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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Cartografia da Esquerda no Brasil - Leandro Eliel (Revista Espaco Academico)


Cartografia da esquerda no Brasil
LEANDRO ELIEL*
Este texto tem uma pretensão modesta: apresentar de maneira sintética o conjunto das organizações de esquerda atuantes, hoje, no Brasil. Certamente haverá erros de informação e resumos polêmicos, motivo pelo qual pedimos a ajuda dos leitores para que possamos corrigir os erros e registrar as divergências na próxima edição desta revista.
Partido dos Trabalhadores
Partido dos Trabalhadores (www.pt.org.br) foi fundado em 1980. Quatro grandes setores confluíram na sua criação:
a) sindicalistas do chamado “novo sindicalismo”, especialmente os metalúrgicos, bancários e petroleiros;
b) militantes de organizações de esquerda atuantes na oposição contra a ditadura (alguns entraram em caráter individual no PT, outros entraram por decisão de suas respectivas organizações);
c) lideranças populares formadas pelas pastorais e comunidades da Igreja Católica, especialmente do setor progressista;
d) parlamentares e lideranças atuantes no Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB (durante muitos anos, o único partido de oposição legalizado no país).
Desde a sua fundação, o PT abrigou diferentes correntes de opinião, geralmente denominadas de tendências. A primeira tentativa de disciplinar a existência de tendências no interior do Partido ocorreu no 5º Encontro Nacional do PT, em 1987. A segunda tentativa ocorreu no Primeiro Congresso do PT, em 1991.
Uma compreensão do papel jogado pelas tendências no interior do PT deve levar em conta pelo menos duas variáveis: as posições políticas defendidas por estes grupos e a atitude geral que adotavam frente ao Partido.
De 1983 a 1993, por exemplo, existia uma tendência hegemônica e majoritária em âmbito nacional: a Articulação, cujas posições se refletiam nas resoluções partidárias.
Competindo com a Articulação, havia algumas lideranças e agrupamentos informais com posições mais moderadas (exemplo disso são os parlamentares que defenderam votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral). E havia, também, lideranças e agrupamentos com posições mais radicalizadas.
A maioria destes agrupamentos tivera origem anterior ou exterior ao PT. É o caso da Democracia Socialista (Organização Revolucionária Marxista/Democracia Socialista), do Partido Revolucionário Comunista (PRC), do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, da Organização Socialista Internacionalista (O Trabalho), da Ala Vermelha, da Convergência Socialista, entre outros.
Entre 1991 e 1995, em decorrência dos acontecimentos e debates descritos, ocorrem profundas alterações na vida interna do PT. Em primeiro lugar, todas as tendências passam a se considerar como “tendências internas” de um “partido estratégico”. Em segundo lugar, a Convergência Socialista e outros grupos saem do PT, criando o PSTU. Em terceiro lugar, a tendência majoritária passa por um processo de cisão, dando origem à Articulação Unidade na Luta e à Articulação de Esquerda. Em quarto lugar, lideranças e tendências situadas à esquerda e à direita da Articulação, invertem seus papéis (é o caso de Plínio de Arruda Sampaio, líder moderado nos anos 1980 e líder radical nos anos 1990; é o caso, também, de José Genoíno, que faz o percurso inverso).
De 1995 até o final de 2003, o quadro interno se estabiliza da seguinte forma. Um grupo majoritário denominado, talvez para que não restasse dúvida, de “Campo majoritário”, composto basicamente pela Articulação Unidade na Luta e pela Democracia Radical (esta por sua vez, oriunda da aliança do ex-PRC com outros setores). Uma esquerda, com quatro expressões mais conhecidas, a saber: a Democracia Socialista, a Articulação de Esquerda, a Força Socialista e O Trabalho. E um centro, cuja expressão principal viria a formar o chamado “Movimento PT”, agrupamento de lideranças parlamentares e grupos regionais.
No final de 2003, a expulsão de Heloísa Helena e de três deputados federais é o marco inicial de um novo processo de alteração no quadro interno. Em primeiro lugar, o Movimento de Esquerda Socialista e a Corrente Socialista dos Trabalhadores (duas tendências oriundas da antiga Convergência Socialista), acompanhadas de um número significativo de lideranças de esquerda independentes, saem do PT ainda em dezembro de 2003 e criam o PSOL. Outro grupo expressivo de petistas filia-se ao PSOL entre os meses de setembro e outubro de 2005. É o caso da Ação Popular Socialista (tendência resultante da fusão da antiga Força Socialista com outros grupos), de Plínio de Arruda Sampaio, de vários deputados federais e de certo número de militantes oriundos de várias tendências da esquerda petista ou independentes. Em segundo lugar, lideranças até então vinculadas ao “Campo majoritário” ou independentes de expressão desligam-se do PT, indo para outros partidos ou ficando sem filiação partidária (é o caso, por exemplo, de Hélio Bicudo, Cristovam Buarque e de Chico Whitaker). Em terceiro lugar, a crise de 2005 e o processo de eleição das novas direções partidárias altera a força do antigo “Campo majoritário”, que deixa de ter a maioria absoluta no Diretório Nacional do PT.
De 2005 em diante a esquerda partidária passa por um processo de divisão e redução de sua influência, que se expressa nos resultados das eleições internas. Em 2007 a correlação de forças se mantém quase inalterada, com a diferença de que dois representantes moderados disputam o segundo turno, Ricardo Berzoini (CNB) contra Jilmar Tatto (PTLM), com a vitória de Berzoini. Em 2009, a CNB compõe uma chapa com o PTLM e NR elegendo a maioria absoluta dos membros no Diretório Nacional e, no primeiro turno, conquistam também a presidência do PT com José Eduardo Dutra, que logo depois, por problemas de saúde, se afasta da presidência. O Diretório Nacional elege Rui Falcão para ocupar a presidência. Em 2013, num processo eleitoral bastante criticado, setores partidários que estavam no centro ou na esquerda petista aderem a candidatura do grupo majoritário para a presidência do PT.
As principais tendências do PT
Construindo um novo Brasil(www.contruindoumnovobrasil.com.br), também conhecida pela sigla CNB: oriunda da Articulação dos 113, passando pela Articulação Unidade na Luta e pelo Campo Majoritário. Reivindica o programa democrático e popular, concentrando esforço cada vez maior na luta institucional como caminho para as mudanças. No PED 2013 apoiou Rui Falcão, da tendência Novo Rumo, à presidência nacional do PT.
Novo Rumo (NR), originalmente uma cisão paulista da Articulação de Esquerda. Possui uma orientação política similar à da CNB, privilegiando uma estratégia institucional.
Partido de Luta e de Massas (PTLM, www.ptlmnacional.org.br): originário da Articulação Unidade da Luta. Também possui uma trajetória política similar à da CNB, privilegiando uma estratégia institucional. No PED 2013 apoiou Falcão à presidência nacional do PT.
Movimento PT (MPT, www.movimentopt.com.br): reúne oriundos de diferentes setores do Partido. Busca situar-se no centro, fazendo críticas ao campo majoritário e a esquerda petista. No PED 2013 apoiou Rui Falcão à presidência nacional do PT.
Esquerda Popular e Socialista (EPS, www.esquerdapopularsocialista.com.br): grupo originário da fusão entre a Tendência Marxista e um grupo que em 2011 saiu da AE. Define-se como marxista, defende a articulação das lutas sociais e institucionais na construção de uma sociedade socialista. No PED 2013 apoiou Rui Falcão à presidência nacional do PT e participou da chapa do Movimento PT.
Brasil Socialista (BS): tendência oriunda do antigo PCBR, compondo durante quase toda a história do PT o campo de esquerda. Foi a principal corrente a impulsionar a fundação do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). No PED 2013 apoiou Rui Falcão à presidência nacional do PT.
Mensagem ao Partido (www.mensagemaopartido.com.br): campo integrado por diversas personalidades, grupos regionais e por uma tendência nacional, a Democracia Socialista (DS). Entre 2003 e 2005, ao mesmo tempo que uma parte de seus integrantes funda o PSOL, o grupo majoritário na DS rompe seus vínculos com o Secretariado Unificado da Quarta Internacional e reorienta-se internamente no PT, passando a defender uma estratégia conhecida como “revolução democrática”. A Mensagem ao Partido lançou candidatura própria no PED 2007, 2009 e 2013. Antes disso, a DS já havia lançado candidatura própria no PED 2001 e 2005.
Militância Socialista (MS, www.militanciasocialista.org): fusão de diversas tendências regionais. Defende a articulação da luta social com a luta institucional, na defesa de reformas estruturais mais amplas. Compõe a esquerda petista. No PED 2009 apoiou a candidatura da Articulação de Esquerda. No PED 2013 lançou candidatura própria.
Articulação de Esquerda (AE, www.pagina13.org.br): cisão da Articulação dos 113, surgida em 1993 com o lançamento do manifesto “Hora da Verdade”. A AE defende uma estratégia e um programa democrático-popular e socialista. Lançou chapa e candidatura própria em todos os PED, desde 2001 até 2013. Edita o jornal Página 13.
O Trabalho (OT, www.otrabalho.org.br): oriunda da Organização Socialista Internacionalista, a tendência trotskista O Trabalho passou por uma importante cisão nos anos 1980, quando parte importante de sua militância adere a Articulação dos 113. Outra cisão ocorreu por volta de 2007, dando origem a um agrupamento denominado Esquerda Marxista. Reivindica a Quarta Internacional. Edita o jornal O Trabalho. Lançou chapa e candidatura própria em todos os PED, desde 2001.
Esquerda Marxista (EM, www.marxismo.org.br): cisão de O Trabalho. Filiada à Corrente Marxista Internacional, luta pela reconstrução da Quarta Internacional. Sua estratégia política é orientada pelo Programa de Transição de Trotski. Edita o jornal Esquerda Marxista. Desde que surgiu, participou com chapa e candidatura própria no PED nacional.
Partido Democrático Trabalhista (PDT)
O PDT, criado em 1979, é fruto da reorganização do trabalhismo histórico que atuava no PTB até extinção dos partidos políticos pela ditadura militar. Impedido pelos militares de controlar a legenda do PTB, Leonel Brizola, junto com outras lideranças, funda o PDT. Defende que a propriedade privada deve ser preservada e submetida ao bem estar social e a um Estado normativo. Em 1989, nas eleições presidenciais, Leonel Brizola quase foi para o segundo turno, momento em que apoiou a candidatura de Lula contra a de Collor. Em 1994, candidata-se novamente e obtém uma votação muito baixa. Em 1998, é candidato a vice-presidente na chapa de Lula, quando são derrotados por Fernando Henrique Cardoso. Nas eleições de 2002, o PDT apoia a candidatura de Ciro Gomes (PPS). Em 2006, lança Cristovam Buarque. Em 2010 apoia a candidatura de Dilma Rousseff (PT). O PDT edita o jornal O Trabalhador.
Partido Socialista Brasileiro (PSB)
O PSB, fundado em 1947 pela Esquerda Democrática, reorganiza-se em 1985, mantendo o mesmo programa e estatuto de origem. Defende um programa socialista gradual e legal, que preserve a propriedade privada. Nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, o PSB apoiou a candidatura de Lula. Em 2002, lançou candidatura própria, a de Antony Garotinho, apoiando Lula no segundo turno. No primeiro turno de 2006 não apoiou formalmente nenhuma candidatura, apoiando Lula no segundo turno. Em 2010 apoiou a candidaturas Dilma Rousseff. Em 2013, sem conseguir organizar a própria legenda, Marina Silva filia-se ao PSB e soma esforços com os socialistas para viabilizar a oposição ao Governo Dilma.
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL, www.psol50.org.br)
Em 2003, o PT expulsa a deputada federal Luciana Genro e os deputados federais Babá e João Fontes, assim como a senadora Heloisa Helena. O motivo imediato da expulsão foi a reforma da previdência. Afirmando que o PT havia abandonado seu projeto estratégico socialista, esses parlamentares e setores da esquerda petista (como o Movimento de Esquerda Socialista e a Corrente Socialista dos Trabalhadores) iniciam a construção de um novo partido, regularizado em 2005, com o nome de PSOL. Naquele mesmo ano ganham o reforço de outros setores petistas, entre eles a tendência APS e lideranças como Plínio de Arruda Sampaio, Chico Alencar e Marcelo Freixo, entre outras.
Em 2006, o PSOL lança a candidatura de Heloisa Helena para a Presidência da República, numa coligação que contava com o PSTU e o PCB. Tendo como vice César Benjamin, até então um dos teóricos da chamada Consulta Popular, Heloisa Helena obtém 6,85% dos votos, ficando em terceiro lugar na corrida presidencial. Nas eleições de 2010, Heloisa Helena não aceita a candidatura a Presidência, preferindo a candidatura ao Senado pelo estado de Alagoas. Apesar da eleição dada como certa, não obteve sucesso, ficando em terceiro lugar. Em seguida, a ex-senadora renuncia a seu mandato na presidência do PSOL. Nesse ano, Plínio de Arruda Sampaio é o candidato do PSOL à presidência da República, sem conseguir fazer aliança com PSTU e PCB, que lançam suas próprias candidaturas presidenciais. Plínio recebe apenas 0,87% dos votos, ficando em quarto lugar. Em 2014, depois de um Congresso partidário marcado por denuncias de fraudes e pela rejeição de prévias internas, o senador Randolfe Rodrigues é escolhido como candidato do PSOL à Presidência da República. Em seguida, a Insurgência, tendência da esquerda psolista, lança a candidatura de Renato Roseno e reivindicou a realização de uma Conferência Eleitoral. Edita o jornal Página 50.
Atualmente, dois campos disputam o controle do partido: um setor moderado e majoritário (Unidade Socialista), capitaneado atualmente pela APS e por diversos grupos regionais; e um setor radicalizado (Bloco de Esquerda), composto por Insurgência, MES, APS-Corrente Comunista, CST, LSR, Plínio de Arruda Sampaio, Carlos Gianazzi, entre outras organizações e lideranças. Entre eles o Coletivo Rosa Zumbi, que lançou tese própria (PSOL Necessário) no último Congresso, originando-se de um racha da APS.
Recentemente, o MES, segunda maior corrente interna, indicou Luciana Genro candidata a vice na chapa à Presidência da República, consolidando uma nova maioria na agremiação.
A relativa hegemonia do campo moderado foi consolidada após a renúncia de Heloisa Helena, que foi presidente do partido entre 2004 e 2010, e que teve sua filiação ao PSOL questionada pela colaboração com a construção da Rede Sustentabilidade de Marina Silva. Afrânio Bopré (APS), naquele momento, assumiu a presidência do PSOL, ficando até 2011, quando Ivan Valente (APS) foi eleito para o cargo num mandato de dois anos. Em 2013, o setor moderado, a Unidade Socialista, obteve 52% dos votos dos/as delegados/as, indicando Luiz Araújo (APS) como presidente do PSOL, enquanto o Bloco de Esquerda conquistou 45% e o PSOL Necessário 3% dos votos. Na atual executiva nacional o setor moderado possui dez representantes, enquanto o Bloco de Esquerda possui nove, configurando um acirrado processo de disputa interna.
As principais tendências do PSOL
Ação Popular Socialista / Corrente Comunista (APS-CC,http://pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Popular_Socialista): oriunda do Movimento Comunista Revolucionário e da Força Socialista, antigas tendências internas do PT, a APS adere ao PSOL em 2005, tornando-se a principal corrente partidária, mesmo com o racha de 2012/2013. No último congresso elegeu o presidente do Partido, compondo o campo moderado.
Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL): organização anterior à fundação do PSOL, que inicialmente reunia organizações atuantes no campo (MLST de Luta, MT e MLS) e que atraiu militantes de setores urbanos, principalmente do serviço público, tornando-se uma tendência do PSOL. Em 2012, com críticas “ao processo de moderação”, importantes lideranças do RJ e ES rompem com a tendência. Após as denuncias de retenção de verbas de assessores contra uma parlamentar do PSOL-RJ, o MTL dissolveu-se, tendo parte de seus integrantes aderido a Rede Sustentabilidade.
Movimento de Unidade Socialista-MUS / Fortalecer o PSOL (www.fortaleceropsol.com.br): oriunda da antiga Convergência Socialista, da CST e do MES, entre outros militantes que atuavam no PT. Também conhecidos como Fortalecer o PSOL, título da tese apresentada no 3º Congresso. No último congresso, junto com a APS e o MTL, compôs o campo moderado.
Somos PSOL : tendência com pouca expressão e que no último congresso compôs o campo moderado. Defende uma visão “de que estamos vivendo um momento histórico de transição do capitalismo da Era Industrial, a Era da Informação, que estaria em pleno desenvolvimento, a internet e sua arquitetura interna — em sua versão de uso 2.0 –, seria uma nova geografia, digitalizada, que permitiria aos seres humanos uma experiência sensorial intersubjetiva única e revolucionária na história da humanidade”.
Insurgência (www.insurgência.org): surge em 2013, fruto da fusão entre o Coletivo Socialismo e Liberdade (CSOL), racha do PSTU; o ENLACE e o Coletivo Luta Vermelha, filiado ao Secretariado Unificado da Quarta Internacional. Publica a revista À Esquerda, critica o processo de moderação do PSOL, a institucionalização e as alianças promovidas nas últimas eleições.
Movimento Esquerda Socialista (MES, www.lucianagenro.com.br/mes/): oriunda da antiga Convergência Socialista, o MES entra no PSOL e torna-se a segunda maior tendência interna, atuando inicialmente próximo à Senadora Heloisa Helena e ao MTL. Defendia posições mais moderadas, inclusive a aliança com o PV, que ocorreu nas eleições de 2008, em Porto Alegre. Desde o II Congresso disputa com a APS o controle do partido. Compõe o Bloco de Esquerda. Luciana Genro, do MES, foi confirmada como candidata a vice-presidência de Randolfe Rodrigues.
Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST, www.cstpsol.org): oriunda da antiga Convergência Socialista, atuava no PT. É filiada à Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI). Possui o periódico mensal Combate Socialista. A CST, que compõe o Bloco de Esquerda, acusa a Unidade Socialista de igualar o PSOL aos partidos do sistema.
Coletivo Resistência Socialista (CRS, http://www.resistenciapsol.xpg.com.br/): compõe o Bloco de Esquerda, apresenta críticas a condução da maioria e, alegando fraude, não aceita os resultados do último Congresso e a candidatura de Randolfe Rodrigues à Presidência, exigindo um novo processo.
Ação Popular Socialista / Nova Era (APS/NE, http://psol50sp.org.br/files/2013/07/Tese-da-APS-Congresso-Estadual-Psol.pdf): entre 2012 e 2013 a corrente majoritária APS sofre uma cisão. Surgem daí três agrupamentos: a APS/CC, o coletivo Rosa Zumbi e a APS/Nova Era ou APS de Esquerda, que reuniu, majoritariamente, setores sindicais de juventude críticos às alianças realizadas pela APS em Macapá e Belém. No último congresso compôs o Bloco de Esquerda.
Coletivo Primeiro de Maio (http://primeirodemaio.org/): tendência oriunda do Coletivo Rosa do Povo, é crítica do setor majoritário e da ampliação de alianças promovidas pelo PSOL no último período. No último congresso compôs o Bloco de Esquerda.
Coletivo Rosa Zumbi (http://coletivorosazumbi.wordpress.com/): tendência oriunda do racha da APS, é crítica tanto do setor moderado, por sua excessiva institucionalização, quanto dos setores à esquerda, pelo seu sectarismo. Defende a validade e atualização do Programa Democrático e Popular. No último congresso lançaram chapa própria com apoio do Deputado Federal Chico Alencar.
Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR, http://www.lsr-cit.org/): fusão das tendências Socialismo Revolucionário (SR) e Coletivo Liberdade Socialista (CSL), filiada ao Comitê por uma Internacional do Trabalhadores (CIT), trotskista, publica o jornal Ofensiva Socialista. Crítica dos rumos adotados pela maioria, assinou junto com o Grupo de Ação Socialista (GAS) e o Reage Socialista uma tese no último congresso, compondo também o Bloco de Esquerda.
Trabalhadores na Luta Socialista (TLS, http://trabalhadoresnalutasocialista.blogspot.com.br/): agrupamento com maior expressão em São Paulo, crítico do setor majoritário e compôs o Bloco de Esquerda no último congresso.
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU,www.pstu.org.br)
O PSTU originou-se da Convergência Socialista, tendência petista expulsa em 1991. No interior do PT, não consideravam o partido como estratégico pra a revolução socialista. Entre 1991 e 1994, a partir da junção com outros setores, fundam o PSTU. Posteriormente, romperam com a CUT e construíram a CONLUTAS, que originou a Central Sindical e Popular (CSP) – Conlutas. Trotskista, está vinculado à Liga Internacional dos Trabalhados – Quarta Internacional (LIT-QI).
O PSTU não prioriza o processo eleitoral, alegando que é um jogo de cartas marcadas, sendo apenas um momento de propaganda do programa. As eleições de parlamentares do partido servem como “ponto de apoio para as lutas sociais”. Participou das eleições de 1994, apoiando criticamente Lula. Em 1998, 2002 e 2010 lançou candidatura própria, a do metalúrgico José Maria. Em 2006, em aliança com PSOL e PCB, apoiou a candidatura de Heloisa Helena (PSOL).
Defende uma estratégia socialista, revolucionária, liderada pelo operariado industrial, aliado aos setores explorados do campo e da cidade, sem alianças com outras classes ou setores de classes, que impulsionaria a revolução internacional. Defende a construção de um partido revolucionário, coeso e sem tendências. As divergências são expressas apenas durante os processos congressuais. Publica o jornal Opinião Socialista.
Partido Comunista Brasileira (PCB, www.pcb.org.br)
Fundado em 1922, o Partido Comunista do Brasil muda de nome em 1962, passando a chamar-se Partido Comunista Brasileiro. O grupo contrário a esta mudança de nome dá origem, também em 1962, ao PCdoB. Após o Golpe Militar, o PCB passa por diversas cisões, originando agrupamentos que optaram pela luta armada contra a ditadura. No início da década de 1980, Luis Carlos Prestes, até então a principal liderança comunista do Brasil, também rompe com o PCB. Lança Roberto Freire candidato à Presidência da República em 1989. Em 1992, um congresso partidário aprova a extinção do PCB e a criação do Partido Popular Socialista (PPS). A minoria do congresso não aceita a decisão e consegue recuperar na justiça o direito a utilizar a sigla PCB. Nas eleições presidenciais de 1994 a 2002, o Partido Comunista Brasileiro apoia o candidato do PT. Nas eleições de 2006, em coligação com o PSOL e PSTU, apoia a candidata presidencial Heloisa Helena (PSOL). Em 2010, lança candidatura própria, a de Ivan Pinheiro. Para 2014, a pré-candidatura de Mauro Iasi foi lançada.
O PCB atual faz uma autocrítica da visão etapista da revolução brasileira, defendendo que as transformações necessárias seriam de caráter socialista. Essa análise inclui a crítica do programa e da estratégia democrático-popular proposta pelo PT. O PCB defende a construção do Poder Popular, que não é apenas um fórum de organizações de esquerda, mas um processo de articulação tática e estratégica de construção de espaços contra hegemônicos na luta cotidiana que evolua para a construção da dualidade de poderes, construindo assim o embrião do Estado proletário.
O PCB não permite a existência de correntes internas, defendendo um partido formado por militantes e quadros. Sua principal publicação é o jornal Imprensa Popular.
Partido Comunista do Brasil (PCdoB, www.pcdob.org.br)
O PCdoB, organizado em 1962, reivindica a tradição histórica do Partido Comunista fundado em 1922. Durante a ditadura militar, o PCdoB organizou a guerrilha do Araguaia. Desde 1962 até os anos 1990, o PCdoB defende uma estratégia etapista. Possui forte presença na UNE e na Ubes, através da União da Juventude Socialista (UJS); uma importante presença no movimento sindical, através da CTB; e uma representação institucional em todos os níveis. O PCdoB não permite tendências internas. Mantém o site Vermelho e publica o jornal A Classe Operária. Desde 1989, apoiou todas as candidaturas presidenciais do PT, participando dos governos Lula e Dilma.
Partido Pátria Livre (PPL)
Oriundo do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que não se legalizou como partido e atuava no interior do PMDB. Em 2008 o MR-8 decidiu sair do PMDB e criar um partido. O PPL orienta-se, segundo seu estatuto, pela teoria do socialismo científico, defendendo a constituição de uma ampla frente nacional, democrática e popular para completar a independência do Brasil.
Partido da Causa Operária (PCO)
O PCO originou-se de uma cisão da OSI, organização trotskista existente anteriormente ao PT. Ingressa no PT como tendência interna, desde 1980. Conhecida como Causa Operária, denominação do seu jornal, publicado até hoje, durante o processo eleitoral de 1989 questiona as alianças do PT com o PSB, iniciando um processo de rompimento com o partido. A partir de 1991, o PCO inicia seu processo de legalização, obtendo o registro provisório em 1995. Em 1997, consegue o registro definitivo. Nas eleições de 1994, apoia criticamente a candidatura de Lula. Em 2002, 2006 (candidatura indeferida pelo TSE) e 2010 lançou candidato à Presidência, o jornalista Rui Costa Pimenta.
Defende uma estratégia socialista revolucionária, baseada na aliança operário-camponesa, liderada pela classe operária. Defende a construção de um partido revolucionário para cumprir esse papel, sem tendências internas.
Partido Comunista Revolucionário (PCR)
O PCR foi formado inicialmente por militantes que romperam com o PCdoB em 1966. Organizado principalmente no nordeste brasileiro, quase desaparece durante a ditadura, fundindo-se com o MR-8 em 1981. Em 1995, por conta das divergências com a linha nacionalista do MR-8, o núcleo original do PCR rompe com a organização e refunda o partido. O PCR edita o jornal A Verdade e defende a reconstrução de uma Internacional Comunista, participando da Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas (CIPOML).
Liga Bolchevique Internacionalista (LBI,http://www.lbiqi.org)
A LBI é uma cisão à esquerda da Causa Operária, motivada pela avalição de que esta organização adaptou-se à burocracia lulista. Defende a reconstrução trotskista da Quarta Internacional. É contrária a formação de Frentes de Esquerda, sendo que em 1998 defendeu o voto nulo nas eleições presidenciais. Defende a greve geral revolucionária para a derrubada imediata do Estado. Edita o jornal Luta Operária e a revista Marxismo Revolucionário.
Liga Estratégica Revolucionária (LER-QI, http://www.ler-qi.org/)
A LER-QI foi fundada em 1999, com duras críticas ao PSTU e ao morenismo, criticadas por serem “variantes deformadoras do trotskismo”. Defende o programa de transição de Trotski e um programa revolucionário de tomada do poder, desferindo duras criticas às possibilidades institucionais. Edita o jornal Palavra Operária.
Partido Operário Revolucionário (POR,http://www.pormassas.org/site/index.htm)
O POR, fundado em 1989, trotskista, é uma cisão à esquerda da Causa Operária, motivada pela avaliação de que esta teria abandonado a perspectiva da ditadura do proletariado. Em 1990 defende o voto nulo nas eleições. Define-se como um embrião do partido revolucionário. Edita o jornal Massas.
Movimento Negação da Negação (MNN,http://www.movimentonn.org/?cat=4)
O MNN, trotskista, foi criado em 2005 com críticas ao PT por sua conciliação de classes e com o capital internacional. Critica o PT e a esquerda petista por duas questões principais: a ilusão que nutre sobre as possibilidades de administração do Estado e ao rebaixamento da luta sindical. Defende um programa transitório para o socialismo expresso no Programa Único, na construção da dualidade de poderes como preparação da construção do socialismo.
Fundada em 1997, em torno de um programa nacionalista de esquerda (o Projeto Popular para o Brasil). A Consulta Popular é crítica do que denomina de esquerda eleitoral.
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LEANDRO ELIEL é historiador, professor da Faculdade Fleming-Uniesp. Publicado originalmente na Revista Esquerda Petista, n. 1, março de 2014.

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Vietnam 1954: a guerra quase virou nuclear (BBC)

French soldiers during the battle for Dien Bien PhuCould Vietnam have been nuked in 1954?

BBC, May 4, 2014, 20:35 GMT-3

Sixty years ago this week, French troops were defeated by Vietnamese forces at Dien Bien Phu. As historian Julian Jackson explains, it was a turning point in the history of both nations, and in the Cold War - and a battle where some in the US appear to have contemplated the use of nuclear weapons."Would you like two atomic bombs?" These are the words that a senior French diplomat remembered US Secretary of State John Foster Dulles asking the French Foreign Minister, Georges Bidault, in April 1954. The context of this extraordinary offer was the critical plight of the French army fighting the nationalist forces of Ho Chi Minh at Dien Bien Phu in the highlands of north-west Vietnam.
The battle of Dien Bien Phu is today overshadowed by the later involvement of the Americans in Vietnam in the 1960s. But for eight years between 1946 and 1954 the French had fought their own bloody war to hold on to their Empire in the Far East. After the seizure of power by the Communists in China in 1949, this colonial conflict had become a key battleground of the Cold War. The Chinese provided the Vietnamese with arms and supplies while most of the costs of the French war effort were borne by America. But it was French soldiers who were fighting and dying. By 1954, French forces in Indochina totalled over 55,000.
At the end of 1953, French commander in chief Gen Navarre had decided to set up a fortified garrison in the valley of Dien Bien Phu, in the highlands about 280 miles from the northern capital of Hanoi. The valley was surrounded by rings of forested hills and mountains. The position was defensible providing the French could hold on to the inner hills and keep their position supplied through the airstrip. What they underestimated was the capacity of the Vietnamese to amass artillery behind the hills. This equipment was transported by tens of thousands of labourers - many of them women and children - carrying material hundreds of miles through the jungle day and night. On 13 March the Vietnamese unleashed a massive barrage of artillery and within two days two of the surrounding hills had been taken, and the airstrip was no longer usable. The French defenders were now cut off and the noose tightened around them.
French soldiers during the battle for Dien Bien PhuIt was this critical situation which led the French to appeal in desperation for US help. The most hawkish on the American aide were Vice-President Richard Nixon, who had no political power, and Admiral Radford, Chair of the Joint Chiefs of Staff. Also quite hawkish was the US Secretary of State John Foster Dulles, who was obsessed by the crusade against Communism. More reserved was President Eisenhower who nonetheless gave a press conference in early April where he proclaimed the infamous "domino theory" about the possible spread of Communism from one country to another.
Red Cross helicopter flies to French positions at Dien Bien Phu
"You have a row of dominoes set up, you knock over the first one, and what will happen to the last one is the certainty that it will go over very quickly," he said. "So you could have a beginning of a disintegration that would have the most profound influences."
Saturday 3 April 1954 has gone down in American history as "the day we didn't go to war". On that day Dulles met Congressional leaders who were adamant they would not support any military intervention unless Britain was also involved. Eisenhower sent a letter to the British Prime Minister Winston Churchill warning of the consequences for the West if Dien Bien Phu fell. It was around this time, at a meeting in Paris, that Dulles supposedly made his astonishing offer to the French of tactical nuclear weapons.
In fact, Dulles was never authorised to make such an offer and there is no hard evidence that he did so. It seems possible that in the febrile atmosphere of those days the panic-stricken French may simply have misunderstood him. Or his words may have got lost in translation.
Map showing details of Dien Bien Phu
"He didn't really offer. He made a suggestion and asked a question. He uttered the two fatal words 'nuclear bomb'," Maurice Schumann, a former foreign minister, said before his death in 1998. "Bidault immediately reacted as if he didn't take this offer seriously."
According to Professor Fred Logevall of Cornell University, Dulles "at least talked in very general terms about the possibility, what did the French think about potentially using two or three tactical nuclear weapons against these enemy positions".
Bidault declined, he says, "because he knew… that if this killed a lot of Viet Minh troops then it would also basically destroy the garrison itself".
In the end, there was no American intervention of any kind, as the British refused to go along with it.
The last weeks of the battle of Dien Bien Phu were atrociously gruelling. The ground turned to mud once the monsoon began, and men clung to craters and ditches in conditions reminiscent of the battle of Verdun in 1916. On 7 May 1954, after a 56-day siege, the French army surrendered. Overall on the French side there were 1,142 dead, 1,606 disappeared, 4,500 more or les badly wounded. Vietnamese casualties ran to 22,000.
In this year marked by two other major anniversaries - the centenary of the outbreak of World War One and the 70th anniversary of D-Day - we should not forget this other battle that took place 60 years ago. In the history of decolonisation it was the only time a professional European army was decisively defeated in a pitched battle. It marked the end of the French Empire in the Far East, and provided an inspiration to other anti-colonial fighters. It was no coincidence also that a few weeks later a violent rebellion broke out in French Algeria - the beginning of another bloody and traumatic war that was to last eight years. The French army held so desperately on to Algeria partly to redeem the honour it felt had been lost at Dien Bien Phu. So obsessed did the army become by this idea that in 1958 it backed a putsch against the government, which it believed was preparing what the generals condemned as a "diplomatic Dien Bien Phu". This putsch brought back to power Gen de Gaulle who set up the new presidential regime that exists in France today. So the ripples of Dien Bien Phu are still being felt.
Dien Bien Phu memorial to French soldiers who died in battle there
A memorial in Dien Bien Phu commemorates the French soldiers who died there
It was also in 1954 that France began working on its own independent nuclear deterrent.
For the Vietnamese, however, Dien Bien Phu, was only the first round. The Americans, who had refused to become directly involved in 1954, were gradually sucked into war - the second Vietnam War - during the 1960s.
Listen to The Siege of Dien Bien Phu written and presented by Julian Jackson on the BBC iPlayer
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Regime militar nao foi exclusivamente militar - Daniel Aarao Reis(Ciencia Hoje)

A ditadura faz 50 anos

Em ensaio na CH deste mês, o historiador Daniel Aarão Reis defende que memória e história devem atuar juntas na compreensão das origens do regime implantado em 1964.
Por: Daniel Aarão Reis
Revista Ciência Hoje, 01/05/2014 
A ditadura faz 50 anos
Entidades como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) saudaram o golpe. Só mais tarde, migraram para o campo das oposições. (ilustração: Lula)
Para os jovens, 50 anos é um considerável período de tempo. Aos velhos, que já viveram mais de meio século, parece um ponto no passado. Para a disciplina de história, uma data redonda, suscitando reflexões, debates e a possibilidade de encontrar hipóteses e ângulos de análise inovadores e construtivos.
Considerando os limites deste artigo, escolhi um tema a respeito do qual tem havido muitas controvérsias. Refiro-me ao caráter da ditadura.
Desde a vitória do golpe de 1964, as forças políticas de esquerda, derrotadas, não hesitaram em caracterizar a ditadura como militar
Desde a vitória do golpe de 1964, as forças políticas de esquerda, derrotadas, não hesitaram em caracterizar a ditadura como militar. Tratava-se de isolar os mais importantes protagonistas, os chefes militares, ridicularizados como truculentos, pouco inteligentes. Não passavam de ‘gorilas’, como se dizia. Era um recurso – legítimo – da luta política, quando se pretende menos compreender o que se passa do que isolar e derrotar os adversários ou os inimigos.
Ditadura militar. A expressão consolidou-se entre as várias correntes que se opunham ao regime. Consagrou-se como verdade indiscutível à medida que as oposições cresciam, reforçando-se inclusive com adeptos da ditadura que dela se afastavam e não queriam pensar ou falar de suas cumplicidades com a mesma. Houve um momento, em meados dos anos 1980, em que a imensa maioria da sociedade brasileira professava um horror sagrado à ditadura.

Memória e história

Uma operação de memória. Mas memória não é história. Esta se constrói com evidências, obtidas em fontes disponíveis, compartilhadas pelos pesquisadores.
Essas evidências mostram que diferentes – e amplos – segmentos civis participaram ativamente da preparação do golpe, de sua sustentação e do apoio aos governos ditatoriais. Não foi algo limitado às elites empresariais e eclesiásticas, como René Dreifuss mostrou pioneiramente nos anos 1980. 
ilustração caras
O golpe de 1964 não foi um movimento exclusivamente militar. Diversos setores civis participaram de sua preparação e de sua sustentação. (ilustração: Lula)
O processo teve caráter social, popular: milhões de pessoas participaram das Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que, iniciadas em 19 de março, prolongaram-se festivamente até setembro de 1964. Em todas as capitais dos estados e em muitas cidades médias e pequenas, pessoas marcharam saudando e se congratulando com a vitória do golpe, segundo trabalho de Aline Presot até hoje não publicado.
A participação civil também envolveu instituições políticas, econômicas e culturais. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional, a Arena, partido da ditadura, mostrou suas extensas ramificações em todo o território nacional: em 1978, quando já era imenso o desgaste do regime, esse partido teve ainda cerca de 40% dos votos. Outros estudos revelaram o que pouca gente sabe: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tidas com justiça como atores importantes das lutas democráticas, saudaram o golpe. Só mais tarde, migraram para o campo das oposições, denunciando os abusos de um regime que tinha a tortura como política de Estado.
Outras pesquisas, envolvendo o futebol, a música sertaneja, a multiplicação dos sindicatos e outros temas, vêm acumulando evidências quanto à participação civil, direta ou indireta, na construção da ditadura e das complexas relações que se estabeleceram entre diferentes setores da sociedade e os governos ditatoriais.
French soldiers during the battle for Dien Bien PhuNunca houve unanimidade em favor da ditadura. Sempre houve oposições, moderadas e radicais, que adotavam diferentes formas de luta
Cabe enfatizar que nunca houve unanimidade em favor da ditadura. Sempre houve oposições, moderadas e radicais, que adotavam diferentes formas de luta. Entretanto, só a partir de 1974 as oposições moderadas, cada vez mais reforçadas por ex-apoiadores do regime, conseguiram maior audiência social.
Por outro lado, no campo contraditório e heterogêneo dos que apoiavam a ditadura, o processo não foi simples nem linear. Houve idas e vindas, deserções, mudanças de lado, sem contar as expectativas frustradas de lideranças civis de direita como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, e mesmo de políticos centristas, como Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães: apoiaram o golpe, esperando uma intervenção brutal, mas rápida, cujos resultados os beneficiariam. Não foi o caso. Muitos acabaram marginalizados, condenados a papéis secundários, ou foram cassados, expulsos da vida política, como Lacerda, Ademar e JK.
Também não é possível esquecer que muita gente ficou em cima do muro, ou subiu nele quando julgou conveniente. Outros tantos, por alegado medo, cruzavam os braços, ou nem cogitavam a existência do regime político. Queriam trabalhar, constituir família, ter sucesso. Alguns lamentavam os ‘excessos’ dos agentes da ordem pública, mas aquilo lhes parecia uma contingência quase inevitável. Mais importante é que o país crescia, progredia – quem não gostasse que se retirasse.
French soldiers during the battle for Dien Bien PhuToda essa história precisa ser conhecida, estudada. Não para crucificar os apoiadores da ditadura, algo inviável e inútil, mas para compreender melhor as bases sociais e históricas de um regime ditatorial que se instaurou quase sem resistência e se retirou em boa ordem, sem levar nenhuma pedrada. O mesmo já acontecera com o Estado Novo, entre 1937 e 1945, coberto pelo manto da memória conciliadora. 
Fazer dos ‘milicos’ bodes expiatórios pode ser uma operação simples e fácil: um outro manto. Economiza pesquisa e reflexão, mas não prepara a sociedade brasileira para lidar, no futuro, com novos surtos de autoritarismo.

Daniel Aarão Reis
Departamento de História
Universidade Federal Fluminense

Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui
 para acessar uma versão resumida da revista.
Ações do documento

Corrupcao petrolifera: escondendo os dutos de desvio de dinheiro naPetrobras

O sentido de todas essas ações é tão claro que me surpreende que nunca seja aventada por políticos ou jornalistas. Falta de percepção ou de inteligência?
Paulo Roberto de Almeida 
Dimmi Amora
Folha de S.Paulo, 5/05/2014

A Petrobras paralisou com liminares da Justiça 19 investigações contra supostas irregularidades em contratações da companhia que estavam em curso no TCU (Tribunal de Contas da União). Investigações sobre contratos bilionários da estatal com suspeita de desvios de recursos estão há mais de sete anos paradas porque o STF (Supremo Tribunal Federal) não julgou em definitivo nenhum desses processos. Desde 1998, a Petrobras vinha fazendo contratações de forma mais simples que a determinada pela Lei de Licitações, baseando-se em um decreto daquele ano. O TCU entendeu que era necessária uma lei específica para que a empresa contratasse dessa maneira e começou a emitir decisões que obrigavam a empresa a seguir as regras da Lei de Licitações.

Em 2006, a Petrobras, após esgotar os recursos no TCU, começou a recorrer ao Supremo para evitar cumprir essa determinação do tribunal. Até 2010, a estatal conseguiu 19 decisões favoráveis do Supremo, de sete diferentes ministros, suspendendo os efeitos das decisões tomadas pelo TCU. Em todos os casos, os ministros concederam decisões provisórias aceitando a dispensa da Lei de Licitações, que aguardam nesses 19 casos o julgamento definitivo.
Mas as liminares acabaram tendo um outro efeito: paralisaram a apuração das irregularidades específicas do processo, muitas sem relação com a forma de como o contrato foi licitado. É o caso do processo do gasoduto Urucu-Manaus, cuja investigação a Petrobras conseguiu suspender em 2008. O TCU já suspeitava ali de preços irregulares e pediu dados à companhia que nunca foram enviados em razão de o processo ter sido suspenso.
No mês passado, a viúva do engenheiro da Petrobras Gésio Rangel de Andrade afirmou à Folha que ele foi punido pela companhia por se opor ao superfaturamento da obra. O engenheiro morreu há dois anos. A área técnica estimou a obra em R$ 1,2 bilhão, mas o contrato foi fechado por R$ 2,4 bilhões, após pressão das construtoras. O processo paralisado no TCU, quando a obra já estava orçada em R$ 1,4 bilhão, aponta diferença de “inacreditáveis 57.782,29%” entre o valor do orçamento da Petrobras e o que as companhias haviam proposto em alguns itens contratados.
Em outro contrato, para manutenção e recuperação do sistema de óleo e gás (R$ 1,8 bilhão) da Região Sudeste, houve superfaturamento e alguns contratos tiveram aditivos que dobraram seu valor. O TCU chegou a multar gestores por irregularidades e cobrava a devolução de R$ 1 milhão superfaturados.

Republica Mafiosa do Brasil: Petrobras companheira sendo usada para conseguir dinheiro no exterior

Não é a primeira vez, nem será a última que a vaca petrolífera vem sendo usada para a extração de milhões de dólares no exterior. Como já escrevi anteriormente, o objeto em si não interessa; o importante é a operação financeira, apenas isso.
Qualquer que seja o objeto, a operação libera recursos nunca antes vistos, sequer imaginados...
Paulo Roberto de Almeida

Nota da liderança do PSDB na Câmara
O Líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), irá protocolar requerimento endereçado ao ministro Edison Lobão, das Minas e Energia, a quem a Petrobras está vinculada, para obter o detalhamento das informações sobre a venda de poços de petróleo da estatal brasileira na África. Ele também irá solicitar que o TCU (Tribunal de Contas da União) realize uma auditoria especial sobre a operação.
De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, em 2013, depois da troca de comando da Petrobras, feita pela presidente Dilma Rousseff, o banco BTG Pactual pagou US$ 1,5 bilhão para ficar com metade das operações africanas da Petrobras e se tornar sócio da estatal. Segundo o jornal, os ativos foram avaliados em cerca de US$ 4,5 bilhões, valor que depois foi diminuído para US$ R$ 3,16 bilhões. Para o BTG Pactual, o negócio foi tão bom que, em menos de oito meses, começou a recuperar o capital investido e tirou de lá US$ 150 milhões na forma de dividendos.
Na audiência pública realizada com a presidente da Petrobras, Graça Foster, na última quarta-feira, na Câmara, Imbassahy questionou-a sobre a venda dos blocos de produção na Nigéria para o grupo BTG Pactual. No questionamento, Imbassahy disse que especialistas do setor estimam que o negócio não foi bom para a estatal brasileira e chegam a estimar que a Petrobras poderia ter tido prejuízo pela não arrecadação de pelo menos de US$ 1 bilhão.
Em sua resposta, a presidente da Petrobras não convenceu. Ela também não foi muito clara em outro questionamento feito por Imbassahy, sobre a natureza da relação entre a Petrobras e seus sócios na Sete Brasil, empresa que tem contratos bilionários com a própria estatal brasileira. O BTG Pactual também é um dos sócios da Sete Brasil.
Segundo Imbassahy, há informações de que dois bancos internacionais avaliaram, de forma conservadora, os ativos da Petrobras na África em um valor mínimo superior a US$ 7 bilhões. “Dois bancos de primeira linha errarem grosseiramente em suas avaliações é algo muito incomum. E vender os ativos a um valor 50% menos do que a avaliação mínima de US$ 3,16 bilhão é um forte indício de que Petrobras sofreu prejuízo”, afirmou.
Segundo Imbassahy, “a venda dos blocos de exploração na África foi mais um péssimo negócio para a Petrobras, que provocou perda bilionária para a empresa brasileira, assim como a compra de Pasadena. Essas negociações precisam ser esclarecidas pela Petrobras e também pela presidente Dilma, que tem responsabilidade sobre essas operações. Ela foi presidente do Conselho de Administração, aprovou Pasadena, e acompanhou essas negociações na África”, afirmou Imbassahy.
De acordo com o Líder do PSDB, a venda dos ativos na África também terá de ser investigada pela CPI Mista. De acordo com ele, face ao grande potencial de produção, os blocos de exploração na África deveriam ser objeto de estudos e avaliações aprofundados, e que, pelo visto, não ocorreram ou não foram seguidos.
“A CPI terá muito a investigar e a esclarecer. Esses negócios no exterior estão se revelando uma caixa-preta. Em cada operação que se analisa, verifica-se mais um negócio ruim para a estatal. Não há empresa que suporte uma sucessão de prejuízos bilionários decorrentes dessa gestão nociva e danosa dos governos do PT, de Lula e Dilma”, afirmou.
Imbassahy afirmou que a presidente Dilma e o PT aparelharam e partidarizaram a estatal, empresa que tem total apreço dos brasileiros. “O governo Dilma e o PT se mostram desesperados pela iminência da CPMI, que terá acesso a contas bancárias e movimentações financeiras. Querem omitir que estão no governo há quase 12 anos e fugir da responsabilidade que têm por tudo de ruim e de danoso envolvendo a Petrobras que o país tem tomado conhecimento”, afirmou Imbassahy.

Gary Becker: a morte de um brilhante economista - Pedro Teixeira

Dear Colleagues, [of the Societies for the History of Economics]

you may be aware that Gary Becker has passed away on May 3.

Becker was an leading figure in the expansion of economics' boundaries from the 1950s onwards, and the application of neoclassical economics to non-market behavior, notably through his work on human capital, discrimination, family and population, and addiction. His work was both influential and controversial, being one of the most cited economists of the last decades of the twentieth century.
He did his BA at Princeton (1951) (with Jacob Viner apparently having said that he was the most brilliant student he had ever had - a statement that apparently did not go down well with several of the luminaries that has been taught by Viner...) and his PHD at Chicago (1955), where he would start his career (with his mentors being Milton Friedman, H. Gregg Lewis and T. W. Schultz).
During most of the 1960s he was at Columbia University and at the NBER (then in NYC), developing important work in collaboration with Jacob Mincer and with several young economists that played a crucial role in the development of neoclassical labour economics. With the turmoil of the late 1960s, he would return to UChicago, where he would spend the rest of his long and prolific career.
He was awarded the John Bates Clark Medal in 1967 and the Nobel Memorial Prize in Economics in 1992.
In recent decades he became more of a public intellectual with some regular collaborations with the media and in blogs and his work became increasingly noted in other social sciences, not the least due to the influence of rational choice theory.

For the announcement by the University of Chicago, please see the following link:


Kind regards,

Pedro Teixeira

Pedro Nuno Teixeira
Director - CIPES, Centre for Research in Higher Education Policies - www.cipes.up.pt

Associate Professor - Faculty of Economics, University of Porto - www.fep.up.pt

domingo, 4 de maio de 2014

Eleicoes 2014: PT pretende aumentar gastos e impostos - Mansueto Almeida

by mansueto almeida
3/05/2-14

Sempre é bom ler colunas de jornalistas, economistas, cientistas políticos, etc. para se ter uma ideia dos grandes debates no Brasil. É muito fácil ver que, na sua grande maioria, colunistas têm preferencias eleitorais muito claras. Quando um colunista tem trânsito no partido que tem simpatia, penso que suas declarações têm algum grau de concordância com a proposta do seu partido, mas não necessariamente.
Assim, recomendo a todos que leiam a coluna do professor André Singer deste sábado na Folha de São Paulo (nome aos bois - clique aqui). O professor tenta esboçar o programa da oposição por declarações de alguns economistas ligados a diferentes candidatos – Armínio Fraga e Eduardo Giannetti da Fonseca – e, no caso do PT, tenta esboçar o programa de governo a partir do pronunciamento da nossa presidenta no dia 1o de maio em cadeia nacional de rádio e televisão.
Como fala o professor no último parágrafo do seu artigo:
Empurrada pela queda nas pesquisas, Dilma deu um passo na direção oposta ao anunciar que vai continuar a valorização do salário mínimo, reajustará a Bolsa Família e a tabela do Imposto de Renda. Tais medidas implicam aumento do gasto. Resta saber se tal disposição se aprofundará ao longo da campanha e, sobretudo, se tomará corpo no próprio governo, em caso de vitória. Seja como for, por agora a conversa ganhou alguma clareza.”
Aqui há quatro problemas. Primeiro, nenhum candidato por mais lindo ou feio que seja deixará de dar ganhos reais ao salário mínimo. Mas é quase consenso entre economistas que a fórmula de reajuste real deveria mudar dado o seu enorme impacto fiscal. Mesmo isso dependerá de um debate a ser feito, em 2015, com o Congresso Nacional que poderá optar por não mudar coisa alguma.
O economista Nelson Barbosa, que até há bem pouco tempo era secretário executivo do Ministério da Fazenda e despachava com frequência com a nossa presidenta, defende hoje que o reajuste se dê pelo crescimento do salario médio. E quem visita a SPE do Ministério da Fazenda já escuta que esse é um debate necessário para 2015. Assim, “a valorização real do salário mínimo será política dos três candidatos. O que não é certo é qual será a regra de valorização do salario mínimo depois de 2015.
Segundo, quem quer que seja o próximo Presidente da República, aumentará também o valor do bolsa família e dos demais programas sociais como também corrigirá a tabela do imposto de renda. Achar que só a candidata Dilma fará isso é um exercício rasteiro e demagógico de alguns que pensam que o mundo se divide entre bons e maus. O que não está claro é a velocidade de expansão das despesas em relação ao PIB – se continuar crescendo acima do PIB ,significará elevação da carga tributária.
Terceiro e, isso me preocupa, o professor Singer deixa implícito que, em caso de sucesso, a nossa presidenta entrará em um ritmo frenético de aumento do gasto público, o que fatalmente levará a um brutal aumento de carga tributária. Em coluna anterior, André Singer já deu a dica que precisamos aumentar os impostos (clique aqui para ler a coluna a resposta):
“A derrubada da CPMF, em 2007, tirou da saúde em torno de R$ 40 bilhões anuais (atualizados). A proposta de recriar a CPMF, sob o título de Contribuição Social para a Saúde (CSS), com uma alíquota de 0,2% sobre a movimentação financeira, que circulou no relatório de 2013 da Comissão Especial sobre Financiamento da Saúde da Câmara, aproximaria o gasto do objetivo mencionado.....Por outro lado, em 2011, o Ipea publicou um estudo com caminhos complementares para aumentar de maneira substantiva os recursos da educação. Um deles implicava incremento tributário, com regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e maior arrecadação de tributos diretos, como o Imposto Territorial Rural. Os outros passavam, sobretudo, pela redução da taxa Selic e pelo pré-sal.”
Aqui as coisas começam a ficar claras. Recriar a CPMF, imposto sobre Grandes Fortunas (isso não é ideia do “IPEA” mas de alguém do IPEA, como também há dezenas de técnicos do IPEA que defendem redução de carga tributária), aumentar o ITR, redução forçada da Selic, etc. No entanto, a receita da CPMF, que era de 1,5% do PIB  antes de sua extinção, é agora um valor “pequeno” dada a necessidade de conciliar a recuperação do superávit primário e ainda financiar a onda crescente de gastos que muitos esperam de um novo governo do PT. Será que essa é a proposta da presidenta? Recriar a CPMF? Será que essa ideia já está clara nas propostas do partido?
Quarto e último ponto, o professor Singer cita economistas simpáticos aos candidatos de oposição, mas não cita um único economista ligado à candidata Dilma. O que me leva a seguinte pergunta: quem são os economistas simpatizantes do PT? Quem são os economistas que conversam com a candidata Dilma?
Posso falar o seguinte. Mesmo economistas simpatizantes do PT como, por exemplo, Delfim Netto e Luiz Gonzaga Beluzzo são contra novos aumentos de gasto público (% do PIB), criticam a expansão do gasto público e acredito que ambos sejam contra a novos aumentos de carga tributária. E Nelson Barbosa da FGV? Nelson tem falado da necessidade de aumentar o primário e controlar o crescimento do gasto social.
Fica a pergunta: quem são os economistas que estão ajudando o PT com ideias que formarão a plataforma da proposta de governo do partido? Me preocupa a ideia que não haja economistas além dos atuais no governo.Se este for o caso, podemos esperar que o programa do PT na área econômica seja mais do mesmo? A nova matriz econômica 2.0 com exatamente as mesmas pessoas em posições diferentes? É isso?
As ideias ainda não estão claras e seria bom para o debate que fiquem. Por enquanto, o que se tem é a interpretação do professor Singer que a proposta do PT é baseada em aumento do gasto público e, conseqüentemente, da carga tributária.

Mentiras e falcatruas presidenciais de 1ro de Maio - Percival Puggina

A CONFISSÃO DE DILMA
Percival Puggina, 4/05/2014

Ouvi pelo rádio o pronunciamento da presidente. Sem dúvida, ela percebe a República como artigo de consumo e a nação como um bando de tolos. Valendo-se da oportunidade proporcionada pelo Dia do Trabalho, os marqueteiros que servem à candidata procuraram afastar as inquietações da sociedade com relação ao futuro próximo e dissipar, com esquivos circunlóquios, as pesadas acusações que pairam sobre a patroa e sobre seu governo. O tom do discurso se torna indesculpável porque foi inteiramente concebido, parágrafo por parágrafo, à luz da queda de prestígio da candidata do continuísmo. A pesquisa eleitoral divulgada na véspera apontava um tombo espetacular nos índices da presidente. Reduzira-se em 10 pontos a distância que a separa do segundo colocado. Subira para 43% seu índice de rejeição, que é a mais importante informação quando a campanha sequer iniciou, superando as intenções de voto, que desceram aos 37%. Para quem sonhava com vitória no primeiro turno, haver mais eleitores dizendo que não votariam nela em hipótese alguma do que votantes dispostos a fazê-lo cria uma situação alarmante. É exatamente esse o fundo de cena em que se deve apreciar a lamentável fala presidencial do dia 30 de abril.

            Tomemos, por exemplo, o caso dos bilionários escândalos envolvendo a Petrobras. Como se resume o que disse a  presidente em relação ao tema? Que tudo será rigorosamente investigado (embora ela tenha procurado impedir e, depois, tentado bagunçar a CPI proposta para essa investigação). Afirmou, também, que não admitia o uso político do assunto para depreciar e prejudicar a empresa. Pura retórica de militante petista. Quem vem fazendo, há 11 anos, uso político da Petrobras são os governos petistas, que dela se servem para arregimentar apoio parlamentar, fatiando-a entre as siglas da base e malbaratando os incertos recursos do pré-sal como se fossem um ativo político do PT e não uma futura riqueza do país. Como consequência, derrubaram a Petrobras do 12º lugar entre as grandes empresas mundiais para a 120ª posição. Prejudicar a empresa é o que o governo vem fazendo e não quem cumpre o incontornável dever de defendê-la de maus tratos e malfeitos.

            O discurso presidencial estaria perfeito num comício de campanha. Usou à exaustão expressões que apontam para um horizonte posterior: "continuar na luta", "continuar fazendo", "continuar as mudanças", "seguir adiante", "mudar mais rápido", "recomeçar mais fortes", "continuar a política de valorização", "meu governo será sempre", coroando com um happy end: "Quem está do lado do povo pode até perder algumas batalhas, mas sabe que no final colherá a vitória".

            Assistiu-se a um conjunto de piruetas retóricas, habilmente construídas por marqueteiros. Houve uso do horário nobre de televisão para falar sem contraditório a 80% dos brasileiros, posto que as oposições não dispõem de igual recurso. Alguém pode achar que foi simples deselegância, falta de fair play, ou algo assim. Mas não é. Tem todo o jeito de crime eleitoral. Alguns partidos, aliás, já anunciaram que vão recorrer à Justiça denunciando o fato como um formidável abuso de poder contra o princípio de isonomia que deve reger uma correta disputa política. Age contra a democracia e contra os mais comezinhos princípios quem se vale do poder em benefício próprio e usa recursos que são de todos para obter votos para si. A presidente, ao ensejo do dia 1º de Maio, valendo-se das comemorações do Dia do Trabalho, promoveu consistente e inequívoca demonstração daquilo que pretendeu negar: os negligentes padrões morais que caracterizam seu governo e seus associados. Com a palavra o TSE.

Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.