflito entre os dois países seja resolvido.

A posse está marcada para o dia 7 de agosto. No dia 22 de julho, a Venezuela anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia depois que o governo do país pediu à Organização dos Estados Americanos (OEA) que investigue a presença de guerrilheiros em território venezuelano.

Irã
Ainda durante a cúpula do Mercosul, Lula criticou os países membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas por rejeitarem o acordo com o Irã que prevê a troca de combustível nuclear. Segundo ele, as nações desenvolvidas deveriam “aprender” com o bloco sul-americano ao invés de demonstrarem “ciúmes”.

“Acho que a América do Sul e o Mercosul são exemplos de como o mundo poderia viver em paz, sem armas nucleares, sem guerra, como o mundo poderia viver de forma muito mais harmônica”, disse. “Eles poderiam aprender conosco, não poderiam ter os ciúmes que tiveram nesses últimos dias”, criticou.

Lula defendeu o acordo fechado em maio com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. A chamada Declaração de Teerã, firmada com a participação de Brasil e Turquia, prevê a entrega pelo Irã de urânio levemente enriquecido. Em troca, a república islâmica receberia combustível nuclear. A troca seria realizada em território turco. Segundo Lula, a comunidade internacional recusou o acordo apesar de ele cumprir as exigências impostas numa carta enviada ao governo brasileiro pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

“Os países do grupo de Viena , ao invés de dizerem, ‘estão criadas as condições para as negociações’, começaram a discutir aumento de sanções. O documento que firmamos com o Ahmadinejad era a carta explícita que o Obama mandou para mim. Exatamente o que o Obama disse que era possível fazer nós fizemos. E aquilo que era pra ser acordo virou sanção”, criticou.

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E um comentário a esse propósito:

Da grande promessa ao grande canastrão
Reinaldo Azevedo, 4.08.2010

A fala de Lula sobre o presidente colombiano, Álvaro Uribe, explica por que Lula chegou a ser visto como uma nova liderança e vai deixar o mandato, aos olhos do mundo, como um canastrão que pode ser perigoso. Para a Colômbia, as Farc não são uma mera questão retórica. Ao contrário: o estado chegou à beira da dissolução, pressionado, de um lado, pelo narcotráfico sem marca ideológica, e, por outro, pela narcoguerrilha que se quer marxista. Hoje, os dois grupos estão unidos contra a democracia.

E a Venezuela não só dá guarida aos narcoterroristas como lhes fornece armas, o que também já foi comprovado. Nos quase oito anos à frente do governo, Lula, invariavelmente, alinhou-se com o ditador Hugo Chávez e teve uma posição genericamente hostil ao governo colombiano. Não custa lembrar que Celso Amorim não disse um “a” quando o Exército colombiano aprendeu bazucas do Exército venezuelano em poder das Farc. Não! Errei! Disse, sim: afirmou que não havia provas de que aquilo fosse mesmo verdade.

Amorim, no caso, ficou aquém do próprio Chávez, que reconheceu que as armas eram mesmo da Venezuela — inventou que elas tinham sido roubadas. Troca de correspondência do terrorista Raul Reyes com seus comandados evidenciou que se tratou de uma negociação feita com agentes do governo Chávez. Nesse mesmo lote de e-mails, diga-se, estão aqueles que listam os amigos das Farc no governo brasileiro.

Mas Lula e Amorim foram extremamente duros com a Colômbia, exigindo “garantias” (!!!) para que se ampliasse a presença de soldados americanos em suas bases militares — que ficam, claro, em território colombiano. Lula é contra interferir na política interna das ditaduras; nas democracias, ele pretende pintar e bordar.

O Brasil não reconhece o caráter narcoterrorista das Farc. Marco Aurélio Top Top Garcia declarou “neutralidade” a respeito. Não só isso. Lula ofereceu o Brasil como “território neutro” para uma “negociação” entre o governo constitucional da Colômbia e a bandidagem — como se as Farc tivessem a legitimidade de um governo eleito. E como pode ser o Brasil “neutro” entre a democracia e o narcoterrorismo?

Para Lula, tudo termina em pantomima e piada. Termina? Não! Na prática, o presidente brasileiro está sempre alinhado com o que há de pior do mundo, como revela, uma vez mais, a sua fala sobre o Irã. Vejam como ele, de novo, estende seus olhares lânguidos para o terrorista anti-semita, apedrejador de mulheres.

A tirania iraniana acha que Lula é só um emotivo desinformado. Está errada, claro! Lula se oferece como esbirro de todas as ditaduras do mundo porque acredita que, assim, ele próprio assume um papel de líder mundial. Pretende ter um método. Chegou a enganar por algum tempo. Hoje, é só motivo de riso e escárnio mundo afora.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quatro maneiras de gastar o dinheiro - descubra a mais inteligente

A mais inteligente, obviamente, não é aquela que domina, predominantamente, no Brasil. Se você deduzir as razões, já terá bons motivos para fazer as boas escolhas nas próximas eleições...

COMBATENDO O MONSTRO LEVIATÃ
Rubem de Freitas Novaes*
O Estado de S. Paulo, 27/06/2004

O Professor Milton Friedman, detentor do Prêmio Nobel de Economia e emérito professor da Universidade de Chicago, tem-nos ensinado que, sob a ótica da origem e do destino, há quatro maneiras de movimentar dinheiro. Pode-se, numa primeira hipótese, usar recursos próprios para gastos em benefício próprio. Assim se dão as transações privadas realizadas em mercados livres. Neste caso, há o “olho-do-dono” garantindo a devida atenção, tanto para os gastos, como para a qualidade do que está sendo adquirido.

Numa segunda hipótese, recursos próprios seriam gastos em benefício de terceiros. É o caso, por exemplo, de presentes oferecidos. Haveria toda a preocupação com os custos, mas nem sempre se cuidaria com o mesmo denodo da mercadoria adquirida.

