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quarta-feira, 23 de novembro de 2022

PT consegue barrar embaixadores indicados por Bolsonaro para Argentina, Itália e Vaticano - Thaísa Oliveira (FSP)

PT consegue barrar embaixadores indicados por Bolsonaro para Argentina, Itália e Vaticano

Acordo foi costurado pela equipe de transição com presidente do Senado e chanceler; comissão analisa outras nomeações

FSP, 22.nov.2022 às 19h41

Thaísa Oliveira

BRASÍLIA

Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiram um acordo com a liderança do Senado para barrar indicações de Jair Bolsonaro (PL) às embaixadas brasileiras na Argentina, na Itália e no Vaticano. Os três são considerados postos-chave para a área de relações exteriores do futuro governo.


Os diplomatas apontados pelo atual presidente para esses postos nem entraram na pauta da CRE (Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional) do Senado nesta terça-feira (22), quando o colegiado aprovou, em sabatina, os indicados para as representações na Tunísia, na Mauritânia, na Guiné Equatorial, no Sudão e na Jordânia.


O movimento contou com o apoio dos presidentes da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da CRE, Esperidião Amin (PP-SC). A avaliação é de que a definição de cargos estratégicos para o país não cabe mais a Bolsonaro, derrotado nas eleições, cuja gestão termina com a posse de Lula, em 1º de janeiro.


Amin afirmou que a questão também foi acordada com o ministro das Relações Exteriores, Carlos França. "O que está sendo aprovado é fruto do sucesso de um acordo entre pessoas de mesma formação, de mesma informação e envolvendo carreiras de Estado", disse. "É importante que a gente delibere [a situação de outros postos] porque há casos em que estamos com a embaixada vaga. Seria um ato de desconsideração com o país."


Seis indicados de Bolsonaro para outros postos serão sabatinados pela comissão nesta quarta-feira (23).


Durante a votação em plenário nesta terça, Pacheco agradeceu ao titular do Itamaraty pela colaboração. "Meu reconhecimento a vossa excelência [Amin] e ao chanceler Carlos França pela contribuição dada para que fossem realizadas essas sabatinas e apreciação no plenário do Senado."


A representação em Buenos Aires é um posto com interlocução direta com um dos principais aliados regionais de Lula, o peronista Alberto Fernández —que visitou o presidente eleito em São Paulo no dia seguinte à vitória do petista. Bolsonaro havia indicado para o cargo o diplomata Hélio Vitor Ramos, que foi assessor internacional do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (PSDB-RJ).


Já o atual chefe de gabinete de França, Achilles Zaluar, foi o nomeado para a embaixada no Vaticano. A designação não deve ser analisada pelo Senado porque o PT quer a indicação devido à identificação do partido com o papa Francisco e suas pautas de reforma da Igreja Católica.


A Itália, por sua vez, é considerado um dos postos de maior prestígio entre as embaixadas brasileiras no exterior. A posição ganhou maior importância para aliados de Lula após a eleição de um governo de ultradireita no país europeu, liderado por Giorgia Meloni. Bolsonaro havia indicado para a vaga Fernando Simas Magalhães, atual secretário-geral do Itamaraty.


As mudanças de planos para o Ministério das Relações Exteriores com a chegada de Lula à Presidência são ainda mais amplas do que as indicações não analisadas nesta terça.


O atual governo chegou a enviar outras designações que nem sequer foram lidas por Pacheco —o que as impede de tramitar no Senado. É o caso da missão em Paris, cujo indicado era o diplomata Paulino Franco de Carvalho. A França —governada por Emmanuel Macron, que recebeu o petista no ano passado e acumulou atritos com Bolsonaro— deve desempenhar papel de interlocutor privilegiado de Lula na Europa, razão pela qual a equipe de transição quer definir quem ocupará a embaixada.


O mesmo vale para a representação do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio). Os planos da gestão atual eram que a vaga fosse ocupada pelo hoje secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Itamaraty, Sarquis José Buainain Sarquis —a indicação, no entanto, pode ser revista pela transição.


Dessa forma, os nomes analisados nesta terça foram para postos considerados de menor sensibilidade.


O nome do diplomata Márcio Fagundes do Nascimento foi aprovado para a embaixada da Jordânia, o de Rubem Guimarães Coan Fabro Amaral para a missão no Sudão, e o de Evaldo Freire para a Mauritânia. Já Fernando José Marroni de Abreu recebeu o aval dos senadores para a representação na Tunísia e Leonardo Carvalho Monteiro, na Guiné Equatorial.


O Senado também endossou as delegadas permanentes do país junto à Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) e à FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) —respectivamente, as diplomatas Paula Alves de Souza e Carla Barroso Carneiro.


A votação para todos os cargos foi unânime na Comissão de Relações Exteriores. Estão na pauta do colegiado nesta quarta as sabatinas dos indicados por Bolsonaro para as embaixadas do Brasil no Vietnã, na Guatemala, na África do Sul, na Costa Rica, no Líbano e na Tanzânia.


O movimento de tentar sustar a análise de nomeações do atual governo se deu em outros âmbitos, não só na diplomacia. Aliados de Lula e integrantes do Judiciário também tentaram adiar sabatinas de desembargadores indicados pelo presidente para duas vagas abertas no STJ (Superior Tribunal de Justiça), Messod Azulay Neto e Paulo Sérgio Domingues.


Havia a expectativa por parte de aliados de Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que figurou na lista quádrupla do STJ, de que Lula pudesse rever as indicações e apontar o nome do magistrado. A avaliação final, no entanto, foi a de que o movimento criaria mal-estar com a base de Bolsonaro no Senado, em um momento em que o governo eleito tenta aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição para pagar o Bolsa Família em 2023.


https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/11/pt-consegue-barrar-embaixadores-indicados-por-bolsonaro-para-argentina-italia-e-vaticano.shtml 

O BRICS, questão relevante na próxima diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Reproduzo, pois que considero o tema mais relevante da próxima política externa.

Paulo Roberto de Almeida, 23/11/2022

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

De volta à questão crucial do BRICS para a diplomacia brasileira- Paulo Roberto de Almeida 

 Um artigo que escrevi em junho último e que me parece ainda mais relevante depois da vitória de Lula em 30 de outubro. Tenho um livro sobre a Grande Miragem do BRICS no Kindle da Amazon:

ema

O Brics e o Brasil: quem comanda? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor (pralmeida@me.com)

Artigo para a revista Crusoé.  

 

A longa marcha do grande hegemon mundial

Em 1947, logo ao início da Guerra Fria, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta do país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos, não apenas no confronto com possível adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. Essa postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan (1949), a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD) nos anos 1950, a negociações de acordos de limitação de armas e limitadores da proliferação atômica (TNP, a partir de 1968), e até na implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Os Estados Unidos se encontravam então, nos anos 1990, no seu momento unipolar, o hegemonismo levado ao seu extremo, depois da queda do muro de Berlim, da dissolução da URSS em mais de uma dúzia de repúblicas independentes (algumas apenas formalmente) e em consequência da extraordinária demonstração de força foi a primeira guerra do Golfo, em 1991, a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Os americanos tinham obtido um feito extraordinário, no meio daquele longo percurso de supremacista geopolítico: separar a China da União Soviética em termos de um possível cenário estratégico de eventual confrontação global. A visita de Nixon a Mao e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança consolidaram um panorama de ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. Essa aquisição extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os EUA, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de postura motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passaram a encarar os Estados Unidos, não como uma aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica fixada num objetivo que pode ser classificado como demencial e impossível: conter a irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão, durante o século dos tratados desiguais (desde as guerras do ópio até a conquista do poder pelo PCC, em 1949). 

 

Uma nova longa marcha para o Império do Meio

Esse novo cenário pode ter atuado como motivação principal para que os novos imperadores da China decidissem pela sua incorporação ao exercício começado pouco antes pela Rússia e pelo Brasil no sentido de transformar um mero projeto de “carteira de negócios” de um banco de investimentos, um simples exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC, em um grupo diplomático. Deve ter sido, provavelmente, o primeiro grupo, ou bloco de países, que não nasceu em torno de um projeto deliberada e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos, com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles, mas que foi induzido externamente, com baseunicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram depois das simulações de crescimento rapidamente desenhadas pelo economista do Goldman Sachs). 

A China já representava, desde o início, mais da metade do peso total do BRIC, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo ela já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. Ela o fez, quase imediatamente após a conformação oficial do BRIC, na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009. Já animando uma reunião anual com países africanos desde alguns anos antes – pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente africano –, ela fez com que a África do Sul fosse admitida no bloco desde 2011, e foi assim que ele se converteu em Brics, preservando um acrônimo ainda significativo, mas integrando um país que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos. De certo modo, esse ingresso era aceitável para o Brasil, pois que a África do Sul já fazia parte do primeiro exercício brasileiro de “diplomacia de grupos” sob o lulopetismo: o IBAS, que desde 2003 já integrava a Índia.

A criação do New Development Bank e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, parecia sinalizar uma maior adequação do Brics aos seus objetivos originais, ou seja, a promoção do crescimento econômico, o reforço de mecanismos de cooperação recíproca voltados para a promoção dos intercâmbios comerciais e financeiros com vistas ao desenvolvimento dos cinco países e sua incorporação de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. Tudo isso começou a ser alterado no próprio ano de 2014, quando da violenta irrupção da Rússia de Putin na Ucrânia oriental e no sequestro e anexação da península da Crimeia à sua soberania. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do próprio direito internacional. 

A China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia, ao mesmo tempo em que desenvolvia novos caminhos para superar os obstáculos que o ainda insuperável hegemon mundial estava criando para conter sua ascensão agora inevitável. Este é o novo grande jogo estratégico na Ásia, de contornos ainda indefinidos, depois da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e de uma possível redefinição dos cenários estratégicos que serão traçados entre as potências ocidentais. 

 

A pequena marcha do Brasil no Brics

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante os recentes “projetos” de incorporação de novos membros ao Brics: Argentina, Irã e vários outros candidatos a um grupo que pode ir além do G7 (mas apenas em números). As propostas vêm sendo articuladas pela China, que convidou uma série de outros países, grandes e pequenos, à reunião virtual de cúpula de 2022. Nenhuma decisão será tomada de imediato, mas tal perspectiva permite retornar ao tema que mais importa para a China neste momento: como articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras dos Estados Unidos de contê-la em sua irresistível ascensão?

Este é o ponto fulcral dos objetivos chineses na atual conformação do Brics, que por acaso também podem contemplar os interesses russos no cenário pós-invasão da Ucrânia a mando de Putin: lograr escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais contra os países que contestam o hegemonismo americano e sua arrogância unilateral. Depois da anunciada “aliança sem limites” entre as duas potências autocráticas da Eurásia, o Brics passa a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. Depois de demonstrar sua total indiferença à anexação russa da Crimeia, a diplomacia brasileira continuará a demonstrar a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel que, claramente, afronta todos os valores e princípios pelos quais sempre se bateu sua política externa e que também afrontam diversas cláusulas constitucionais de relações internacionais? Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil, depois de ter patrocinado, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática que as modestas capacidades de projeção externa do país não estão em condições de controlar para objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e desenvolvimento social (que deveriam supostamente ser as molas básicas de suas iniciativas no campo da política externa).

O Brasil de Lula-Amorim e a Rússia de Putin-Lavrov deram a partida a um projeto, aceito imediatamente pela China e pela Índia, por razões próprias a cada um deles. A África do Sul entrou de arrastro, e não conta para outros objetivos que não os da China em relação ao continente africano. O que pretendia o Brasil no BRIC-Brics, na origem, e o que pode ele pretender agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil, talvez até pela própria Índia, num cenário que não tem muito a ver com a velha Guerra Fria, nem mesmo com alguma nova, qualquer que seja ela. questão de saber quem manda no Brics está posta: o Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 418828 junho 20224 p. 

 

Bolsonaro acelera nomeações, põe aliado para fiscalizar Lula - Felipe Frazão (Estadão)

 Bolsonaro acelera nomeações, põe aliado para fiscalizar Lula e dá consulado a auxiliar de Michelle

Decreto dá mandato a nomes da confiança do presidente em cargos estratégicos no futuro governo; ele também indica diretores para agências e diplomatas no exterior

Por Felipe Frazão

22/11/2022 | 05h00

BRASÍLIA - Isolado no Palácio do Planalto após a derrota eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) agiu para nomear aliados em cargos estratégicos do governo. Parte deles terá até mesmo poder de investigar a conduta do primeiro escalão durante o mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o caso do ministro da Secretaria de Governo, Célio Faria Junior, e do advogado João Henrique Nascimento de Freitas, chefe da Assessoria Especial de Bolsonaro, designados na sexta-feira para integrar por três anos a Comissão de Ética Pública da Presidência.

Os dois foram nomeados por decreto, a 44 dias de Bolsonaro deixar o Palácio do Planalto. Na prática, integrantes da Comissão de Ética podem apontar conflitos de interesse envolvendo ministros e até recomendar a exoneração de servidores por violação de conduta.

Na reta final do mandato, Bolsonaro descobriu um caminho para fustigar Lula. Ele também indicou diretores e ouvidores para agências reguladoras, além de diplomatas para embaixadas e consulados. Acelerou, por exemplo, a nomeação para o cargo de chefia das representações consulares em Londres, no Reino Unido, e em Orlando, nos Estados Unidos. Ambos são considerados importantes por integrantes da equipe de Lula.

O vice-consulado em Orlando, aberto por Bolsonaro em junho, foi entregue à conselheira Marcela Braga, assessora da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Marcela foi uma das diplomatas promovidas recentemente pela atual cúpula do Itamaraty, passando à frente de colegas mais experientes.

Gabinete do Ódio

Os decretos da Comissão de Ética Pública foram publicados há quatro dias no Diário Oficial da União. Servidor civil da Marinha, o economista Célio Faria Junior é um dos mais próximos auxiliares de Bolsonaro. Chefiou a Assessoria Especial e o gabinete do presidente no Planalto. É visto como um colaborador da ala ideológica conservadora, avesso à imprensa, e chegou a ser apontado como um dos integrantes do “gabinete do ódio”.

João Henrique Nascimento de Freitas, por sua vez, é ligado ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), com quem trabalhou por sete anos na Assembleia Legislativa do Rio. Foi alvo de investigação na denúncia sobre um esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual, revelado pelo Estadão. No governo, atuou como presidente da Comissão de Anistia e assessorou o vice-presidente Hamilton Mourão, inclusive com assento no Conselho Nacional da Amazônia.

A Comissão de Ética Pública pode ser uma pedra no sapato de qualquer governo. Em dezembro de 2011, por exemplo, no primeiro ano do mandato da então presidente Dilma Rousseff, o ministro do Trabalho Carlos Lupi pediu demissão após receber uma advertência do órgão por denúncias de cobrança de propina e irregularidades em convênios com ONGs. Lupi sempre negou as acusações.

Órgão consultivo

Criada durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, em 1999, a comissão é um órgão consultivo. Todos os atuais sete integrantes foram indicados por Bolsonaro. Compete ao colegiado zelar pela aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal, analisar casos de potencial conflito de interesses e desvios de ocupantes de cargos de confiança, inclusive durante as eleições. O grupo tem acesso a dados sigilosos de patrimônio dos integrantes do primeiro escalão do governo.

O colegiado também vai decidir se os ministros de Bolsonaro deverão cumprir quarentena por até seis meses antes de exercer outras atividades profissionais. No caso dos novos conselheiros, há pouco o que fazer, segundo integrantes do gabinete de transição. Nomeados por decreto, eles não passam pelo crivo do Congresso e só podem ser substituídos em caso de renúncia. O mandato é de três anos.

A lei determina que a comissão seja integrada por “brasileiros que preencham os requisitos de idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública”. Eles não recebem remuneração, uma vez que o trabalho é considerado como “prestação de relevante serviço público”.

Reformulação

No gabinete de transição, o grupo ligado aos órgãos de controle deve discutir uma reformulação da Comissão de Ética Pública. Há uma avaliação de que o colegiado perdeu protagonismo e não atuou em casos relevantes durante o mandato de Bolsonaro. A preocupação da equipe de Lula é a de que a comissão passe a “perseguir”, indo “da omissão ao excesso”.

Ontem, a comissão indicou haver conflito de interesses em consultas de ministros como Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência) e Daniel Duarte Ferreira (Desenvolvimento Regional), além do secretário do Tesouro, Esteves Colnago, do secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni e Silva, do diretor-presidente da Valec, André Kuhn, e da secretária de Articulação e Promoção da Ciência, Christiane Corrêa, braço direito do ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações e senador eleito por São Paulo, Marcos Pontes. Eles deverão cumprir a quarentena.

Além disso, o órgão optou por instauração de procedimento de apuração sobre o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, por denúncias de assédio sexual, e o assessor internacional da Presidência Filipe Martins, por suposto gesto racista. O ex-presidente da Fundação Cultural Palmares Sérgio Camargo, acusado de assédio moral e discriminação a religiões, recebeu censura ética.

Agências

Bolsonaro também enviou ao Senado para avaliação os nomes de sete diretores e cinco ouvidores de agências reguladoras. As indicações, fruto de apadrinhamento político, envolvem as cúpulas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Mineração (ANM), Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O Estadão apurou que, assim como fizeram com as indicações para as embaixadas, o PT avalia recorrer ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que segure a votação de indicados de Bolsonaro. Parte das sabatinas deve ocorrer amanhã, com nomes para Antaq, ANTT e ANPD.

Relações exteriores

O Senado convocou um esforço concentrado para avaliar indicações nesta semana. Na Comissão de Relações Exteriores (CRE) há 21 sabatinas pendentes, de diplomatas já indicados por Bolsonaro. Nove ainda não foram encaminhados à comissão, o que deixa o processo em suspenso.

O Estadão apurou com integrantes do gabinete de transição que há um acordo nos bastidores com o Senado e o Itamaraty para que as sabatinas sejam destravadas a partir de hoje, mas comecem por postos de menor expressão política como FAO, Unesco, Tunísia, Mauritânia, Guiné Equatorial, Sudão e Jordânia. Já embaixadas consideradas estratégicas, como Buenos Aires, Paris, Organização Mundial do Comércio (OMC), Roma e até Santa Sé, não devem ser votadas sem o aval de Lula.

“O governo possui legitimidade para indicar, é o que define a Constituição. Mas essa indicação deve observar o contexto, não é vale-tudo. Algumas, como as de embaixador, podem implicar altos custos para ajuste posterior. É importante priorizar a prudência e o diálogo”, disse o senador Jean Paul Prates (PT-RN), integrante do governo de transição.

Consulados

A chefia do consulado em Londres foi entregue por Bolsonaro ao embaixador João Alfredo dos Anjos Junior, atualmente assessor especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), comandada pelo almirante Flávio Rocha. Será o primeiro posto dele de chefia no exterior. Apesar de servir no Planalto, o embaixador não é visto como um bolsonarista. Durante a gestão do ex-ministro Ernesto Araújo, ele chefiou a Assessoria de Imprensa do Gabinete e foi subchefe da Assessoria de Relações Federativas e com o Congresso Nacional.

Diferentemente das missões diplomáticas permanentes, as chefias de repartições consulares podem ser definidas por decreto pelo presidente da República. No caso das embaixadas é necessário aval do Legislativo.

Além de Londres e Orlando, haverá mudanças em ao menos mais dois consulados imediatamente. O embaixador Francisco Carlos Soares Luz vai trocar de posto. Cônsul-geral em Lagos, na Nigéria, ele foi removido para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.

A troca na chefia do consulado-geral em Madri envolve uma colaboradora direta de Amorim. A embaixadora Gisela Padovan, ex-assessora do chanceler durante o governo Lula, foi removida para a Secretaria de Estado em Brasília. No lugar dela assumirá a embaixadora Vera Cíntia Álvarez, atualmente representante do Brasil na Guatemala.

Além do apreço de Amorim até hoje, Padovan traz no currículo a direção do Instituto Rio Branco, em 2018, e experiências pregressas em missões de prestígio na diplomacia, nas Nações Unidas, em Nova York, em Buenos Aires e Washington.

Como o Estadão mostrou, o PT agiu para evitar que o Senado aprovasse às pressas embaixadores escolhidos por Bolsonaro, cujas sabatinas estão pendentes. O PT quer embaixadores escolhidos por Lula na linha de frente e em cargos considerados estratégicos.

A transição envolve nomes da cúpula do Itamaraty, inclusive o futuro do chanceler Carlos França, que já conversou com o ex-ministro Celso Amorim, principal conselheiro de Lula para a política externa e mais longevo titular do ministério. Amorim indicou que a equipe petista avaliará os embaixadores caso a caso sem “espírito de perseguição”.

Do lado petista fala-se em boa disposição para diálogo. Auxiliares do chanceler afirmam reservadamente que o atual ministro havia sinalizado interesse em ser designado embaixador em Londres. O cargo, porém, pode ser endereçado a outro ex-titular das Relações Exteriores, o embaixador Antônio Patriota, atualmente no Cairo, Egito. Lula viajou ao país para participar da Cúpula do Clima (COP-27). Diplomatas dizem que, além de ter bagagem, Patriota está “no lugar certo, na hora certa”.

A Presidência da República e o Itamaraty não esclareceram se haverá mais substituições na rede consular. O Ministério das Relações Exteriores informou apenas que a nomeação é competência legal do presidente da República. Questionado o gabinete de Lula havia sido consultado, o Itamaraty disse que segue a legislação em vigor e que “está em contato constante com a equipe de transição sobre todos os assuntos pertinentes, com total transparência”. O Palácio do Planalto não se manifestou sobre os decretos de Bolsonaro.


https://www.estadao.com.br/politica/bolsonaro-acelera-nomeacoes-poe-aliado-para-fiscalizar-lula-e-da-consulado-a-auxiliar-de-michelle/ 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Ukraine Has a Secret Resistance Operating Behind Russian Lines - Norma Costello, Vera Mironova (Foreign Policy)

 Ukraine Has a Secret Resistance Operating Behind Russian Lines

Modern-day Ukrainian partisans are quietly working to undermine the occupation.

November 21, 2022, 10:10 AM 

By Norma Costello, a freelance journalist from Ireland, and Vera Mironova, a visiting fellow at Harvard University. 

 

KYIV, Ukraine—On a busy street in central Kyiv, a tall man in a black hoodie stands outside a cafe furiously puffing on a vape. The nondescript man in his mid-40s has never been interviewed before—and for a good reason. His official title, head of the Committee of Veterans, might sound like the role of a benign public servant, but Mykhailo—an alias chosen for the purposes of this article to protect his safety—is far removed from parades and ribbon pinning.

His job is to work with those who secretly fight for Ukraine behind enemy lines. Mykhailo is one of the main strategists and organizers of Ukraine’s partisans inside Russian-occupied territory. “If they kill me, there are many others who can take my place,” he said nonchalantly. “We’ve had to adapt and become more creative. They might be strong, but we use our minds.”

After Russia’s invasion of Ukraine on Feb. 24, dormant veteran’s associations became the lifeblood of the Ukrainian resistance inside occupied territory. Their networks relied heavily on dedicated volunteers who, according to Mykhailo, were in place months before Russia’s full-scale offensive in February. “We were saying back in 2014 that the Russians were not going to stop in those regions. So, in a way, the country was preparing,” he said. “Veterans from 2014 were part of this, and now almost all of them have returned back to the army. We were readying people in areas we knew would be hit early. Even in our schools, we were psychologically preparing our kids.”

Initially, politicians ignored the loud alarm raised by those inside Ukraine’s military and security services, preferring to take a wait-and-see approach to the impending Russian attacks.

After some successful lobbying by people like Mykhailo, however, the government in July 2021 passed the Law on the Fundamentals of National Resistance, which was designed to maximize the role of civilians in Ukrainian defense. It helped establish the territorial defense groups in neighborhoods and connect these citizen defense groups with Ukraine’s wider security and military apparatus. By this February, makeshift distribution centers were established for those who had not received weapons and training in order to allow civilians to defend their neighborhoods across the country.

Mykhailo said that for Ukrainians, after the initial shock of the attacks of Feb. 24, these local civil-defense networks began to connect with one another. “On the first day, people were shocked because there were rockets falling and their targeting was not precise, so everything was hit. After the first two days of shock, people realized we needed to resist. They started coming together in their groups,” he said.

Initially, organizers like Mykhailo, many of whom are military veterans with experience in the Donetsk and Luhansk regions and now work in collaboration with both Ukraine’s military and security service in Kyiv, began to focus on coordinating the flow of information. They were tasked with figuring out what was being attacked, where weapons were required, and how to get them there. In occupied places like Sumy and Kharkiv, where street fighting broke out with Russian forces, the defense networks relied mainly on former soldiers, who sometimes still bore injuries from their earlier service, to fight back. “These guys know how to use weapons, RPGs, things like that. They trained in the Soviet army, so they know the tactics of Russia. We made networks, connected people, but they often used their own circles separately. Entire families got involved,” Mykhailo said.

But the partisans did not merely consist of former soldiers. Mykhailo said civil servants, post office workers, and even hunters all played a crucial role in Ukraine’s partisan movement. “People who knew the forests wanted to help us. Some worked in forestry; others were catching poachers. Their territorial knowledge was unparalleled, so we worked with them to come up with new ways to find information on Russian movement and to see if our actions inside their area had been successful,” he said.

One striking anecdote involves Kaban, a hunting dog put to work for the national cause. When Russia started to attack Kyiv, the military started to realize it was in a very weak position, so it started utilizing natural resources. In Kyiv oblast, it started planning how to flood rivers in order to prevent Russians from building temporary bridges. On one occasion when it needed to raise the level of a river significantly, it hit a dam but had no way to check whether its attack had provided the desired results.

A local hunter offered up Kaban, who, equipped with a GoPro camera, traveled inside Russian-occupied territory to bring back valuable footage that was then sent via the clandestine partisan network to Kyiv. How did his owner manage to retrieve Kaban from enemy territory? “His owner whistled for him,” Mykhailo laughed. Through Kaban’s actions, Ukraine’s security services were able to confirm their mission was successful.

The partisans used any resources available to them in occupied territory. In one mission, weapons held by border guards were transported to designated areas where locals could collect them. Meanwhile, women who distributed Ukrainian pensions inside the occupied territories began to collect information on Russian movements. Even after pension money ran out, the women continued to travel house to house under the pretense of pension distribution.

“They were invaluable,” Mykhailo mused. Because these channels have been discovered by the Russians, Mykhailo speaks about them but says many new methods are being used every day. “So many of our partisans were killed or tortured, but they keep volunteering, grannies, sisters, and mothers,” he said.

Igor, a 46-year-old from recently liberated Kherson oblast, was part of Mykhailo’s partisan network until his work filming Russian movements led to a brief detention with the enemy—and ultimately a lucky escape. “I started filming the Russians and the movement of weapons on my phone. Finally they realized someone from my village was filming, so they closed the checkpoints and started to examine our phones. I deleted my pictures, but I didn’t delete the trash. When they checked, they found the photos and tried to take me away. A lot of people surrounded them, and some of my relatives gave them money and cigarettes,” he said.

For Igor, it took time to find a trusted network to send his videos to, but then as family members learned about his activities, they offered to help, including his beekeeping father.

“At the start, I didn’t know who to send coordinates to, so I sent them to the administration office of Mykolaiv oblast, but then I found a relative who fought in 2014, so he had a much better network. When they started to bomb Mykolaiv from Kherson, my father felt terrible and wanted to help too. He worked with bees, so he would send us coded messages about places we kept the bees and whether it was busy now, things like this. Locations only we knew. There was a time when we needed to get a view of areas next to the river—even the satellites couldn’t view this. We pretended to go fishing and were able to report back on the location,” he said.

On the planning level, Mykhailo works closely with Ukraine’s more conventional security service, the SBU, which works on counterinsurgency movements inside Ukraine. Those in the SBU are officially assigned by the Ukrainian government with the tasks of mapping out the Russian presence inside Ukraine, hunting for Russian spies in Ukraine’s own ranks, and putting together a picture of how their counterparts work inside Ukrainian territory. From locating a Russian arms cache inside Kyiv to discovering a Ukrainian cook who sold the coordinates and times of meals in a military barracks in Rivne for $300, Ukraine’s security services are constantly on the alert for Russian insurgents inside the country. “Sometimes they’ll do it for money, but it’s so small,” Olek, an SBU officer, told us in Kharkiv oblast while on an intelligence-gathering mission near the border with Russia.

“A lot of our people were arrested,” Mykhailo admits. “In some villages, Russians went house by house and they tortured people to try to get them to give up their networks. Sometimes they already had lists of veterans. In Kherson, they took databases of all government employees, especially anyone with a military pension.” When asked about Ukrainian mayors who said the partisans were capitulating to avoid civilian casualties, Mykhailo was firm: “They’re lying. That’s an FSB [Russian Federal Security Service] narrative.”

As the SBU and its intelligence officers begin counterinsurgency work in recently liberated Kherson, Mykhailo continues to work with partisans inside Russian-occupied territory. They constantly adapt their tactics to meet new challenges and exploit Russian weaknesses. “Putin clearly didn’t read his history books, or he would have learned about our partisans,” he said. “Stalin got to know them quite well.”


Norma Costello is a freelance journalist from Ireland. Twitter: @normcos

Vera Mironova is a visiting fellow at Harvard University. Twitter: @vera_mironov

 

 

Uma estratégia para as Américas - Marcos Magalhães (Metrópoles)

 Uma estratégia para as Américas (por Marcos Magalhães)

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança
Marcos Magalhães
Metrópoles, blog Guga Noblat, 22/11/2022

De volta do Egito, onde conquistou simpatias ao apresentar ao mundo uma nova versão do Brasil, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva tem pela frente as delicadas tarefas de compor o ministério e tecer a estratégia de inserção do país em um mundo em transformação.

A escalação dos colaboradores mais diretos vai esboçar a face da nova administração. Os sinais estarão claros nas indicações de nomes para pastas emblemáticas como Fazenda, Planejamento, Justiça, Relações Exteriores e Educação.

Ao público interno esses sinais dirão muito sobre as alianças preferenciais de Lula, as suas opções sobre política econômica, as suas apostas em áreas sensíveis como meio ambiente e os reposicionamentos que pretende promover em setores como educação e política externa.

Ao mesmo tempo que analisará cada detalhe desse processo de composição do governo que assume em primeiro de janeiro, um outro público – composto por observadores internacionais – também vai começar a coletar sinais de uma nova geopolítica.

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança nas negociações mundiais sobre o tema ambiental e, especialmente, sobre a questão climática. A viagem foi a mensagem.

A partir de agora, porém, cada movimento ou declaração de Lula será acompanhado em detalhes por analistas empenhados em decodificar as opções preferenciais da futura gestão em um conturbado cenário global.

É verdade que algumas das mais importantes opções estarão ligadas a temas como as negociações de um acordo com a União Europeia, a guerra na Ucrânia e o modelo das novas relações com dois importantes parceiros do Brics, a Rússia e a China.

Mas é aqui mesmo nas Américas que se encontram desafios e oportunidades capazes de moldar uma parte significativa da nova inserção do Brasil no mundo.

Entre os principais desafios estão as relações com dois vizinhos da América do Sul – Argentina e Venezuela. Entre as mais promissoras oportunidades, por outro lado, está a construção de uma parceria inovadora com os Estados Unidos de Joe Biden.

Tradicionalmente a política externa ocupa discreto espaço nas campanhas presidenciais brasileiras. Neste ano, porém, o atual presidente, Jair Bolsonaro, a inseriu em sua tentativa de disseminar temores sobre os efeitos de uma vitória nas urnas de seu oponente.

A Venezuela foi o bicho papão mais frequente. A volta ao poder de Lula, repetiu Bolsonaro ao longo de toda a campanha, poderia levar o Brasil a seguir o mesmo modelo autoritário de esquerda adotado por Nicolás Maduro. Um modelo, ressaltou o atual presidente, que levou centenas de milhares de venezuelanos a buscar a sobrevivência em países vizinhos.

Em sua versão 3.0, Lula terá a dupla oportunidade de marcar suas diferenças com o modelo venezuelano – do qual já foi bastante próximo – e de relançar seu papel de liderança regional ao estimular negociações já em andamento com a oposição que levem à realização de eleições livres e transparentes no país vizinho, preferencialmente antes da data prevista de 2024.

As deficiências democráticas na Venezuela não são novas. O pedido de ingresso do país no Mercosul, do qual está suspenso justamente por causa do autoritarismo, chegou a ser debatido durante um ano no Senado antes da concessão do aval brasileiro.

Como o próprio Lula se elegeu neste ano a bordo de uma ampla frente democrática, contra as tendências autoritárias da gestão Bolsonaro, a participação ativa em um esforço pela volta da democracia à Venezuela poderia reforçar seu papel moderador na região.

Sobre a Argentina, os fantasmas são outros: alta inflação e estagnação econômica. O atual presidente brasileiro recorreu várias vezes aos números do insucesso argentino para advertir os eleitores dos riscos para a economia de uma vitória da oposição no Brasil. Algo como o antigo Efeito Orloff: eu sou você amanhã.

A presença heterodoxa na equipe de transição instalada em Brasília serviu para estimular os temores disseminados durante a campanha eleitoral. A falta de uma política clara de responsabilidade fiscal, repetem os críticos, poderia levar à volta de índices inaceitáveis para a inflação.

As respostas a essas inquietações começarão a ser elaboradas a partir da indicação da futura equipe econômica, nas próximas semanas. Enquanto isso, no país vizinho, as autoridades tentam evitar que a inflação alcance os 100% anuais. Os brasileiros mais velhos lembram bem o que é isso.

Também aqui Lula tem a chance da renovação. Pode mostrar que é possível retomar o crescimento com baixa inflação, como já fez em seu primeiro mandato. E pode retomar em novas bases um projeto de integração regional largamente desprezado por Bolsonaro.

Rumo ao Norte neste que os norte-americanos gostam de definir como o Hemisfério Ocidental, restará definir o novo modelo das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Durante os dois primeiros anos do atual mandato, Bolsonaro tinha no então presidente Donald Trump não apenas um colega, mas um ídolo. Ou um modelo a ser seguido no Brasil, com todo seu conteúdo de arrogância, mentiras e enfrentamentos. A direita da direita.

Bolsonaro apostou em Trump até o fim, o que ajudou a tornar quase gélido o relacionamento bilateral após a vitória de Joe Biden. Agora, em Washington, assessores do atual presidente e acadêmicos ligados às questões políticas das Américas apostam em uma reaproximação.

E aqui residem, talvez, algumas das boas oportunidades que se podem oferecer ao novo governo brasileiro. Lula já teve um primeiro encontro no Egito com o representante de Washington para a questão climática, John Kerry.

O novo governo brasileiro tem sido visto pelos norte-americanos como parceiro preferencial na questão ambiental e na definição de novos modelos econômicos.

Como disse ao jornal O Globo a diretora para os Andes da ONG Escritório em Washington para a América Latina (WOLA), Gimena Sánchez-Garzoli, os Estados Unidos querem, junto ao Brasil de Lula, ser os líderes globais do meio ambiente. “Querem ser parceiros numa relação verde e numa economia verde”, definiu.

A oportunidade está ao alcance do futuro governo brasileiro.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.


Política externa e diplomacia brasileira a partir de 2023: o que esperar? - Paulo Roberto de Almeida (IDESF)

 Política externa e diplomacia brasileira a partir de 2023: o que esperar?  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para entrevista em programa do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), concedida em 22/11/2022. 

  

1. Depois de um período de política externa e diplomacia conservadoras (segundo análise de alguns especialistas) é possível prever qual será o tom deste novo governo e quais deverão ser as pautas prioritárias?

 

PRA: A prioridade das prioridades será a questão social – fome e miséria do povo brasileiro –, mas no plano externo figura a recuperação da credibilidade da política externa e da diplomacia, em especial no campo do meio ambiente, que é, basicamente, uma questão interna, mas com enorme repercussão internacional. É por aí que Lula dará início ao processo de reconstrução da imagem internacional do Brasil.

 

2. Em relação às fronteiras: na visão do Sr, quais são as nossas pautas mais problemáticas e as mais potenciais em termos de resoluções ou encaminhamentos?

 

PRA: As fronteiras são a interface mais relevante do nosso relacionamento com os vizinhos regionais, mas são também o fulcro dos maiores problemas, com todos os tipos de tráficos – drogas, armas, lavagem de dinheiro, várias outras variedades de criminalidade internacional – e necessidades de afirmação da presença do Estado e de construção de infraestrutura material e estatal para a afirmação da soberania e da legalidade nacional. A solução passa pelo estabelecimento de comissões mistas permanentes de fronteiras, com a participação de TODOS os órgãos atinentes aos diversos problemas: MRE, ministérios setoriais, aduanas, PF, FFAA, governos estaduais, representantes da Bacia do Prata e da OTCA, assim como autoridades dos municípios de fronteira. Em contato nacional com as autoridades centrais e os parlamentos nacionais, e em contato diplomático com as demais soberanias vizinhas, essas comissões devem registrar os problemas comuns aos países envolvidos, em cada trecho de fronteira, e reportar às autoridades as possíveis soluções a cada um dos problemas detectados, identificados, visando sua superação, ou pelo menos minimização. Jamais haverá um modelo uniforme para todas as fronteiras, daí a necessidade de atuar de modo descentralizado, mas coordenado, para mobilizar esforços nacionais que sejam combinados e convergentes com os parceiros fronteiriços.

 

3. Nessa fase de transição de governos, já há a especulação de nomes que podem compor ministérios. Na sua opinião, qual o perfil ideal de um Ministro de Relações Exteriores? 

 

PRA: De preferência, uma pessoa com dotes e capacidades adquiridos ao longo de experiências próprias a um perfil educado nas lides internacionais, não necessariamente um diplomata, e talvez não especialmente um profissional da diplomacia, para não incorrer nos vínculos corporativos restritos a certos grupos ou amizades pessoais. Deve conhecer o essencial da agenda internacional do Brasil – economia, política, segurança, cooperação externa, integração regional, questões humanitárias e ambientais – sem precisar ser um especialista em cada uma dessas matérias: os profissionais da diplomacia saberão processar as informações e oferecer subsídios para uma tomada de decisão compatível com os interesses nacionais. Finalmente, ser alguém da confiança do presidente, e que possa defender o Itamaraty de intrusões em suas áreas de responsabilidades.

 

4. Quais abordagens/estabelecimento de relações seriam primordiais ao Brasil pensando no contexto político e econômico atual no mundo.

 

PRA: A política externa brasileira – a despeito de alinhamentos episódicos por força de circunstâncias acima dos poderes de manobra do país – sempre foi universalista, ou seja, estabelecendo as bases de relacionamentos os mais amplos possíveis, sem pruridos políticos ou ideológicos, uma vez que o mundo tem todos os tipos de regimes e sistemas políticos. O multilateralismo é a plataforma natural de atuação da diplomacia, mas as relações bilaterais são essenciais para construir interfaces de relacionamentos que possam ser úteis para os diversos campos de desenvolvimento do país. Considero, pessoalmente, que a política do chamado Sul Global é de um determinismo geográfico inaceitável, e marcada por uma miopia irracional do ponto de vista do universalismo de nossas relações, justamente.

 

5. Em termos de Mercosul e América do Sul, acredita que o Brasil deve exercer uma liderança visto o cenário atual ou estabelecer uma convergência para um espaço econômico integrado?

 

PRA: Liderança é uma palavra tabu para os diplomatas, pois ela não se exerce unilateralmente, mas sim se estabelece a partir da postura dos demais vizinhos para com o Brasil, a partir de uma política externa regional justamente voltada para o desenvolvimento, a segurança, a paz e a defesa dos valores inscritos em nossa própria Constituição, que aliás estabelece a busca da integração regional. O Brasil, como país economicamente mais avançado na região, deve, sim, se abrir unilateralmente ao comércio com os países vizinhos, abrindo, assim, caminho para a constituição de um espaço econômico integrado à sua própria economia, sem necessidade absoluta de se exigir reciprocidade por essa abertura.

 

6. Poucos dias depois das eleições, a Alemanha e a Noruega anunciaram que vão retomar os repasses relacionados ao Fundo Amazônia. Em termos de relações exteriores e diplomacia, o que essa reativação (aceno) representa para o Brasil?

 

PRA: Um retorno a relações normais com países que se ofereceram voluntariamente para colaborar com projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia e com pesquisas úteis ao aproveitamento dos recursos naturais e à formação de capital humano nessas áreas.

 

7. Quais são os desafios do Brasil para os próximos anos em termos de política externa e relações internacionais?

 

PRA: Preservar sua autonomia de decisão em face de um possível recrudescimento de linhas de tensão entre grandes potências que se pensava superadas depois do final da Guerra Fria da era da bipolaridade. Nesse sentido, não considero que o grupo dos BRICS seja a melhor opção para a definição da postura diplomática brasileira em face desses novos desafios na agenda internacional, pois dois dos membros não são democracias, e um deles acaba de violar gravemente a Carta da ONU e os princípios mais elementares do Direito Internacional. Como dizia Rui Barbosa, não se pode ser neutro entre o crime e a Justiça.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4267: 13 novembro 2022, 4 p.


Uma Grande Estratégia para o Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

 Uma Grande Estratégia para o Brasil

Rubens Barbosa 

O Estado de S. Paulo, 22/11/2022

As circunstâncias conjunturais pelas quais o Brasil passa hoje fazem com que as atenções da opinião pública informada se concentrem no debate sobre economia, taxa de juro e inflação, orçamento, sobre redução do desemprego, da pobreza, da saúde no novo governo. O brasileiro menos favorecido quer saber como ganhar dinheiro para pagar a comida, o remédio, o transporte e sua roupa.

Nesse contexto, pouca gente está pensando o Brasil, como uma potência emergente, cada vez mais dividida e com um novo governo que terá grandes desafios para reafirmar a democracia e as instituições, em vista da previsível feroz oposição bolsonarista. Assuntos institucionais, como lugar do Brasil no mundo, Defesa e Segurança, o aperfeiçoamento dos meios de trabalho das FFAA para defender os interesses reais do país e superar as novas ameaças globais são tratados por restrito número de pessoas no governo, no meio acadêmico, no âmbito de instituições militares e (muito pouco) no Congresso. O Brasil não enfrenta ameaças de uma guerra convencional entre Estados, sendo efetiva a atuação das Forças Armadas em missões de paz, intervenções humanitárias, combate ao terrorismo, ao crime organizado, a segurança cibernética, GLO, ações cívicas e outras.

No Brasil, soberania, defesa, segurança são, normalmente, associados a questões de natureza militar, como ocorre, em linhas gerais, nos importantes documentos recentes sobre Estratégia Nacional e Política Nacional de Defesa. O conceito de Defesa deveria ser examinado de forma mais abrangente não limitado `as percepções militares, como ocorre nesses documentos, que discutem as concepções política e os objetivos da Defesa e estratégica e os fundamentos da Defesa. Ambos os documentos procuram responder aos desafios como hoje percebidos e o planejamento das prioridades para a Defesa. A vantagem de uma percepção mais ampla de defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, mas envolvendo outros atores, em diferentes setores da sociedade, responderia aos desafios da projeção do Brasil no contexto internacional, dentro das suas grandes dimensões estratégicas. E colocaria o país em melhor posição para a defesa de seus interesses no momento em que as transformações geopolíticas, de inovação e tecnologia e a nova ordem econômica, dão realce aos temas globais, como mudança do clima e a segurança alimentar.

Quando ministro da Defesa, Celso Amorim ressaltou que o Brasil deveria seguir o conceito de uma Grande Estratégia, baseado em uma coordenação de políticas de defesa e externa, com vistas `a defesa do interesse nacional e `a contribuição para a paz mundial. No contexto das limitadas discussões estratégicas, focadas sobretudo nos aspectos de soberania e defesa, está faltando um debate amplo, que deveria extrapolar o âmbito militar, sobre a formulação dessa Grande Estratégia, em que a política de defesa e a política externa sejam complementadas por anseios da sociedade civil e mais recentemente por demandas da comunidade internacional sobre segurança ambiental, energética, alimentar e outras áreas. A Constituição, que define os objetivos, princípios e direitos fundamentais, deveria ser a base para a definição da Grande Estratégia, levando em conta a geopolítica e as transformações por que passa o cenário internacional, em especial, na economia global, no meio ambiente, na tecnologia e na inovação e que reflita o Poder efetivo do país.

No âmbito do executivo, a elaboração da Grande Estratégia deveria ser responsabilidade do Conselho de Defesa Nacional (CDN), vinculado `a Presidência da República, com a participação de outros atores políticos,ministérios que tratam de temáticas interdependentes, como Relações Exteriores, Ciência Tecnologia e Inovações, Justiça e Segurança e Economia, assim como dos representantes do Congresso Nacional.  Instituições independentes, não pertencentes às corporações do Estado, serviriam para evitar possíveis omissões e distorções e contribuiriam para um maior apoio da sociedade às ações do Estado voltadas para a Defesa e Segurança. O documento definiria e priorizaria objetivos de longo prazo, levando em conta as condicionantes e necessidades derivadas de cenários e ameaças possíveis e de metas definidas para permitir o seu enfrentamento, bem como os recursos que o Estado estaria disposto a alocar ao longo do tempo para o alcance desses objetivos. Essas decisões de alto nível são essenciais para evitar alguns dos principais problemas da abordagem de baixo para cima que vem sendo usada.  A Grande Estratégia, política de Estado, cobriria um horizonte mais extenso (de 10 a 20 anos), como fez recentemente o Reino Unido, que, depois da saída da União Europeia, definiu seu lugar no mundo, dentro de uma ampla visão global ou a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, assinada pelo presidente Biden e recentemente divulgada.

Nesse contexto, o futuro governo, junto com o Congresso, a academia e “think tanks” especializados, poderia aproveitar o momento para propor uma Grande Estratégia para a segurança e a defesa dos interesses nacionais, de forma abrangente, a ser discutida, ampla e democraticamente, a partir de janeiro de 2023.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN)