Enfim, hoje mesmo acabo de terminar um artigo sobre as relações entre o Brasil e o FMI, nestes 70 anos de história desde Bretton Woods. Aliás, começo antes, como revelado neste resumo do artigo que transcrevo abaixo, mais o sumário do artigo. Mais adiante, darei conhecimento da íntegra.
“O Brasil e o FMI desde Bretton Woods: 70 anos de História”.
Paulo Roberto de Almeida
Brasil não está fazendo reformas estruturais, diz diretora do FMI
— Temos reiterado as mesmas fortes recomendações para que reformas estruturais sejam feitas, gargalos sejam reduzidos na economia e que o potencial, a capacidade de o Brasil entregar crescimento seja liberada. E isso não vem sendo feito — afirmou a diretora-gerente, que colocou o Brasil ainda em estado de atenção em relação à expansão do déficit em conta corrente (que fechou em 3,6% do PIB, ou 2,9% justados, em 2013, para um patamar que o Fundo considera ideal entre 1% e 2,5%).
Lagarde reforçou a mensagem de que o mundo passa por um período de retomada desigual do crescimento, com tração nos motores dos países ricos e desaceleração sincronizada e sistemática das nações emergentes. Alertou para os riscos associados à normalização das políticas monetárias dos EUA e do Reino Unido, que pode provocar turbulências e desarrumar ainda mais a casa dos países em desenvolvimento.
O receituário para vencer os obstáculos, disse Lagarde, é inequívoco: reformas estruturais, conserto dos problemas macroeconômicos (inflação alta, déficits em contas externas, desequilíbrios fiscais) e muita coordenação entre autoridades.
Ela acredita ainda que a criação de mecanismos como o Arranjo de Contingência de Reservas (ACR) das nações que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não afronta o FMI, e sim convoca parceria entre os diversos agentes, refletindo um mundo multipolar mas interdependente. A diretora-gerente considera ainda que a falha do Congresso dos EUA em ratificar a reforma de governança do Fundo, que dará mais poder aos emergentes, não afeta a eficiência da instituição nem lhe retira credibilidade.
Sobre a iminência de default da Argentina, nesta quarta-feira, Lagarde afirma que os efeitos serão circunscritos ao país sul-americano, do ponto de vista de turbulências. Mas o episódio acentuará a necessidade de reavaliação dos processos de reestruturação de dívida, da eficiência da ação coletiva, “(d)a escolha de leis e outros critérios legais tipicamente encontrados nesses casos”. O próximo trabalho do FMI sobre o tópico será apresentado à diretoria-executiva do órgão entre o fim de setembro e o início de outubro, pouco antes da Reunião Anual da instituição e do Banco Mundial, em Washington.
Abaixo, alguns trechos da entrevista.
CONDIÇÕES GLOBAIS
“Estamos passando por uma recuperação desigual do crescimento global. O que estamos identificando é risco associado com a normalização das políticas monetárias dos países ricos, começando com EUA e Reino Unido. O Fed (Federal Reserve, BC americano) e o Banco da Inglaterra estão agora considerando o fim dos estímulos e a elevação dos juros. Banco Central Europeu e Banco do Japão provavelmente continuarão mais um tempo com a política acomodativa. Haverá consequências. Se a comunicação for bem calibrada e feita, acreditamos que os efeitos colaterais serão administráveis. Mas claramente temos em mente o que aconteceu em maio do ano passado e como apenas a comunicação da intenção afetou os mercados emergentes”.
Emergentes
“Também temos uma desaceleração mais sincronizada dos emergentes. Eu colocaria a China de lado, pois medidas tomadas vão segurar o crescimento de 7,5%. Mas demais emergentes, sim. Isso terá ‘consequências para a vizinhança’, no sentido de que os países que comercializam ou se beneficiam de investimentos dessas nações emergentes vão arcar com os efeitos desta desaceleração sincronizada. Se levarmos esses dois elementos em consideração (desaceleração e normalização monetária dos ricos), claramente haverá impacto na tentativa das autoridades tomarem medidas e realçar a fragilidade do crescimento”.
Setor externo e ações
“(Antes), era mais uma questão do superávit da China versus o déficit dos EUA no debate. O que vemos agora é menos desequilíbrio, mas esta questão está mais espalhada. Do lado superavitário, claramente vemos dois líderes, China e Alemanha. Do lado do déficit, temos os suspeitos de sempre, os EUA e alguns dos países europeus, mas também países como Turquia, África do Sul e Brasil. Está espalhando-se esse lado do déficit. Então, acreditamos que o caminho de políticas é manter a casa em ordem, cada um com suas particularidades no caso dos emergentes. O que é comum a todos é fazer reformas estruturais de diversas categorias. E nos frontes monetário e fiscal, cada um também tem políticas para adotar. A segunda recomendação é: falem uns com os outros. E a terceira é cooperem o quanto puderem. Parece incongruente recomendar cooperação em tempos em que você não vê muita cooperação, mas, economicamente, isso é o mais desejável, mais comunicação, mais cooperação, particularmente os banqueiros centrais, quando forem mudar o curso de política”.
Copa do Mundo
“O Brasil foi uma força perturbadora do trabalho do FMI recentemente, porque a Copa do Mundo mobilizou todo mundo nesta instituição, todos grudados na tela de TV por um mês e muitos jogos. Afetou todos os níveis da instituição, dos diretores-executivos ao staff, incluindo a diretora-gerente, embora eu não tenha assistido todos os jogos, mas vi alguns”.
Brasil
“É verdade que temos revisado para baixo nossas projeções para o Brasil e é verdade que todos temos reiterado as mesmas fortes recomendações para que reformas estruturais sejam feitas, gargalos sejam reduzidos na economia e que o potencial, a capacidade de o Brasil entregar crescimento seja liberada. E isso não vem sendo feito”.
Argentina
“Estamos obviamente monitorando a situação. A Argentina está fora dos mercados financeiros e de qualquer círculo financeiro há muito tempo e, embora defaults sejam sempre lamentáveis, nós não temos a visão de que teria grandes consequências significativas além daquela situação geográfica particular (…) (há) a questão significativa dos princípios da reestruturação de dívidas e qual seria o resultado das decisões legais que estão sendo tomadas em NY no momento, que têm significado mais amplo. Os princípios da reestruturação de dívidas e a eficiência da ação coletiva precisarão ser reavaliadas, junto com escolhas de leis e outros critérios legais tipicamente encontrados nesses casos. É neste ponto em que estamos trabalhando e continuaremos nos próximos meses”.
Reforma de governança e credibilidade o FMI
“Sobre (a redistribuição das) cotas, não acho que afete a eficiência do Fundo, a efetividade da diretoria. Quando olho para os nossos programas, linhas de crédito em vigor, a estabilidade que tentamos entregar por intermédio da nossa assistência técnica, da supervisão bilateral que oferecemos baseada em 70 anos de expertise em campo, não acho que a falha de alguns membros em aprovar a reforma de governança é um impedimento às nossas operações. Isso está corroendo a credibilidade da instituição. Alimenta algumas pesquisas acadêmicas e alguns editoriais de observadores, mas na minha vida cotidiana, nas nossas operações com o staff e os membros da diretoria, e, mais importante, nas minhas tratativas com as autoridades dos países, incluindo com as dos países do Brics, isso não afeta o Fundo e não corrói nossas ações”.
Iniciativas financeiras dos Brics
“O Arranjo de Contingência de Reservas (ACR) criado pelo Brics vem sendo construído nos últimos três ou quatro anos. Então, acho que é bastante independente da falha dos EUA em ratificarem a reforma (de governança). É atribuída uma ligação pelos observadores, mas o Brics já vinha falando disso há algum tempo, eles decidiram em um encontro deles, há alguns anos, os princípios (do ACR). Há uma cooperação intrínseca entre o ACR e o FMI. Dos US$ 100 bilhões que o Brics reservaram, cada membro pode sacar do que aportou até 30%. Para mais, tem que ter um programa em curso com o FMI. Quando se olha para a relação do FMI com essas novas agências, os acordos, é muito similiar ao Chiang Mai (mecanismo de contingência e reserva) criado pelos países asiáticos, que tem o FMI do outro lado. Não digo que foi um ‘corte e cola’. O Brics não é uma região, Brics é um agrupamento com interesses comuns. Embora, por interesses comuns, eu digo a mim mesma ‘eles não são a mesma coisa de forma alguma’…”.
Papel do FMI
“Estamos celebrando os 70 anos das instituições de Bretton Woods e há muita nostalgia expressa sobre os objetivos dos ‘fundadores’. O mundo mudou ao redor do FMI e o próprio Fundo mudou imensamente. E continuará a mudar. Esta é uma das belezas desta instituição, ela se ajusta, é flexível, mudamos os instrumentos e os programas ao longo do tempo, mudamos a supervisão, ampliamos massivamente a assistência técnica. E continuaremos a fazê-lo. Todo o mundo está mudando continuamente. O equilíbrio de poder está mudando, há confrontos e há poderes econômicos emergindo, se consolidando e cooperando, há efeitos sobre os vizinhos, que valerá a pena continuar explorando. O fato é que a rede de proteção que os coreanos particularmente demandaram no encontro do G-20 vem sendo construída, em torno do arranjo do Chiang Mai, do mecanismo europeu de estabilidade, do ACR, dos instrumentos de swap entre vários bancos centrais. Isso reflete o fato de que o mundo é vastamente global e interdependente e precisa, provavelmente, de diferentes camadas nesta rede de proteção. Mas não vejo nada que seja inconsistente com a missão do FMI, que acho que é coordenação, cooperação entre os pilares das redes de proteção internacionais – das quais o FMI é a peça central”.