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terça-feira, 30 de maio de 2017

A Guerra Civil Espanhola, numa versao de uma "tendencia interna" do PSOL

Vocês sabiam que existiam "tendências internas" no PSOL?
Pois é, um partido tão pequeno e já tão dividido entre ex-stalinistas, trotsquistas, neoguevaristas, ex-petistas, etc., etc., etc., e outras coisas mais...
Em todo caso, ao consultar um artigo sobre a guerra civil espanhola, descobri isso.
Paulo Roberto de Almeida

Alberto Besouchet, fuzilado pelos republicanos na Espanha

http://www.insurgencia.org/alberto-besouchet-fuzilado-pelos-republicanos-na-espanha/

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Relembrando o brasileiro voluntário nas Brigadas Internacionais e morto covardemente
Por generosa iniciativa do deputado Adriano Diogo, a Comissão Estadual da Verdade realizou, em 24 de setembro, uma audiência pública para homenagear todos os combatentes brasileiros (1) na Guerra Civil Espanhola, em especial David Capistrano e Apolônio de Carvalho. Com isso, estabeleceu um laço de solidariedade entre a militância dos anos 1930 e a resistência à ditadura, quarenta anos depois.
Estava presente a filha de Capistrano, Carolina, que trouxe lembranças muito vívidas a respeito dos comentários de seu pai sobre sua participação na guerra e também sobre como ele, apesar de ações militares ousadas e corajosas, guardou para sempre um sentimento de rejeição à brutalidade de qualquer guerra. Isso teria sido um dos fatores a levá-lo a aceitar a linha chamada de “convivência pacífica”, adotada pelos partidos comunistas depois de 1956.
Como resistência ao fascismo franquista tem tudo a ver com a resistência à ditadura, lembrou ela a morte trágica de David Capistrano. Enquanto militante do PCB, voltava ao Brasil em 1974 e seria recebido pelo militante José Maçon na fronteira, em Uruguaiana. Desapareceram os dois. Sabe-se hoje que eles foram levados para a prisão clandestina conhecida como Casa de Petrópolis, onde tiveram o fim trágico dos torturados até a morte e esquartejados.
Apolônio de Carvalho, que, depois de participar da Guerra Civil Espanhola, integrou-se à Resistência francesa à ocupação dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, teve a sorte de sobreviver e deixou suas lembranças em Vale a pena sonhar (2), um manancial de informações sobre um largo período da história do Brasil.
Como se tratava de história e de verdade, tive a oportunidade de falar, na audiência, sobre o caso pouco conhecido de Alberto Bomilcar Besouchet, militante comunista que lutou na Espanha, mas que foi fuzilado pelos próprios republicanos. O que significava enveredar por uma história não linear e maniqueísta, abordar, na luta heroica, suas contradições e aberrações, retraçar a linha que levou do pensamento único à repressão policial.
O deputado Adriano Diogo deu provas, nesta ocasião como em outras, que na coordenação da Comissão Estadual da Verdade norteou sempre as atividades com isenção da concepção de pensamento único, que seu esforço pelo restabelecimento da verdade histórica incluiu sempre as várias vertentes que lutaram contra o regime militar.
O cenário mundial
O objetivo deste texto é o de relatar o caso do militante Alberto Besouchet. Ele também era comunista e também foi combater a rebelião franquista na Espanha, em 1936. No entanto, morreu, ou melhor dito, desapareceu, pela ação de policiais republicanos, auxiliados por agentes do serviço secreto soviético e militantes do Partido Comunista Espanhol. Seu desaparecimento aconteceu durante as famosas “Jornadas de Maio” de 1937, em Barcelona, episódio que foi retratado no filme de Ken Loach, “Terra e Liberdade”, que por sua vez está, em grande parte, baseado nas memórias de guerra do escritor inglês George Orwell, Homenagem à Catalunha (3).
Para entender como isto foi possível é preciso inserir a Guerra Civil Espanhola no contexto mundial daquela época. É preciso entender como, dentro da guerra civil entre oficiais do Exército rebelados sob o comando do fascista Franco e as forças defensoras da República espanhola, houve outra guerra, movida por Stalin e seus agentes, contra toda e qualquer esquerda anti-stalinista. Na Espanha estas forças eram representadas pelos anarquistas da CNT-FAI (Confederación Nacional del Trabajo – Federación Anarquista Ibérica) e pelos poumistas, isto é, militantes do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista), genericamente chamados de “trotskistas”.
A Guerra Civil Espanhola marcou profundamente a história dos soviéticos e do movimento comunista internacional. A Espanha foi o cenário em que os comunistas aplicaram a nova linha da Internacional Comunista, decidida pelo 7º Congresso, em 1935, a da Frente Popular. No período anterior, entre 1928 e 1934, os comunistas tinham sido guiados por uma outra linha (6º Congresso), completamente diferente, que determinava que o inimigo principal a combater eram os socialdemocratas, isto é, os partidos socialistas europeus, considerados “traidores da classe operária”. Os documentos e os líderes comunistas internacionais e, sobretudo, alemães, já que nesse período a Alemanha era o palco central da luta, diziam que Hitler não era importante, que o nazismo era um fenômeno passageiro que iria se exaurir com as primeiras vitórias. A aproximação da militância comunista às milícias nazistas em construção foi uma realidade, sempre aprovada pela direção comunista internacional e acompanhada de perto pela política exterior da União Soviética.
O ponto culminante dessa frente informal, que escandalizou comunistas e progressistas de outros países, foi a posição assumida pelos comunistas alemães em 1931, em um momento de ascensão dos nazistas nas eleições, no caso do referendo da Prússia. Os socialdemocratas alemães dirigiam esta que era a maior e mais importante província da Alemanha desde o início da República de Weimar. Sentindo-se fortes, os nazistas propuseram uma votação pedindo a dissolução do Parlamento prussiano. Por ordem da Internacional Comunista, os comunistas alemães declararam o voto com os nazistas (4).
A calamidade desta política sectária, que tem enorme responsabilidade pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, levou a uma mudança radical de linha, no 7º Congresso, em 1935. De repente, na França, em maio de 1934, o Humanité, jornal comunista, publicou um artigo retirado do Pravda que dizia com todas as letras ser admissível propor a unidade de ação aos dirigentes socialistas (5). Estava dado o sinal para a mudança radical de linha. Agora, com a Frente Popular, era preciso fazer frente não apenas com os partidos socialistas, mas também com os partidos burgueses radicais e republicanos. E foi o que aconteceu na Espanha (6).
Mas, ao mesmo tempo em que se abria à direita, a Internacional Comunista enviesava seu sectarismo contra todos os grupos à sua esquerda. Agora o inimigo principal a combater eram os esquerdistas e, principalmente, os “trotskistas”, isto é, os militantes do movimento trotskista e todos os que fizessem críticas à União Soviética e à “linha do partido”. A luta interna dentro do partido comunista soviético transplantou-se para o movimento comunista internacional e para a Guerra Civil da Espanha.
Acontecimentos dramáticos permearam esta transplantação. Em dezembro de 1934, um alto dirigente do partido soviético, Kirov, foi misteriosamente assassinado. Este crime nunca foi completamente elucidado, embora o Relatório Kruschev, de 1956, fale insistentemente na responsabilidade do Estado (7). Mas foi o fator determinante para desencadear um expurgo generalizado dentro do partido soviético, com prisões, torturas, fuzilamentos com ou sem processo, condenações a trabalhos forçados e a exílio na Sibéria.  Esse processo chega a seu ápice exatamente nos anos da Guerra Civil Espanhola.
Em uma atmosfera de medo e terror, na qual a delação de companheiros e colegas de trabalho, nas famosas sessões de autocrítica, aparecia como uma prova de fidelidade ao regime, realizaram-se os chamados “Processos de Moscou”, nos quais foi exterminada a “velha guarda bolchevique”. O primeiro em agosto de 1936, o segundo em janeiro de 1937 e o terceiro em março de 1938, condenaram ao fuzilamento imediato, entre outros, Zinoviev, Kamenev, Piatakov, Bukharin e Rikov, tendo como acusado máximo Trotsky e seu filho Lev Sedov, que estavam fora da União Soviética. Foram vergonhosas paródias de justiça, processos-espetáculo, em que os condenados se acusaram de complôs impossíveis e inverossímeis, previamente escritos pelos agentes do NKVD, a polícia secreta soviética.
É dentro deste contexto que aconteceu também o processo secreto contra oito grandes generais do Exército Vermelho, entre eles Toukachevtsky e Yakir, fuzilados em junho de 1937, ao qual se seguiu um expurgo e consequente repressão aos quadros do Exército, muitos dos quais tinham estado na Espanha.
Mas essa repressão não se limitou aos membros do partido soviético, atingindo também massas de cidadãos. Segundo o historiador Nicolas Werth, “de agosto de 1937 a novembro de 1938, cerca de 760 mil cidadãos soviéticos foram executados depois de terem sido condenados à morte por um tribunal de exceção, ao cabo de uma paródia de julgamento. (…) Ao mesmo tempo, mais de 800 mil soviéticos eram condenados a penas de dez anos de trabalhos forçados e enviados ao Goulag” (8).
O cenário mundial dentro da guerra da Espanha
Agora o inimigo principal era a esquerda: os esquerdistas e os trotskistas. Mas não era mais uma perseguição apenas política e a Espanha foi um laboratório de extermínio da esquerda. Muitos chamados esquerdistas foram assassinados pelos serviços secretos soviéticos e desapareceram, como, por exemplo, o alemão Erwin Wolf, ex-secretário de Trotsky, Camillo Beneri e Fracesco Barbieri, anarquistas italianos, Marc Rein, jornalista socialdemocrata, e o austríaco Kurt Landau, do POUM, para só citar alguns. No início da guerra, o grande anarquista Buenaventura Durruti havia sido morto por uma bala perdida, em Madri, em 20 de novembro de 1936, bala que muitos atribuem aos comunistas.
Mas a repressão também atingiu muitos stalinistas que voltaram da Espanha e foram em seguida presos e fuzilados. Por exemplo, o general Berzine, o general Goriev, o jornalista do Pravda, Koltsov, personagem do livro de Hemingway, Por quem os sinos dobram, e Antonov-Ovsenko, herói da revolução, que havia comandado a tomada do Palácio de Inverno em 1917, cônsul geral soviético em Barcelona, e que tanto trabalhou na Espanha pela repressão à esquerda.
Os voluntários das Brigadas Internacionais, sob o clima de medo e delação reinante na URSS, também sofreram censuras, expurgos, castigos sob a forma de tarefas militares praticamente impossíveis, levando à morte, e execuções sumárias, que aparecem em muitos relatos. O comunista francês André Marty ficou com a fama de ser um dos mais brutais. Ele é descrito no romance já citado de Hemingway como “el carnicero de Albacete”, cidade sede das Brigadas. No entanto, outras narrativas, mais detalhadas, evocam o regime de terror implantado pelo “General Gómez”, na verdade Wilhelm Zaisser, ex-membro do serviço secreto do Partido Comunista Alemão e que depois da guerra dirigiu a “Stasi”, polícia política da RDA (República Democrática Alemã – 9).
Esse clima transparece até em algumas frases dos brigadistas brasileiros que voltaram. Quando entrevistados pelo pesquisador brasileiro Paulo Roberto de Almeida sobre o destino de Alberto Besouchet, Gay da Cunha declarou que ele teria sido fuzilado por André Marty, enquanto para explicar um fuzilamento conduzido pelos republicanos José Homem Correia de Sá disse: “Havia muita incompreensão e ser fuzilado não denigre ninguém” (10).
As “jornadas de maio” e a morte de Andrés Nin
A operação que deu lugar ao episódio das “Jornadas de maio” na Catalunha foi concebida dentro da ideia de liquidar a esquerda – os “trotskistas” e os “incontroláveis” isto é, os anarquistas. O Pravda já anunciara, em dezembro de 1936, essa liquidação (11).
Era nessa província que os andaimes de uma estrutura socialista tinham avançado mais. Os líderes do movimento sindical e operário eram os anarquistas da CNT-FAI e o POUM. O prédio da Central Telefônica, em Barcelona, estava ocupado pelos sindicatos UGT (socialistas) e CNT, desde o início da guerra, juntamente a uma delegação do governo da Catalunha, a Generalitat.
Em 3 de maio de 1937, esse prédio foi atacado por guardas de assalto chefiados por Rodrigues Sala, que era Comissário da Ordem Pública e comunista. Houve resistência e um pequeno tiroteio. Em seguida, espontaneamente, em cerca de poucas horas, a região em torno, em um círculo que atravessava a cidade, foi tomada por operários e milicianos ligados aos anarquistas e aos poumistas. A população trabalhadora mobilizada queria resistir e conservar a posse do prédio. Começaram as escaramuças, narradas no filme de Ken Loach, e depois o combate violento. O serviço secreto russo, o NKVD, junto com comunistas espanhóis, organizava o ataque. Depois de tentar uma reconciliação entre as duas partes, as forças políticas do governo central, chefiadas pelo socialista Largo Caballero e com ministros comunistas, enviaram tropas e a repressão começou. Cerca de 1.000 pessoas foram feridas e 500 foram mortas. Além disso, houve muitos presos. A Telefônica foi desocupada (12).
Começou então a perseguição direta aos militantes do POUM e, em especial, a seu dirigente mais importante, Andrés Nin. Os soviéticos o conheciam bem. Em 1921, ele tinha sido eleito delegado da CNT para assistir ao 3º Congresso da Internacional Comunista e ao congresso de fundação da PROFINTER (Internacional Sindical Vermelha) em Moscou. Permaneceu nesse país trabalhando nesses organismos. Em 1926, aderiu à “Oposição de Esquerda” dentro do partido soviético, liderada por Trotsky. Só deixou o país para voltar à Espanha com a proclamação da República, em 1930.
A perseguição stalinista aos poumistas e a Nin foi estruturada pelo NKVD. Um dos seus principais agentes na Espanha, Orlov, conforme documentos já decifrados nos arquivos russos sobre a “Operação Nikolai”, confeccionou um documento falso que provaria que Nin agia em conluio com os franquistas (13). A ideia era fazer um “processo de Moscou” na Espanha contra um “complô POUM-franquistas”. Andrés Nin foi preso em junho e depois sequestrado da prisão oficial de Alcalá de Henares, perto de Madri.  Foi levado para uma das prisões clandestinas dos agentes soviéticos, chamadas “tchecas”. Torturado para confessar o script do documento falso, não confessou. Não se sabe como foi a tortura que levou à sua morte, mas o relatório de Orlov a Moscou, decifrado pelo filme já citado, encomendado pela Generalitat da Catalunha à Televisão Espanhola, indica os autores da operação e da morte: três espanhóis cujos nomes estão riscados, Orlov e dois outros agentes soviéticos sobre cuja identidade verdadeira se discute ainda. Cobrados publica e até internacionalmente, os comunistas alegaram que ele teria sido sequestrado de Alcalá por franquistas, seus aliados. Coube ao jornalista do Pravda, Koltsov, depois fuzilado, redigir esta explicação (14).
Desaparecimento e morte de Alberto Besouchet
A morte do brasileiro Alberto Besouchet se encaixa neste cenário. As referências à sua história são ainda hoje poucas e esparsas. Há o artigo do diplomata Paulo Roberto de Almeida (15), publicado em 1999, e que foi a base da audiência pública a que me referi no início. Trabalho de historiador, dedicado a retraçar a trajetória de todos os voluntários brasileiros na Guerra Civil Espanhola, ele constitui em si mesmo um capítulo sobre a censura na ditadura brasileira, já que sua primeira versão, concluída em 1979, teve de ser publicada sob o pseudônimo de Pedro Rodrigues, pois o tema era perigoso no Itamaraty. Paulo Roberto de Almeida pôde entrevistar vários combatentes ainda vivos e o irmão de Alberto Besouchet, Augusto. Referindo-se no início do artigo ao caso do seu desaparecimento como “o mistério dos mistérios”, ele retoma tudo que conseguiu averiguar entre as testemunhas que puderam contar alguma coisa (16).
O artigo do historiador Dainis Karepovs (17), escrito em 2006, pôde avançar mais na medida em que inseriu o desaparecimento de Alberto Besouchet no clima de medo e delação que cercou os anos 1936, 1937 e 1938 na URSS e na campanha dos agentes do NKVD pela liquidação do POUM. Utilizando documentos do agrupamento trotskista Liga Comunista Internacionalista, pôde entrar melhor na alma da luta que se travava.
É baseado nestes dois autores, principalmente no segundo, e também em algumas referências feitas por Apolônio de Carvalho em suas memórias (18), que consegui recuperar os elementos básicos da trajetória de Alberto Besouchet. Ele era filho de militar e optou pela carreira do pai. Era também militante do Partido Comunista Brasileiro, como seus irmãos, Augusto, Lídia e Marino. Como tenente, participou do levante comunista de 1935, em Recife e, embora ferido, não foi preso.
Voltou ao Rio de Janeiro e contatou seus irmãos que, entretanto, tinham sido expulsos do Partido por terem criticado a forma com que foi feito o levante de 1935, julgando-a irresponsável. Posteriormente haviam entrado em contato com a Liga Comunista Internacionalista. Eles tentaram ganhar o irmão para suas novas posições, mas não conseguiram. Em vez disso, Alberto Besouchet decidiu partir para a Espanha para colocar a serviço do povo espanhol seus conhecimentos militares. E não saiu do Partido.
No entanto, antes de viajar, escreveu uma carta aberta aos companheiros, entregando-a à direção, pedindo que a divulgasse, na qual conclamava todos, inclusive os presos, a persistirem na luta por “um regime mais justo e humano”. A carta não foi divulgada, mas, sim, respondida com termos grosseiros. Ele havia usado as expressões “Espanha soviética”, “Revolução proletária mundial” e “burguesia internacional”, que a direção considerou “esquerdistas”. Além do mais, já tinha os irmãos fora do Partido (19).
As fontes concordam em que ele foi o primeiro brasileiro a chegar à Espanha para lutar. Teve contatos com comunistas brasileiros na França, caminho para chegar ao território espanhol, onde entrou em fevereiro de 1937. As fontes dizem também que levava uma carta de Mário Pedrosa para Andrés Nin. Não está claro se integrou as Brigadas ou as milícias do POUM. Foi ferido em Guadalajara, quando já tinha o posto de coronel.
Sobre o seu desaparecimento e morte as informações são esparsas. Na documentação sobre os brasileiros na Espanha, contida nos arquivos russos da Internacional Comunista, há apenas, em um relatório assinado por um nome não identificado, a reprodução de uma informação do major Costa Leite, comunista e militar mais graduado a ir para a Espanha, de que Besouchet, além de ter tido relações com os trotskistas, teria sido morto nos acontecimentos de maio de 1937, na Espanha. Mas a família Besouchet recebeu a informação de que ele teria sido fuzilado durante a retirada final das Brigadas Internacionais, de Barcelona, em 1938, juntamente com anarquistas e trotskistas ali presos (20).
Estes retalhos de narrativas se encaixam com as breves palavras de Apolônio de Carvalho: “O tenente Alberto Besouchet, que eu conhecia de Realengo, foi o primeiro de nós a chegar à Espanha, ainda mal curado dos ferimentos infligidos em Recife, quando do levante de novembro. (…) Ascende a coronel em maio de 1937, momento de crise aguda no seio das esquerdas, e logo depois é preso como militante do partido de Andrés Nin. Fins de 1938, com os franquistas às portas de Barcelona, Besouchet é assassinado covardemente. Nada poderá apagar, contudo, a imagem desse comunista culto, modesto e bravo como poucos” (21).
É assassinado covardemente por quem? Obviamente por aqueles que detinham os presos do POUM. Lembrando que a queda da Central Telefônica durante as “jornadas de maio” de 1937 e a repressão que se seguiu a ela levaram à prisão muitos militantes do POUM, é forçoso deduzir que foi nesta situação que a morte o colheu. Lembrando ainda que Julián Gorkin, o segundo mais importante dirigente do POUM, relata que foi preso nessa época e, com outros poumistas, carregado de “tcheca” em “tcheca” durante 18 meses, até que, com a queda de Barcelona nas mãos dos franquistas, conseguiu fugir (22).
Notas:
(1) No folder distribuído com informações históricas está a lista de seus nomes: Alberto Bomilcar Besouchet, David Capistrano, Apolônio de Carvalho, Joaquim Silveira dos Santos, José Homem Correia de Sá, Eneas Jorge de Andrade, Nelson de Souza Alves, Roberto Morena, Dinarco Reis, Delcy Silveira, Eny Antonio Silveira, Nemo Canabarro Lucas, José Gay da Cunha, Hermenegildo de Assis Brasil, Carlos da Costa Leite, Homero de Castro Jobim.
(2) Apolônio de Carvalho, Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
(3) George Orwell, Lutando na Espanha – Homenagem à Catalunha. São Paulo, Ed. Globo, 2006
(4) Angela Mendes de Almeida, A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 108.
(5) Fernando Claudín, La crisis del movimiento comunista – De la Komintern al Kominform. Francia, Ruedo Iberico, 1970, p. 137.
(6) Angela Mendes de Almeida, Revolução e guerra civil na Espanha. São Paulo, Brasiliense, 1981.
(7) A. Rossi, Autopsie du stalinisme – Avec le texte intégral du Rapport Khrouchtchev. Paris, Ed. Pierre Horay, 1957.
(8) Nicolas Werth, L’ivrogne e la marchande de fleurs – Autopsie d’um meurtre de masse – 1937-1938, p. 16.
(9) Sigmunt Stein, Ma guerre d’Espagne. Paris, Seuil, 2012, pp. 209 e ss.; e Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 359.
(10) Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Brasileiros na guerra civil espanhola”, Revista Sociologia e Política, nº 12, jun. 1999, p. 50. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n12/n12a03
(11) Julián Gorkin, Las jornadas de mayo en Barcelona, http://www.fundanin.org/gorkin8.htm;
(12) Julián Gorkin, ibid.
(13) Filme de Llibert Ferri e Dolores Genovés, Operación Nikolai – http://www.youtube.com/watch?v=zLAfmtlCgTU; e Pavel Sudoplatov et Anatoli Sudoplatov,Missions Speciales – Mémoires du maître-espion soviétique Pavel Sudoplatov. Paris, Seuil, 1994, p. 76. Ao final da guerra, Orlov foi convocado para voltar a Espanha e, temendo ser fuzilado, desertou, fugindo para os Estados Unidos. Escreveu diretamente a Stalin, prometendo que nada falaria se não tocassem em sua velha mãe. E assim fez, só escrevendo memórias depois da morte do ditador.
(14) Julián Gorkin, já citado; Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 183.
(15) Paulo Roberto de Almeida, op. cit.
(16) Op. cit., pp. 37-38 e 49-50.
(17) Dainis Karepovs, “O caso Besouchet, ou o lado brasileiro dos processos de Moscou pelo mundo”, Olho da História, 8/12/2006 – http://oolhodahistoria.org/artigos/ESPANHA-o%20caso%20besouchet-dainis%20karepov.pdf
(18) Apolônio de Carvalho, op. cit.
(19)Todas estas informações estão em D. Karepovs, op. cit.
(20) Cf. D. Karepovs, op. cit.
(21) Apolônio de Carvalho, op. cit., p. 125.
(22) Julián Gorkin, L’assassinat de Trotsky. Paris, Julliard, 1970, p.8.
Angela Mendes de Almeida é historiadora e coordenadora do site Observatório das Violências Policiais.
Texto publicado originalmente no Correio da Cidadania em 21/10/2014

Real - O Plano por Trás da História - Filme 2016 - breve avaliacao (PRA)

Fomos assistir, Carmen Lícia eu eu, o filme Real: o Plano Por Trás da História, do diretor Rodrigo Bittencourt, lançado no dia 25 de maio, tratando do lançamento e da defesa da nova (aliás ainda conosco) moeda, o Real, estrelado por Emílio Orciollo Neto (como Gustavo Franco), Bemvindo Sequeira (Itamar Franco), Norival Rizzo (FHC) e Tato Gabus Mendes.
O filme tem roteiro baseado no livro do jornalista Guilherme Fiuza, 3.000 dias no Bunker, que eu já havia resenhado em 2006, quando ele foi lançado, afirmando que ele tinha um jeito cinematográfico, mas não acreditando que um plano de estabilização pudesse fornecer matéria conveniente para um filme.
Vejam aqui a minha resenha desse livro:

http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html

Minha opinião sobre o filme. Para entendê-lo bem é preciso um mínimo de conhecimento sobre como se desenvolveu a história econômica (e política) brasileira desde a redemocratização, com o furor inflacionista desencadeado desde o governo Sarney, e agravado nos dois governos seguintes.
Mas, um filme didaticamente adequado nesse sentido não seria um filme adequado ao grande público, onde emoções e paixões devem estar presentes para ser minimamente aceitável.
Os melhores atores deste filme são indubitavelmente Orciollo, que faz o protagonista principal, Gustavo Franco, e Sequeira, que mostra perfeitamente como Itamar era um presidente que nunca entendeu, realmente, como foi feito o Real, e por isso mesmo está fiel ao original (o único, aliás).
Lamento pelo papel desempenhado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, que aparece no filme numa postura indigna de seu grande papel durante todos os oito anos do governo FHC.
O próprio FHC não aparece muito bem no filme, mas isso não tem a menor importância.
O líder do PT é imaginado, muito mais articulado como deveria ter sido na realidade.
Com todas as suas qualidades e defeitos, recomendo, ainda assim, o filme, pois se trata do segundo plano mais importante do Brasil, depois do PAEG (1964-66), que foi ao mesmo tempo um plano de estabilização e de reformas econômicas e de retomada do crescimento.


 Um filme de Rodrigo Bittencourt com Emílio Orciollo Neto, Bemvindo Sequeira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Livro: inovacao na agricultura e na industria - Jose Eustaquio Ribeiro Vieira Filho e Albert Fishlow


 AGRO INOVAÇÃO
Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho e Albert Fishlow
(Brasília: Ipea, 2017, 314p.)


Organizado em dez capítulos, o livro  pretende contar a história da mudança tecnológica no setor agropecuário brasileiro, por meio da complexidade das trajetórias de inovação ao longo da cadeia produtiva. Trata-se de uma profunda análise sobre as políticas públicas brasileiras de inovação, enfatizando a importância do agronegócio no conjunto da economia.
Erroneamente, a agricultura é considerada por muitos economistas um setor que exerce influência marginal na geração de tecnologias e no crescimento produtivo. A obra demonstra, ao contrário, ao estudar o processo de inovação no Brasil, que a agricultura apresenta-se como um caso paradigmático, mesmo quando comparado aos exemplos mais tradicionais do setor industrial. A proposta do livro é justamente apresentar teoria e prática, ressaltando o que há de comum nas experiências bem-sucedidas brasileiras, seja na agricultura, seja na indústria. O objetivo é repensar até que ponto a experiência obtida no agronegócio brasileiro encaixa-se na abordagem teórica de inovação institucional induzida e em que medida tal evento compara-se aos modelos da indústria nacional.
O livro pode servir de importante subsídio à formulação de políticas públicas na economia e à reflexão do papel do Estado no contexto recente, passado o boom das commodities, e no estabelecimento de prioridades de desenvolvimento de longo prazo.






Acordos de investimento: balanco do modelo brasileiro - Carlos Cozendey e Abrao Arabe Neto


Um balanço até aqui dos acordos de investimentosCarlos Cozendey e Abrão Árabe Neto

Valor Econômico, 29/05/2017

Carlos Márcio Cozendey é Subsecretário-Geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores.
Abrão Miguel Árabe Neto é Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

No dia 7 de abril foi assinado o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos do Mercosul. O PCFI é o primeiro resultado expressivo da retomada do Mercosul na área econômico-comercial e um marco importante na ampliação da rede brasileira de acordos de investimentos, que já alcança 14 países.

Com o PCFI, o Brasil passa a ter acordos de investimentos com os sócios originais do Mercosul, com todos os membros da Aliança do Pacífico e com países africanos como Angola, Moçambique e Malaui. Também encontram-se em fase final de revisão para assinatura os compromissos já negociados com Índia, Jordânia, Marrocos e Etiópia. Todos eles seguem, com variações, o mesmo modelo inovador de Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI).

Tais acordos oferecem proteção jurídica a investidores e investimentos brasileiros no exterior e dos países parceiros no Brasil: igualdade de tratamento; regulação da expropriação de ativos e da compensação devida; e liberdade de transferências de ativos financeiros ao exterior, entre outras medidas.

Os ACFIs inovam ao consagrar a facilitação de investimentos como elemento-chave para estimular o fluxo de capitais e uma interação mais dinâmica e de longo prazo entre as partes. Para tanto, criam uma estrutura de governança institucional (Comitê Conjunto e Ombudsman) responsável por promover a cooperação entre os governos e o apoio prático e constante destes aos investidores. Estabelecem, ainda, agendas de cooperação em áreas que aprimoram o ambiente de investimentos, como vistos de negócios, remissão de divisas, regulação técnica e ambiental, logística e transportes.

Com o PCFI, a rede de ACFIs passa a alcançar sete dos dez principais destinos de internacionalização de empresas brasileiras, segundo o Ranking FDC das Multinacionais Brasileiras 2016. Abarcam, assim, parcela importante dos investimentos brasileiros no exterior, que, de acordo com dados do Banco Central, já atingem US$ 283 bilhões. Este valor aproxima-se de metade do estoque de investimento estrangeiro direto no Brasil (US$ 674,4 bilhões). Ou seja, para cada US$ 2 investidos no Brasil, empresas brasileiras já têm investido quase US$ 1 no exterior.

O próximo passo na trajetória brasileira dos acordos de investimentos é colocá-los em funcionamento. É auspicioso constatar que sua tramitação no Congresso Nacional tem avançado de modo célere. O Acordo de Ampliação Econômico-Comercial entre Brasil e Peru, que inclui um capítulo de investimentos no estilo ACFI, foi o primeiro acordo de investimentos aprovado nos últimos 60 anos. Os ACFIs com México, Chile, Angola, Moçambique e Malaui também já foram aprovados pelo Congresso.

O pioneirismo do Brasil em incorporar a facilitação de investimentos a seus acordos internacionais tem gerado frutos nos planos plurilateral e multilateral. Impulsionado pela boa aceitação do ACFI, o tema de facilitação de investimentos tem ganhado relevância na OCDE, na Unctad e no G-20. Na OMC, o assunto tem sido discutido com crescente interesse e poderá produzir resultados na Conferência Ministerial (MC11), a ser realizada na Argentina no final de 2017.

O Brasil, que vem contribuindo para essa discussão com sua experiência acumulada com as negociações do ACFI, já ofereceu ideias concretas para o debate e poderá apresentar propostas de texto para eventual instrumento multilateral sobre o assunto. Como se trata de tema novo na OMC, porém, há ainda um trabalho importante de convencimento a ser realizado junto a certos países-membros, especialmente aqueles que associam o tema investimentos a cláusulas de modelos tradicionais, com premissas que vem sendo contestadas no cenário internacional.

Em decorrência da negociação de ACFIs, também houve, recentemente, uma promissora evolução institucional no Brasil: a criação do Ombudsman de Investimentos Diretos, que funcionará no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Sua função essencial será assistir os investidores de países com os quais o Brasil mantenha ACFIs na realização, condução e expansão de seus investimentos, procurando auxiliá-los na solução de eventuais dificuldades concretas decorrentes da legislação e das práticas administrativas brasileiras, de forma a reforçar um ambiente de negócios favorável.

A mesma estrutura será oferecida aos investidores brasileiros nos países com os quais o país possui ACFIs. É importante, assim, que os agentes econômicos brasileiros e estrangeiros tenham conhecimento e demandem essa inovadora e embrionária estrutura governamental à sua disposição.

Outro importante desdobramento institucional recente, embora não diretamente ligado a esses acordos, foi a criação do Comitê Nacional de Investimentos (Coninv) da Camex. O órgão visa a formular propostas e recomendações voltadas ao fomento e à facilitação de investimentos estrangeiros diretos no país e de investimentos brasileiros diretos no exterior.

Esse balanço dos acontecimentos permite uma avaliação positiva do progresso já obtido em matéria de política de acordos de investimentos. Desde os primeiros acordos firmados até os mais recentes ACFIs houve um contínuo aprimoramento do modelo, focando-se mais nas garantias jurídicas aos investidores, em cláusulas modernas de responsabilidade social e corporativa e de prevenção de controvérsias. Tudo isso sem perder de vista o seu caráter pragmático e objetivo de melhoria dinâmica e efetiva do ambiente de negócios entre as partes.

Sua agenda positiva, com ampla participação do setor privado em um tema tradicionalmente hermético, além da atenção de importantes parceiros comerciais do Brasil, tem atraído o interesse também de diversos segmentos da sociedade civil tais como a academia e organizações não-governamentais.

O Brasil estará preparado para implementar os ACFIs tão logo entrem em vigor, de modo que sejam mais que uma inovação interessante, uma inovação que funcione e faça a diferença na prática.

Minhas propostras de mudancas, doze anos atras - Paulo Roberto de Almeida

Aqui, antes mesmo de diagnosticar o que andava errado no Brasil, eu já antecipava minha lista de reformas:

TERÇA-FEIRA, 20 DE DEZEMBRO DE 2005

43) Uma proposta modesta: a reforma do Brasil


Monteiro Lobato, num de seus livros da série do Sítio do Pica-Pau Amarelo, atribuiu a Emília a tarefa de fazer uma "reforma da Natureza": coisa de corrigir alguns mal-feitos do Criador, e consertar o que parecia errado aos olhos de retrós de uma boneca de pano. Mas ele também tentou "consertar o Brasil" várias vezes, chegando até a enfrentar prisão devido algumas de suas sugestões.
Não creio que eu corra o mesmo risco agora; provavelmente vou receber apenas sorrisos condescendentes.
Em todo caso, dou primeiro o meu diagnóstico (muito rápido), depois um pequeno receituário, também rápido e rasteiro, já que nenhuma dessas tarefas será empreendida anytime soon...

Uma proposta modesta: a reforma do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

Prolegômenos: 
Não creio que o Brasil necessite, tão simplesmente, de uma mera reforma econômica. Ele precisa, sobretudo, de várias reformas estruturais, a começar pelo terreno político, onde se encontra a chave para a resolução dos muitos problemas que explicam o nosso baixo desempenho econômico.

Primeira parte - O Diagnóstico

1. Constituição intrusiva demais, codificando aspectos de detalhe que deveriam estar sendo regulados por legislação ordinária.

2. Estado intrusivo, despoupador, perdulário, disforme e pouco funcional para as tarefas do crescimento econômico.

3. Legislação microeconômica (para o ambiente de negócios e para a regulação das relações trabalhistas) excessivamente intrusiva na vida dos cidadãos e das empresas, deixando pouco espaço para as negociações diretas no mercado de bens, serviços e de trabalho.

4. Preservação de monopólios, cartéis e outras reservas de mercado, com pouca competição e inúmeras barreiras à entrada de novos ofertantes.

5. Reduzida abertura externa, seja no comércio, seja nos investimentos, seja ainda nos fluxos de capitais, gerando ineficiências, preços altos, ausência de competição e de inovação. 

6. Sistemas legal e jurídico atrasado e disfuncional, permitindo manobras processualísticas que atrasam a solução de controvérsias e criam custos excessivos para as transações entre indivíduos. 

Segunda parte - A Reforma

1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Operar diminuição drástica de todo o corpo legislativo em todos os níveis (federal, estadual e municipal), retirando um custo enorme que é pago pelos cidadãos; Proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por lista no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.

2. Reforma administrativa com diminuição radical do número de ministérios, e atribuições de diversas funções a agências reguladoras. Privatização dos grandes monstrengos públicos que ainda existem e são fontes de ineficiências e corrupção, no setor financeiro, energético, e outros; fim da estabilidade no serviço público.

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; aperto fiscal nos “criadores de despesas” irresponsáveis que são os legislativos e o judiciário; reforma microeconômica para criar um ambiente favorável ao investimento produtivo, ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes; extinção da Justiça do Trabalho, que é uma fonte de criação e sustentação de conflitos; Retirada do imposto sindical, que alimenta sindicalistas profissionais, em geral corruptos.

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades “públicas” (com transferência de recursos para pesquisa e projetos específicos, e os salários do pessoal remanescente, mas de outro modo fim do regime de dedicação exclusiva, que nada mais é do que um mito); concentração de recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional.

6. Abertura econômica e liberalização comercial, acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

Brasília, 15 de dezembro de 2005.

Propostas de reformas, nunca feitas, onze anos atras - Paulo Roberto de Almeida

Completo nesta série as propostas que fazia onze anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida

99) Brasil 2006: as opções (2)


Dou seguimento, neste post, à minha imodesta pretensão de interpretar alguns dos problemas do Brasil atual e de oferecer, senão soluções, pelo menos sugestões às questões mais prementes que me parecem relevantes na atual conjuntura.

Antes de proceder a um diagnóstico abrangente sobre os problemas atuais do Brasil e um possível receituário “corretor” (ou programa de reformas), caberia, talvez, trabalhar num conjunto mais restrito de objetivos estratégicos voltados para a atual conjuntura, com prioridades claras atribuídas aos atos de governo em algumas áreas que podem ser vistas como prioritárias do ponto de vista da sociedade e da economia como um todo. Essas áreas, que não precisam estar estritamente definidas em algum grande plano, teórico, de desenvolvimento nacional, podem ser resumidas em quatro grandes conceitos:

Emprego, Conhecimento (Educação), Segurança e Empreendedorismo.

A questão do emprego não pode ser vista como a busca incessante de ocupações imediatas por parte do governo, mas como a soma de um conjunto de ações que visam, todas, liberar as forças sociais para a busca individual e coletiva de atividades produtivas, hoje nacionalmente tolhidas ou coibidas por um “regulacionismo” e um “tributarismo” claramente excessivos. Esse objetivo se vincula, portanto, também ao último, relativo à mobilização das iniciativas individuais e coletivas em favor do estabelecimento de novos negócios, mas o conceito de “emprego” é mais facilmente perceptível, aos olhos do grande público, e toca mais de perto em suas preocupações imediatas. 

Não se pretende que o Estado “produza” empregos, mas que ele se engaje numa série de ações diretas e indiretas com a finalidade precípua de aumentar o grau de “empregabilidade” do atual sistema produtivo nacional, que ele contribua a retirar da informalidade milhões de micro e pequenas empresas que foram para ali empurradas pela própria ação do Estado (em virtude do excessivo “tributarismo” e do exagerado “regulacionismo” praticados atualmente) e que ele libere as forças produtivas para o estabelecimento de relações de trabalho baseadas bem mais na “contratualidade direta” do que no “regulacionismo legal”, hoje claramente limitador da empregabilidade.

Por outro lado, não é preciso enfatizar a importância da educação para fins do sistema econômico e, sobretudo, para fins de uma distribuição mais eqüânime da renda nacional. Ela é a única possibilidade de que dispõem as camadas ditas subalternas de se alçar de uma situação de relativa anomia e desesperança para etapas mais elevadas de capacitação profissional e de inserção no mercado de trabalho. Um esforço gigantesco de melhoria dos padrões de qualidade nos dois primeiros níveis e no ensino profissional teria de ser empreendido se desejarmos que o país seja, a médio prazo, não apenas tecnologicamente avançado e industrialmente competitivo, mas que também ofereça um perfil distributivo mais conforme à média mundial.

Quanto à segurança, não é preciso dizer que ela está, junto com a saúde, no âmago das preocupações principais dos moradores de nossos grandes centros urbanos, que hoje concentram dois terços da população nacional. A delinqüência e a violência chegaram a níveis intoleráveis nessas metrópoles, com impacto direto numa faixa da população e a consolidação de alguns quistos de “poder paralelo”, que contestam o próprio monopólio estatal da “violência” e contaminam a máquina repressiva. O problema está igualmente ligado à (in)eficiência do aparelho do judiciário, algo que só poderá ser corrigido no médio prazo, embora ações tópicas devam ser empreendidas de imediato. 

Por fim, o conceito de empreendedorismo consubstancia um modelo de sociedade que não tenha mais no Estado a referência absoluta dos modos possíveis de organização social da produção e da distribuição, mas que encontre em sua dinâmica própria as alavancas propulsoras de novas formas de acumulação social, inclusive a possível conformação de um “modo inventivo de produção” que se estenda, de modo natural, às diversas vertentes da sociedade nacional, e que não seja, como atualmente, dependente das ações e condições (hoje bem mais “limitações”) do Estado. Trata-se, obviamente, de algo mais abstrato do que a “produção direta de empregos”, o que de toda forma não contemplo, mas que pode ser considerado essencial para essa “liberação de energias” da sociedade em busca soluções próprias a seus problemas. Várias ações podem ser feitas, em termos de campanhas públicas e de mobilização governamental para liberar a capacidade criativa e inovadora do povo brasileiro. 

Estas poucas propostas podem constituir uma possível plataforma de trabalho que se situaria entre uma agenda imediata de reformas institucionais e de manutenção da estabilidade macroeconômica, de um lado, e uma agenda mais delongada reformas estruturais, de outro, que aponta para um “planejamento ideal”, ou para a “ação racional” do Estado, no médio e longo prazo. Entretanto, o crescimento econômico é um processo essencialmente microeconômico, dependente, portanto, de que os mercados setoriais – crédito, trabalho – e as condições de investimento produtivo possam criar um circulo virtuoso, com a ajuda do Estado, para que as alavancas fundamentais da economia logrem desempenhar seu papel na manutenção da trajetória de crescimento sustentado.

1517, Brasília: 30 dezembro 2005, 3 p.

Minhas propostas de mudanças e de reformas, mais de 11 anos atras - Paulo Roberto de Almeida

Retiro, de posts antigos, algumas propostas de reformas, que nunca foram feitas, obviamente...
Paulo Roberto de Almeida

92) Brasil 2006: as opções (1)


Este é o início de uma série de pequenos artigos reflexivos sobre a situação atual do Brasil e as opções que se colocam ao país, nos quais pretendo discutir algumas questões que me parecem cruciais para nosso destino enquanto nação e sociedade, não apenas em função do calendário eleitoral de 2006, mas também em função dos grandes problemas atuais da nação e as escolhas que ela deve fazer para tentar superá-los. 

Prolegômenos ao diagnóstico
Toda e qualquer análise de um problema determinado começa, necessariamente, por algum tipo de avaliação ou, como pretendo fazer aqui, por um diagnóstico sumário, nos quais o que está em causa é a identificação dos problemas mais urgentes, ou mais cruciais, e para os quais se busca, numa segunda etapa, algum tipo de “receituário”, onde o que se pretende é a indicação tentativa de caminhos para a superação dos problemas identificados.
Por isso vou fazer uma série de colocações sintéticas, que pretende “recolher” os problemas que me parecem essenciais na atual conjuntura brasileira. Em um post inserido em meu Blog, no dia 20.12.05, “43. Uma proposta modesta: a reforma do Brasil” (link), eu já procedi a um primeiro diagnóstico de situação e a um conjunto de propostas de reforma, mas que não pretendo retomar aqui. Prefiro, em primeiro lugar, me deter sobre a própria natureza do ato (ou da “arte”) de diagnosticar, pois aí parecem residir alguns dos problemas iniciais na construção de uma interpretação consensual sobre as origens dos problemas brasileiros.
Como diriam Marx e Keynes, todos nós somos, de alguma forma, prisioneiros do passado, de economistas ou mesmo de gerações inteiras que nos precederam, e tendemos a repetir algumas “verdades” do passado como se ainda tivessem validade para os dias que correm. No nosso caso, ainda estamos vinculados a diagnósticos feitos pelos grandes intérpretes dos problemas brasileiros, homens que vieram dos anos 1930 e que projetaram suas “luzes” até os anos 1960 e 1970, em análises nas quais o desenvolvimento industrial e a “dependência externa” ocupavam posição proeminente. O Estado era então visto, tanto à esquerda como à direita, como o instrumento fundamental para a superação do subdesenvolvimento – de certa forma identificado com as estruturas agrárias tradicionais – e da dominação externa. 
Na análise econômica, ocorreu uma recusa teórica e prática das recomendações ricardianas de especialização produtiva, da “dependência” de países “periféricos” como o Brasil dos mercados e capitais externos, e emergiu a convicção de que os mercados não poderiam, deixados à sua “indisciplina desregulada”, resolver os problemas sociais e de capacitação tecnológica. Intelectuais como Celso Furtado, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, e muitos outros, pautaram a análise que se então fez da situação de dependência e da necessidade de superá-la pela utilização de todos os instrumentos disponíveis de políticas públicas, mesmo os mais intrusivos e açambarcadores das iniciativas individuais. 
Os resultados do esforço industrializador não foram de todo negativos, longe disso, mas adquirimos, ao lado de uma estrutura produtiva relativamente moderna e diversificada – mesmo se importadora líquida, ainda, de tecnologia estrangeira –, um legado de exclusão social http://www2.blogger.com/img/gl.link.gifque caracteriza o Brasil de modo “exemplar’ – pelos seus traços negativos – em face de todos os outros países em patamares semelhantes ou similares de desenvolvimento industrial. Isto é o que nos “distingue” hoje, e não qualquer outra característica de suposta insuficiência industrial ou econômica. 
Em função disso, eu não hesitaria em dizer que o Brasil tem hoje, não um problema de desenvolvimento – este compreendido como um processo de crescimento, acompanhado de transformação estrutural do processo produtivo –, mas um problema de inclusão social, que por sua vez é o resultado de um processo progressivo de construção de instituições políticas e sociais que tenderam a reforçar os traços mais exclusivos de sua exclusão social, que passa sobretudo pela educação e pelo mercado de trabalho. 
Como, a partir dessa constatação, se poderia construir um diagnóstico da situação presente, disso eu pretendo tratar em um próximo artigo desta série.


Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; )
Brasília, 30 dezembro 2005.

domingo, 28 de maio de 2017

China: ainda estao construindo o socialismo? Deve ser piada...

Acabo de ler esta matéria, que me provocou risos piedosos...
Paulo Roberto de Almeida

China destaca papel de filosofía y ciencias sociales en desarrollo de socialismo

26/05/2017
BEIJING, 25 may (Xinhua) -- China ha destacado la importancia de la filosofía y las ciencias sociales en el desarrollo del socialismo con características chinas.
China destaca papel de filosofía y ciencias sociales en desarrollo de socialismo
BEIJING, 25 may (Xinhua) -- China ha destacado la importancia de la filosofía y las ciencias sociales en el desarrollo del socialismo con características chinas.
La filosofía y las ciencias sociales con características chinas son un requisito necesario en la nueva era, dijo Wang Weiguang, presidente de la Academia de Ciencias Sociales de China.
"La filosofía y las ciencias sociales desempeñan un papel crítico en el desarrollo del socialismo con características chinas", dijo Wang.
El Comité Central del Partido Comunista de China está acelerando la construcción de una "filosofía y ciencias sociales con características chinas", un sistema que incluya diferentes ámbitos como historia, economía, política, cultura, sociedad y ecología.
Es necesario que la filosofía y las ciencias sociales desempeñen mejor su papel en la complicada situación internacional cuando diferentes pensamientos y culturas se entrelazan, dijo Wang.
Con más de 30 años de reforma y apertura, China ha logrado un progreso económico y social notable, pero siguen surgiendo diferentes ideologías y pensamientos.
Construir consensos sigue siendo una tarea compleja. Tenemos la urgente necesidad de resolver estos importantes problemas teóricos y prácticos a través de la filosofía y las ciencias sociales con características chinas, dijo Wang.

sábado, 27 de maio de 2017

Sucesso repetino de Quinze Anos de Politica Externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017

Hi Paulo Roberto, 
Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 
Total views since upload: 
You got 80 views from Brazil, Spain, Argentina, Uruguay, and the United States on "QUINZE ANOS DE POLITICA EXTERNA ENSAIOS SOBRE A DIPLOMACIA BRASILEIRA, 2002-2017". 
Thanks,
The Academia.edu Team

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Epa! Estou sendo vigiado: por editoras e livrarias... Tudo bem? Ou tudo mal?

Sensação de que somos frágeis em face dos algoritmos implacáveis dos sistemas de busca a serviço de corporações. Como eu postei, abaixo, a resenha, que havia feito em 2006, do livro de Guilherme Fiuza, que deu origem ao filme "Real", e fui buscar, no site da Saraiva, uma imagem da capa do livro para ilustrar a minha postagem, acabo de receber estas "sugestões" da própria Editora, ou Livraria. E até me chamam pelo nome!!
Será que tenho motivos para virar, ou ficar, paranoico?
E a minha privacidade? Não vale nada?
Parece que não...
Paulo Roberto de Almeida

Olá, Paulo

Um produto do seu interesse ainda está disponível. Confira!
3.000 Dias no Bunker - Um Plano na Cabeça e um País na Mão




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Setenta e Seis Anos de Minha Vida

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Real: o livro de Guilherme Fiuza, antes de ser o roteiro de um filme - resenha de Paulo Roberto de Almeida

Ainda não reli, para verificar o que escrevi, mais de dez anos atrás, quando li o eletrizante livro do jornalista Guilherme Fiuza, autor deste livro (que já era um bom roteiro de filme) que serviu de base ao filme recém lançado nos cinemas.
Ainda não vi o filme, mas preciso achar o livro, entre milhares de outros em minha kit-biblioteca, para reler, antes de ver a obra filmada.


O bunker voador: a aventura eletrizante do Plano Real

Paulo Roberto de Almeida
  
Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas.
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem.
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170).
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real. 
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006