Outra situação ocorre quando recursos de terceiros são gastos em benefício de terceiros. É o caso típico da ação governamental quando o Estado simplesmente transfere fundos de um lado para o outro (o que acontece apenas em parte, já que a máquina estatal tem seus custos). Aqui, não são dedicados os cuidados devidos, nem para os gastos, nem para os benefícios que os justificariam.

A última hipótese, mais dramática, dá-se quando recursos de terceiros são usados em benefício próprio. Ocorre, por exemplo, quando a burocracia estatal encontra meios de utilizar os recursos do contribuinte para estabelecer vantagens corporativas, apropriando-se indevidamente de uma parcela significativa da renda nacional. Neste caso, configura-se uma situação conducente a todo tipo de abusos, já que o esforço de arrecadação será levado às últimas conseqüências com vista à maximização dos benefícios daqueles que estão encastelados no poder.

No Brasil de hoje, sem medo de errar, pode-se afirmar que cerca de 40% do PIB já é transacionado ineficientemente sob as duas últimas formas examinadas. Destaque-se que, segundo estudos do Banco Mundial, apenas 14% dos recursos destinados a Programas Sociais chegam efetivamente às mãos da população pobre. Também, estudos conduzidos pelo BNDES, no passado, mostraram que mais de 50% dos Programas Sociais de cunho paternalista desapareciam no custeio da burocracia, em perdas de mercadorias, em custos de transporte e na corrupção. Desperdícios e distorção de objetivos são a marca dos programas governamentais.

Errado está quem trabalha com a hipótese ingênua de que a ação governamental se dá fundamentalmente na busca do interesse público. Hoje, explica-se muito melhor a performance dos governos admitindo-se que políticos e burocratas cuidam prioritariamente de garantir vantagens particulares. Segundo a “Teoria da Escolha Pública” (James Buchanan e Gordon Tullock), de aceitação generalizada, indivíduos, grupos ou setores organizados valem-se da legislação e dos programas governamentais para fazer prevalecer seus interesses específicos, os mais egoístas. Como os benefícios para a burocracia, para a classe política e para os diversos grupos de pressão são palpáveis e imediatos, diferentemente dos custos de seu financiamento, que se dispersam por milhões de contribuintes não organizados para a defesa de seus interesses, surge o efeito orçamentário assimétrico que faz crescer descontroladamente os tentáculos do monstro estatal.

O fenômeno da expansão dos orçamentos públicos, como fatia da renda nacional, tem sido suficientemente mostrado e nossos empresários amiúde apontam para as dificuldades de competir neste mundo globalizado, quando outros países, assemelhados ao nosso, impõem carga tributária ao setor privado equivalente à metade da nossa. Se aqui campeiam a informalidade, a pirataria e o contrabando, não é porque nosso caráter seja pior que o de outros povos. Mas, sim, porque há toda uma indução para jogar a atividade empresarial na chamada economia submersa, longe dos olhos da burocracia estatal.

Mais recentemente, passamos a tomar ciência de uma distorção ainda mais séria: em escala crescente, confundem-se os interesses do Partido dominante com os do Governo; e deste com o Estado. E os mais graduados funcionários públicos cuidam de defender ferozmente interesses de classe a ponto de José Nêumanne (Estadão, 16/06/2004) chamar nosso país de “República-sindicato”, onde pretensos representantes do povo agem como “dirigentes sindicais reivindicando poderes e regalias em proveito deles próprios”.

Parece que a Sociedade está, pouco a pouco, tomando plena consciência dos perigos em jogo. Afinal, não são poucos os artigos e editoriais na imprensa alertando para a voracidade fiscal de nossos governantes e para os riscos do “aparelhamento” do Estado. Faltam agora surgir lideranças políticas que, abraçando as teses efetivamente liberais, nos permitam lutar em condições de êxito contra o monstro Leviatã.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE

OMC e comercio internacional - entrevista com Vera Thorstensen

"Brasil precisa fazer mais acordos comerciais"
Assis Moreira, de Genebra
Valor Econômico, 02/08/2010

A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e sim nos acordos regionais. Já há 267 notificados na OMC e 100 estão em negociação, com troca de preferências entre seus membros. O Brasil precisa buscar acordos com as grandes potências e não apenas com países em desenvolvimento. Do contrário, suas exportações serão cada vez mais prejudicadas por regras criadas pelos Estados Unidos, Europa e no futuro pela China em seus entendimentos preferenciais.

Isso é o que defende a professora Vera Thorstensen, que acaba de deixar a assessoria econômica da missão brasileira, em Genebra, para criar um Centro do Comércio Global na Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. O objetivo é explorar a nova dimensão da regulação do comércio internacional, com a multiplicidade de normas que encarecem os custos para o exportador e podem afetar duramente a competitividade brasileira. Embora a Rodada Doha não prospere, na própria OMC as regras continuam evoluindo através de interpretações de seu Órgão de Apelação.

Doutora pela FGV, Vera Thorstensen, 60 anos, passou 20 na Europa, dos quase 15 em Genebra, depois de "amor à primeira vista" pelos temas de comércio internacional. Publicou o primeiro livro em português sobre OMC e suas regras, em 1999. Montou e teve papel central na formação de 120 jovens advogados que fizeram estágio na missão brasileira em Genebra desde 20023. Deu cursos pelo Brasil inteiro e na Europa (Paris, Lisboa, Barcelona).

Reputada por seu rigor, a professora Vera se tornou uma figura incontornável na delegação brasileira. Por sua sala, ao longo dos anos, passaram autoridades, acadêmicos, técnicos brasileiro, sempre buscando um esclarecimento sobre a OMC e suas regras negociadas na Rodada Uruguai ou em negociação na Rodada Doha.

Na OMC, ela foi presidente do Comitê de Regras de Origem de 2004 a 2010. Um acordo para definir como os países identificam a origem de uma mercadoria para efeito de tarifas continua bloqueado porque os países visivelmente preferem ter margem para burlar as normas.

A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Valor:

Valor: Por que retornar ao Brasil agora? É frustração com a Rodada Doha?

Vera Thorstensen: No início deste ano, tomei a decisão de voltar ao Brasil consciente de que eu tinha uma missão a cumprir: criar um centro de estudos sobre a OMC para focar na regulação do comércio internacional. E explico: existe uma percepção no país de que a OMC morreu porque a Rodada Doha continua no impasse. Essa visão está errada. A OMC não só não morreu, como está muito ativa, principalmente na solução de disputas entre os países, onde foi aberto esta semana o 411. E tudo isso tem impactos imediatos no Brasil.

Valor: Que impactos seriam esses?

Vera: As regras da OMC não se referem apenas a atividades de exportação e importação de bens e serviços. São muito mais amplas, envolvendo medidas relativas ao comércio com propriedade intelectual, concorrência, investimentos, ambiente, clima, saúde, direitos humanos. Esta é a dimensão da regulação do comércio internacional. Atualmente, são duas as fontes dessa regulação. Uma, são as regras já definidas nos acordos na OMC. E mesmo sem a rodada avançar, essas regras na prática estão sendo ampliadas e revistas por decisões do Órgão de Apelação, que é uma espécie de supremo tribunal dos conflitos do comercio internacional. O mecanismo de solução de controvérsias é composto de duas fases: uma através dos painéis e a outra pelo Órgão de Apelação. Ou seja, não basta hoje apenas ler os acordos da OMC. É preciso ir atrás de todos os painéis relacionados aos temas em conflito e ver como o Órgão de Apelação interpretou os termos dos acordos.

Valor: Ou seja, um grupo de juízes está fazendo regras, enquanto os governos brigam?

Vera: Veja, os panelistas e o Órgão de Apelação têm obrigação de solucionar os conflitos comerciais que são a eles apresentados pelos países. E devem fazer isso com base nos acordos existentes que tem 700 páginas e outras 10 mil páginas de listas de compromisso de liberalização dos países. Como a OMC toma decisão por consenso, a linguagem de suas regras é muito pouco clara, é a famosa ambiguidade construtiva para se fechar negociações. Então, um país interpreta uma regra de um jeito e o outro o contrário. E isso é resolvido pelo Órgão de Solução de Controvérsias. Para manter a previsibilidade do sistema, os membros da OMC esperam que a próxima decisão utilize a interpretação anterior. É o peso da jurisprudência que tem papel fundamental. De fato, discute-se no mundo acadêmico a que ponto o ativismo do Órgão de Apelação está assumindo a posição dos negociadores dos países. E com o impasse da Rodada Doha, são esses juízes que estão atualizando na prática as regras da OMC.

Valor: Por exemplo?

Vera: O artigo 20 do Gatt, de 1947, sobre as exceções gerais, isto é, quando um país pode deixar de cumprir as regras da OMC, está sendo usado para dirimir conflitos que envolvem comércio e ambiente. Foi o caso dos pneus entre o Brasil e a União Europeia, do atum entre México e EUA, dos camarões entre EUA e vários países da Ásia, dos arbestos entre Canadá e UE. O Órgão de Apelação pegou uma página de um acordo negociado há 63 anos e através desses conflitos foi criando passo a passo uma regulação para disputas envolvendo ambiente, algo que os países até hoje nunca chegaram a um acordo.

Valor: Qual a segunda fonte hoje de regulação do comércio?

Vera: São os acordos regionais de comércio, negociados entre dois ou grupos não necessariamente próximos, como entre Chile e China. A regra que continua a vigorar em termos de acordos regionais é apenas o artigo 24 do velho Gatt, que tem 63 anos. E hoje está acontecendo uma explosão de acordos regionais incentivada até pelo impasse da Rodada Doha. Estão notificados na OMC 267 acordos regionais e a entidade já tem informação de que outros cem acordos estão em negociação.

Valor: Qual o problema de ter tantos acordos regionais?

Vera: O problema é que esses acordos estão usando as regras que englobam não só temas regulados da OMC, como estão expandindo e incluindo nova regulação como propriedade intelectual (Trips) e investimentos (Trims) no comércio. Além disso, os acordos regionais estão criando regras sobre temas que a OMC nunca conseguiu regular, como padrões trabalhistas, ambiente, investimento e concorrência. Há acordo de comércio regional que exige que os países tenham assinado as sete convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na OMC, os países em desenvolvimento afirmam que esse tema não é comércio e deve ficar na OIT. Só que, por conta da concorrência de países que não tem padrões trabalhistas, esse tema voltou a ter grande interesse. O fato de o país não ter esses padrões causaria uma redução significativa dos custos de exportação, como no caso da China, afetando a competitividade dos países que seguem as convenções da OIT.

Valor: E qual o problema de os acordos regionais criarem regras novas?

Vera: O problema é que a multiplicidade dessas regras pode minar a OMC e a longo prazo até destruí-la. Por quê? A existência de muitas regras sem controle e sem um órgão de supervisão está levando a criação de grandes blocos de regulação. Tem o modelo dos EUA, da UE e no futuro talvez da China. E já está ocasionando conflitos de regras, aumentando o custo de exportação e reduzindo a competitividade dos países que estão fora desses blocos.

Valor: Qual o impacto para o Brasil?

Vera: O Brasil não tem tradição de negociar acordos regionais fora da América do Sul e terá cada vez mais dificuldades para exportar para os grandes blocos que usam as regras que eles próprios criam, como regras sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, padrões privados de alimentos e regras de origem preferenciais. São as novas barreiras ao comércio. Dentro desses blocos, a OMC não tem controle.

Valor: Como exportador agrícola, o Brasil ficará mais vulnerável?

Vera: Sem dúvida. Se os EUA e a UE criam regras sobre alimentos, atingindo todos seus acordos preferenciais dentro de seus blocos, isso configura uma segmentação das novas regras de proteção no comércio internacional. Se o Brasil não participa, as exportações brasileiras são prejudicadas. O Brasil tem que enfrentar um grande dilema: fazer acordos regionais ou ficar autônomo. O problema é que, como grande produtor agrícola, é muito difícil fazer acordo preferencial com outros países, porque o setor agrícola é sensível para a grande maioria dos países.

Valor: O país deveria buscar acordos com os grandes parceiros?

Vera: A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na OMC e sim nos acordos regionais. Ficar fora dos grandes blocos poderá afetar sem dúvida as atividades internacionais das empresas brasileiras.

Valor: Mas o Brasil negocia com a UE, Índia, África do Sul e outros.

Vera: Se a dinâmica é fazer acordos regionais, o Brasil deveria estar negociando não só no eixo Sul-Sul, mas no eixo Norte-Sul.

Valor: Qual a consequência do conflito entre OMC e acordos regionais?

Vera: Se as regras da OMC não forem atualizadas, crescerá o problema na hierarquia de regras, com impacto no mundo de negócios. Para se ter uma ideia, o comércio internacional envolve US$ 12 trilhões por ano. Com a multiplicação desses conflitos, os países serão obrigados a sentar de novo na mesa não só para concluir a Rodada Doha, como partir para a negociação de regras mais ambiciosas para novos temas do comércio global.

Valor: Quando Doha será concluída?

Vera: Os prazos para as conclusões das rodadas são cada vez mais longos, porque elas são mais complexas. Não me causa nenhuma estranheza que Doha não tenha sido concluída. Mas o custo político de não concluí-la é muito alto, daí porque acredito que ela será bem sucedida. A rodada será concluída quando as lideranças tiverem consciência do perigo que a multiplicação dos acordos regionais representa para o sistema multilateral que levou 60 anos para ser construído. Quando a incompatibilidade das regras regionais começarem a afetar os grandes países, eles voltarão a se sentar na mesa de negociação na OMC.

Valor: A China é um risco ou oportunidade para o Brasil?

Vera: A China pode representar oportunidade pelo tamanho de seu mercado e um risco pela sua competitividade com produtos brasileiros tanto no mercado interno com em terceiros mercados. Um dos temas mais relevantes hoje de política comercial do Brasil é definir qual sua estratégia em relação a China. Os brasileiros devem produzir na China ou o Brasil deve atrair a China a produzir no Brasil? Até agora, o Brasil não tem estratégia clara, apesar do aumento das relações bilaterais. A existência das regras da OMC é fundamental nesse relacionamento. O Brasil deve usar todos os instrumentos que a entidade permite para defender sua indústria e utilizar as mesmas regras para abrir o mercado chinês.

Valor: Qual será o foco do Centro do Comércio Global que a sra. está criando?

Vera O objetivo é analisar o quadro regulatório do comércio internacional explorando sua nova dimensão, pois as regras não envolvem só exportação e importação, mas toda uma gama de temas que vão de concorrência a saúde, investimentos, ambiente, clima, direitos humanos . E isso é essencial para a economia brasileira. Precisamos conhecer bem os detalhes das regras e saber usá-las para defender os interesses do Brasil. A ideia é juntar advogados, economistas e administradores de empresas para estudar e avaliar os impactos dessas regras, tanto da OMC como de acordos regionais, para a economia brasileira, a competitividade e sobrevivência das empresas. O centro pretende acompanhar a regulação especifica dos principais parceiros do Brasil, como União Europeia, Estados Unidos, China, Índia, África do Sul.

Valor: No que o centro inovará?

Vera Minha intenção é criar uma nova geração de especialistas em comércio internacional. Ao invés de só pensar em participar de painéis (disputas) na OMC, que saibam identificar os problemas concretos das empresas, as regras que foram desrespeitadas e levar os casos para os comitês específicos da OMC. É uma área ainda não explorada no Brasil. Poucos percebem que as regras da OMC estão internalizadas nas regras brasileiras e que isso pode ser utilizado nas atividades normais das empresas e entre empresas e governos. Esse trabalho, de dirimir conflitos, é não só de advogados, mas de economistas, porque cada vez mais os conceitos econômicos estão entrando na OMC.

Valor: As escolas de economia e direito estão atualizadas no Brasil?

Vera: Não. É triste constatar que mesmo as melhores escolas de economia e direito dão pouca atenção ao quadro regulatório do comércio internacional. Existe mesmo o absurdo de alguns professores considerarem que as regras da OMC não fazem parte do direito internacional. Na verdade, o que acontece na OMC faz parte de uma nova área do direito e da economia, que é chamada de "international trade law and economics", que já tem até uma associação criada em Genebra. Em seu congresso, em Barcelona, foi triste constar que, entre 350 participantes, só cinco eram brasileiros. São raras as escolas que oferecem cursos sobre OMC e disputas de conflitos. Como se pode criar economistas e advogados sem saber o quadro regulatório do comércio internacional, como esses futuros profissionais vão defender os interesses das empresas?

A proposta da semana, quem sabe do mes...

... talvez até do ano.
Como muita coisa no Brasil, virou galhofa, a começar pela proposta original de um dos personagens mais extraordinários de toda a história do Brasil, certamente desde Cabral, talvez até antes.
Nunca antes neste país, como alguém diria, negócios de Estado foram conduzidos com tanta..., digamos assim, ligeireza, para não dizer com excesso de esperteza, quem sabe até com certa leveza de espírito, como cabe aos ingênuos.
OK, poder-se-ia também afirmar que esses assuntos vêm sendo conduzidos com alguns traços daquela braveza sincera que marcam os inocentes e os incautos, alguns diriam até com aquela safadeza dos que pertencem a tribos especiais, dessas que pretendem deter a chave do futuro.
O que é uma tragédia está virando comédia, pelas mãos e palavras dos comediantes de costume.
Em todo caso, pode-se, por enquanto, rir da proposta do humorista do Estadão...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil planeja Bolsa-Adultério
Tutty Vasques, Estadão, 3 de agosto de 2010

Lula está ainda esperando a repercussão internacional sobre sua oferta de asilo à mulher condenada à pena de morte por apedrejamento no Irã para, em caso de boa receptividade global, anunciar a criação de um programa de amparo a todas as adúlteras do mundo.

O Bolsa-Adultério seria extensivo a toda mulher estrangeira que pular a cerca e cair em desgraça, desde que, a exemplo dos beneficiados pelo Bolsa-Família, mantenha filhos entre 6 e 15 anos matriculados na escola e com carteira de vacinação em dia. Disso o governo não abre mão!

Falta ainda convencer os conservadores de Teerã a aceitar a oferta brasileira de refúgio à iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, que pode sair da cadeia direto para o programa da Luciana Gimenez. A apresentadora da Rede TV! já estaria, inclusive, mexendo seus pauzinhos para entrevistá-la primeiro que a Hebe Camargo e a Ana Maria Braga.

O Bolsa-Adultério prevê a suspensão de qualquer auxílio financeiro à titular do benefício que se tornar celebridade instantânea e auto-sustentável no exílio brasileiro. A medio prazo, imagina-se, o programa pode até tornar-se livre de despesas para o governo. Atire a primeira pedra aquele que não simpatizar com a ideia!

O enigma dos juros altos no Brasil - Rubem de Freitas Novaes

Um texto antigo, mas ainda plenamente válido em suas considerações sobre política monetária, política fiscal, mercados de capitais.

O ENIGMA DOS ALTOS JUROS
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 17/09/2003

Faz pouco tempo, bacharéis em Direito e economistas realizaram, em datas próximas, importantes encontros na cidade de São Paulo. Como era previsível, a festa dos bacharéis, comemorando o centenário do Centro Acadêmico XI de Agosto, recebeu maiores atenções da opinião pública do que a homenagem prestada por entidades de classe a Pérsio Arida, eleito “Economista do Ano–2003”. A razão, muito simples: o desgaste sofrido pela profissão econômica, após quase três décadas de crescimento medíocre do país. Registre-se que ainda chegou a haver certa recuperação de imagem quando o Plano Real conseguiu debelar uma robusta inflação, sem impor grandes custos à sociedade. Mas, logo, a persistência de baixos índices de desenvolvimento recolocou a profissão na fase de inferno astral. Afinal de contas, se os do ramo não conseguem contribuir com políticas públicas para a melhoria do bem-estar do povo, para que servem?

O fato é que os economistas mais bem equipados têm se dedicado cada vez mais ao estudo dos aspectos monetários e financeiros (inflação, juros e câmbio), abandonando a ênfase que era dada no passado às questões ligadas à promoção do crescimento e do emprego, reconhecidas como o “lado real” da Economia. (Quem sabe a criação, na BMF, de um contrato futuro para a taxa de crescimento do PIB não ajudaria a recuperar o interesse da profissão para os temas do desenvolvimento?).

Em boa parte, a mudança de ênfase dos nossos colegas pode ser atribuída à atração exercida pelos melhores salários do mercado financeiro. Mas não se pode desconsiderar o fato de que os economistas descobriram, de moto próprio, que têm um papel bem mais limitado a cumprir na sociedade do que aquele implícito, por exemplo, nos ideais do “New Deal”, de Roosevelt, ou no pensamento dominante da CEPAL. Com efeito, nossos mais destacados estudiosos concluíram, em boa hora, que o melhor planejamento estatal é aquele voltado apenas para as funções precípuas de governo; que o melhor programa social resume-se na mera distribuição de renda para os mais desfavorecidos; que a melhor política industrial é a ausência de política industrial; que a melhor política cambial é a de moedas flutuantes; etc. e que, em síntese, o ideal é que as regras do jogo sejam sempre claras e estáveis, sem deixar lugar para grande ativismo das autoridades públicas. Com isso, a classe recolheu-se a uma menor significância, a despeito dos reclamos daqueles que, dotados de espírito corporativo mais aguçado, lutavam contra a perda de funções e postos no mercado de trabalho.

Voltando à festa dos economistas, nela Pérsio Arida - com a autoridade de quem muito contribuiu, juntamente com Simonsen, Chico Lopes, Lara Resende e Gustavo Franco, para decifrar o enigma da inflação inercial – propôs que seus companheiros de profissão se debruçassem sobre as razões pelas quais a taxa de juros natural no Brasil (taxa real neutra em termos de influência sobre a inflação) situa-se em patamar tão elevado - entre 8,5% e 10% ao ano, na ponta da captação - impondo-nos uma grave restrição à retomada do crescimento sustentável.

Aceitando seu desafio, naquilo que é permitido expor em tão curto espaço, ressalto que a questão da determinação da taxa de juros real pode ser vista sob duas óticas: a do mercado monetário e a do mercado de fundos para investimento. No primeiro caso, cabe destacar o expressivo tamanho de nossa dívida pública e o fato de que sua ordem de grandeza é dez vezes superior a da base monetária. A dificuldade está em que o país, ao longo de sua história relativamente recente, já tabelou a correção monetária, criou tributações extraordinárias sobre os rendimentos de seus títulos e seqüestrou as aplicações financeiras da população. Além disso, volta e meia ouvem-se sugestões tentadoras no sentido do “default” da dívida pública. Não é de admirar que os credores de tão volumosa quantia exijam uma bela remuneração para oferta-la.

Muitos analistas, erroneamente, acreditam que o “mercado” não tem alternativas para a aplicação de sua “caixa” e que o Tesouro, com igual sucesso, poderia financiar-se a taxas bem mais baixas. Ledo engano. Uma remuneração inadequada levaria à monetização de certa parcela da dívida pública (já vimos isto com clareza no segundo semestre de 2002), com impactos amplificados sobre a base monetária (considerando-se que, para cada 1% de monetização, aumentamos em 10% a oferta monetária) e efeitos desastrosos para o controle da inflação.

Em relação ao mercado de poupança e investimento, algumas considerações se impõem: vivemos num país com excelentes oportunidades de investimento, propiciadas pela ampla disponibilidade de recursos naturais, energia e mão-de-obra barata. A isto se contrapõe uma forte escassez de fundos de poupança, para determinar uma taxa de juros de equilíbrio muito elevada. Podemos agir sobre a poupança privada se, a exemplo de outros países, como o Chile, voltarmos a nossa Previdência para um regime de capitalização bem administrado. Do setor público, teria de ser demandado um esforço enorme de enxugamento, em todos os níveis de governo, para reverter uma despoupança líquida que hoje atinge a 3% do PIB. Finalmente, para estimular a poupança externa, teríamos de atuar basicamente sobre a percepção de risco Brasil, oferecendo regras estáveis e amistosas, respeito aos contratos e obediência aos direitos de propriedade.

Como vemos, nenhuma das ações é de fácil materialização e teria poder de influenciar de forma importante a nossa taxa “natural” no curto-prazo. O país tem enfraquecido a sua capacidade de poupar há muitos anos e a situação do endividamento público, se não é calamitosa, ao menos é preocupante . Um quadro como este só é mutável aos poucos e exige um somatório de medidas na direção correta. Infelizmente, não será possível um lance de genialidade (como foi a construção da URV no desmonte da inflação inercial) para a solução do enigma que Arida nos coloca. Permanece o consolo de que, nas condições de hoje, ainda há um belo espaço para a queda expressiva nos juros.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Plataforma de politica externa da candidata Marina Silva

Abaixo o que foi liberado no site sobre propostas de política externa, tudo muito vago e sem elementos concretos, ou seja, que destoem da política externa profissional do Itamaraty. A ênfase nos direitos humanos certamente destoa completamente das práticas de política externa do governo Lula.
Paulo Roberto de Almeida

Política externa para o século 21
Marina Silva, 02/08/2010

A política externa brasileira deverá ser pautada por princípios fundamentais, como a manutenção e a promoção da paz e da segurança internacional, que devem ser defendidos e respeitados nas relações internacionais. Ao dirigir a sua política externa com base em princípios sólidos, e não em conveniências imediatas, o Brasil deve passar a ser visto como uma nação coerente, que abraça as causas corretas, respeita o Direito Internacional, lidera pelo exemplo e, assim, fortalece seu poder de persuasão e a sua influência no cenário internacional. Embora a solução negociada deva ser sempre priorizada, deverão ser utilizados todos os mecanismos legais que permitem ao Estado brasileiro a sua defesa em situações de conflito.

a. Cooperação e solidariedade – A globalização aumentou a interdependência dos povos e nações e, com isso, a necessidade de encontrar soluções globais para problemas de toda natureza: locais, nacionais, regionais e globais. Nas duas últimas décadas, assistiu-se a uma “globalização do Direito”, por meio da proliferação e do fortalecimento de organizações e regimes internacionais, como o de comércio (com a criação da OMC) e o de mudança do clima (com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto). Nesse novo cenário, a relação entre Estados deve ser regida pela cooperação e pelo respeito às regras e instituições criadas em conjunto pelas nações, e não pelo uso da força ou por posturas unilaterais.

Nesse contexto, o Brasil, como oitava economia do mundo que caminha rapidamente para integrar o conjunto de países com alto índice de desenvolvimento, deve basear as suas ações na solidariedade com os menos desenvolvidos, apoiando-os especialmente no alcance das Metas do Milênio, por meio de cooperação econômica e técnica, capacitação e assistência humanitária. O Brasil deve, também, cooperar com outros países para o fortalecimento dos fóruns multilaterais, como o G-20, na área de governança da economia internacional, e a ONU, na área de manutenção da paz e da segurança internacional.

b. Legitimidade e democracia – Apesar dos avanços nas regras internacionais desde o fim da Guerra Fria, os mecanismos de governança global existentes ainda são insuficientes. E grande parte dos problemas enfrentados hoje no sistema internacional tem origem na falta de legitimidade de suas instituições. Por isso, é preciso que o Brasil, muitas vezes prejudicado por essas “regras do jogo” desiguais, seja um veemente defensor da democratização das organizações e regimes internacionais.

Há inúmeros exemplos de distorções que precisam ser corrigidas: pesos desequilibrados dos poderes de voto (como no caso do FMI e do Banco Mundial), existência de poderes de veto sem adequada representação (como no Conselho de Segurança da ONU) e desigualdade no cumprimento de obrigações internacionais (como ocorre com as metas de desarmamento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares). Essas instituições, ao serem vistas como pouco legítimas, são pouco respeitadas. Para aumentar a sua efetividade, portanto, é preciso aprimorá-las e democratizá-las.

O Brasil deve, sempre levando em conta os princípios fundamentais de sua política externa e seus objetivos de longo prazo, avaliar a participação em organizações e regimes internacionais dos quais não faz parte, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Convenção sobre Munições de Fragmentação.

c. Sustentabilidade – Se a interdependência nos leva a ter que investir na cooperação internacional, nenhum tema é tão “globalizado” quanto a sustentabilidade. O Brasil deve liderar o esforço internacional de implementação dos compromissos derivados da Rio-92, em especial o combate à mudança do clima, pelo risco que representam tanto para o país como para a imensa maioria dos países mais pobres do planeta.

Devemos dar o exemplo, incentivando internamente e entre nossos parceiros a economia de baixo carbono, aproveitando as vantagens comparativas do país e transformando-as em vantagens competitivas. Essa é uma oportunidade inédita de o Brasil sair na frente e se posicionar de forma privilegiada no cenário mundial, dando um passo fundamental na direção de garantir a prosperidade de nossas gerações futuras.

Devido à crescente interação entre os objetivos de crescimento econômico, desenvolvimento, promoção da paz e proteção do meio ambiente, o país deve, ainda, participar ativamente dos debates para a criação de uma Organização Mundial Ambiental, que consolide as regras internacionais voltadas à sustentabilidade.

d. Paz e direitos humanos – O Brasil não pode, em nenhuma hipótese, abrir mão da defesa da paz, princípio básico de nossa política externa, como mostra nossa Constituição e nossa tradição. Devemos continuar sendo exemplo do convívio pacífico de diferentes etnias e religiões, procurando refletir e propagar essa experiência em nossas relações internacionais.

Além disso, o Brasil deve ter uma posição firme na defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, deve adotar, considerando sempre o princípio da não intervenção, uma postura crítica com relação a países que violem esses direitos e, ao contrário do que tem acontecido, o país não deve relativizar esses princípios em suas relações de Estado.

e. Comércio mais livre, mais justo e mais sustentável – O comércio internacional é, comprovadamente, uma fonte de geração de riqueza. A abertura comercial, se complementada por políticas que suavizem o ajuste econômico e social para os setores mais afetados, é um poderoso instrumento de combate à pobreza. O Brasil deve ter um papel ativo na eliminação das barreiras e distorções que prejudicam o livre comércio. Para isso, deve se valer dos instrumentos que a globalização jurídica lhe oferece, seja no âmbito multilateral (OMC), seja no âmbito regional (Mercosul). Além disso, o Brasil deve aperfeiçoar seus mecanismos domésticos de combate a práticas desleais e ilegais de comércio, como “dumping”, subsídios, contrabando e descaminho, mas sempre de acordo com as regras internacionais.

O livre comércio, entretanto, não pode ser apoiado quando ele estimula processos e métodos produtivos baseados na degradação ambiental ou avessos aos compromissos do país relacionados a padrões trabalhistas, expressos nas convenções da OIT. Os direitos trabalhistas e sociais previstos na Constituição e o esforço brasileiro para a criação de uma economia de baixo carbono não podem ser sacrificados. Ao contrário, devem ser defendidos e transformados em vantagens competitivas. Para tanto, o Brasil deve defender a criação de novas regras sobre esses temas no âmbito da OMC e deve desenhar novos instrumentos de promoção das exportações que valorizem a sustentabilidade de produtos e serviços.

Economia, competicao, riqueza e pobreza - artigos Paulo R Almeida

Meus mais recentes artigos publicados no Ordem Livre (de vez em quando eu me lembro de consultar o site e, pimba, lá está mais um, geralmente feito algum tempo atrás):

Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?
02 de Agosto de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Este é, provavelmente, um dos mais equivocados, mas persistentes, “axiomas” da teoria social dita de esquerda sobre as origens das desigualdades entre as pessoas e os países. Embora não especificamente marxista em sua origem, foi com o marxismo que essa “tese” se difundiu e adquiriu ares de “evidência histórica” como nunca tinha sido o caso no pensamento utópico das correntes socialistas anteriores. De fato, desde Babeuf (e sua “conjuração dos iguais”), passando por Proudhon – “A propriedade é um roubo” – e pelos anarquistas de todas as tendências (menos os anarco-capitalistas, claro, que são mais exatamente libertários), “progressistas” de todas as cores vêm repetindo (em todas as variantes possíveis, e com sucesso) esse credo aparentemente plausível, mas redondamente falso e, no limite, intelectualmente desonesto.
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Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados?
18 de Julho de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Respondo rapidamente: sim e não. Com desculpas pela ambiguidade, explico imediatamente. Sim, orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados, mas isso numa perspectiva de médio ou até de longo prazo, consoante o planejamento econômico que todo estado moderno faz em torno de suas receitas e despesas. Não, o orçamento público não precisa ser equilibrado, no sentido de ser superavitário ou de apresentar equivalência perfeita entre receitas e despesas (déficit zero). Vejamos.
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Competição e monopólios (naturais ou não): como definir e decidir?
05 de Julho de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Competição é um velho princípio da excelência em qualquer área imaginável: quando maior número de pessoas estiverem disputando determinada compensação em função do resultado final do esforço empenhado em uma dada atividade, melhor será esse resultado, tanto para o próprio produtor, quanto para seus eventuais usuários.
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Essa insuportavel classe de rentistas...

Certos partidos são pródigos em acusar um obscuro processo de "financeirização" -- seja lá o que isso queira dizer -- pelos problemas enfrentados pela economia real, ou seja produtiva de bens e serviços concretos (aos seus olhos, a única que "presta"), pedindo em consequência um estrito controle do Estado sobre o setor financeiro de modo a evitar que este "sugue" recursos necessários à produção e os entregue nas mãos dos "especuladores", sempre à espreita para "espoliar" o dinheiro do honesto trabalhador e do empresário "produtivo".
Alguns representantes desse tipo de partido chegam a acusar com deleite os que vivem de atividades financeiras de "rentistas", como se fossem leprosos devendo ser condenados pela sociedade e talvez até encarcerados pelos Estado.
Na sua ignorância, e em decorrência de meia dúzia de bobagens que Marx falou a respeito da "circulação do dinheiro" e do caráter completamente "estéril" da atividade de intermediação financeira, esses novos Torquemadas pedem a interdição, ou no mínimo o controle estrito dessas atividades, para impedir males maiores para a economia.
Eles tampouco deixam de ser "rentistas", quando vivem de empregos públicos sem a correspondente atividade produtiva, quando pedem dinheiro para as empresas para as suas campanhas eleitorais, quando se dedicam exclusivamente à militância sindical, sem jamais voltar às linha de produção, enfim, ser rentista é uma atividade muito disseminada no Brasil.
No artigo abaixo, João Luiz Mauad destaca o que é ser rentista, de verdade.
Aprendam alguma coisa.
Paulo Roberto de Almeida

Rentistas e sanguessugas
João Luiz Mauad
Ordem Livre, 29 de Julho de 2010

Mesmo com a economia em desaceleração o Banco Central aumentou a taxa de juros. São os interesses dos bancos e grandes rentistas prevalecendo.” (Deputada Luciana Genro – PSOL-RS, após a última reunião do COPOM)

Uma das expressões mais utilizadas e estigmatizadas pela esquerda (e alguns setores da direita) é a famigerada ‘rentista’. Usam-na, a torto e a direito, para designar aqueles indivíduos, ou grupos, que auferem renda fora do trabalho, através de investimentos em ativos que geram retorno financeiro. Não raro, referem-se à “classe rentista” de forma pejorativa, especialmente em ralação àqueles “parasitas gananciosos”, que aplicam seus recursos nos mercados financeiros e de capitais. Será que esse estigma é justo?

Existem três formas legítimas de alguém adquirir rendimentos: lucros, salários e rendas. A característica principal do lucro é o risco envolvido, ou seja, o investidor aplica seu capital na expectativa de obter retorno positivo. O resultado, porém, é indeterminado e desprovido de garantias. Quanto aos salários, esses não envolvem riscos (exceto os relacionados a aspectos não econômicos, como fraude, por exemplo), uma vez que são a contraprestação – pré-estabelecida – de um serviço determinado. Geralmente, os salários são proporcionais à produtividade do trabalho realizado. Já a renda é a remuneração obtida a partir do arrendamento de um ativo, seja um imóvel, um automóvel ou uma quantia em dinheiro.

Um trabalhador que poupe um pedaço do seu salário todos os meses e, depois de certo tempo, resolva adquirir um imóvel para fins de aluguel, torna-se automaticamente um rentista. Como ele, qualquer outro indivíduo que acumule algum capital e o arrende a alguém se tornará também rentista. Até mesmo os aposentados são rentistas que, todo mês, durante anos, contribuíram com uma parte do seu salário para ganhar o direito de auferir uma renda vitalícia no futuro. Há ainda aqueles que obtêm renda de propriedades herdadas, porém mesmo estas propriedades foram adquiridas através da poupança de alguém – no caso os antepassados desses felizardos. Podemos notar que, por trás da aquisição do direito legítimo à renda, está o direito de propriedade e seu consequente usufruto.

As rendas são a forma mais segura de obtenção de rendimentos e, por esta razão, é natural que a maioria das pessoas deem preferência a ela, especialmente os mais conservadores. Na verdade, não há nada de errado nisso, pelo contrário. Ao visarem essa forma de rendimento, as pessoas estarão sempre buscando manter e valorizar os ativos (capitais) em seu poder.

A poupança – própria ou de terceiros – transformada em investimento é a única forma legal – e legítima – de obter renda. Infelizmente, porém, há outras formas de adquiri-la, algumas legais, porém injustas, e outras tanto ilegais quanto injustas. No último caso estariam o roubo, o furto, a fraude e outros crimes correlatos, em que alguém se apropria, pelo uso da força ou não, de propriedades alheias, sem o consentimento do dono. Sobre este não pretendo aprofundar-me, uma vez que sai da esfera econômica para a policial.

Há, no entanto, uma outra forma de rentismo extremamente injusta, embora muitas vezes perfeitamente legal, cuja principal característica é estar sempre associada à ingerência do estado e sua indelével vocação para tomar – através do uso legal da força – propriedades de uns e entrega-las a outros. Esta prática espúria nasce do fato, há muito explicado por David Hume e seu amigo Adam Smith, de que a maioria das pessoas busca, através de seus atos, o seu próprio interesse e não um "interesse público" vagamente definido.

Tudo o que o estado nos toma, pela via dos tributos, e não nos dá de volta através de serviços públicos universais é, sem meias-palavras, espoliação. Com efeito, o seu produto não se derrete ou evapora no ar, mas é apropriado por certas espécies heterodoxas de “rentistas”, ou “rent-seekers”, como os definiu Anne Krueger.

Esse tipo de apropriação indébita, que chamo de “rentismo sanguessuga”, baseia-se na transferência forçada de recursos, em que os governos retiram de A e repassam a B – além de cobrar, é claro, certa comissão pelo serviço sujo. Infelizmente, os sanguessugas são muitos, e de várias espécies. Por exemplo: funcionários públicos que recebem salários maiores que as respectivas produtividades; ONGs, sindicatos e demais organizações cujas receitas são, de alguma maneira, tomadas dos pagadores de impostos. Há ainda os casos mais difíceis de enxergar, porém não menos danosos, como os privilégios concedidos a empresários, beneficiados com incentivos fiscais, proteção contra a concorrência estrangeira, concessão de serviços públicos, subsídios, isenções de impostos, patrocínios e publicidade estatais, obras públicas superfaturadas, financiamentos a juros subsidiados e muitos outros.

É infinita a quantidade de "bondades" que interesses concentrados podem pleitear dos governos, sempre à custa dos dispersos pagadores de impostos – legítimos donos do dinheiro. No frigir dos ovos, entretanto, a principal característica dos sanguessugas consiste em apropriar-se dos recursos do erário para benefício próprio.

Não por acaso, na maioria das vezes em que ouço alguém criticar os rentistas, trata-se de um sanguessuga a reclamar de um rentista legítimo, numa completa inversão de valores.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas).