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terça-feira, 5 de abril de 2011

OEA: uma velha senhora, com algumas plasticas... - Paulo Roberto de Almeida

Infelizmente, o artigo abaixo -- que agora me lembrei de acessar no site da revista Interesse Nacional -- foi elaborado pouco tempo antes das tribulações políticas em Honduras, que viram essa velha senhora que antigamente era considerada um "ministério das colônias americanas" (ou seja, dos EUA), e o próprio Brasil, se envolverem em cenas explícitas de intervencionismo nos assuntos internos de um país soberano.
Se o artigo tivesse sido escrito depois do "golpe" em Honduras, e depois do envolvimento do Brasil naquela aventura política chavista, ele teria outra conotação e provavelmente outras conclusões, muito mais negativas para essa velha senhora enrrugada, que não seria melhorada nem por várias cirurgias plásticas. Quanto ao Brasil, bem, deixo as conclusões com os próprios leitores que são suficientemente inteligentes para saberem o que penso a respeito da nossa patética intervenção na política interna daquele país centro-americano.
Esta versão na página da revista (neste link), suprimiu as notas de rodapés -- que aparecem com uma bolinha preta (• [nota suprimida]) que não sei se será preservada neste formato, e colocou todas as maiusculas em minúsculas: oea, eua, etc... --, mas o artigo também pode ser lido neste link.
Divirtam, ou lamentem esta patética organização que já foi considerada uma defensora da democracia...
Paulo Roberto de Almeida

A OEA e a Nova Geografia Política Latino-americana
Paulo Roberto de Almeida
Revista Interesse Nacional, Ano 2 - Edição 6 - Julho a Setembro de 2009

O site da Organização dos Estados Americanos anuncia em sua página de apresentação que ela “aproxima as nações do Hemisfério Ocidental com vistas a fortalecer mutuamente os valores democráticos, defender interesses comuns e debater um grande número de temas regionais e mundiais” .

A declaração é, retrospectivamente, muito curiosa, tendo em vista a resolução aprovada por consenso, ao cabo de sua 39a Assembleia Geral – realizada em Honduras, em 2 e 3 de junho de 2009 –, em função da qual os países-membros acordaram revogar a decisão de 1962, pela qual se suspendia o direito do governo cubano de integrar o sistema interamericano. O texto, aprovado sob intensa pressão de alguns governos e de movimentos políticos, contém dois pontos principais. No primeiro, puramente operacional, se lê que “a Resolução VI adotada no dia 31 de janeiro de 1962 na Oitava Reunião de Consulta de Ministro de Relações Exteriores, mediante a qual se excluiu o Governo Cubano de sua participação no Sistema Interamericano, fica sem efeito na Organização dos Estados Americanos”. O segundo ponto, de caráter mais nitidamente político, estipula que “a participação de Cuba na oea será o resultado de um processo de diálogo iniciado por solicitação do Governo de Cuba e de conformidade com as práticas, propósitos e princípios da oea”.

O que surpreende, em primeiro lugar, é a rápida formação de um consenso em relação a uma das questões mais controversas na pauta da organização em exatos 47 anos. Sublinhe-se, circunstancialmente, que o consenso foi obtido na ausência da secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, que havia deixado mais cedo o encontro para agregar-se à comitiva do presidente Barack Obama, em visita ao Egito e às vésperas de pronunciar importante discurso sobre as relações dos eua com o mundo muçulmano. Como a decisão foi tomada na presença do subsecretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, embaixador designado em Brasília, se subentende que a postura americana de não confrontar a unanimidade latino-americana já tinha sido passada para a coluna de perdas e danos em Washington.

Na verdade, ocorreu uma completa inversão da situação observada nas décadas de 1960 e 1970, quando Cuba encontrava-se quase completamente isolada no continente: desta vez, foram os eua que se sentiram totalmente isolados num continente quase inteiramente entregue à causa cubana. De fato, o próprio subsecretário de Estado Shannon declarou que a resolução aprovada era “um ato de estadistas” e que os eua não estavam interessados em “lutar velhas batalhas ou viver no passado” .

Ainda mais surpreendente, contudo, é constatar o quão subserviente tornou-se a oea ante um dos governos mais problemáticos de todo o hemisfério americano em termos de direitos humanos e de democracia. Numa visão meramente protocolar, ou de procedimentos administrativos, e mesmo admitindo-se, por hipótese, que o governo cubano fosse um dos mais democráticos na região, não se tem registro, nos anais da diplomacia mundial, de uma organização internacional que, formada por algumas dezenas de Estados soberanos, se tenha colocado de forma tão submissa a serviço de um governo que, repetidamente, declarou seu completo desinteresse em juntar-se ao clube. Com efeito, o que a declaração diz, pura e simplesmente, é que o governo cubano vai decidir se deseja ou não iniciar um diálogo com a entidade, acrescentando-se ao final, quase pudicamente, que essa interação se dará “de conformidade com as práticas, propósitos e princípios da oea”.

Os valores e os princípios da OEA: apenas formais?

E quais são as práticas, propósitos e princípios da oea? Bem, aquela mesma página inaugural citada inicialmente diz que a oea “é o principal Fórum Multilateral do Hemisfério para o fortalecimento da democracia, bem como para a promoção dos direitos humanos e para a discussão de problemas comuns, tais como: pobreza, terrorismo, drogas e corrupção” . No que se refere aos princípios e valores, a segunda página introdutória trata, precisamente, do “Compromisso Democrático”, na qual se lê: “A democracia é a pedra fundamental da oea. A vigência do regime democrático é condição necessária para a participação dos países na oea, além de base para a realização de todas as suas atividades. A Carta Democrática Interamericana declara de maneira simples e direta que: ‘Os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de defendê-la e promovê-la’ ” .

Considerando-se o teor de algumas disposições dessa Carta, aprovada na assembleia realizada em Lima, no dia 11 de setembro de 2001 – simultaneamente aos ataques terroristas em Nova Iorque e Washington, o que determinou a partida imediata do secretário de Estado Colin Powell – pode-se perguntar se não seria o caso de revisar o texto dessas páginas de apresentação da oea ou, quem sabe até?, anular completamente o compromisso democrático acordado no Peru e declará-lo carente de significado e efetividade, em face da resolução aprovada por consenso em Honduras. De fato, segundo o artigo 3o daquela Carta, são considerados “elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao estado de direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos” .

Trata-se, convenhamos, de uma “cláusula democrática” bem mais reforçada do que a magra referência à “ruptura do regime democrático” constante da sua equivalente no Mercosul, pela qual bastaria, hipoteticamente, que o autoritarismo fosse consolidado por via plebiscitária, ao estilo dos velhos fascismos europeus, e não por meio de um golpe de Estado, para que o país em causa continuasse a desfrutar das prerrogativas de sócio pleno. A dúvida epistemológica fundamental, que deve ocupar a organização de Washington nos próximos meses, parece ser esta, portanto: como poderão os países-membros iniciar um “diálogo” com o governo cubano – se este desejar, relembre-se – com base nesses princípios, que ficaram apenas vagamente expressos na resolução?

Dito isto, aparece também como bizarra a informação constante daquela página, segundo a qual, ademais de “fortalecer mutuamente os valores democráticos”, as nações do Hemisfério Ocidental se empenharão em “defender interesses comuns e debater um grande número de temas regionais e mundiais”. Não se tem notícia de que outros problemas tenham sido seriamente debatidos nessa última reunião, descontando-se enfadonhos discursos sobre a “cultura da violência”. Onde estão os debates sobre “pobreza, terrorismo, drogas e corrupção”, temas que aparecem como prioritários na agenda da organização?

Reuniões de uma nota só...

De fato, podem-se fazer duas perguntas singelas. Quais seriam as questões mais importantes do hemisfério americano? Mais especificamente, quais seriam os problemas mais urgentes dos países latino-americanos, aqueles que, supostamente, mais preocupam seus governantes, que são capazes de tirar o sono dos legisladores, que movimentam seus intelectuais e formadores de opinião e, por via de consequência, inquietam as suas populações? Dependendo da resposta, poderíamos determinar quais são, exatamente, os principais focos de atenção dos dirigentes do hemisfério americano e, a partir daí, formar uma ideia sobre os assuntos que deveriam ocupar, presumivelmente, o centro da agenda da oea, passando a orientar, assim, suas atividades mais relevantes.

Pois bem: a julgar pelas duas mais recentes reuniões hemisféricas, ocorridas no primeiro semestre de 2009, a resposta só pode ser uma: a reintegração de Cuba ao sistema hemisférico. Nenhum outro assunto mobilizou de forma tão intensa quanto recorrente os debates havidos nos dois foros: a V Cúpula das Américas, ocorrida em Trinidad e Tobago, no mês de abril, e a 39a Assembleia Geral da oea, realizada em Honduras, em princípios de junho. Paradoxalmente, a despeito de sua presença marcante nos dois encontros, a ilha caribenha esteve fisicamente ausente de ambos, como aliás não poderia ser de outro modo.

Aquilo a que se assistiu em ambas as reuniões foi um desfilar de manifestações concordantes: desde dirigentes tidos como de direita, como Álvaro Uribe, da Colômbia, passando por centristas, como Oscar Arias, da Costa Rica, por reformistas moderados, como o presidente Lula, do Brasil, e Michelle Bachelet, do Chile, até líderes autoproclamados de esquerda, como o nicaraguense Daniel Ortega, o boliviano Evo Morales, sem esquecer o sempre estridente Hugo Chávez, da Venezuela, todos eles, moderados ou exaltados, bateram na tecla do retorno de Cuba à “família” americana. Bizarramente, e talvez contraditoriamente com tantos países dispostos a atender aos seus interesses, o objeto mesmo de tantos pleitos, o governo cubano, rejeita essa incorporação e ainda despreza a organização, chamando-a de “cadáver pestilento”. Bons augúrios para a retomada do caminho...

Assim, tendo o tema sido “contrabandeado” para a agenda das duas conferências diplomáticas, a primeira delas de cúpula, a segunda ministerial, a ausência de Cuba mobilizou a atenção da maior parte dos dirigentes latinos, unindo “direitistas” e “esquerdistas” numa mesma monocórdia demanda por esse reingresso, em face das reticências esperadas da parte dos Estados Unidos. É verdade que, em sua estreia hemisférica, na reunião de Trinidad e Tobago, o presidente Barack Obama não apenas tocou nesse assunto – formalmente fora de pauta – como também sinalizou com uma abertura gradual ao único país excluído das instâncias de cooperação hemisférica e de suas instituições mais importantes. Mais do que isso: dentro dos limites da legislação em vigor – determinada pelo Congresso, e não pelo Executivo – ele demonstrou sua disposição a abrir um novo caminho de diálogo com a ilha, sem deixar de mencionar a necessidade de alguma contrapartida política.

Mas o que mais ganhou destaque na mídia regional e internacional foram os repetidos discursos dos dirigentes e delegados dos países-membros latino-americanos pelo fim do que todos classificaram como uma “anomalia” do sistema interamericano. Tamanha unanimidade, do lado latino-americano, pode causar estranheza, pelo menos para os que acompanham, profissional ou academicamente, a imensa agenda de problemas do hemisfério, em especial ao sul do Rio Grande. Com efeito, com base numa visão panorâmica do cenário econômico e social da América Latina, quais seriam (ou quais deveriam ser) os assuntos mais importantes na pauta dos seus dirigentes e, presumivelmente, na agenda da oea?

Onde estão, por exemplo, os problemas do narcotráfico no México e na Colômbia, já extravasando para a Guatemala e para outros países do hemisfério? Onde estão as recorrentes reclamações contra a pobreza e a desigualdade, cuja responsabilidade incumbe, prioritariamente aliás, aos próprios países? Como não referir-se aos sempre presentes problemas do desemprego e da falta de investimentos estrangeiros, agora agravados pela crise econômica deslanchada no coração da maior economia hemisférica e mundial? Como ignorar as ameaças do crime organizado, da corrupção endêmica, dos desastres naturais provocados pelos desequilíbrios ambientais, das epidemias latentes, da concentração de favelados e de marginalizados nas grandes cidades e nos campos dos países da região? O que dizer, então, da falta de progressos na agenda comercial multilateral, do corte abrupto de créditos comerciais e da diminuição dos investimentos diretos, da paralisia efetivada pelo Congresso americano em relação aos acordos bilaterais de acesso ao seu mercado em benefício daqueles países que já fizeram o sacrifício de atender às demandas manifestamente exageradas do mesmo Congresso? Enfim, como ignorar tantos e tão urgentes problemas na lista de tarefas a cumprir em quase todos os países latino-americanos, sem esquecer aqueles que também mobilizam a atenção da nova administração dos Estados Unidos: a retirada do Iraque, a nova iniciativa “Af-Pak” (Afeganistão-Paquistão), a crise econômica, os problemas do Irã e da Coreia do Norte?

Comércio, investimentos, democracia, pobreza, desigualdade, aparentemente, nada disso mobilizou os corações e mentes dos líderes latinos, e sequer a atenção dos meios de comunicação hemisféricos, que se concentraram nos discursos enfáticos em prol do retorno de Cuba à oea. Curiosamente, como para desmentir a importância de toda essa agitação, o próprio governo cubano descartava seu interesse nesse reingresso, voltando a acusar a organização de Washington de serviçal do governo americano, o que, em última instância, constitui uma ofensa a todos os membros latino-americanos que enfaticamente pregaram, e obtiveram, o fim de sua exclusão. Os líderes bolivarianos, por exemplo, tinham aventado até mesmo a hipótese de sua retirada da organização e a constituição de um grupo alternativo, exclusivamente composto pelos seus membros latino-americanos, caso não se lograsse o resultado desejado por eles.

Diga-se de passagem que a criação de uma oea alternativa, puramente latino-americana, representaria uma desfeita ao mais recente projeto brasileiro de criação de uma instância de coordenação de países latino-americanos sem “tutela externa”, como foi caracterizada a Cúpula da América Latina e do Caribe. A CALC, objeto de intensa preparação diplomática por parte do governo Lula, realizou sua primeira reunião na Costa do Sauípe, próxima de Salvador, em dezembro de 2008, conjuntamente com as cúpulas paralelas do Mercosul, da Unasul e do Grupo do Rio, ademais da própria formalização do Conselho Sul-Americano de Defesa, formalmente colocado no âmbito da Unasul. Foi precisamente por ocasião da reunião do Grupo do Rio que Cuba obteve o seu sucesso mais retumbante, até a última reunião da oea: Raúl Castro foi ovacionado no resort brasileiro e a admissão de Cuba foi saudada por todos os membros como sendo o resgate imperioso e obrigatório de um país longamente discriminado por todos os demais, em virtude da histórica oposição do império à sua integração à “família americana”.

O que surpreende ainda mais é que todos esses movimentos, em especial o derradeiro, uma verdadeira consagração de Cuba na assembleia da oea, são classificados por diversos protagonistas, inclusive pelo assessor presidencial brasileiro, como correspondendo a uma aproximação dos países-membros e da própria organização em direção a Cuba, e não o contrário. Cuba conseguiu colocar a maioria dos países latino-americanos do seu lado, como se todos eles tivessem um imenso débito a pagar em favor da ilha caribenha. Tamanha unanimidade unidirecional levanta imediatamente a questão, como colocada pelo editor da revista Foreign Policy, de saber se estamos tratando com o país mais importante da região . Se isso for verdade, para que serve, afinal, a oea?

Uma pequena história da decisão de 1962

A insistência de tantos países-membros no retorno de Cuba à oea pode levar a crer que o único grande problema que enfrenta essa organização, como mecanismo de coordenação de políticas de cooperação hemisférica, seja o da reparação da “injustiça” feita em 1962, quando a ilha comandada por Fidel Castro foi afastada das reuniões e dos trabalhos dessa velha entidade suspeita de ser, nos termos do líder cubano, apenas um “ministério das colônias americanas”. Esse constitui, de fato, o principal problema político hemisférico, herdado da Guerra Fria, mas nem de longe pode ser visto como a história de um enfrentamento puramente político entre o anão socialista e o gigante capitalista e imperialista.

Talvez seja o caso de relembrar os contornos exatos do problema cubano, para que não prevaleça a impressão de que um membro soberano, não-alinhado ao império, foi colocado para fora dessa entidade pela única vontade e pressão dos eua. De fato, os americanos estavam interessados em reverter a escolha fundamental de Fidel Castro pelo socialismo e, mais do que isso, preocupados com a aliança do governo cubano com a União Soviética. Mas outros países do hemisfério viam com maus olhos a consolidação do regime revolucionário em Cuba e seus efeitos para além das fronteiras da pequena ilha.

A aproximação de Cuba à União Soviética manifestou-se desde cedo, o que suscitou a imediata mobilização da oea, nessa época totalmente dominada pelos americanos: em reunião de consultas, mantida em agosto de 1960 na Costa Rica, a oea já tinha aprovado uma moção de censura a Cuba, contra a qual se bateu o embaixador do Brasil em Cuba, Vasco Leitão da Cunha, mas obtida graças ao empenho do então chefe do Departamento Político do Itamaraty, Manuel Pio Corrêa, conhecido pelo seu anticomunismo. “Por uma dessas ironias da história”, como relatou depois Pio Corrêa, “tocaria ao próprio Vasco proceder à ruptura de relações diplomáticas do Brasil com Cuba, em 1964, como Ministro do Exterior” .

Paralelamente, nascia a Aliança para o Progresso, desenhada explicitamente para manter os países da região na esfera dos eua, e que constituiu uma evolução nas relações dos eua com a América Latina, marcando seu maior engajamento com as reformas e o desenvolvimento do continente: o ideário reformista da Aliança para o Progresso constituía claramente uma reação às ideias da revolução cubana. Ao mesmo tempo, porém, os eua se engajavam na tarefa de derrubar o governo de Fidel Castro, pelas pressões econômicas, obviamente, mas também pela ação armada dos contrarrevolucionários financiados e armados pela CIA.

Para preparar o terreno para esse tipo de iniciativa, a administração Kennedy despachou ao Brasil o embaixador Adolf Berle Jr., no final de fevereiro de 1961, com a missão de buscar o apoio do governo Jânio Quadros à ação armada contra Cuba. Ao mesmo tempo, os eua planejavam ofensivas políticas contra os regimes ditatoriais de Rafael Trujillo, da República Dominicana, e de François Duvalier, do Haiti, para contrabalançar, de certa forma, a intervenção em Cuba. A questão vinha também envelopada na ajuda econômica que os eua prometiam conceder ao Brasil, seja bilateralmente, seja por meio da Aliança para o Progresso. Mas a impressão do chanceler Afonso Arinos era a de que o governo dos eua “queria apresentar cruamente como barganha a concessão de auxílio econômico contra o apoio à sua política em face de Cuba; mas, sim, que situa nitidamente em segundo plano os problemas que, para nós, estão em primeiro, isto é, relativos ao apoio econômico e financeiro, e que dá prioridade à questão cubana” .

Depois do desastre da invasão contrarrevolucionária de abril de 1961, os eua voltam a agitar a cenoura da ajuda econômica para preservar os laços que prendiam a maior parte dos países da região ao grande irmão hemisférico. Uma reunião extraordinária em nível ministerial do Conselho Econômico e Social Interamericano (CIES) foi convocada para agosto de 1961, no Uruguai. Conhecida como Conferência Econômica Interamericana de Punta del Este, a Carta de Punta del Este prometia a concessão de vinte bilhões de dólares pelos eua, ao longo de dez anos, para programas de desenvolvimento nos países latino-americanos. A delegação de Cuba, chefiada por Che Guevara, então presidente do Banco Central cubano, não subscreveu a Carta, obviamente, mas o seu titular, na volta, passou por Brasília e ali recebeu, das mãos do presidente Jânio Quadros, a Ordem do Cruzeiro do Sul.

O fato é que o “caso cubano” foi levado pela primeira vez à oea nessa mesma época pela Venezuela, cujo governo reclamou do apoio cubano à “subversão comunista” na jovem democracia venezuelana, por meio do suporte financeiro e logístico (armas) ao movimento guerrilheiro que intentava repetir no país sul-americano a aventura revolucionária conduzida na ilha caribenha. Na mesma ocasião, o governo dos Estados Unidos acusou Cuba de receber armas da China e da União Soviética, o que lhe permitiu invocar o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947), que nessa época ainda não era uma “relíquia da Guerra Fria”.

O processo evoluiu para a consideração da compatibilidade do regime cubano – que acabava de proclamar sua adesão ao marxismo-leninismo – com os princípios e valores da oea, tal como consolidados em sua carta constitutiva (1948), mas também no TIAR, aqui mais em relação a questões de segurança estratégica e de disputas geopolíticas nos espaços abertos à competição imperial. Não se tratava, aliás, no caso da Venezuela, da primeira vez que um governo latino-americano se sentia ameaçado pelo apoio do novo governo cubano a grupos de oposição, vários deles empenhados na luta armada contra governos legalmente constituí¬dos (ainda que “oligárquicos”, na opinião da esquerda): antes dela, pelo menos dois países centro-americanos já se tinham manifestado no mesmo sentido em reuniões da oea.

Quando foi realizada a famosa reunião de consulta dos chanceleres americanos, em Punta del Este, em 1962, a posição do Brasil continuava a ser reticente em relação ao projeto patrocinado pelos eua, sustentando uma moção de expulsão de Cuba da oea, por motivo de manter a ilha do Caribe um “regime não-democrático”. A delegação do Brasil, chefiada pelo chanceler San Tiago Dantas, observou postura estritamente legalista, argumentando que a Carta da organização não autorizava a expulsão de nenhum país pelo fato de seu governo não ser democrático, aduzindo que seria melhor, politicamente, manter o país na oea como forma de “coação”. Ao fim e a cabo, os eua não dispunham da maioria necessária para consumar a expulsão, tendo a votação sido decidida pela reversão da posição da delegação do Haiti, devidamente pressionada pelos americanos. Os americanos teriam prometido ao ditador Duvalier construir um novo aeroporto em Port-au-Prince: segundo confidenciou depois um delegado americano envolvido nas transações, tratou-se do jantar mais caro em toda a história do Departamento de Estado.

Tecnicamente, porém, Cuba não foi expulsa da oea, posto que em Punta del Este se decidiu apenas a suspensão do “direito” do seu governo de participar das atividades da organização. Pode-se, portanto, presumir que uma simples suspensão da suspensão reverteria a situação ao status quo ante. Seria simples se os eua não exigissem a adesão do governo de Cuba à cláusula democrática da oea, uma evolução obtida apenas a posteriori, já que os eua não tiveram nenhum problema em conviver com ditaduras de direita na oea durante todo o período em que ela se manteve sob sua dominação virtual. Vejamos como se chegou lá.

Recuando um pouco mais na história: origem e evolução da OEA

A oea foi criada em 1948, como sucessora da União Pan-Americana (1910), que por sua vez emergiu dos primeiros esforços de coordenação e cooperação entre os países do hemisfério ocidental nos campos econômico, social e do direito internacional, iniciados no século XIX. Depois de uma primeira tentativa bolivariana em 1826 e de várias outras reuniões regionais de âmbito sul-americano no decorrer do século XIX, uma “Conferência Internacional Americana” realizou-se, a convite dos Estados Unidos, entre outubro de 1889 e janeiro de 1890, em Washington, tendo o Brasil passado da Monarquia à República no decorrer da conferência, o que determinou uma oportuna mudança nas instruções à delegação, num sentido mais americano e mais republicano .
Desde essa conferência inaugural – que deveria em princípio aprovar o projeto, proposto pelos eua, de uma união aduaneira hemisférica, uma espécie de antecessora da ALCA – revelou-se a enorme assimetria de poder econômico e militar entre os Estados Unidos, de uma parte, e os demais países, de outra, o que sempre gerou desconfiança do lado latino-americano. Da conferência resultou, em 1891, uma “União Internacional das Repúblicas Americanas” e seu secretariado, o Escritório Comercial das Repúblicas Americanas, que pode assim ser considerado como o órgão original da oea. A despeito dos objetivos pragmáticos dessa primeira instância de cooperação regional, muito pouco se logrou em termos de liberalização dos intercâmbios comerciais ou de uniformização dos procedimentos alfandegários no meio século que se seguiu.

Na sua fase inicial e, em especial, no período entre as duas guerras mundiais, o trabalho de coordenação hemisférica foi bastante prejudicado pela relutância dos eua em aderir aos princípios de não-intervenção e de respeito à soberania, como insistentemente reclamado por diversas delegações latino-americanas ao longo dos anos. A situação era ainda agravada pela proclamação unilateral, no começo do século XX, do chamado “corolário Roosevelt” (proposto pelo então presidente Theodore Roosevelt à doutrina Monroe), que se traduzia num poder de polícia autoatribuído aos eua em seu entorno imediato, postura apenas contornada nos anos de 1930, com a adoção da “política de boa vizinhança” pelo presidente Franklin Delano Roosevelt.

Durante a II Guerra Mundial, os eua lograram consolidar – com a notável exceção da Argentina, então filofascista – uma primeira versão do princípio da solidariedade continental, ao obter o apoio ativo da maior parte dos vizinhos hemisféricos no esforço de guerra contra os inimigos nazifascistas. A postura da Argentina durante a maior parte da II Guerra Mundial valeu-lhe a exclusão da conferência interamericana de Chapultepec (janeiro de 1945) e da conferência constitutiva da ONU em São Francisco (a partir do mês de abril). A exemplo da ONU, que se estabeleceu em Nova Iorque, e das instituições de Bretton Woods, localizadas em Washington, os demais órgãos de coordenação hemisférica — oea, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) — também foram sediados na capital norte-americana, o que obviamente se traduziu numa influência desproporcional dos interesses políticos e econômicos dos eua sobre a agenda e as atividades dessas organizações. Na verdade, os eua sempre deram as cartas na oea, durante a maior parte da sua história, o que, provavelmente, não é mais verdadeiro atualmente.

A reunião que reestruturou organicamente, no pós-Segunda Guerra, o sistema interamericano, foi realizada poucos meses depois de concluída a conferência de Petrópolis, que, em pleno clima de Guerra Fria, instituiu, pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca de 1947, um sistema de defesa conjunta contra “ameaças externas” (agora não mais do nazifascismo, mas do poder soviético, significativamente ampliado e fortalecido), tratado, aliás, que serviria de base, um ano e meio mais tarde, para a conformação da aliança do Atlântico Norte, que criou a OTAN. Na reunião constitutiva da oea em Bogotá, estavam representadas 21 nações do hemisfério e, desde 1948, a organização expandiu-se a ponto de englobar todos os países americanos, com a exceção de Cuba, a partir de 1962.

É preciso que se diga, simplesmente, que Cuba foi excluída do sistema interamericano devido à sua aliança com a União Soviética e ao apoio que estava dando aos movimentos guerrilheiros latino-americanos. A ilha foi igualmente excluída das negociações iniciadas em 1994 para a constituição de uma área de livre comércio nas Américas, ainda que ela tenha sido membro fundador do Sistema Econômico Latino-Americano (sela, 1975) e aceita, em 1998, na Associação Latino-Americana de Integração (ALADI, 1980), esquema preferencial de comércio entre países latino-americanos. O projeto americano da ALCA encontrou, previsivelmente, enormes resistências dos mesmos países que já se tinham oposto à primeira tentativa americana de liberalizar o comércio regional, sendo de registrar a melancólica implosão do processo hemisférico na reunião de cúpula de Mar de Plata, em novembro de 2005, a partir de ação conjunta de Argentina, Brasil e Venezuela.

Ademais da Carta constitutiva da organização, os primeiros 21 países participantes da oea assinaram, em 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a primeira expressão internacional dos princípios dos direitos humanos, assim como um tratado sobre solução pacífica de controvérsias, um convênio para estimular a cooperação econômica entre eles e dois instrumentos para a concessão de direitos civis e políticos às mulheres. Vários outros documentos relevantes do sistema interamericano foram assinados ao longo de sua trajetória política, alguns aplicáveis a um instrumento muito usado no continente, o asilo político: duas convenções sobre asilo diplomático e territorial, assinados em 1954; vários relativos a mecanismos de proteção dos direitos humanos: criação da comissão interamericana de direitos humanos em 1959, seguida, em 1969, da convenção sobre direitos humanos (conhecida como Pacto de San José), que entrou em vigor em 1978, quando foi estabelecida a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica; finalmente, em 1985, foi assinada uma convenção para prevenir a tortura e garantir a manutenção da ordem democrática na região, cuja implementação progressiva ocorreu bem mais tarde, já nos anos 1990 .

A OEA e a democracia: um teste decisivo para a sua credibilidade

As rupturas recorrentes do regime democrático em países da América Latina e a existência de ditaduras na região sempre constituíram obstáculos políticos estruturais ao incremento da cooperação hemisférica, assim como sempre foram irritantes conjunturais nas relações diplomáticas dos Estados-membros do sistema interamericano, ainda que com a tradicional hipocrisia diplomática. Na prática, os Estados Unidos sancionaram – quando não estimularam, sob pretexto de requerimentos da Guerra Fria – ditaduras de direita em toda a região, fazendo vista grossa às violações dos direitos humanos, desde que elas se mantivessem alinhadas aos interesses estratégicos e econômicos da grande potência hemisférica.

Em 1961, a Carta de Punta del Este, que lançou a Aliança para o Progresso, já proclamava que o desenvolvimento econômico deveria andar de par com maior justiça social e com o reforço dos regimes democráticos, mas, de fato, um longo período de regimes militares ditatoriais coincidiu com o apelo ideológico a sistemas socialistas e com experiências guerrilheiras de inspiração cubana e variado impacto político efetivo. Na reunião seguinte, contudo, na mesma localidade uruguaia, em 1962, a expulsão de Cuba só foi lograda, como referido, graças ao apoio de uma ditadura – a de Papa Doc Duvalier, do Haiti – com toda a hipocrisia que essa ambivalência possa representar para o discurso americano em relação ao tema.

Apenas com o final da Guerra Fria e o desaparecimento da alternativa socialista como projeto econômico ou político, o requerimento democrático adquiriu status próprio no sistema interamericano. Em 1991, a oea adotou a Resolução no 1 080, que estabeleceu procedimentos para reagir a ameaças à democracia no hemisfério. Ela foi invocada várias vezes desde então, notadamente para tratar das crises no Haiti (em 1991), no Peru (em 1992), na Guatemala (em 1993), no Paraguai (em 1996) e novamente no Peru em 2000, por ocasião da terceira eleição do presidente Fujimori, objeto de seguimento específico pela Assembleia da oea realizada em Windsor, no Canadá. Em 1997, ocorreu a reforma da Carta da oea, mediante a adoção do Protocolo de Washington, pelo qual se buscou reforçar a democracia representativa, dando à oea o direito de suspender um país-membro cujo governo democraticamente eleito tivesse sido derrubado pela força .

Em 11 de setembro de 2001, finalmente, a 28a Assembleia Geral da oea aprovou, na capital do Peru, a Carta Democrática Interamericana, introduzindo a seguinte “cláusula democrática”: “A ruptura da ordem democrática ou uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente a ordem democrática em um Estado membro constitui, enquanto persista, um obstáculo insuperável para a participação de seu governo nas sessões da Assembleia Geral”. Naquela mesma manhã, entretanto, ataques terroristas em Nova Iorque e em Washington provocaram a saída precipitada do secretário de Estado Colin Powell da referida assembleia. Na sequência dos eventos de 11 de setembro deu-se uma grande mudança de prioridades no relacionamento hemisférico. Durante todo o período Bush, as preocupações da administração americana estiveram concentradas na “guerra ao terror”, o que pautou inclusive as relações interamericanas, aliás diminuídas em importância e utilidade.

O que ficou, em todo caso, da reunião de Lima foi um grande compromisso dos países-membros na luta pela democracia representativa. Como resumiu para os chanceleres presentes o então secretário-geral Cesar Gaviria, ex-presidente da Colômbia, “com a aprovação da Carta Democrática, os senhores notificam aos autoritários de todas as classes que não haverá contemporização nem com os golpistas, nem com os que pretendem subverter a ordem constitucional ou depreciar o controle político”. Tendo em vista a evolução do hemisfério desde então, parece que o tempo da contemporização chegou...

A experiência histórica demonstra amplamente que, em suas cinco décadas de existência, a oea foi relativamente atuante em temas de cooperação técnica e jurídica (em direito comercial e processual, por exemplo), menos eficiente na proteção aos direitos humanos (mas com um grande potencial de avanços nesse setor) e bastante frustrante na promoção da justiça social e das franquias democráticas na América Latina, embora a responsabilidade nessas áreas seja claramente superior a suas forças e meios de atuação. A oea padece, nesse sentido, das mesmas carências enfrentadas pela ONU no cumprimento dos objetivos e mandato estatutário respectivos: uma desproporção entre a vontade política e os recursos à disposição e o não-engajamento dos países-membros na implementação efetiva dos termos da convenção constitutiva .

Quem quer que tenha assistido a reuniões da oea, qualquer uma, sabe que, a despeito de seu comprometimento – que poderia ser classificado como sincero – com os princípios e valores já mencionados, a eficácia de sua ação é próxima de zero, salvo em algumas áreas bem determinadas. Ao ouvir os discursos gongóricos que ecoam em suas vastas salas de reunião, pode-se facilmente concordar com uma crítica recorrente, a de que esses ambientes são propícios a uma torrente de palavras, mas produzem, na verdade, um riacho de ideias. A verborragia interminável dos discursos e documentos da oea é inversamente proporcional à sua importância efetiva; nisso ela se iguala a muitos outros organismos internacionais, todos paquidérmicos e over-staffed, geralmente sediados nas capitais do capitalismo avançado, mas com uma produtividade digna das antigas economias socialistas.

Desafio bolivariano aos princípios e valores hemisféricos

Os líderes políticos identificados com a agenda bolivariana introduzida no cenário regional pelo presidente Chávez foram especialmente agressivos nas duas reuniões que conduziram à “absolvição” cubana, aventando todos eles, como ameaça prática de um possível esvaziamento da velha organização de Washington, a possibilidade do abandono da oea por seus respectivos países, colocando em seu lugar uma organização exclusivamente latino-americana. Sem a contundência dessa ameaça, o Brasil agiu na mesma direção, em dezembro de 2008, ao convocar uma cúpula da América Latina e do Caribe, cuja reunião foi saudada pelo chanceler brasileiro tanto pelo seu caráter inédito, em toda a história regional, como pelo fato de ter sido ela realizada “sem tutela”, compreendendo-se a expressão como uma rejeição delicada do império.

A anulação da expulsão-suspensão de 1962 contorna, neste momento, essa hipótese de um esvaziamento decorrente da eventual criação de uma entidade concorrente, mas a ameaça simultânea de um grupo de congressistas americanos, no sentido de retirar a dotação de seu pais – 60% do orçamento global da oea – caso se materialize a admissão cubana, deixa pairar uma sombra de dúvida sobre o futuro da organização. Os líderes que conclamaram a uma organização exclusivamente latino-americana pertencem quase todos à ALBA, a Aliança Bolivariana dos Povos da América, proposta inicialmente pelo presidente da Venezuela, cujo “tratado” foi assinado originalmente por seu país, por Cuba e pela Bolívia. Estaríamos, então, assistindo atualmente ao ocaso da centenária organização que já foi muitas vezes chamada de “ministério das colônias americanas”? Existiria alguma impropriedade em se afirmar que o futuro da oea está em seu passado? Caminharia ela para uma perda irremediável de credibilidade política e de legitimidade institucional?

Essa questão está intimamente ligada à defesa dos valores democráticos e à capacidade da organização em orientar o seu trabalho no sentido de reforçar essa legitimidade; caso contrário, ela corre seriamente o risco de equiparar-se à sua coirmã africana, a OUA, contraditoriamente chamada de organização da “unidade” africana. O desafio bolivariano atinge diretamente vários dos instrumentos administrados pela oea, penosamente consolidados ao longo das últimas décadas, e não apenas os acordos regionais, mas também os universais, como se pode constatar a seguir.

A relação começa, aliás, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que estabelece, em seu artigo 19, o direito de todo indivíduo à liberdade de opinião e de expressão, a não ser molestado por causa de suas opiniões, a buscar e receber informações, difundi-las, sem limitação de fronteiras, e por qualquer meio de comunicação. O espírito dessa cláusula foi refletida no Pacto de Direitos Civis e Políticos, adotado em 1966, nos artigos 18 e 19: o primeiro deles reconhece a liberdade de pensamento (que não pode ser suspensa nem diminuída em nenhuma circunstância, de conformidade com o artigo 4o do mesmo texto), e o segundo garante o direito de buscar, receber e difundir ideias e informações de todo tipo, por todos os meios e sem limitações de fronteiras, liberdade que só pode ser restringida pela lei e sempre para garantir o usufruto dos direitos de terceiros, a proteção da segurança nacional, a ordem pública, a saúde e a moral pública. Disposições semelhantes se encontram no artigo 4o da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (liberdade de pesquisa, opinião, expressão e difusão) e nos artigos 12 e 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (liberdade de consciência e liberdade de pensamento e de expressão, que compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de todo tipo, sem consideração de fronteiras, seja por escrito, oralmente ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro procedimento de sua escolha).
Todos esses instrumentos são, a rigor, aplicáveis a todos os países da América Latina, e deveriam, em princípio, ser respeitados pelos seus governos, qualquer que seja sua afiliação política, ou sua orientação econômica. Considerando-se a extensão e a profundidade dos compromissos já assumidos pelos países bolivarianos ao abrigo dos acordos universais e regionais, e levando-se em conta o grau de violação de vários desses direitos pelo governo cubano ao longo das últimas cinco décadas, pode-se antecipar que a oea terá uma dura tarefa pela frente ao longo das próximas semanas e meses ao monitorar o cumprimento dos “seus” acordos por esses países.

Mas, contrariamente ao que se poderia esperar, não será a oea a cobrar desses países – ou de Cuba, caso ela se decida por negociar sua readmissão à organização – o realinhamento em direção daqueles compromissos; o que vai provavelmente ocorrer é que tanto ela quanto os eua estarão sob pressão dos mesmos bolivarianos, e seus aliados úteis no continente, para que cesse o embargo contra a ilha. Como no caso da recente resolução “reintegradora” de Cuba, não será o governo cubano que será pressionado a mudar seus hábitos divergentes com respeito aos instrumentos mencionados, mas serão os demais países-membros que estarão sendo induzidos a se “aproximar” das posições cubanas, doravante concentradas na obtenção do fim do embargo americano.

Não cabem dúvidas, tampouco, que esse objetivo será alcançado, with a little help from some friends – governos simpáticos e outros companheiros de viagem, mesmo que seja apenas por oportunismo político e por pressão dos movimentos “sociais” – e a complacência impotente do governo americano, que não desejará encontrar-se, pela primeira vez, “isolado da família americana”. Quando isso ocorrer, a oea terá descido um pouco mais no sentido da sua decadência institucional e da sua perda de legitimidade política. Para todos os efeitos práticos, os bolivarianos e seus aliados, inocentes úteis ou não, estão construindo uma nova geografia política no hemisfério. Qualquer que seja o seu conteúdo substantivo e sua conformação institucional, o cenário democrático, a estabilidade macroeconômica e a condição dos direitos elementares, entre eles os relativos à livre expressão do pensamento, vão certamente se deteriorar um pouco mais no continente latino-americano, com a oea ou sem ela.

No que se refere à postura do Brasil, não é difícil antecipar qual será a posição do atual governo. Quando do debate em torno das prisões e condenações à morte de balseros, capturados tentando fugir da ilha, em 2003, o chanceler brasileiro declarou que o Brasil votaria “contra uma eventual resolução da Organização dos Estados Americanos de condenação a Cuba por violações dos direitos humanos”. Ainda que lamentando “os julgamentos sumários, as condenações à morte e as prisões políticas em Cuba”, ele declarou ser “mais positivo manter o ‘engajamento construtivo’ da diplomacia brasileira com o ‘país irmão’ ”. Naquela ocasião, a justificativa era de ordem institucional: “O Brasil não apoiará uma resolução sobre Cuba porque considera que a OEA não tem competência para tratar desse assunto. [...] Não se pode usar justamente o foro internacional que expulsou um país para condená-lo” . Já que a OEA cancelou essa expulsão, resta saber qual será a atitude a ser doravante adotada... • [nota suprimida]

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e professor de Economia Política Internacional no Centro Universitário de Brasília (www.pralmeida.org).

Dormindo pouco, para ler mais: uma receita pouco saudavel...

Parece que quem dorme pouco vive menos. Não tenho certeza. Em todo caso, durmo pouco, não por falta de sono, mas por necessidade de leitura e trabalhos acadêmicos, pois do contrário dormiria bastante e prazeirosamente. Não sou insone, nem maluco, apenas maluco por livros, o que é diferente.
Em todo caso, cabe informar-se sobre os que dormem pouco e como sobreviver à falta de sono.
Paulo Roberto de Almeida

HEALTH JOURNAL
The Sleepless Elite
Why Some People Can Run on Little Sleep and Get So Much Done

By MELINDA BECK
The Wall Street Journal, April 5, 2011
For a small group of people—perhaps just 1% to 3% of the population—sleep is a waste of time.

Natural "short sleepers," as they're officially known, are night owls and early birds simultaneously. They typically turn in well after midnight, then get up just a few hours later and barrel through the day without needing to take naps or load up on caffeine.

They are also energetic, outgoing, optimistic and ambitious, according to the few researchers who have studied them. The pattern sometimes starts in childhood and often runs in families.

While it's unclear if all short sleepers are high achievers, they do have more time in the day to do things, and keep finding more interesting things to do than sleep, often doing several things at once.

Nobody knows how many natural short sleepers are out there. "There aren't nearly as many as there are people who think they're short sleepers," says Daniel J. Buysse, a psychiatrist at the University of Pittsburgh Medical Center and a past president of the American Academy of Sleep Medicine, a professional group.

Out of every 100 people who believe they only need five or six hours of sleep a night, only about five people really do, Dr. Buysse says. The rest end up chronically sleep deprived, part of the one-third of U.S. adults who get less than the recommended seven hours of sleep per night, according to a report last month by the Centers for Disease Control and Prevention.

To date, only a handful of small studies have looked at short sleepers—in part because they're hard to find. They rarely go to sleep clinics and don't think they have a disorder.

A few studies have suggested that some short sleepers may have hypomania, a mild form of mania with racing thoughts and few inhibitions. "These people talk fast. They never stop. They're always on the up side of life," says Dr. Buysse. He was one of the authors of a 2001 study that had 12 confirmed short sleepers and 12 control subjects keep diaries and complete numerous questionnaires about their work, sleep and living habits.One survey dubbed "Attitude for Life" that was actually a test for hypomania. The natural short sleepers scored twice as high as the controls.

There is currently no way people can teach themselves to be short sleepers. Still, scientists hope that by studying short sleepers, they can better understand how the body regulates sleep and why sleep needs vary so much in humans.

"My long-term goal is to someday learn enough so we can manipulate the sleep pathways without damaging our health," says human geneticist Ying-Hui Fu at the University of California-San Francisco. "Everybody can use more waking hours, even if you just watch movies."

Dr. Fu was part of a research team that discovered a gene variation, hDEC2, in a pair of short sleepers in 2009. They were studying extreme early birds when they when they noticed that two of their subjects, a mother and daughter, got up naturally about 4 a.m. but also went to bed past midnight.

Genetic analyses spotted one gene variation common to them both. The scientists were able to replicate the gene variation in a strain of mice and found that the mice needed less sleep than usual, too.

News of their finding spurred other people to write the team, saying they were natural short sleepers and volunteering to be studied. The researchers are recruiting more candidates and hope to find more gene variations they have in common.

Potential candidates for the gene study are sent multiple questionnaires and undergo a long structured phone interview. Those who make the initial screening wear monitors to track their sleep patterns at home. Christopher Jones, a University of Utah neurologist and sleep scientist who oversees the recruiting, says there is one question that is more revealing than anything else: When people do have a chance to sleep longer, on weekends or vacation, do they still sleep only five or six hours a night? People who sleep more when they can are not true short sleepers, he says.

To date, Dr. Jones says he has identified only about 20 true short sleepers, and he says they share some fascinating characteristics. Not only are their circadian rhythms different from most people, so are their moods (very upbeat) and their metabolism (they're thinner than average, even though sleep deprivation usually raises the risk of obesity). They also seem to have a high tolerance for physical pain and psychological setbacks.

"They encounter obstacles, they just pick themselves up and try again," Dr. Jones says.

Some short sleepers say their sleep patterns go back to childhood and some see the same patterns starting in their own kids, such as giving up naps by age 2. As adults, they gravitate to different fields, but whatever they do, they do full bore, Dr. Jones says.

"Typically, at the end of a long, structured phone interview, they will admit that they've been texting and surfing the Internet and doing the crossword puzzle at the same time, all on less than six hours of sleep," says Dr. Jones. "There is some sort of psychological and physiological energy to them that we don't understand."

Drs. Jones and Fu stress that there is no genetic test for short sleeping. Ultimately, they expect to find that many different genes play a role, which may in turn reveal more about the complex systems that regulate sleep in humans.

Benjamin Franklin, Thomas Jefferson and Leonardo da Vinci were too busy to sleep much, according to historical accounts. Winston Churchill and Thomas Edison came close but they were also fond of taking naps, which may disqualify them as true short sleepers.

Nowadays, some short sleepers gravitate to fields like blogging, videogame design and social media, where their sleep habits come in handy. "If I could find a way to do it, I'd never sleep," says Dave Hatter, a software developer in Fort Wright, Ky. He typically sleeps just four to five hours a night, up from two to three hours a few years ago.

"It's crazy, but it works for me," says Eleanor Hoffman, an overnight administrator at Bellevue Hospital Center in New York who would rather spend afternoons playing mahjong with friends than sleep anymore than four hours. Sometimes she calls her cousin, Linda Cohen, in Pittsburgh about 4 a.m., since she knows she'll be wide awake as well—just like they were as kids.

"I come to life about 11 at night," says Mrs. Cohen, who owns a chain of toy stores with her husband and gets up early in the morning with ease. "If I went to bed earlier, I'd feel like half my life was missing."

Are you a short sleeper? For more information on the genetic study, contact Dr. Jones at chris.jones@hsc.utah.edu

Write to Melinda Beck at HealthJournal@wsj.com

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More:
The Juggle: How Much Sleep Do You Need?

Normal Sleeper
Most adults have normal sleep needs, functioning best with 7 to 9 hours of sleep, and about two-thirds of Americans regularly get it. Children fare better with 8 to 12 hours, and elderly people may need only 6 to 7.

Wannabe Short Sleeper
One-third of Americans are sleep-deprived, regularly getting less than 7 hours a night, which puts them at higher risk of diabetes, obesity, high blood pressure and other health problems.

Short Sleeper
Short sleepers, about 1% to 3% of the population, function well on less than 6 hours of sleep without being tired during the day. They tend to be unusually energetic and outgoing. Geneticists who spotted a gene variation in short sleepers were able to replicate it in mice—which needed less sleep than usual, too.

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About Melinda Beck
As The Wall Street Journal's new Health Journal columnist, Melinda Beck is returning to her love of reporting after a seven-year stint as the editor of Marketplace, the paper's second section. Before joining the Journal in 1996 as deputy Marketplace editor, Melinda was a writer and editor at Newsweek magazine, and wrote more than two dozen cover stories on topics ranging from the Oklahoma City bombing to the O.J. Simpson trial to liquid diets and the dilemmas of long-term care. She's always found covering health-care issues particularly exciting, as evidenced by awards she's won for her stories from the Arthritis Foundation, the AARP, the American Society on Aging, the American College of Emergency Physicians, the National Institute of Health Care Management and the American College of Health Care Administrators. Melinda graduated from Yale University and lives in New York City with her husband and two daughters.

Mercosul 20 anos: numero especial da Meridiano 47 - chamada para contribuicoes

Retransmito abaixo nota preparada pelo meu colega, amigo e editor da Revista Brasileira de Revista Internacional e da Meridiano 47, sobre número especial desta última sobre o Mercosul, que parece chegar perto da idade madura de 21 anos sem ter tido ainda a possibilidade de largar fraldas e mamadeiras... (estou brincando, por certo, mas não muito).
Pretendo contribuir, tanto porque escrevi dois trabalhos sobre o Mercosul no período recente, e ainda penso fazer mais um ou dois.
Haverá também um número especial sobre os dez anos do 11 de setembro, mas não tenho certeza de ter algo de inteligente para escrever a respeito. Sinto-me mais à vontade com o Mercosul.
Paulo Roberto de Almeida

Boletim Meridiano 47 will publish a special issue about the Mercosur in July 2011 and about 9/11 in September 2011.

Now completing two decades since its signing in March 1991, the objective of the Treaty of Assuncion was to construct MERCOSUL, the Portuguese-language acronym for a common market in South America's southern cone. Further, by January 1995 the MERCOSUL countries had instituted a customs union. MERCOSUL was thus the means by which the four countries (Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay) felt best enabled to position themselves in a new world economic order populated by such other large blocks as the European Union and the North American Free Trade Agreement. But by the end of the nineties neither Argentina nor Brazil appeared very interested in its further consolidation, each having in sight the potential alternative objective of joining an incipient ALCA, the Portuguese acronym for a free trade area of the Americas (FTAA in English). However, the intervening economic crises of the nineties in both Brazil and Argentina, and the sudden US disinterest as a consequence of the 9/11 attacks, led the former to reorient themselves yet once again towards the consolidation of MERCOSUL.

From the perspective of these two decades of economic evolution, what have been and how should we understand its impacts on the Brazilian economy? How conclusively can it be said that MERCOSUL has reinforced a (or the) democratic paradigm in, and even beyond, the Southern Cone? What has been the relative importance of MERCOSUL in the context of negotiations at the World Trade Organization (WTO)?
September 2011 marks a decade since the terrorist attack on the United States. Noteworthy to all was the fact that a superpower had suffered a uniquely large-scale assault, not in a conventional form and not from another country, but from a fundamentalist-terrorist organization located in and around the Middle East. Immediately thereafter the United States initiated military action against Afghanistan, and just over a year later against Iraq. On a parallel track, Europe suffered other terror attacks. In the context of a globalized world, the formally democratic and neoliberal West's new opponent would be not an ideology, such as during the Cold War, but terrorism, promoted not by identifiable countries or nations, but by nebulous extremist groups.
Through this prism and ten years on, what can be said to be the in-depth effects of these developments on international relations? How has 9/11 affected US foreign policy? To what extent have these events affected the dynamics of politics in the Middle East? How has terrorism itself undergone change and transformations? How best to understand the Brazilian posture and positioning in the face of this new international dynamic? What importance is retained by the UN Security Council as a main conduit for dealing with a new kind of international threat?
All submissions should be original and unpublished, must be in the range of 25,000 characters (including spaces and footnotes), must be written in English, Spanish or Portuguese including an abstract of less then 70 words [and 3 key-words in English]. Follow the Chicago System (author, date).
All contributions will be submitted to blind peer review.

Submissions should be sent to http://seer.bce.unb.br/index.php/MED/author/submit/1 up to 30th of June 2011 (Mercosur issue) and 31st of August 2011 (9/11 issue).

Os conceitos da crise financeira: derretimento e colapso - Georg Zachmann

Sempre se pode aprender algo com a (má) experiência dos outros...

Crises nucleares e financeiras tendem a deixar marcas em sua esteira.
Colapsos e derretimentos

Georg Zachmann
Valor Econômico, 05/04/2011

As metáforas usadas durante a crise financeira de 2008-2009 - terremoto, tsunami, derretimento, cisne negro e colapso - voltaram com força redobrada, mas agora estão sendo reciclados em sentido literal. De fato, a crise financeira e a crise nuclear na usina nuclear em Fukushima, no Japão têm ao menos quatro semelhanças:

1) A metáfora do "cisne negro" sugere que esses acontecimentos refletem dificuldade para avaliar corretamente os riscos em sistemas complexos.

2) As agências regulamentadoras revelaram-se incapazes de prever e evitar a crise.

3) As "consequências adversas", por sua natureza, podem cruzar fronteiras.

4) Os custos incorridos por companhias imprudentes serão parcialmente socializados.

O terremoto de 9,0 graus de magnitude que atingiu o Japão é, evidentemente, um evento absolutamente excepcional - um evento tão raro que sua probabilidade não pode ser bem avaliada com modelos baseados em dados históricos limitados. Eventos com probabilidade muito baixa, mas de alto impacto - os chamados "riscos de cauda" - também estiveram presentes no cerne da crise financeira.

Uma das causas da crise financeira foi o apetite das instituições financeiras por selecionar (e em alguns casos, criar) produtos com retornos acima da média em tempos normais, mas prejuízos excessivos em casos excepcionais. Velhas usinas de energia nuclear em zonas sísmicas têm uma estrutura de "remuneração" similar. Além disso, tanto os modelos de risco financeiro como nuclear parecem não ter avaliado corretamente as correlações entre diferentes riscos.

As instituições financeiras tentaram reduzir os riscos por meio do agrupamento de hipotecas de quitação incerta (subprime), ao passo que o sistema de refrigeração de Fukushima não conseguiu sobreviver - seja com um apagão, um terremoto ou um tsunami. Mas, em ambos os casos, as probabilidades de colapsos eram correlacionadas e sua ocorrência conjunta levou à catástrofe.

Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Co. ampliaram seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem.

A França, por exemplo, permanecerá dependente de sua capacidade de geração nuclear, que continuará a representar a maior parcela de sua eletricidade. A Itália, por outro lado, poderá desejar um ambiente de risco nuclear zero, uma vez que não produz eletricidade a partir da energia nuclear, mas é cercada (num raio de aproximadamente 160 km) por reatores esloveno, suíço, francês e seis usinas de energia nuclear. A relutância francesa em submeter suas instalações nucleares à regulamentação europeia determinada por seus vizinhos céticos quanto à viabilidade do uso da energia nuclear é comparável aos esforços britânicos para impedir uma harmonização europeia das regras do mercado financeiro devido à importância do seu setor financeiro.

Outra semelhança entre a crise atual no Japão e a recente crise financeira é que a falsa avaliação dos riscos deveu-se, em grande parte, à distribuição assimétrica do bem-estar social e ao custo individual necessário para uma amenização mais eficaz dos riscos. Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Company (TEPCO) puderam ampliar seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem. Mas quando a crise estourou, o custo do colapso superou o patrimônio das empresas e, portanto, teve de ser socializado.

Portanto, há uma falha estrutural no tratamento dispensado a atividades privadas complexas que criam riscos de geração de danos sociais de grande monta. Na verdade, isso é bem compreendido - e é a razão pela qual temos entidades regulamentadoras para a maioria desse tipo de sistemas.

Mas, antes da crise nuclear japonesa e da crise financeira, os fiscais foram incapazes de evitar riscos. A Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de Valores Mobiliários dos EUA não exigiu mais capital nem pôs fim às práticas de risco em grandes bancos de investimento. A agência nuclear japonesa não impôs regras de segurança mais rígidas. Por isso, confiar nas baixas probabilidades de colapso, em políticas nacionais, na cautela dos agentes privados e na fiscalização das agências competentes parece ser insuficiente para evitar a catástrofe. Então, o que deveria ser feito?

Assim como no mundo financeiro, assegurar que o originador de um risco pague seu custo parece ser a abordagem mais sensata. Se cada usina nuclear fosse obrigada a segurar-se contra os riscos que impõe à sociedade (dentro e fora de seu país sede), elas arcariam com o verdadeiro custo econômico de suas atividades.

Nesse mundo ideal, o seguro de usinas individuais, permaneceria vinculado a fatores que podem e não podem ser influenciados, como localização em uma área densamente povoada e do grau de aversão da população local a riscos. Além disso, a avaliação de riscos deve estar vinculada a fatores de risco associados a usinas individuais, como localização em uma zona sísmica, contenção secundária, redundâncias de segurança etc. Usinas em áreas densamente povoadas e cumpridoras de normas de segurança mais tolerantes, por exemplo, teriam de arcar com custos de seguro mais altos, o que poderia resultar em uma autosselecionada eliminação das usinas de maior risco.

Mas é improvável a implementação de um regime desse tipo. Primeiro, é praticamente impossível avaliar corretamente perfis de risco de usinas individuais. Em segundo lugar, um regime assim imporia grandes custos a apenas algumas poucas companhias em alguns países. Seus governos se empenhariam fortemente em proteger essas empresas de serem obrigadas a pagar pelos riscos que representam para a sociedade.

Esse desfecho provável é idêntico à iniciativa de criação de um fundo bancário europeu ou mundial para garantir uma cobertura de seguros contra a próxima crise financeira. Em ambos os casos, porém, um seguro perfeito poderia, ainda assim, servir como uma referencial válido para nortear a escolha das políticas a serem implementadas.

Caminhar no sentido desse referencial poderia ser auxiliado por duas medidas: em primeiro lugar, uma desativação gradual das usinas nucleares de eletricidade não de acordo com sua idade, mas com seu perfil de risco, por mais esquematicamente que seja calculado; e, em segundo lugar, a adoção do seguro obrigatório internacional para acidentes nucleares. Sob tal regime, a União Soviética, por exemplo, em 1986, teria sido cobrada pelo pagamento dos custos que o acidente de Chernobyl impôs aos agricultores europeus e a seus sistemas de saúde. Sem dúvida, a implementação dessas melhorias será difícil. Como no setor financeiro, porém, a crise pode ser a mãe das reformas.

Georg Zachmann é pesquisador na Bruegel.

Rating do Brasil elevado pela Fitch

Fitch eleva ratings do Brasil para "BBB"
Monitor Mercantil Digital, 04/04/2011

A Fitch Ratings elevou os seguintes IDRs (Issuer Default Ratings - Ratings de Probabilidade de Inadimplência do Emissor) e o teto país do Brasil: IDR em Moeda Estrangeira elevado para "BBB" de "BBB-" (BBB menos); IDR em Moeda Local elevado para "BBB" de "BBB-" (BBB menos); Teto país elevado para "BBB+"(BBB mais) de "BBB"; e IDR de Curto Prazo elevado para "F2" de "F3".

A Perspectiva dos Ratings foi alterada para Estável, de Positiva.

A elevação dos ratings reflete a avaliação da Fitch de que a taxa de crescimento potencial sustentável da economia brasileira aumentou para 4% a 5%, o que melhora a perspectiva fiscal a médio prazo e endossa o contínuo fortalecimento da sua posição de liquidez externa, aumentando a capacidade do país de absorver choques. A transição de governo para a administração de Dilma Rousseff foi suave, e o consenso sobre políticas macroeconômicas responsáveis continua bem fundamentado. Além disso, a administração Dilma vem demonstrando sinais de maior contenção fiscal, que, aliada às perspectivas de crescimento saudáveis, deve permitir a redução da pesada carga da dívida pública do Brasil.

A economia brasileira registrou expansão a taxas historicamente altas no ano passado, quando o crescimento do PIB atingiu 7,5%. O cenário base da Fitch assume que o aperto nas políticas macroeconômicas que se encontram atualmente em curso deverá permitir uma "aterrissagem suave" da economia brasileira, com o crescimento econômico alcançando aproximadamente 4% em 2011.

- A trajetória de crescimento do Brasil, a médio prazo, deverá continuar relativamente robusta, devido à dinâmica da sua demanda doméstica, que é sustentada pela diversidade econômica do país, por uma ampla classe média ainda em expansão e por um ciclo positivo de investimentos - afirmou Shelly Shetty, diretora sênior e chefe de ratings soberanos para América Latina. O crescimento do PIB do Brasil nos últimos cinco anos atingiu a média de 4,4%, acima da mediana dos ratings na categoria "BBB". A renda per capita do país à taxa de câmbio de mercado também está acima da mediana da categoria "BBB".

A posição de liquidez externa do Brasil se fortaleceu ainda mais após a crise de crédito global, com as reservas internacionais excedendo USD300 bilhões atualmente. O Brasil continua sendo entre os soberanos um dos credores externos líquidos mais fortes na categoria "BBB". A Fitch observa que, embora os déficits em conta corrente do Brasil devam permanecer mais elevados do que no passado recente, a deterioração nos indicadores de endividamento externo líquido pode ser contida pelos fortes fluxos de investimentos estrangeiros diretos esperados.

O anúncio pelo novo governo de cortes nos gastos em 2011 e de um modesto aumento no salário mínimo, assim como a contínua redução nos empréstimos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) servem de apoio à gradativa melhora fiscal. A Fitch também observa que a administração pró-ativa pelo Tesouro de seu passivo levou a novas melhoras na estrutura da dívida pública doméstica. Além disso, o Tesouro já garantiu consideráveis recursos para amortizações da dívida externa para os próximos anos, o que reduz a vulnerabilidade do país à volatilidade nos mercados internacionais de capitais.

- Os desafios macroeconômicos do Brasil a curto prazo incluem o combate à inflação, trazendo-a de volta ao centro da meta e moderando o ritmo da expansão do crédito - acrescentou ela. Um aperto mais rápido da política fiscal melhoraria o mix global da política fiscal e monetária e aliviaria a valorização da moeda e a pressão sobre as taxas de juros, embora outras medidas possam ser necessárias com o objetivo de retardar o ritmo da expansão do crédito privado para um nível mais sustentável. Potenciais deslizes nas políticas e uma "aterrissagem forçada" da economia continuam sendo riscos para o Brasil. Estes riscos, no entanto, devem ser contidos e moderados, à medida que a economia gradualmente retome seu equilíbrio e a expansão do crédito diminua.

A Fitch acredita que apesar da administração Dilma ganhar força no Congresso, o progresso das reformas econômicas deverá ser gradual. As reformas tributária e previdenciária ainda são importantes para a melhora das finanças públicas. Maiores taxas de poupanças e novos progressos nas reformas microeconômicas, de modo a melhorar o ambiente dos negócios e desenvolver a infra-estrutura, abrandariam as dificuldades para atingir uma trajetória de maior crescimento. Embora as medidas anunciadas para atrair capital de longo prazo sejam positivas e indiquem um maior pragmatismo em direção ao investimento privado, o desenvolvimento do mercado de crédito levará tempo.

Para o futuro, a melhora sustentável das contas fiscais e externas do Brasil, da dinâmica de expansão econômica e a contínua consolidação da estabilidade macroeconômica serão vistas como positivas. Reformas econômicas que melhorassem a competitividade do Brasil e combatessem os pontos fracos estruturais das finanças públicas seriam positivas para o crédito. Por outro lado, uma acentuada elevação da carga da dívida pública ou o aparecimento de significativos passivos contingentes no setor financeiro também poderiam minar a situação do crédito.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Brazilian Foreign Policy: away from some folies...

Rousseff Tweaks Brazil's Foreign Policy at the UN
Roque Planas
Americas Society, March 29, 2011

Brazil hopes to gain a permanent UN Security Council seat.

Two recent UN votes indicate President Dilma Rousseff’s foreign policy may differ from that of her predecessor, Luiz Inácio “Lula” da Silva. Lula generally opposed sanctions, avoided criticizing authoritarian governments’ human rights violations, and famously attempted to broker a deal (along with Turkey) to allow Iran to enrich uranium for peaceful purposes. The Rousseff administration, on the other hand, voted Thursday for a resolution to send a special human rights investigator to Iran. Last month, Brazil voted to sanction Libyan head of state Moamar Gadaffi. But while those votes mark a departure from Lula’s foreign policy at the UN, Rousseff’s abstention from the Libya no-fly zone resolution indicate that she will not entirely abandon Lula’s policy of nonintervention.

Rousseff anticipated last week’s Iran vote in an interview with The Washington Post before her inauguration. After criticizing what she referred to as the failure of a “war policy” toward the Middle East led by the United States, Rousseff broached the theme of human rights in Iran that Lula avoided. “I would feel uncomfortable as a woman president-elect not to say anything against the stoning,” Rousseff said, referring to the pending sentence for Sakineh Mohammadi Ashtiani, who was convicted of adultery and murder in May 2006. “My position will not change when I take office. I do not agree with the way Brazil voted. It’s not my position.” Brazil’s envoy to the UN, Maria Nazareth Farani Azevedo, expressed her country’s support of the resolution in similar terms. “This is not a vote against Iran. It’s a vote in favor of the strengthening of the system of human rights,” she said.

Rousseff's departure from Lula’s position on Iran sparked some criticism. When asked if he would support the resolution to send a special human rights investigator to Iran, former foreign minister Celso Amorim told A Folha de São Paulo that he probably would not, explaining that for such a policy to be coherent “we would have to send a special investigator to Iran, another to Guantanamo, another to look at the situation of immigrants in Europe.” Amorim, who served in the Lula administration and helped negotiate the failed nuclear agreement with Tehran, added, “If you get involved in the politics of condemnation, you can forget dialogue.”

But Rousseff’s position on Iran does not constitute a 180-degree turnaround from the Lula days. Israeli officials cited by The Jerusalem Post viewed the Iran vote as a small sign of change that would not affect Brazil’s relationship with the Ahmadinejad administration. Instead, Israeli officials viewed Brazil’s vote against Iran as a gesture to Obama, who visited the country this month. And while Brazil supported sanctioning Libya, the Rousseff administration’s abstention from the no-fly zone vote in the Security Council—along with China, Russia, India, and Germany—marked continuity with her predecessor’s opposition to sanctions and foreign military intervention. The Brazilian Mission to the UN released a statement saying it was not convinced the use of force would “lead to the realization of our common objective—the immediate end to violence and the protection of civilians.” The statement criticized foreign military action while also condemning the Gadaffi regime’s violence. Lula lauded the Rousseff administration’s position on Libya in comments to the press and criticized foreign intervention in harsher terms than Brazil’s diplomats. “These invasions only happen because the United Nations is weak,” Lula said. “If we had twenty-first-century representation [in the Security Council], instead of sending a plane to drop bombs, the UN would send its secretary-general to negotiate.”

Lula’s comments hinted at another issue weighing on Rousseff’s mind: some analysts speculate that Brazil is tweaking its votes at the UN to garner support for a permanent seat at the Security Council (UNSC). Brazil has served as an elected, nonpermanent member of the UN Security Council ten times and holds its current seat until December. As the largest country in Latin America and a participant in 33 peacekeeping missions, Brazil hopes to gain a permanent seat if the Council is expanded and is courting the current permanent members, including the United States, for support.

Brazilian daily O Globo reported that President Barack Obama asked Rousseff to support the Iran human rights investigator resolution during his visit from March 19 to March 21, citing an unnamed government official. According to the report, Rousseff did not commit to supporting the resolution until the time of the vote. If Obama succeeded in convincing Rousseff to join the United States on the Iran resolution, Rousseff had less luck getting Obama to support Brazil in its bid for permanent Security Council membership. Instead of an endorsement, Rousseff came away with a lukewarm statement acknowledging that “Brazil aspires to a seat on the Security Council” and saying the United States would “keep working with Brazil and other nations on reforms that make the Security Council more effective, more efficient, more representative.” The statement fell short of Obama’s wholehearted support of India’s bid for permanent membership last year, but it still amounted to support. “It is weaker in comparison with what he said last November in New Delhi about India’s aspirations, but it is the first public demonstration of sympathy by the U.S. to Brazil’s quest to a permanent seat in the Security Council,” said Paulo Sotero, of the Wilson Center in Washington. If it was any consolation, on Saturday former President Bill Clinton said he supported a permanent seat on the Security Council for Brazil, during a talk at the World Forum on Sustainability in the Amazonian city of Manaus.

Learn More:
Read the transcript of Obama and Rousseff’s comments following their March 19 meeting.
Read an AS/COA Online analysis of the Obama-Rousseff meeting on March 19 in Brasilia.
Read an interview with former Brazilian Foreign Minister Celso Amorim.
The Washington Post interviews President-elect Dilma Rousseff.
The Brazilian Mission to the United Nations explains its opposition to sanctions on Iran in June 2010 and its abstention from the Libya no-fly zone resolution this month.


Send questions and comments for the editor to: ascoa.online@as-coa.org.

Curso: "The Politics of Regional Integration in Latin America", Pofessor Olivier Dabène - FGV-Rio

O curso internacional "The Politics of Regional Integration in Latin America" será ministrado pelo professor Olivier Dabène, do Instituto de Estudos Politicos de Paris (Sciences Po), entre os dias 2 a 6 de maio, na FGV Direito Rio.

Maiores informações constam do folder abaixo e do programa anexado (vide "mais informações"). é necessario realizar inscrição no site da FGV (http://direitorio.fgv.br/internacional/cursos-internacionais).

domingo, 3 de abril de 2011

Como o governo constroi a bomba-relogio fiscal

Leitores deste blog, brasileiros em geral: o governo prepara não uma surpresa, mas uma notícia desagradável para todos vocês.
Vocês não podem fazer nada contra isso, mas podem pelo menos ficar sabendo, e já ficar com raiva, pois a conta vai ser paga por vocês, por todos nós, aliás...
Paulo Roberto de Almeida

Apesar de promessa de Dilma, governo corta investimentos e eleva gastos
Marta Salomon
O Estado de São Paulo, 3/04/2011

Encerrado o primeiro trimestre do mandato da presidente Dilma Rousseff, o retrato das contas públicas contraria o discurso feito por ela desde a época da campanha eleitoral. Os gastos com investimentos, que deveriam ser preservados dos cortes, caíram. Já as despesas com salários, custeio da máquina pública e da rotina do governo subiram. É justo o oposto do pregado no discurso oficial.

Com pessoal e custeio, o governo gastou R$ 10 bilhões a mais no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado. Se forem incluídos os gastos com juros, o aumento chega a R$ 13,2 bilhões. É praticamente um quarto do corte de R$ 50 bilhões feito no Orçamento deste ano e é dinheiro suficiente para bancar quase um ano do programa Bolsa Família. No fim do mês passado, o Estado mostrou que haviam aumentado até gastos com diárias e passagens, supostos alvos de cortes.

Já em investimentos, os gastos caíram pouco mais de R$ 300 milhões na comparação com 2010. Os dados foram lançados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), que registra gastos federais, e foram pesquisados pela ONG Contas Abertas.

O governo diz que está fazendo outra coisa. “Estamos cortando o custeio administrativo, não os investimentos”, disse Dilma Rousseff em março, na Bahia, ao inaugurar uma obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dos R$ 8,2 bilhões despendidos em investimentos nos primeiros três meses deste ano, R$ 7,9 bilhões se referem a pagamentos de contas herdadas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os programas incluídos no Orçamento de 2011 propriamente dito, aquele que seria preservado de cortes, praticamente não saíram do lugar.

Nos primeiros 90 dias de governo, apenas R$ 306 milhões foram pagos até o momento, o que significa que o projeto foi realizado e o governo quitou a conta. O volume de investimentos previstos para este ano, porém, chega a R$ 63,7 bilhões. Desse montante, apenas 6,19% passaram pela primeira etapa burocrática do gasto público, o chamado “empenho”, que é feito quando o governo compromete o dinheiro com o pagamento de alguma obra ou serviço ainda em execução.

Frase da semana - Winston Churchill sobre a verdade

Men occasionally stumble over the truth, but most of them pick themselves up and hurry off as if nothing happened.

Winston Churchill

Retratos do pensamento militar - Paulo Roberto de Almeida

O pensamento militar brasileiro e a conjuntura econômica
Paulo Roberto de Almeida

Tendo recebido um artigo, reproduzido abaixo, de um general de reserva (cujo nome prefiro resguardar), procedo, como é meu hábito, após leitura cuidadosa de uma matéria relevante: anotações à margem do texto, nos trechos que me pareceram merecer ressalvas, observações, comentários, ou até correções, no caso encapsulados entre colchetes, com tipos em itálico, para o devido destaque de meu texto, desta forma: [PRA: Comentário.].
Brasília, março de 2011

O DESCASO PELAS FORÇAS ARMADAS
General da Reserva Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx

A onda dos movimentos por liberdade nos países do Norte da África e do Oriente Médio deve ser analisada em seus reflexos na disputa entre as potências por espaços e poder, cenário permanente nas relações internacionais, que também abrange outras importantes questões conflituosas.
[PRA: O que menos se deve destacar, na onda de movimentos libertários naquelas regiões é justamente o aspecto geopolítico, uma vez que todos os movimentos, ainda que inspirados em mesma matriz e eventualmente guiados por considerações de ordem externa, obedecem, basicamente, ao mesmo padrão: revoltas de jovens humildes a propósito de sua condição social e de jovens universitários conectados ao mundo, mas neste caso usando apenas as ferramentas da globalização; se pudéssemos enfeixar esses movimentos numa rubrica geral, seria a de “emprego e liberdade”, não a de troca de hegemonias externas, o que reflete apenas a fixação do autor do artigo pelos equilíbrios de poder mundial.]
Os estudos de temas dessa natureza realizados no Brasil refletem ideias de renomados estrategistas europeus, norte-americanos e asiáticos quanto aos impactos no jogo entre as grandes potências, mas não apontam possíveis consequências no campo militar, para o Brasil, restringindo-se aos reflexos nas expressões política e econômica. O desfecho dos movimentos no mundo islâmico terá consequências, cujo significado para a defesa nacional dependerá do saldo ou do déficit de poder dos EUA naquela região.
[PRA: Fixação indevida nos temas de segurança e de poder, em detrimento das causas internas, econômicas e políticas, dessa onda de revoltas.]

O quadro atual dos conflitos no mundo revela a volta da onda, que emergiu da II Guerra Mundial e levou os EUA à hegemonia global.
[PRA: Quais conflitos? Certamente não os atuais do mundo árabe, que não têm absolutamente nada a ver com a hegemonia, ou perda dela, pelos EUA.]
Ela começa a recuar pressionada por novos atores poderosos, alguns deles velada ou ostensivamente antagônicos aos EUA e com os quais este último terá de compartilhar espaços e poder.
[PRA: O autor quer provavelmente referir-se à China, enquadrando-a no mesmo cenário de conflitos geopolíticos de meados do século XX; por isso se costuma dizer que os generais estão sempre combatendo a última batalha, não as que vêm pela frente.]
Ao final da primeira década do século XXI, ficou evidente que os EUA já não podiam impor a um custo suportável, isolada e rapidamente seus interesses em todo mundo, condição que desfrutaram por duas décadas após a queda da União Soviética. Os EUA também encontram dificuldade crescente para empregar a OTAN em ações globais, seja pela falta de consenso quanto às ameaças seja pela impossibilidade econômica de seus aliados sustentarem operações militares distantes e de grande envergadura.
[PRA: Nenhuma dessas questões está em causa na onda de revoltas árabes, que não tem maiores conotações geopolíticas e sim de política doméstica.]
Há, ainda, a ascensão da China e sua projeção em todos os continentes, limitando progressivamente a liberdade de ação da outrora potência hegemônica.
[PRA: Salvo avanço sobre matérias primas em várias partes do mundo, não se vê a China confrontando diretamente os EUA ou limitando o poder deste.]
Portanto, a capacidade político-militar norte-americana de assegurar o acesso a regiões com relevante posição geoestratégica e detentoras de recursos vitais, situadas “do lado de lá do mundo”, como o Oriente Médio, a África e a Ásia Central, vai sendo reduzida.
[PRA: O avanço chinês assume características basicamente econômicas, sendo sua projeção militar reduzida, até aqui, ao cenário regional.]

Assim, aumentará a necessidade dos EUA garantirem o acesso a regiões “do lado de cá do mundo” com aqueles atrativos, leia-se América do Sul e Atlântico Sul, para o que empregarão seu poder militar se for preciso.
[PRA: Manifesta-se novamente aqui a velha paranoia militar brasileira, segundo a qual os EUA pretendem dominar o continente e o Brasil, para melhor explorá-los. Não que isso não seja relevante, mas não é o vetor principal da ação externa dos EUA.]
Ao mesmo tempo, interessa-lhes limitar a projeção e influência de potências extra-regionais que possam tolher sua liberdade de ação nas áreas mencionadas. Hoje, espaços dessas regiões de tradicional influência norte-americana já estão sendo disputados pela China e, em sua esteira, virão á Rússia e a Índia.
[PRA: Cenários à la Mackinder grandemente exagerados.]
Como reagirão os EUA, altamente dependentes de recursos naturais, ante a presença de poderosos rivais cada vez mais próximos de seu território, experiência vivida apenas em 1962 na crise dos mísseis da então URSS em Cuba?
[PRA: Obsessão securitária: quais “poderosos rivais” estão cercando os EUA?]
O mundo não é o mesmo e as estratégias não serão as mesmas, mas os EUA não ficarão de braços cruzados. Em sua expansão, a China ocupa espaços também cobiçados pelo Brasil, inclusive em áreas da cooperação militar, pois nossa indigência bélica, fruto do descaso de sucessivos governos, não nos deixa muito a oferecer. Perdem-se excelentes oportunidades para gerar empregos, receita comercial e desenvolvimento industrial e científico-tecnológico e consolidar vínculos com a América do Sul e a África.
[PRA: Ou seja, a grandeza econômica deveria vir como consequência do poderio militar? Mas isso é o inverso da realidade. O poderio americano não vem do Pentágono, e sim da professorinha de aldeia, desde o século XVII, que forjou uma nação essencialmente produtiva e inovadora. Os EUA são poderosos A DESPEITO do Pentágono, não por causa dele.]

Entre a águia e o dragão está o Brasil com sua aspiração pela liderança regional e seus interesses no Atlântico Sul.
[PRA: ??!! Essa polaridade não tem nenhum fundamento na realidade; apenas um jogo de palavras.]
A disputa de poder no entorno estratégico brasileiro deveria ter motivado providências, há muito tempo, antes de o cenário de risco estar delineado de maneira tão clara.
[PRA: Visão distorcida do jogo estratégico na América do Sul.]
Política exterior engloba diplomacia e defesa e estes setores do Estado não podem esperar uma ameaça passar de possível a provável para então buscar os meios de neutralizá-la. Defesa não se improvisa! Um forte poder militar confere maior robustez à política exterior, atrai alianças, dissuade ameaças e desagrava afrontas. Para alcançar tal status o governo deveria ter vontade política de queimar etapas, priorizando e fixando o investimento em defesa, e coragem para enfrentar desafios. O Brasil amargará a perda de oportunidades e patrimônio, no campo material, e de auto-estima e dignidade, no imaterial, pois será incapaz de reagir a pressões político-militares alienígenas, se não estiver no nível das maiores potências militares no lapso de uma década. A globalização, o desenvolvimento nacional e a projeção internacional colocaram o País, outrora periférico, no eixo dos conflitos entre as potências.
[PRA: Compreende-se que um general defenda recursos para as FFAA, dentro da lógica da maior capacitação possível. O cálculo do estadista, contudo, deve focar não apenas a maior defesa possível, mas a melhor defesa comensurável com os meios disponíveis e as ameaças percebidas, reais e potenciais. Se dependesse dos militares, o orçamento militar seria compreensivelmente várias vezes maior: restaria saber para o quê, exatamente.]

As Forças Armadas (FA) procuraram, em vão, sensibilizar a liderança nacional sobre a importância de fortalecer o poder militar.
[PRA: A sociedade, que é maior que as FA, também poderiam sensibilizar a liderança nacional para a importância de fortalecer o poder educacional, que vem antes do poder militar, ao que parece...]
A resposta foi o descaso hoje camuflado por um discurso inconsequente, pois de prático pouco se faz, e tardio, pela incerteza quanto à possibilidade de recuperar o tempo perdido. Em 2011, mais uma vez, postergou-se a aquisição de aviões de caça para a Força Aérea, que se arrasta há mais de uma década, e houve um forte contingenciamento no orçamento de defesa, com prejuízo do desenvolvimento do submarino nuclear e de projetos do Exército. A relevância das FA para a liderança nacional resume-se a missões de paz, apoio às obras do PAC e participação na segurança pública e defesa civil, ou seja, no que é marketing para o governo.
[PRA: Nisso inteiramente de acordo: o governo petista vive de marketing, de mistificações e de engano.]
Há um descaso com o equipamento e o preparo para a defesa da Pátria, prioridade, razão de ser e identidade de qualquer força armada. Mas o descaso é também com a profissão e o militar como mostra a crescente defasagem salarial que rebaixa a carreira das armas em relação a outras de Estado e do serviço público.
[PRA: Os salários do setor público são uma anarquia indescritível, com abusos notórios nos poderes Judiciário e Legislativo, abusos tópicos no Executivo, mas uma evidente injustiça com os militares, que estão no piso subterrâneo dessa escala salarial altamente deformada.]
O chefe militar manifesta essas preocupações pela cadeia de comando, como é sua obrigação. À presidente da República, comandante supremo das FA, cabe preservar a relevância dessas Instituições, obrigação moral e funcional de quem sabe que elas não abrem mão do compromisso com a Nação, o dever e a disciplina e que os instrumentos de pressão de outros segmentos da sociedade são inadmissíveis nas Forças Armadas.

[PRA: o General tem razão quanto ao rebaixamento, não apenas orçamentário, que as FFAA vêm sofrendo desde a redemocratização, duplicado pelas perversões políticas dos petistas no poder, alguns notórios inimigos da democracia, amigos de ditaduras como a cubana, e no limite traidores da pátria, pelos seus objetivos não confessados. Mas, numa época de descontrole fiscal, de extensão indevida dos gastos públicos, os militares não podem se julgar isentos de participação no esforço de contenção de gastos. O que deve ser discutido são os critérios, obviamente, dos gastos públicos e não tomar as missões constitucionais das FFAA como isoladas do contexto nacional. O fato é que o governo gasta muito e gasta mal, com excesso de auto-publicidade, gastos demagógicos com o curral eleitoral do Bolsa-Família, e subsídios para todos os amigos do poder, enquanto extrai recursos dos cidadãos e das empresas compulsoriamente e abusivamente. Cabe em todo caso defender o orçamento das FFAA, mas tudo deve ser colocado em perspectiva: quanto se gasta por habitante, como correlacionar isso à renda per capita, ao PIB, e aos requerimentos específicos da defesa, sem exageros “defensistas” que todas as FFAAs exibem pelo mundo. A END é notoriamente irrealista quanto aos gastos de defesa, como se o Brasil fosse uma grande potencia estratégica com responsabilidades inclusive na estratosfera...
O mais relevante, porém, no artigo acima, é a tentativa de traçar um paralelo entre acontecimentos políticos nos países árabes, que a rigor não afetam a paz e a segurança internacionais, só trazendo problemas para os seus próprios povos, e a situação geopolítica mundial, e daí com o orçamento militar brasileiro; isso é exagerado, equivocado e contraproducente.
]

Paulo Roberto de Almeida - Brasília, 7 de março de 2011

Como destruir a economia do pais, pensando fazer o bem

O primitivismo da economia política do PT é de espantar.
Não seria assim de espantar se o Brasil recuasse economicamente.
Mentalmente atrasado ele já está.
Teremos mais alguns anos de mediocridade econômica e de decadência progressiva.
Alguns países (como a China, por exemplo) decaíram durante séculos; outros (Inglaterra, é outro exemplo), decaíram durante décadas; alguns conseguem até reincidir nas bobagens e continuam, contra todas as evidências histórica, a decair, como a Argentina, para sermos mais precisos.
Está na hora do Brasil decair um pouco...
Paulo Roberto de Almeida

Governo estuda taxar venda de minério
Por Christiane Samarco e Renato Andrade
Estado de S.Paulo, 01/04/2011

O Palácio do Planalto determinou ao Ministério da Fazenda estudar uma forma de taxar fortemente a exportação de minério de ferro e desonerar o aço. A ideia é reduzir a venda da commodity e aumentar a comercialização de produtos siderúrgicos brasileiros no exterior. O objetivo por trás da medida é forçar a Vale a investir mais na produção de produtos de maior valor.

A equipe do ministro Guido Mantega está encarregada de fazer as contas, para ver se é viável calibrar os tributos incidentes sobre os produtos. A decisão final só sairá depois que os cálculos forem feitos, mas a presidente Dilma Rousseff gostou da ideia, segundo relato de um interlocutor do Planalto.

Embora a proposta afete todo o setor de mineração, a iniciativa em gestação tem endereço certo e objetivo imediato: forçar a Vale a acelerar a construção da siderúrgica que será instalada no Pará. A medida nasce no momento em que o governo conclui o novo marco regulatório da mineração e tem como pano de fundo a disputa entre a mineradora e o Departamento Nacional de Produção Mineral, em torno do valor que a Vale deve pagar pela exploração de minério.

Antes mesmo de ganhar os holofotes, a encomenda do Planalto foi duramente criticada por representantes da mineração ouvidos pelo Estado. “Isso é uma loucura. O Brasil é um país estranho. Os produtores de aço estão investindo em mineração e o governo quer forçar as mineradoras a investir em siderurgia. Não tem o menor sentido”, disse uma importante fonte do setor.

Nem mesmo representantes da siderurgia brasileira acreditam que a taxação do minério possa trazer os resultados esperados pelo governo. “Tem um ruído nessa história de onerar o minério e desonerar o aço. Quando a gente fala em desonerar, tem de ser para a cadeia como um todo”, disse o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.

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Complemento do que vai acima:

Desatinos contra a Vale
Editorial - O Estado de S.Paulo
03 de abril de 2011

Derrubado o presidente da Vale, o governo estuda o próximo passo para impor seus interesses e suas concepções econômicas à maior empresa privada do Brasil, segunda maior mineradora do mundo e líder mundial na extração de minério de ferro. O Palácio do Planalto mandou o Ministério da Fazenda examinar uma forma de tributar a exportação do minério, para reduzir os embarques de matéria-prima e aumentar as vendas externas de aço, produto de maior valor agregado. Para isso a empresa teria de ampliar seu investimento em siderurgia. A decisão só será tomada depois dos estudos, informou ao Estado uma fonte ligada ao poder central. Segundo a mesma fonte, a presidente se mostraria sensível ao que era uma das obsessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante mais de metade de seu segundo mandato, o presidente Lula se esforçou para mandar na Vale e, diante da resistência do presidente da empresa, passou a manobrar para derrubá-lo. Esta parte da tarefa já foi cumprida pela presidente Dilma Rousseff. O afastamento de Roger Agnelli foi anunciado oficialmente pela companhia na sexta-feira. Uma agência foi contratada para buscar e sugerir nomes para a substituição, mas alguns possíveis sucessores já têm sido mencionados por pessoas envolvidas no processo.

O novo presidente da Vale terá um mau começo, se aceitar previamente a interferência do governo. Se estiver disposto a receber ordens do Palácio do Planalto ou de qualquer Ministério, o governo nem precisará tributar o minério para forçar a empresa a investir mais em siderurgia. Ao mostrar submissão, esse presidente iniciará sua nova carreira já enfraquecido e enviará uma péssima informação ao mercado e aos acionistas particulares.

As manobras do governo para comandar a Vale têm sido motivadas por uma combinação de ideias estapafúrdias e de impulsos perigosos. É estapafúrdia, em primeiro lugar, a ideia de forçar maiores investimentos em siderurgia, quando o setor está com uma enorme capacidade ociosa - no País e no exterior. A presidente Dilma Rousseff saberia disso, se tivesse o trabalho de consultar os profissionais do setor. A Vale já investe na produção de aço, mas em ritmo compatível com uma estratégia racional.

Em segundo lugar, é um desatino a ideia de tributar a matéria-prima para forçar a exportação de produto de maior valor agregado. Essa tolice reaparece, de tempos em tempos, sob nova roupagem - estimulada, às vezes, por interesses privados. Há anos, empresas do setor calçadista convenceram o governo a tributar a exportação de um tipo de couro. O governo cedeu à esperteza de alguns e cometeu a bobagem. Um dos efeitos foi o desvio das exportações de couro brasileiro pelo Uruguai. O resultado poderia ter sido pior - a perda de mercados para os concorrentes.

Tributar a exportação de minério concederá uma vantagem aos concorrentes estrangeiros da Vale. Ninguém forçará uma grande potência importadora, como a China, a pagar mais pelo minério ou a comprar mais aço do Brasil por causa dessa manobra ridícula. Depois, a mera ideia de tributar matéria-prima para aumentar a exportação de bens de maior valor agregado é uma infantilidade. No máximo, a medida poderia ter algum efeito se o país tivesse o monopólio da matéria-prima. Não é o caso e, mesmo que fosse, o expediente seria discutível.

Se houvesse alguma inteligência nessa proposta, valeria a pena aplicá-la de forma radical. Por que não tributar também a exportação de aço, para favorecer a venda de automóveis, tratores e outros produtos fabricados com esse tipo de insumo? Por que não taxar o milho, a soja e a ração, para ampliar as vendas de carnes? Ou, ainda, por que não dificultar os embarques de café em grão - o Brasil é o maior exportador do mundo -, para multiplicar as vendas do produto instantâneo e do torrado? O desatino seria o mesmo em todos esses casos.

Mas o governo pode ter outros motivos, também, para mandar numa empresa como a Vale. Orientar seus investimentos para este ou aquele Estado ou município pode ser uma forma de distribuir enormes favores. E, se a ordem é conceder benefícios à custa de uma grande companhia, por que privar os aliados de mais alguns bons empregos?

Crimes menos que perfeitos: o Mensalao do PT e o mentiroso contumaz

Uma vasta rede de corrupção, roubo de dinheiro público, crimes financeiros, só falta um crime de homicídio, ou algum suicídio político (mas isso pode aparecer também).
Isso destrói a história de um grande mentiroso, que costuma dizer que o mensalão não existiu e que tudo foi invenção da imprensa e da oposição.
Mentirosos contumazes não costumam se redimir.
Mas se a polícia e a justiça fossem um pouco mais rápidos no Brasil, a carreira desse tipo de mentiroso já estaria encerrada, por descrédito público.
Muita gente pode desmentir mentirosos, mas nesse tipo de máfia poucos o fazem. Quando o fazem, podem se arriscar a encerrar a carreira, de uma forma dramática, digamos assim.
Já aconteceu antes, pode acontecer novamente.
Esperemos...
Paulo Roberto de Almeida

Relatório da PF confirma mensalão no governo Lula
Agência Estado, 2/04/2011

Relatório final da Polícia Federal confirma a existência do mensalão no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de seis anos de investigação, a PF concluiu que o Fundo Visanet, com participação do Banco do Brasil, foi uma das principais fontes de financiamento do esquema montado pelo publicitário Marcos Valério. Com 332 páginas, o documento da PF, divulgado pela revista “Época”, joga por terra a pretensão do ex-presidente Lula de provar que o mensalão nunca existiu e que seria uma farsa montada pela oposição.

O relatório da PF demonstra que, dos cerca de R$ 350 milhões recebidos do governo Lula pelas empresas de Valério, os recursos que mais se destinaram aos pagamentos políticos tinham como origem o fundo Visanet. As investigações da PF confirmaram que o segurança Freud Godoy, que trabalhou com Lula nas campanhas presidenciais de 1998 e 2002, recebeu R$ 98,5 mil do esquema do valerioduto, conforme revelou o Estado, em setembro de 2006. A novidade é que Freud contou à PF que se tratava de pagamento dos serviços de segurança prestados a Lula na campanha de 2002 e durante a transição para a Presidência - estabelecendo uma ligação próxima de Lula com o mensalão. No depoimento, Freud narrou que o dinheiro serviu para cobrir parte dos R$ 115 mil que lhe eram devidos pelo PT.

O relatório da PF apontou o envolvimento no esquema do mensalão, direta ou indiretamente, de políticos como o hoje ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, do PT. Rastreando as contas do valerioduto, os investigadores comprovaram que Rodrigo Barroso Fernandes, tesoureiro da campanha de Pimentel à prefeitura de Belo Horizonte, em 2004, recebeu um cheque de R$ 247 mil de uma das contas da SMP&B no Banco Rural. As investigações confirmaram também a participação de mais sete deputados federais, entre eles Jaqueline Roriz (PMN-DF), Lincoln Portela (PR- MG) e Benedita da Silva (PT-RJ), dois ex-senadores e o ex-ministro tucano Pimenta da Veiga.

Segundo a revista “Época”, a PF também confirmou que o banqueiro Daniel Dantas tentou mesmo garantir o apoio do governo petista por intermédio de dinheiro enviado às empresas de Marcos Valério. Dantas teria recebido um pedido de ajuda financeira no valor de US$ 50 milhões depois de se reunir com o então ministro da Casa Civil José Dirceu. Pouco antes de o mensalão vir a público, uma das empresas controladas por Dantas fechou contratos com Valério, apenas para que houvesse um modo legal de depositar o dinheiro. De acordo com o relatório da PF, houve tempo suficiente para que R$ 3,6 milhões fossem repassados ao publicitário.

As investigações comprovaram ainda que foram fajutos os empréstimos que, segundo a defesa de Marcos Valério, explicariam a origem do dinheiro do mensalão. Esses papéis serviram somente para dar cobertura jurídica a uma intrincada operação de lavagem de dinheiro. De acordo com o relatório da PF, houve duas fontes de recursos para bancar o mensalão e as demais atividades criminosas de Marcos Valério. A principal, qualificada de “fonte primária”, consistia em dinheiro público, proveniente dos contratos do publicitário com ministérios e estatais. O principal canal de desvio estava no Banco do Brasil, num fundo de publicidade chamado Visanet, destinado a ações de marketing do cartão da bandeira Visa. As agências de Marcos Valério produziam algumas ações publicitárias, mas a vasta maioria dos valores repassados pelo governo servira tão somente para abastecer o mensalão.

A segunda fonte de financiamento, chamada de “secundária”, estipulava que Marcos Valério seria ressarcido pelos pagamentos aos políticos por meio de contratos de lobby com empresas dispostas a se aproximar da Presidência da República. Foi o caso do Banco Rural, que tentava obter favores do Banco Central e do banqueiro Daniel Dantas, que precisava do apoio dos fundos de pensão das estatais.
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Complemento:

Relatório da PF não traz novidade, mas é relevante; informação mais importante tinha sido antecipada por Diogo Mainardi em maio de 2006
Reinaldo Azevedo, 02/04/11

O que há de propriamente novo no relatório da PF sobre o mensalão? De essencial, nada! Então é irrelevante? Ao contrário! É relevantíssimo! Ele comprova fatos a que a imprensa já havia chegado, muito especialmente a VEJA. Vamos ver:
1 - Já se sabia que Daniel Dantas havia abastecido o esquema do mensalão. Quem revelou foi Diogo Mainardi;
2 - Já se sabia que dinheiro da Visanet — parte dele, público — havia abastecido o mensalão;
3 - Já se sabia que Freud Godoy havia sido pago com dinheiro do esquema Marcos Valério;
4 - Já se sabia que os “empréstimos” alegados por Marcos Valério eram fajutos.

O que o relatório traz de novidade é o envolvimento de alguns outros políticos com o esquema. O mais graúdo é o atual ministro da Indústria e Comércio, Fernando Pimentel (PT-MG).

Reitero: isso não quer dizer que o relatório seja irrelevante. Ele confirma, em suma, tudo o que já se sabia, trazendo consigo o peso de uma investigação oficial. É um elemento a mais a desmoralizar a afirmação de Lula e de sua turma, segundo a qual o mensalão nunca existiu.

Abaixo, reproduzo uma coluna de Diogo Mainardi de 17 de maio de 2006. Ele entrevista Daniel Dantas, que fala sobre o “pedido” de dinheiro. Dantas nega que tenha pago. Diogo encerra a coluna informando: pagou! Agora, o relatório da Polícia Federal confirma tudo. E pensar que a canalha petralha, numa tentativa fabulosa de inverter os fatos, acusava Diogo, vejam que espetáculo!, de ligação com Dantas! Como se vê, ainda que tarde, a investigação da própria PF comprova o que ele informou.

Segue a coluna:

Daniel Dantas não fala. Para quem não fala, até que ele falou muito. O suficiente para mandar um monte de gente para a forca. Em primeiro lugar, Lula e seus ministros.

Passei quatro horas no escritório de Daniel Dantas, no Rio. No fim, arranquei dele meia hora de entrevista. Vale sobretudo como registro histórico. Lendo com cuidado, dá para ver o instante exato em que o Brasil acabou.

O PT PEDIU PROPINA AO OPPORTUNITY?
O que houve foi uma sugestão de que, se déssemos uma quantia expressiva ao partido, eles poderiam nos ajudar a resolver as dificuldades que estávamos tendo com o governo.

ENTÃO FOI PIOR DO QUE PROPINA: FOI EXTORSÃO. QUEM PEDIU O DINHEIRO?
Delúbio Soares.

QUAL A QUANTIA?
Entre 40 e 50 milhões de dólares. Era a necessidade de recursos que eles tinham. E Delúbio queria saber se poderíamos ajudá-los.

A QUEM FOI FEITO O PEDIDO?
A Carlos Rodenburg, que na época (julho de 2003) trabalhava conosco.

MARCOS VALÉRIO PARTICIPOU DO ENCONTRO?
Foi ele que marcou. Mas não estava presente quando foi feito o pedido.

VOCÊ PAGOU OS 50 MILHÕES DE DÓLARES?
Perguntei ao meu advogado, Nélio Machado, se o pagamento seria ilegal ou não. Ele respondeu que isso é tipificado no artigo 316 do Código Penal, e que não estaríamos incorrendo em crime algum.

PORQUE ERA UMA EXTORSÃO?
Não é exatamente esse o termo.

O QUE ACONTECEU DEPOIS?
Eu marquei uma reunião com o Citibank em Nova York e expliquei à diretora Mary Lynn que, se contribuíssemos com uma quantia muito grande para o PT, talvez nossas dificuldades cessassem, mas acrescentei que não era essa a minha expectativa. Ela me autorizou a dizer, em nome do Citi, que não seria possível pagar, porque isso contrariaria a lei americana.

ESSE FOI O PRIMEIRO PEDIDO DE DINHEIRO DO PT AO OPPORTUNITY?
Durante a campanha presidencial de 2002, Ivan Guimarães foi ao nosso escritório e entregou um kit do partido ao Carlos Rodenburg, com o objetivo de conseguir algum apoio financeiro. Rodenburg mandou devolver o kit, porque não sabia quem era Ivan Guimarães. Isso foi interpretado pelo PT como um ato hostil, mas nós éramos politicamente neutros e não tínhamos nada contra o partido.

POR QUE O GOVERNO QUERIA TIRAR O OPPORTUNITY DO COMANDO DA BRASIL TELECOM?
Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.

A TELEMAR ACABOU COMPRANDO A EMPRESA DO LULINHA. POR QUE VOCÊS TAMBÉM NEGOCIARAM COM ELE? ERA UM AGRADO AO PRESIDENTE LULA?
Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.

O EX-PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL CÁSSIO CASSEB DISSE AO CITIBANK QUE LULA ODEIA VOCÊ.
Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.

LULA SE REUNIU COM A DIRETORIA DO CITIBANK. ELE PRESSIONOU OS AMERICANOS A TRAIR O OPPORTUNITY E FECHAR UM ACORDO COM OS FUNDOS DE PENSÃO?
Não posso comentar nenhuma notícia que eu tenha obtido através dos documentos que constam do processo em Nova York.

VOCÊ CONFIRMA QUE A BRASIL TELECOM SÓ CONSEGUIU TER ACESSO AO DINHEIRO DO BNDES DEPOIS DE CONTRATAR O ADVOGADO KAKAY, AMIGO DE JOSÉ DIRCEU?
Houve uma sincronia entre os fatos.

Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros.

sábado, 2 de abril de 2011

Futurologia cientifica: resultados garantidos

A precisão, acurácia, metodologia comprovada do grande futurólogo Macaco Simão só poderia ter essa alta taxa de eficácia nos acertos, por se tratar de um país chamado Brasil.
Aliás, eu posso garantir, por experiência própria e uma atenta observação das coisas brasileiras nos últimos 150 anos (não, não vivi ainda tudo isso, embora espere fazê-lo; estou apenas me referindo ao conhecimento de nossa história), que a taxa de acertos deve alcançar mais de 100%, uma vez que, juntando Lei de Murphy e outros princípios consagrados da metodologia de previsões, aqui costuma acontecer até o que não se previu, de forma dobrada e da pior maneira possível.
Fiquem, portanto, com estas previsões já realizadas em grande medida...
Paulo Roberto de Almeida

Previsões de Pai José Simão (Colunista Folha de São Paulo),para as Olímpíadas no Rio - 2016.
De 2010 a 2015


1. ONGs vão pipocar dizendo que apóiam o esporte, tiram crianças das ruas e as afastam das drogas. Após as olimpíadas estas ONGs desaparecerão e serão investigadas por desvio de dinheiro público. Ninguém será preso ou indiciado.

2. Um grupo de funk vai fazer sucesso com uma música que diz: vou pegar na tua tocha e você põe na minha pira.

3. Uma escola de samba vai homenagear os jogos, rimando “barão de coubertin” com “sol da manhã”. Gilberto Gil virá no último carro alegórico vestido de lamê dourado representando o “espírito olímpico do carioca visitando a corte do Olimpo num dia de sol ao raiar do fogo da vitoria”.

4. Haverá um concurso para nomear a mascote dos jogos que será um desenho misturando um índio, o sol do Rio, o Pão de Açúcar e o carnaval, criado por Hans Donner. Os finalistas terão nomes como: “Zé do Olimpo”, “Chico Tochinha” e “Kaíque Maratoninha”.

5. Luciano Huck vai eleger a Musa dos jogos, concurso que durará um ano e elegerá uma modelo chamada Kathy Mileine Suellen da Silva.

Abertura dos jogos
1. A tocha olímpica será roubada ao passar pela baixada fluminense. O COB vai encomendar outra com urgência para um carnavalesco da Beija flor.

2. Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e a bateria da Mangueira farão um show na praia de Copacabana para comemorar a chegada do fogo olímpico ao Rio. Por motivo de segurança, Zeca Pagodinho será impedido de ficar a menos de 500 metros da tocha.

3. Durante o percurso da tocha, os brasileiros vão invadir a rua e correr ao lado dela carregando cartolinas cor de rosa onde se lê "GALVÃO FILMA NÓIS", "100% FAVELA DO RATO MOLHADO".

4. Pelé vai errar o nome do presidente do COI, discursar em um inglês de merda elogiando o povo carioca e, ao final, vai tropeçar no carpete que foi colado 15 minutos antes do início da cerimônia.

5. Claudia Leite e Ivete Sangalo vão cantar o “Hino das Olimpíadas” composto por Latino e MC Medalha. As duas vão duelar durante a música para aparecer mais na TV.

6. O Hino Nacional Brasileiro será entoado a capella por uma arrependida Vanuza, que jura que "não bota uma gota de álcool na boca desde a última copa". A platéia vai errar a letra, em homenagem a ela, chorar como se entendesse o que está cantando, e aplaudir no final como se fosse um gol.

7. Uma brasileira vai ser filmada varias vezes com um top amarelo, um shortinho verde e a bandeira dos jogos pintada na cara. Ela posará para a Playboy sem o top e sem o shortinho e com a bandeira pintada na bunda.

8. Por falta de gás na última hora, já que a cerimônia só foi ensaiada durante a madrugada, a pira não vai funcionar. Zeca Pagodinho será o substituto temporário já que a Brahma é um dos patrocinadores. Em entrevista ao Fantástico ele dirá que não se lembra direito do fato.

9. Setenta e quatro passistas de fio-dental vão iniciar a cerimônia mostrando o legado cultural do Rio ao mundo: a bala perdida, o trafico, o funk, o sequestro-relâmpago e a favela.

10. Durante os jogos de tênis a platéia brasileira vai vaiar os jogadores argentinos obrigando o árbitro a pedir silencio 774 vezes. Como ele pedirá em inglês ninguém vai entender e vão continuar vaiando. Galvão Bueno vai dizer que vaiar é bom, mas vaiar os argentinos é melhor ainda. Oscar concordará e depois pedirá desculpas chorando no programa do Gugu.

11. Um simpático cachorro vira-lata furará o esquema de segurança invadindo o desfile da delegação jamaicana. Será carregado por um dos atletas e permanecerá no gramado do Maracanã durante toda a cerimônia. Será motivo de 200 reportagens, apelidado de Marley, e será adotado por uma modelo emergente que ficará com dó do pobre animalzinho e dirá que ele é gente como a gente.

12. Adriane Galisteu posará para a capa de CARAS ao lado do grande amor da sua vida, um executivo do COB.

13. Os pombos soltos durante a cerimônia serão alvejados por tiros disparados por uma favela próxima e vendidos assados na saída do maracanã por “dois real”.

Durante os jogos
1. Caetano Veloso dará entrevista dizendo que o Rio é lindo, a cerimônia de abertura foi linda e que aquele negão da camiseta 74 da seleção americana de basquete é mais lindo ainda.

2. Uma modelo-manequim-piranha-atriz-exBBB vai engravidar de um jogador de hóquei americano. Sua mãe vai dar entrevista na Luciana Gimenez dizendo que sua filha era virgem até ontem, apesar de ter namorado 74 homens nos últimos seis meses, e que o atleta americano a seduziu com falsas promessas de vida nos EUA. Após o nascimento do bebê ela posará nua e terá um programa de fofocas numa rede de TV.

3. No primeiro dia os EUA, a China e o Canadá já somarão 74 medalhas de ouro, 82 de prata e 4 de bronze. Os jornalistas brasileiros vão dizer a cada segundo que o Brasil é esperança de medalha em 200 modalidades e certeza de medalha em outras 64.

4. Faltando 3 dias para o fim dos jogos, o Brasil terá 3 medalhas de bronze e 1 de ouro, esta ganha por atletas desconhecidos no esporte “caiaque em dupla”. Eles vão ser idolatrados por 15 minutos (somando todas as emissoras abertas e a cabo) como exemplos de força e determinação. A Hebe vai dizer que eles são “uma gracinha” ao posarem mordendo a medalha, e nunca mais se ouvirá deles.

5. A seleção brasileira de futebol comandada por Ronaldo Fenômeno vai chegar como favorita. Passará fácil pela primeira fase e entrará de salto alto na fase final, perdendo para a seleção de Sumatra.

6. A seleção americana de vôlei visitará uma escola patrocinada pelo Criança Esperança. Três meninos vão ganhar uma bola e um uniforme completo dos jogadores, sendo roubados e deixados pelados no dia seguinte.

7. Os traficantes da Rocinha vão roubar aquele pó branco que os ginastas passam na mão. Um atleta cubano será encontrado morto numa boate do Baixo Leblon depois de cheirá-lo. O COB, a fim de não atrasar as competições de ginástica, vai substituir o tal pó pelo cimento estocado nos fundos do ginásio inacabado.

8. Um atleta brasileiro nunca visto antes terminará em 57º lugar na sua modalidade e roubará a cena ao levantar a camiseta mostrando outra onde se lê: JARDIM MATILDE NA VEIA.

9. Vários atletas brasileiros apontados como promessa de medalha serão eliminados logo no inicio da competição. Suas provas serão reprisadas em 'slow motion' e 400 horas de programas de debate esportivo vão analisar os motivos das suas falhas.

Após os jogos
1. Um boxeador brasileiro negro de 1,85m estrelará um filme pornô para pagar as despesas que teve para estar nos jogos e por não obter patrocínio.

2. Faustão entrevistará os atletas brasileiros que não ganharam medalhas. Não os deixará pronunciar uma palavra sequer, mas dirá que esses caras são exemplos no profissional tanto quanto no pessoal, amigos dos amigos, e outras besteiras.

3. No início do ano seguinte, vários bebês de olhos azuis virão ao mundo e as filas para embarque nos voos para a Itália, Portugal e Alemanha serão intermináveis, com mães "ofendidas", segurando seus rebentos...

Minitratado dos desencontros - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado dos desencontros
Paulo Roberto de Almeida

O que é um desencontro? Dito simplesmente, é uma defasagem, no tempo ou no espaço, entre dois corpos, cada um seguindo vias próprias e diferenciadas, sem qualquer possibilidade de cruzamento. Para fins deste minitratado, no entanto, o desencontro é um descompasso entre dois sentimentos, um pretendendo resposta e reação, o outro permanecendo desatento ou distraído, o que pressupõe alguma instância de reciprocidade ou linha de cruzamento, mesmo virtual.
Na melhor das hipóteses, o desencontro é passageiro, e a correspondência esperada se faz em algum momento, em algum lugar. Na pior, as expectativas de uma parte não logram sensibilizar ou dobrar a vontade da outra parte, e o desencontro se converte em motivo de sofrimento. Todo desencontro, ou toda indiferença é um sofrimento, pelo menos para uma das partes. Todos nós sabemos disso.
Por que existem desencontros? Eu poderia ser economicista e dizer que a reta (sempre crescente) da procura não encontra a “sua” curva da oferta, o que pode ocorrer em face de qualquer falha de mercado ou externalidade negativa. Sendo menos sarcástico, e mecanicista, pode-se dizer que, no terreno dos sentimentos humanos, não existe qualquer equivalência mecânica, como aquela identificada com a “lei de Say”, que pretende que a oferta cria sua própria demanda.
Mas tampouco funciona neste caso a chamada “inversão keynesiana”, que espera que a demanda artificialmente criada pelo poder de emissão de alguma autoridade desperte os “espíritos animais” dos agentes de mercado, que decidem, a partir daí, manter a oferta agregada. Os economistas, assim como os contabilistas, não gostam de desencontros: eles sempre pretendem fechar a equação de equilíbrio, buscando a resposta para déficits ou superávits mesmo por meios artificiais.
No caso das amizades ainda se pode esperar alguma reciprocidade, ou seja, um equilíbrio e correspondência de vontades e prestações mútuas; nas amizades existe, sobretudo, confiança entre as partes. Tudo isso é muito difícil de ser estabelecido no caso de paixões mais “incisivas”, como o amor, que não exige retorno direto; ele pode ser unilateral, unidirecional, não correspondido e assimétrico, como nas relações de dependência ou de assistência entre países avançados e economias miseráveis, que vivem da cooperação ao desenvolvimento (outro nome para a assistência pública).
Como nas relações econômicas, porém, o desencontro é uma expectativa não realizada, por insuficiência de fatores ou de insumos, que atendam aos requisitos dos “consumidores”. Não se trata apenas de uma assimetria de informação, mas de um desequilíbrio sistêmico, que impregna toda a equação de mercado, afetando aquela transação que se esperava realizar. O desencontro, portanto, está muito longe daquela situação que os economistas chamariam de “ótimo paretiano”. Numa figuração de química doméstica, ele seria como a superposição entre a água e o azeite.
Nem todas as culturas, porém, cultivam essa oposição de sentimentos, o confronto de posições, essas cenas dramáticas, típicas de novelas mexicanas. Na tradição oriental, a aparente oposição do yin e do yang acaba conhecendo alguma síntese reconciliadora, assim como na sua gastronomia encontramos o agridoce, que nos enche de prazer, mesmo momentâneo. Mas o desencontro constitui justamente o retorno do azedo sobre o sentimento temporário de doçura e de conforto espiritual.
Existem soluções para os desencontros? Talvez, mas certamente não “a” solução, a fórmula mágica que permitiria eliminar toda frustração e todo sentimento de impotência em face da indiferença alheia. Algumas situações podem ser apenas contornadas, pelo uso dos “estímulos corretos”, geralmente de natureza material. Muitos “compram” o amor, é verdade, ou atuam para criar uma relação de dependência, o que teoricamente pode fazer com que retas paralelas se encontrem em algum ponto do espaço. Mas esse tipo de “equilíbrio” é muito frágil, já que espíritos independentes não suportam a subordinação de sua vontade, justamente.
Qual seria, então, um possível remédio a um desencontro específico? Sem nenhuma garantia de sucesso, como em qualquer empreendimento humano, fazer-se admirar, provocar o reconhecimento da outra parte pelas ações beneméritas, generosas e “desprendidas” que se decide oferecer unilateralmente. Em uma palavra: ser bom, o que implica ser atencioso, prestativo, sempre pronto a confortar a outra parte, aquela com a qual se busca o encontro, justamente. Sinceridade é fundamental, mas confessar a ação calculada poderia parecer oportunismo, interesse egoísta, até maquiavelismo, no sentido vulgar deste conceito.
Sempre se espera que o desencontro seja passageiro, mas o descompasso pode, na verdade, durar anos, ou décadas. Paciência e constância nos sentimentos constituem, neste caso, duas virtudes fundamentais. Feliz final do seu desencontro...

Curitiba-Brasília, 2 de abril de 2011

Walter Russell Mead e Josef Joffe - Diálogos Estratégicos Brasil-EUA

Para não perder:

Diálogos Estratégicos Brasil-EUA
Walter Russell Mead e Josef Joffe
6 de Abril, 18hs, Brasília

A CAPES-MEC , a Comissão Fulbright e a Embaixada dos EUA convidam para o lançamento da série “Diálogos Estratégicos Brasil-EUA” com palestras de Walter Russell Mead e Josef Joffe sobre o tema: "A Doutrina Obama e o Sonho Americano". O evento será realizado às 18h do dia 6 de abril de 2011, no Auditório da CAPES, SBN Quadra 02 Bloco L Lote 6, 1º Subsolo.
Haverá tradução simultânea

Bernard Lewis on Arab revolts - The Wall Street Journal

THE WEEKEND INTERVIEW: Bernard Lewis
'The Tyrannies Are Doomed'
By BARI WEISS
The Wall Street Journal, APRIL 2, 2011

My own feeling is that the greatest defect of Islam and the main reason they fell behind the West is the treatment of women.

The West's leading scholar of the Middle East, , sees cause for optimism in the limited-government traditions of Arab and Muslim culture. But he says the U.S. should not push for quick, Western-style elections.

Princeton, N.J. - 'What Went Wrong?" That was the explosive title of a December 2001 book by historian Bernard Lewis about the decline of the Muslim world. Already at the printer when 9/11 struck, the book rocketed the professor to widespread public attention, and its central question gripped Americans for a decade.

Now, all of a sudden, there's a new question on American minds: What Might Go Right?

To find out, I made a pilgrimage to the professor's bungalow in Princeton, N.J., where he's lived since 1974 when he joined Princeton's faculty from London's School of Oriental and African Studies.

Two months shy of his 95th birthday, Mr. Lewis has been writing history books since before World War II. By 1950, he was already a leading scholar of the Arab world, and after 9/11, the vice president and the Pentagon's top brass summoned him to Washington for his wisdom.

"I think that the tyrannies are doomed," Mr. Lewis says as we sit by the windows in his library, teeming with thousands of books in the dozen or so languages he's mastered. "The real question is what will come instead."

For Americans who have watched protesters in Tunisia, Egypt, Iran, Libya, Bahrain and now Syria stand up against their regimes, it has been difficult not to be intoxicated by this revolutionary moment. Mr. Lewis is "delighted" by the popular movements and believes that the U.S. should do all it can to bolster them. But he cautions strongly against insisting on Western-style elections in Muslim lands.

"We have a much better chance of establishing—I hesitate to use the word democracy—but some sort of open, tolerant society, if it's done within their systems, according to their traditions. Why should we expect them to adopt a Western system? And why should we expect it to work?" he asks.

Mr. Lewis brings up Germany circa 1918. "After World War I, the victorious Allies tried to impose the parliamentary system on Germany, where they had a rather different political tradition. And the result was that Hitler came to power. Hitler came to power by the manipulation of free and fair elections," recounts Mr. Lewis, who fought the Nazis in the British Army. For a more recent example, consider the 2006 electorial triumph of Hamas in Gaza.

Elections, he argues, should be the culmination—not the beginning—of a gradual political process. Thus "to lay the stress all the time on elections, parliamentary Western-style elections, is a dangerous delusion."

Not because Muslims' cultural DNA is predisposed against it—quite the contrary. "The whole Islamic tradition is very clearly against autocratic and irresponsible rule," says Mr. Lewis. "There is a very strong tradition—both historical and legal, both practical and theoretical—of limited, controlled government."

But Western-style elections have had mixed success even in the West. "Even in France, where they claim to have invented freedom, they're on their fifth republic and who knows how many more there will be before they get settled down," Mr. Lewis laughs. "I don't think we can assume that the Anglo-American system of democracy is a sort of world rule, a world ideal," he says. Instead, Muslims should be "allowed—and indeed helped and encouraged—to develop their own ways of doing things."

In other words: To figure out how to build freer, better societies, Muslims need not look across the ocean. They need only look back into their own history.

Mr. Lewis points me to a letter written by France's ambassador in Istanbul shortly before the French revolution. The French government was frustrated by how long the ambassador was taking to move ahead with some negotiations. So he pushed back: "Here, it is not like it is in France, where the king is sole master and does as he pleases. Here, the sultan has to consult."

In Middle Eastern history "consultation is the magic word. It occurs again and again in classical Islamic texts. It goes back to the time of the Prophet himself," says Mr. Lewis.

What it meant practically was that political leaders had to cut deals with various others—the leaders of the merchant guild, the craft guild, the scribes, the land owners and the like. Each guild chose its own leaders from within. "The rulers," says Mr. Lewis, "even the great Ottoman sultans, had to consult with these different groups in order to get things done."

It's not that Ottoman-era societies were models of Madisonian political wisdom. But power was shared such that rulers at the top were checked, so the Arab and Muslim communities of the vast Ottoman Empire came to include certain practices and expectations of limited government.

Americans often think of limited government in terms of "freedom," but Mr. Lewis says that word doesn't have a precise equivalent in Arabic. "Liberty, freedom, it means not being a slave. . . . Freedom was a legal term and a social term—it was not a political term. And it was not used as a metaphor for political status," he says. The closest Arabic word to our concept of liberty is "justice," or 'adl. "In the Muslim tradition, justice is the standard" of good government. (Yet judging from the crowds gathered at Syria's central Umayyad mosque last week chanting "Freedom, freedom!," the word, if not our precise meaning, has certainly caught on.)

The traditional consultation process was a main casualty of modernization, which helps explain modernization's dubious reputation in parts of the Arab and Muslim world. "Modernization . . . enormously increased the power of the state," Mr. Lewis says. "And it tended to undermine, or even destroy, those various intermediate powers which had previously limited the power of the state." This was enabled by the cunning of the Mubaraks and the Assads, paired with "modern communication, modern weapons and the modern apparatus of surveillance and repression." The result: These autocrats amassed "greater power than even the mightiest of the sultans ever had."

So can today's Middle East recover this tradition and adapt it appropriately? He reminds me that he is a historian: Predictions are not his forte. But the reluctant sage offers some thoughts.

First, Tunisia has real potential for democracy, largely because of the role of women there. "Tunisia, as far as I know, is the only Muslim country that has compulsory education for girls from the beginning right through. And in which women are to be found in all the professions," says Mr. Lewis.

"My own feeling is that the greatest defect of Islam and the main reason they fell behind the West is the treatment of women," he says. He makes the powerful point that repressive homes pave the way for repressive governments. "Think of a child that grows up in a Muslim household where the mother has no rights, where she is downtrodden and subservient. That's preparation for a life of despotism and subservience. It prepares the way for an authoritarian society," he says.

Egypt is a more complicated case, Mr. Lewis says. Already the young, liberal protesters who led the revolution in Tahrir Square are being pushed aside by the military-Muslim Brotherhood complex. Hasty elections, which could come as soon as September, might sweep the Muslim Brotherhood into power. That would be "a very dangerous situation," he warns. "We should have no illusions about the Muslim Brotherhood, who they are and what they want."

And yet Western commentators seem determined to harbor such illusions. Take their treatment of Sheikh Yusuf Qaradawi. The highly popular, charismatic cleric has said that Hitler "managed to put [the Jews] in their place" and that the Holocaust "was divine punishment for them."

Yet following a sermon Sheikh Qaradawi delivered to more than a million in Cairo following Mubarak's ouster, New York Times reporter David D. Kirkpatrick wrote that the cleric "struck themes of democracy and pluralism, long hallmarks of his writing and preaching." Mr. Kirkpatrick added: "Scholars who have studied his work say Sheik Qaradawi has long argued that Islamic law supports the idea of a pluralistic, multiparty, civil democracy."

Professor Lewis has been here before. As the Iranian revolution was beginning in the late 1970s, the name of Ayatollah Ruhollah Khomeini was starting to appear in the Western press. "I was at Princeton and I must confess I never heard of Khomeini. Who had? So I did what one normally does in this world of mine: I went to the university library and looked up Khomeini and, sure enough, it was there."

'It" was a short book called "Islamic Government"—now known as Khomeini's Mein Kampf—available in Persian and Arabic. Mr. Lewis checked out both copies and began reading. "It became perfectly clear who he was and what his aims were. And that all of this talk at the time about [him] being a step forward and a move toward greater freedom was absolute nonsense," recalls Mr. Lewis.

"I tried to bring this to the attention of people here. The New York Times wouldn't touch it. They said 'We don't think this would interest our readers.' But we got the Washington Post to publish an article quoting this. And they were immediately summoned by the CIA," he says. "Eventually the message got through—thanks to Khomeini."

Now, thanks to Tehran's enduring Khomeinism, the regime is unpopular and under threat. "There is strong opposition to the regime—two oppositions—the opposition within the regime and the opposition against the regime. And I think that sooner or later the regime in Iran will be overthrown and something more open, more democratic, will emerge," Mr. Lewis says. "Most Iranian patriots are against the regime. They feel it is defaming and dishonoring their country. And they're right of course."

Iranians' disdain for the ruling mullahs is the reason Mr. Lewis thinks the U.S. shouldn't take military action there. "It would give the regime a gift that they don't at present enjoy—namely Iranian patriotism," he warns.

By his lights, the correct policy is to elevate the democratic Green movement, and to distinguish the regime from the people. "When President Obama assumed office, he sent a message of greeting to the regime. That is polite and courteous," Mr. Lewis deadpans, "but it would have been much better to send a message to the people of Iran."

Let's hope the Green movement is effective. Because—and this may be hard to square with his policy prescription—Mr. Lewis doesn't think that Iran can be contained if it does go nuclear.

"During the Cold War, both the Soviet Union and the United States had nuclear weapons but both knew that the other was very unlikely to use them. Because of what was known at the time as MAD—mutually assured destruction. MAD meant that each side knew that if it used a nuclear weapon the other would retaliate and both sides would be devastated. And that's why the whole time during the Cold War, even at the worst times, there was not much danger of anyone using a nuclear weapon," says Mr. Lewis.

But the mullahs "are religious fanatics with an apocalyptic mindset. In Islam, as in Christianity and Judaism, there is an end-of-times scenario—and they think it's beginning or has already begun." So "mutually assured destruction is not a deterrent—it's an inducement."

Another key variable in the regional dynamic is Turkey, Mr. Lewis's particular expertise. He was the first Westerner granted access to the Ottoman archives in Istanbul in 1950. Recent developments there alarm him. "In Turkey, the movement is getting more and more toward re-Islamization. The government has that as its intention—and it has been taking over, very skillfully, one part after another of Turkish society. The economy, the business community, the academic community, the media. And now they're taking over the judiciary, which in the past has been the stronghold of the republican regime." Ten years from now, Mr. Lewis thinks, Turkey and Iran could switch places.

So even as he watches young Middle Eastern activists rise up against the tyrannies that have oppressed them, he keeps a wary eye on the spread of Islamic fundamentalism. It is particularly challenging because it has "no political center, no ethnic identity. . . . It's both Arab and Persian and Turkish and everything else. It is religiously defined. And it can command support among people of every nationality once they are convinced. That marks the important difference," he says.

"I think the struggle will continue until they either obtain their objective or renounce it," Mr. Lewis says. "At the moment, both seem equally improbable."

Ms. Weiss is an assistant editorial features editor at the Journal.
Printed in The Wall Street Journal, page A1

Natalie Cole and Ray Charles - Fever

Puro deleite, mesmo sem aspirina, ou anti-termico:

http://www.youtube.com/watch?v=P-XJH9WFQpI&feature=player_embedded#at=20

One of the best voice combination, best played, best sound, best singing from both artists. My big admiration and respect for the artists.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Livros sobre o Primeiro Reinado - biblioteca excepcional

8,3 mil obras de história e afeto
Roberta Pennafort
O Estado de S.Paulo, 01 de abril de 2011 – pág. D10

RIO - Eles eram intelectuais, amigos dos mais importantes autores brasileiros de seu tempo, e juntavam livros não como fetichistas que admiram o crescimento da coleção, mas na condição de apaixonados pelo conhecimento.

Em 1959, morto num acidente aéreo, o casal de escritores Octavio Tarquinio de Sousa e Lucia Miguel Pereira deixou, no apartamento em que viviam, em Laranjeiras, no Rio, uma biblioteca de cerca de 8,3 mil exemplares, iniciada no início do século 20.

Este acervo protegido pelo neto que criavam como filho - Antonio Gabriel, hoje com 73 anos - estará aberto à visitação pública nos próximos meses, na biblioteca que será instalada no novo prédio da Procuradoria-Geral do Estado, no centro.

Enquanto as obras no edifício não são concluídas, o conteúdo das estantes de cedro maciço pode ser conhecido no site www.octavioelucia.com. Para os pesquisadores, em especial os que se debruçam sobre o período imperial, é uma fonte e tanto. Sousa é autor dos dez volumes de História dos Fundadores do Império do Brasil, lançados nos anos 50 e referência até hoje.

Para os curiosos, estão disponíveis dedicatórias amorosas de escritores como Carlos Drummond de Andrade, que os trata como "gente do melhor coração" numa poesia na folha de rosto de Claro Enigma (1951). Em 1947, Graciliano Ramos escrevera, na de Caetés: "Caro Tarquínio e caríssima Lucia: façam-me o favor de não ler esta miséria".

Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Gilberto Freyre, Monteiro Lobato, Vinicius de Moraes... Pense num grande nome das nossas letras, e haverá uma assinatura sua num livro dessa coleção.

O valor do conjunto é incalculável. Antonio Gabriel resistiu durante esses 52 anos a investidas de sebos e até de universidades norte-americanas. "Esta é a biblioteca mais importante do Brasil em termos de primeiro reinado. Sempre tive consciência de que deveria ficar no Brasil. É um tesouro nosso, ainda que os governos estejam se lixando para isso. Mais de 30% dos livros têm dedicatórias. Estou prestando uma homenagem àquelas duas pessoas que eu amava. A biblioteca ficará una, com o nome deles e acessível", orgulha-se.