O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Eugenio Gudin: O engenheiro que se tornou um dos maiores economistas do Brasil - Luiz Alberto Machado (Espaço Democrático)

 O engenheiro que se tornou um dos maiores economistas do Brasil

Luiz Alberto Machado faz um tributo a Eugênio Gudin no mês em que se lembra os 139 anos de seu nascimento

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Há 139 anos, no dia 12 de julho, nascia Eugênio Gudin, um engenheiro que se transformou num dos mais importantes economistas do Brasil.

Gudin cursou engenharia civil entre os anos de 1901 e 1905, na escola Politécnica do Rio de Janeiro, e foi como engenheiro que começou sua trajetória profissional na Light & Power Cia., em 1906.

Em sua experiência como engenheiro e executivo, Gudin foi conhecendo e se impacientando cada vez mais com a falta de senso econômico generalizado na forma de administrar os negócios, bem como uma notória falta de planejamento.

Nasceu daí seu interesse pelas Ciências Econômicas, que ele passou a estudar seriamente como autodidata já na década de 1920. Convencido da necessidade de estudar economia, Gudin dedicou-se a isso com o vigor e a dedicação que o caracterizaram por toda a vida.

No livro Eugênio Gudin – Inventário de flores e espinhos (Curitiba, PR: Editora Insight, 2012), os autores Márcio Scalercio e Rodrigo de Almeida afirmam: “O primeiro livro que leu com atenção sobre o assunto intitulava-se The meaning of Money, de Hartley Withers, que foi durante alguns anos editor da revista inglesa The Economist. Logo em seguida, atacou os clássicos com Adam Smith e David Ricardo. Submergiu na leitura de Alfred Marshall, voltando à tona saboreando artigos e revistas de economistas ingleses, americanos e as obras de John Stuart Mill. Apaixonou-se também pelos trabalhos do economista sueco Johan Knut Wicksell. Quando já idoso, gostava de dizer que: “Se eu não estivesse aqui preso com essa bengala, eu me levantaria, porque não se pronuncia o nome de Wicksell sentado”.

Um fator que fez com que o interesse de Gudin pela economia se tornasse cada vez maior e mais conhecido foi decorrência da amizade que ele teve com Assis Chateaubriand durante o período que viveu em Recife. Em 1924, aceitou o convite do amigo para escrever artigos sobre economia em O Jornal, periódico carioca que Chateaubriand acabara de adquirir. Iniciou-se assim outra faceta de sua trajetória profissional, que o acompanhou pelo resto de sua vida. Depois de escrever para diversos órgãos da imprensa, foi como articulista de O Globo que encerrou essa atividade, tendo seu último artigo publicado no dia 6 de março de 1986, poucos meses antes de completar 100 anos.

Como economista relevante na área pública, limito-me a citar apenas duas das contribuições de Gudin. Em 1944, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional realizada em Bretton Woods, nos Estados Unidos, na qual foi decidida a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

Nos sete meses em que atuou como ministro da Fazenda do governo Café Filho, entre setembro de 1954 e abril de 1955, promoveu uma política de estabilização econômica de caráter liberal, baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no País, e que seria amplamente usada no governo de Juscelino Kubitschek.

A par de sua importância em funções públicas de relevo, Gudin contribuiu também para o aperfeiçoamento do estudo de economia no Brasil. Em 1937, integrou o grupo que formou a Sociedade Brasileira de Economia, entidade que tinha por propósito maior influir em prol da criação de uma escola para o ensino das ciências econômicas na capital da República. No ano seguinte, foi fundada a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, cujo primeiro diretor foi Temístocles Brandão Cavalcanti. Gudin, então, apresentou sua candidatura para o concurso da cátedra de Moeda e Crédito. Foi aprovado, iniciando assim sua carreira de professor universitário. Anos mais tarde, a faculdade foi incorporada à Universidade do Brasil – depois Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1941, enviou um documento ao ministro da Educação, Gustavo Capanema, com um projeto de Programa de Curso Superior de Ciências Econômicas, organizado em colaboração com o professor Maurice Byé e com Octávio Gouvêa de Bulhões. Em 1944, Gustavo Capanema designou Gudin para redigir o projeto de lei que institucionalizou o curso de economia no Brasil.

Quem acompanhou a evolução dos programas dos cursos de Ciências Econômicas no Brasil reconhece nesse projeto a base da grade curricular que prevaleceu até a reforma curricular decorrente do Parecer nº 375/84 e da Resolução Nº 11, de 26/6/84 do Conselho Federal de Educação, que estabeleceu o Novo Currículo Mínimo de Ciências Econômicas adotado em todos os cursos do Brasil a partir de 1985 e que sofreu pequenas alterações em 1997, quando foram definidas as atuais Diretrizes Curriculares.

Gudin tem ainda duas outras contribuições relevantes para o ensino de economia no Brasil. Uma delas aparece na forma de livro. Princípios de Economia Monetária, em dois volumes, de sua autoria (Rio de Janeiro: Agir, 1974), constituiu-se por longo período na bibliografia básica da disciplina Moeda e Crédito, depois chamada de Moedas e Bancos e, posteriormente, Economia Monetária. Outra contribuição significativa decorre de seus vínculos com a Fundação Getúlio Vargas, que foi criada em 1944. Gudin tomou a iniciativa de tentar convencer seu primeiro presidente, Luiz Simões Lopes, a patrocinar a formação de um núcleo de economia na nova instituição. Foi o passo inicial para a gloriosa trajetória da Escola de Economia e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que vêm formando gerações de bons economistas e prestando relevantes serviços na área da pesquisa econômica no Brasil.

Não gostaria de concluir este artigo sem mencionar dois episódios em que estive pessoalmente envolvido e que, além de me aproximarem de Eugênio Gudin, serviram para ratificar sua importância.

Na década de 1970, os estudantes da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Administrativas da Universidade Mackenzie decidiram alterar o nome de seu diretório acadêmico, que até então se chamava Diretório Acadêmico Economia e Administração Mackenzie. Após alguma discussão, em que diversos nomes foram cogitados, a escolha recaiu sobre Eugênio Gudin, de tal forma que passaria a se chamar Diretório Acadêmico Eugênio Gudin, denominação que permanece até os dias de hoje.

Para celebrar o fato, os estudantes resolveram promover uma aula magna com a presença do novo patrono de seu Diretório Acadêmico. Data definida e convite aceito, os integrantes do D. A. decidiram convidar para moderar a palestra o mais conhecido comentarista econômico da época, o jornalista Joelmir Betting, com o qual eu costumava me encontrar nas manhãs de domingo, nos rachas do Esporte Clube Pinheiros − Joelmir jogando vôlei e eu basquete. Fui incumbido, por essa razão, de fazer o convite.

No primeiro contato, Joelmir Betting respondeu que tinha disponibilidade na data e que sua presença implicaria no pagamento de um determinado cachê. Em contato pessoal, expliquei que o evento tinha como principal nome o de Eugênio Gudin, que aceitara participar sem cobrar nada. Ao saber que Eugênio Gudin estaria presente, Joelmir Betting prontamente alterou sua resposta, dizendo que seria um prazer e uma honra participar de um evento com o velho economista.

O outro episódio ocorreu em 2001, ano em que se comemorava o cinquentenário da regulamentação da profissão de economista. A Lei nº 1.411, que dispõe sobre a profissão de economista, foi sancionada pelo presidente da República no dia 13 de agosto de 1951.

Para celebrar a passagem da data, o Conselho Regional de Economia de São Paulo, então presidido por mim, decidiu escolher os dez maiores economistas dos primeiros 50 anos da profissão de economista no Brasil. A escolha ocorreu por meio de votação à qual estavam habilitados todos os economistas inscritos na entidade. Eugênio Gudin foi o economista mais velho a ser eleito. Os outros foram (em ordem alfabética): Affonso Celso Pastore, Antônio Delfim Netto, Armínio Fraga, Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Mário Henrique Simonsen, Octávio Gouvêa de Bulhões, Paul Singer e Roberto Campos.

Encerro com a convicção de que Eugênio Gudin, falecido aos 100 anos em 24 de outubro de 1986, viveu intensamente, desfrutando de suas grandes paixões: o Brasil − “sempre fui chifrado, corneado por uma mulher chamada Brasil” −, o Rio de Janeiro, a França e, particularmente Paris, a família, os vinhos, as mulheres e as flores.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Tarifa de 50% contra o Brasil. Risco e oportunidade - Sergio Florencio (interesse Nacional)

Artigo primoroso do amigo e colega diplomata Sergio Florencio, não apenas sobre a violência do tarifaço político do sociopata Trump, mas também sobre a burrice renitente do protecionismo brasileiro, que prejudica a própria economia e todo o povo. PRA


Tarifa de 50% contra o Brasil. Risco e oportunidade

Sergio Florencio

Portal Interesse Nacional, 15/07/2025

 

Os efeitos previsíveis da tarifa norte-americana de 50% sobre a importação de produtos brasileiros combinam risco econômico e oportunidade política.  O risco tende a ser forte contração de nossas exportações para um mercado que absorve cerca de 12% do total, com forte valor agregado. A oportunidade, para o atual governo, tende a ser o visível desgaste do bolsonarismo, resultante do vínculo entre a campanha destinada a obter apoio de Trump para a anistia do ex-presidente e a imposição da sobretaxa. Essa vantagem política foi magnificada por declarações de partidários do ex-presidente de apoio à decisão de Trump. A política externa passa agora a ditar uma agenda doméstica muito polarizada e já mobilizada pelo pleito de 2026, com um presidente em declínio de popularidade, mas beneficiado por inflexão a seu favor. Quais desdobramentos para o país poderá ter aquela combinação de risco e oportunidade?

Algumas considerações de ordem geral podem ajudar a esclarecer consequências específicas. A política tarifária de Trump tem três digitais – irracionalidade econômica, auto destrutividade geopolítica e imprevisibilidade. A economia é conhecida como a ciência da escassez. Mas hoje ocorre um fenômeno raro de abundância – a esmagadora maioria dos economistas, em diversos países e de diversas colorações, condenam ao fracasso a atual política de Trump. O principal argumento é o anacronismo de utilizar, no século XXI, o instrumento tarifário protecionista responsável pela recessão dos anos 1930.

A geopolítica de Trump consiste no afastamento deliberado de aliados tradicionais – Canadá, México, União Europeia - e aproximação com um dos principais adversários - a Rússia, aliada da China. A outra digital – imprevisibilidade - fica estampada na relação de Trump com Putin – há seis meses considerado um gênio e hoje, um imbecil.

Esse padrão errático se reflete em outras contundentes mudanças. A OTAN, criticada e marginalizada, há poucos dias se transformou em aliada; a abandonada Ucrânia, com o presidente ridicularizado por Trump, conta hoje com apoio político e recebe equipamentos de defesa antiaérea e inteligência de última geração. Essa frequente mudança de rumos teve uma exceção – a aliança incondicional com Israel e Netanyahu. De fato, as três guerras por ele criadas, para sua sobrevivência política – Hamas, Hezbollah e Irã –  contaram com o beneplácito e até coordenação de Trump. Esse, para evitar protagonismo ainda maior de Netanyahu, se antecipou e lançou inédito e poderoso ataque direto contra a instalação nuclear de Fordow.

O caráter imprevisível da tarifa de 50% para produtos brasileiros está ligado às sucessivas indefinições de Trump nessa área. Entretanto, algumas mudanças - mais previsíveis- poderão resultar das eleições, em 2026, de meio de mandato, para renovar um terço do Senado e a Câmara inteira. Outro fator de alteração poderá ter sua origem em decisões judiciais, oriundas da Corte Suprema, contrárias a medidas do Executivo.

​A tarifa de 50% contra o Brasil – caso mantida – deverá reprimir o mercado de maior valor agregado para nossas exportações – aço, aeronaves. As contrapropostas a serem apresentadas pelo Brasil para reduzir aquela tarifa deverão consistir em maior abertura de setores de nossa economia. Assim, o efeito negativo na balança comercial poderá ter contrapartida positiva, em termos de política econômica, ao promover alguma abertura -sem dúvida limitada -  para a 11a maior economia, mas também uma das mais fechadas do mundo. Isso é visível em nossa relação comércio exterior/PIB, em torno de 24%, equivalente à metade da vigente nos vizinhos, e inferior à maioria das economias emergentes. Num prematuro clima eleitoral, o governo certamente será refratário a qualquer abertura e buscará preservar a política de compadrio - benefícios aos setores econômicos privilegiados por proteção tarifária, subsídios e isenções fiscais. Nesse ambiente, reforma só poderá mesmo vir de fora. E virá, por imposição econômica externa, e não por opção política.

​A política econômica do segundo mandato de Trump poderá ter outra influência importante para a economia brasileira, ligada ao fluxo de investimento estrangeiro, à valorização do Real, à taxa de inflação e à taxa de juros.  Sua reeleição gerou expectativas de continuidade do excepcionalismo americano - desregulamentação, crescimento econômico, elevada atração de investimentos estrangeiros. Isso resultou em aumento de 20% nas Bolsas de Valores nos dois últimos anos, que atingiram o recorde de US$ 52 trilhões. Mas a política tarifária de Trump frustrou essas expectativas e os investimentos migraram para as economias emergentes, o que resultou em valorização das bolsas de valores em diversas partes do mundo, inclusive na América Latina – Chile, Colômbia, México e Brasil. A forte entrada de investimento estrangeiro em nosso país elevou a taxa de crescimento, valorizou o Real, e contribuiu para baixa inflação.

​Assim, os bons resultados da economia brasileira no último ano – 3,4% de crescimento, 5% de desemprego e inflação no teto da meta - foram muito mais obra da chamada rotação de carteira (mudança de destino de investimentos, derivada da obsessão tarifária de Trump), do que da política econômica brasileira. Mas esse fenômeno não é sustentável e o bônus terminará este ano, o que vai resultar em queda no investimento, com impacto negativo sobre os demais indicadores.

Para compensar esse ciclo descendente, o governo precisará fazer o que até agora se negou – controle do déficit público. Sem agenda fiscal de maior contenção de gastos, a relação dívida/PIB continuará a preocupante trajetória de acelerado crescimento, o que resultou na altíssima taxa de juros real de 10%. Vale lembrar que, de 1999 a 2003, o país produziu superavit primário anual de 3% a 4% do PIB, mas de 2013 a 2024, a relação dívida/PIB saltou de 50% para 82%. Esse cenário macroeconômico leva muitos analistas a estimar que a economia não aguenta mais dois anos de taxa de juros real situada entre 8% e 10%. Empresas de maior porte, com acesso ao mercado de capitais poderão sobreviver, mas muitas das médias e pequenas deverão desaparecer, e provocar forte crise econômica. Nesse sentido, o próximo governo eleito em 2026, independente da coloração política, será forçado a fazer o que até agora adiou - reforma fiscal com clara contenção de gastos.  

Em síntese, uma avaliação dos efeitos da irracionalidade econômica de Trump sobre o Brasil revela dois momentos bem distintos. Um primeiro, em que a frustração de expectativas nos EUA gerou migração de investimentos para as economias emergentes, o que produziu bons indicadores em 2025. Um segundo momento, em que a tarifa norte-americana de 50% sobre produtos brasileiros – caso mantida- deverá deprimir nossas exportações, com efeitos imediatos negativos. Entretanto, na negociação para reduzir a tarifa, o Brasil será forçado a efetuar alguma abertura de mercado, o que poderá trazer resultados positivos para uma das economias mais fechadas do mundo, com elevada proteção tarifária, não tarifária, subsídios e isenções fiscais.  No atual cenário eleitoral prematuro, é evidente que o governo não caminharia, por vontade própria, na direção de reduzir privilégios para setores econômicos. Mas deverá ser obrigado a fazê-lo no processo de negociação destinado a reduzir a absurda tarifa de 50% imposta pelo governo Trump. A absoluta irracionalidade lá poderá produzir alguma racionalidade cá.

Brasília, 15 de julho de 2025

Sergio Florencio

A guerra tarifária dos EUA contra o Brasil e seus prolongamentos políticos: abrem-se os primeiros tiros... - Paulo Roberto de Almeida

 A guerra tarifária dos EUA contra o Brasil e seus prolongamentos políticos: abrem-se os primeiros tiros...

Um drama bilateral Brasil-EUA que pode virar uma longa novela de retaliações recíprocas durante algum tempo, com prejuízos econômicos reais para cada um dos países, por dois dramalhões incendiados por personalidades autocentradas, Trump e Lula.
O presidente Lula acaba de fazer, em cadeia nacional de rádio e TV, um pronunciamento bastante contundente sobre a crise com os EUA, envolvendo a família Bolsonaro (sem o dizer) e atuando de modo bastante agressivo em relação ao presidente Trump, ele mesmo um presidente contundente e ultra agressivo, e que iniciou uma guerra verbal contra o Brasil que ainda vai render várias semanas de tiroteio dos dois lados.
O discurso foi basicamente dirigido ao público interno brasileiro, assim como Trump sempre atua direcionando suas palavras ao seu público interno, e nisso ambos presidentes são relativamente simétricos.
Ou seja, uma grave questão diplomática, para o Brasil – dada a desproporção de "armas" de cada um dos lados – vem sendo usada com subterfúgios cruzados dos dois lados: a busca de uma punição ao Brics, do lado americano, a defesa da soberania brasileira com respeito ao processo judicial em curso contra os golpistas do 8 de janeiro de 2023 (e Lula ainda reverberou o caso do 6 de janeiro de 2020, no caso americano, que possui certa simetria com o nosso caso: dois presidentes perdedores que tentam se manter no poder).
O assunto vai render matéria nos principais jornais durante as próximas semanas, disputando espaço com a guerra em Gaza, na Ucrânia e outras tragédias ao redor do mundo...
Paulo Roberto de Almeida

Um debate sobre o BRICS, antes do BRICS+ (2022) - Paulo Roberto de Almeida

Um debate sobre o BRICS, antes do BRICS+ (2022)

Paulo Roberto de Almeida

4189. “O futuro do grupo BRICS”, Brasília, 30 junho 2022, 9 p. Texto conceitual sobre os caminhos enviesados do BRICS pós-guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, e reflexivo sobre as ordens alternativas no campo econômico e político. Elaborado a propósito de webinar promovido pelo IRICE (embaixador Rubens Barbosa) sobre “O futuro do grupo Brics” (30/06/2022), na companhia do presidente do NDB, Marcos Troyjo, e da representante da Secretaria de Comércio Exterior do Itamaraty, Ana Maria Bierrenbach. Postado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/o-futuro-do-grupo-brics-ensaio-por.html). Vídeo do evento disponível no canal do IRICE no YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=9Q9l8i4gyX4 ).

Relação de Publicados n. 1464.


Pouco antes eu havia publicado este meu livro: A Grande Ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (2022).

Paulo Roberto de Almeida

Índice
Prefácio: Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo
1. O papel dos Brics na economia mundial
2. A fascinação exercida pelo Brics nos meios acadêmicos
3. Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil
4. A democracia nos Brics
5. Sobre a morte do G8 e a ascensão do Brics
6. O Bric e a substituição de hegemonias
7. Os Brics na crise econômica mundial de 2008-2009
8. O futuro econômico do Brics e dos Brics
9. O Brasil no Brics: a dialética de uma ambição
10. O lugar dos Brics na agenda externa do Brasil
11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria
Posfácio: O Brics depois da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia
Indicações bibliográficas



Está na hora de o Brasil sair do BRICS?; Is it time for Brazil to leave the BRICS? - Frlipe Krause

Is it time for Brazil to leave the BRICS?

Felipe Krause (Oxford University)

https://lnkd.in/enrBjK8G

That’s the question I explore in my op-ed published today in O Globo. While my answer is essentially yes — the costs of remaining in the bloc increasingly outweigh the benefits — I believe this is a debate worth having, and one that goes to the heart of Brazil’s foreign policy priorities today.

BRICS was once a symbol of a new multipolar world, but it has become an incoherent and increasingly dysfunctional group, dominated by China’s geopolitical agenda and exploited by Russia to project its narrative on Ukraine and escape isolation. Brazil, in turn, has little to show for its continued participation, other than diplomatic friction with key Western partners.

This is not about ideology, but about pragmatism. Brazil can sustain strong economic ties with China and constructive relations with the Global South without being tethered to a bloc that has lost strategic coherence and meaning.

I would be very interested to hear different perspectives on this topic. The article (in Portuguese) is available here:

https://lnkd.in/enrBjK8

Está na hora de o Brasil sair do BRICS?

Frlipe Krause, Oxford University

Essa é a pergunta que exploro em artigo publicado hoje n’O Globo. Embora minha resposta seja, em essência, afirmativa — os custos de permanecer no bloco passaram a superar os benefícios — acredito que esse é um debate necessário e que toca no centro das prioridades da política externa brasileira hoje.

O BRICS foi, no início, um símbolo de um mundo multipolar emergente, mas se tornou um grupo incoerente e cada vez mais disfuncional, dominado pela agenda geopolítica da China e instrumentalizado pela Rússia para projetar sua narrativa sobre a guerra na Ucrânia e escapar do isolamento. O Brasil, por sua vez, pouco tem a ganhar com essa participação, além de gerar atrito diplomático com parceiros ocidentais centrais.

Não se trata de ideologia, mas de pragmatismo. O Brasil pode manter laços econômicos sólidos com a China e um diálogo produtivo com o Sul Global sem estar vinculado a um bloco que perdeu coerência e sentido estratégico.

Gostaria muito de ouvir diferentes pontos de vista sobre esse tema. O artigo está disponível aqui:

https://lnkd.in/enrBjK8G  

===========

Comments:

This discussion is not only timely, but necessary. Brazilian society is, perhaps belatedly, being directly confronted with the costs of a choice - whether unfairly, or not. And regardless of how we evaluate the results of those decisions, it is crucial to discuss if the method in this decision-making is still adequate, having passed a quarter of this century. We do need this academic engagement for an increasingly more evidence-based agenda.

Congrats for the article!

Essa discussão não é só oportuna, como necessária. A sociedade brasileira está, talvez com certo atraso, sendo diretamente confrontada com os custos (injustos ou não) de uma escolha. E independente de nossas avaliações sobre os resultados dessas decisões, é crucial discutirmos se o método que utilizamos para tomar essas decisões ainda é adequado, já passado 1/4 desse século. Precisamos desse engajamento acadêmico para uma agenda cada vez mais baseada em evidências.

Parabéns pelo artigo! (Rafa Paulino)

—————//

Ulf Thoene:

Many thanks for sharing, Felipe. Now, with a bit of distance from the Rio summit, a clearer picture is starting to emerge of where individual BRICS member states stand. The Brazilian perspective is relevant and insightful for other states in Latin America as well. I did a quick write-up on the most recent BRICS Summit in Rio for The Conversation en español, published on July 7th. 

https://theconversation.com/cumbre-2025-los-brics-abrazan-el-multilateralismo-y-piden-reformas-en-las-organizaciones-globales-260573

——

Sergio Silva:

"Gostemos ou não, a diferença do Brasil para todos os demais países do Brics é que somos a única nação Brics sob a área de influência geopolítica direta dos Estados Unidos. No mesmo continente....

Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/opiniao/os-eua-sempre-se-meteram-no-brasil-e-o-crucial-nunca-foi-a-soberania/)

———-

Paulo R Almeida:

 O atual assessor internacional da PR, quando chanceler, nunca perdoou-me por ter colocado em dúvida a criação do então BRIC tão cedo quanto 2006, e sabotou consistentemente minha carreira diplomática durante todo o reinado lulopetista: não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado entre 2003 e 2016, permanecendo a maior parte do tempo na Biblioteca do Itamaraty. Nunca me dobrei à fantasia do Bric-Brics, agora Brcs+, como provam meus artigos reunidos no livro “A Grande Ilusão do Brics e o Universo Paralelo da Diplomacia Brasileira” (2022). Paulo Roberto de Almeida, diplomata aposentado.

——- 




quarta-feira, 16 de julho de 2025

O lado “bom” do tarifaço de Trump - José Fucs

 *O lado bom do tarifaço e das investigações de Trump contra o Brasil*

José Fucs, jornalista

16/07/2025

Pensei, pensei e cheguei à conclusão de que, apesar dos efeitos nocivos no curto prazo para o Brasil e os brasileiros, que serão pesados, o tarifaço e as investigações de Trump contra as práticas comerciais do País, têm um lado positivo. Entenda por quê:

- Trazem para o debate as tarifas escandalosas e as barreiras não tarifárias impostas sobre os produtos americanos (e de outros países);

- Podem levar a uma maior abertura econômica do País, um dos mais fechados do mundo, com a redução de tarifas alfandegárias e outras barreiras que encarecem a importação de bens e serviços e limitam a concorrência, em prejuízo do consumidor;

-  Escancaram a política antiamericana praticada por Lula e Amorim e defendida pelo PT e por seus aliados;

- Reforçam a discussão sobre o alinhamento geopolítico do Brasil com a China e o Eixo do Mal pelo atual governo e sua tentativa de impulsionar o famigerado bloco do Sul Global, em detrimento da ligação histórica do País com o Ocidente, em especial com os Estados Unidos;

- Revelam a estupidez da proposta de "desdolarização" feita por Lula no âmbito do Brics;

-  Jogam os holofotes sobre as práticas autoritárias e a censura promovidas pelo STF, que colocam em risco a democracia no País, com apoio nada discreto de Lula, do PT e de seus parceiros; 

- Dão dimensão global aos questionamentos sobre o tal "inquérito do fim do mundo" e a perseguição aos desafetos políticos do consórcio Lula/STF/PGR;

- Colocam em xeque a legitimidade dos processos contra Bolsonaro e os atos de 8/1, bem como a narrativa imposta pelo consórcio Lula/STF/PGR a respeito dos acontecimentos.

Podem me chamar de "bolsonarista", "traidor da pátria", "judeu apátrida" e "sionista". Podem colocar os influencers do PT no meu cangote e me ameaçar de degredo e de perda de cidadania. Mas, na minha visão, não dá para negar que tudo isso representa uma contribuição e tanto para o debate sobre os rumos do País e o Brasil que queremos construir. Não é pouca coisa.

terça-feira, 15 de julho de 2025

USTR Announces Initiation of Section 301 Investigation of Brazil’s Unfair Trading Practices

 Os EUA iniciam uma investigação contra práticas desleais de comércio por parte do Brasil ao abrigo da temida seção 301 da Lei de Comércio de 1974, fazendo uma assemblagem de reclamações de diferente natureza (tarifas, concorrência desleal, infrações à propriedade intelectual de empresas americanas, acesso do etanol americano ao mercado brasileiro e várias outras), o que pode resuktar em novas medidas punitivas, com grande potencial de prejuizos comerciais e politicos ao Brasil. A investigação será unilateral, com base na legislação e medidas retorcivas americanas, sem a participação da OMC.


USTR Announces Initiation of Section 301 Investigation of Brazil’s Unfair Trading Practices

July 15, 2025


WASHINGTON — Today, the Office of the United States Trade Representative initiated an investigation of Brazil under Section 301 of the Trade Act of 1974. The investigation will seek to determine whether acts, policies, and practices of the Government of Brazil related to digital trade and electronic payment services; unfair, preferential tariffs; anti-corruption interference; intellectual property protection; ethanol market access; and illegal deforestation are unreasonable or discriminatory and burden or restrict U.S. commerce.


“At President Trump’s direction, I am launching a Section 301 investigation into Brazil’s attacks on American social media companies as well as other unfair trading practices that harm American companies, workers, farmers, and technology innovators,” said Ambassador Greer. “USTR has detailed Brazil’s unfair trade practices that restrict the ability of U.S. exporters to access its market for decades in the annual National Trade Estimate (NTE) Report. After consulting with other government agencies, cleared advisers, and Congress, I have determined that Brazil’s tariff and non-tariff barriers merit a thorough investigation, and potentially, responsive action."


Background


Section 301 of the Trade Act of 1974, as amended, (Trade Act) is designed to address unfair foreign practices affecting U.S. commerce. Section 301 may be used to respond to unjustifiable, unreasonable, or discriminatory foreign government practices that burden or restrict U.S. commerce. Under Section 302(b) of the Trade Act, the Trade Representative may self-initiate an investigation under Section 301.


A Section 301(b) investigation examines whether the acts, policies, or practices are unreasonable or discriminatory and burden or restrict U.S. commerce. Considering the specific direction of the President, and the advice of the inter-agency Section 301 Committee, the United States Trade Representative has initiated an investigation. The U.S. Trade Representative must seek consultations with the foreign government whose acts, policies, or practices are under investigation.  USTR has requested consultations with Brazil in connection with the investigation. USTR will hold a hearing in connection with this investigation on September 3, 2025. To be assured of consideration, interested persons should submit written comments, requests to appear at the hearing, along with a summary of the testimony, by August 18, 2025. USTR will hold a hearing in connection with this investigation on September 3, 2025.


As set out in the Federal Register notice, the investigation relates to a number of trading practices, including:


Digital trade and electronic payment services: Brazil may undermine the competitiveness of U.S. companies engaged in these sectors, for example, by retaliating against them for failing to censor political speech or restricting their ability to provide services in the country;

Unfair, preferential tariffs: Brazil accords lower, preferential tariff rates to the exports of certain globally competitive trade partners, thereby disadvantaging U.S. exports;

Anti-corruption enforcement: Brazil’s failure to enforce anti-corruption and transparency measures raises concerns in relation to norms relating to fighting bribery and corruption;

Intellectual property protection: Brazil apparently denies adequate and effective protection and enforcement of intellectual property rights, harming American workers whose livelihoods are tied to America’s innovation- and creativity-driven sectors;

Ethanol: Brazil has walked away from its willingness to provide virtually duty-free treatment for U.S. ethanol and instead now applies a substantially higher tariff on U.S. ethanol exports; and

Illegal deforestation: Brazil appears to be failing to effectively enforce laws and regulations designed to stop illegal deforestation, thereby undermining the competitiveness of U.S. producers of timber and agricultural products.

A copy of the Federal Register Notice is available here.


A docket for comments regarding the investigation will be available here.


A docket for requests to appear at the public hearing to be held in connection with this investigation will be available here.

Notas sobre a Ucrânia no âmbito do Itamaraty (2006-2025) - Levantamente na Base de Dados do Itamaraty

 Notas sobre a Ucrânia no âmbito do Itamaraty (2006-2025)

Levantamento efetuado em 15/07/2025 por Paulo Roberto de Almeida
Base de Dados de Notas de Informação à Imprensa no Itamaraty

Ucrânia (de 2006 a 2025)
1208 Resultados em todo o GOV.BR Ministério das Relações Exteriores
Notícias (499) Todos (1208) Filtrar


1) Escalada do conflito na Ucrânia15/07/2025
2) Declaração à imprensa do presidente Lula por ocasião da visita do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto09/07/2025 - Declaração à imprensa lida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião da visita do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, a Brasília, em 9 de julho de 2025
3) Declaração conjunta por ocasião da visita de Estado do Primeiro-Ministro da Índia ao Brasil08/07/2025
4) Entrevista coletiva do presidente Lula no encerramento da cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro07/07/2025 - Transcrição da entrevista coletiva com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encerramento da cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2025
5) Declaração de Líderes do BRICS — Rio de Janeiro, 06 de julho de 202506/07/2025
6) Discurso do presidente Lula na sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global do BRICS06/07/2025 - Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global, no Rio de Janeiro, em 6 de julho de 2025
7) Discurso do presidente Lula na Sessão Ampliada da Cúpula do G7, no Canadá - 17/6/202517/06/2025 - Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a primeira intervenção na Sessão Ampliada da Cúpula do G7, sobre segurança energética e minerais críticos, em Kananaskis, no Canadá, em 17 de junho de 2025.

(...)

495) Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião de encontro com a primeira-ministra da Ucrânia, Yulia Tymoshenko – Kiev, 2 de dezembro de 200902/12/2009
496) Declaração seguida de entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em conjunto com o Presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko - Kiev, 02/12/200902/12/2009
497) Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião de Fórum Empresarial com a participação dos Presidentes do Brasil e da Ucrânia – Kiev, 2 de dezembro de 200902/12/2009
498) Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com o Presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko - Kiev, 02/12/200902/12/2009
499) Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na saída do Hotel Villa Itália, em Cascais, antes do embarque para a Ucrânia - Cascais, 01/12/200901/12/2009
500) Transcrição da Audiência Pública com o Ministro Celso Amorim na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal sobre as relações Brasil - Bolívia – Brasília, 9 de maio de 200609/05/2006

Íntegra da relação disponível na plataforma Academia.edu
Link: https://www.academia.edu/142908159/Notas_sobre_a_Ucr%C3%A2nia_no_ambito_do_Itamaraty_2006_2025_

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade - Paulo Roberto de Almeida

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade

1) O governo Netanyahu promove Genocídio na Faixa de Gaza, e  como tal deve ser punido, ele e seus auxiliares diretos;

2) Trump é um presidente desequilibrado; deveria ser deposto pelo Senado e levado ao Sanatório numa camisa de força, pois prejudica seriamente o seu país e o resto do mundo;

3) Putin é um psicopata militarista, à altura de um Hitler, e como não pode ser deposto pelo povo russo, como Hitler não o foi pelo povo alemão, tem de ser contido militarmente pelas potências democráticas, como Hitler não o foi em 1938, e aí tiveram de amargar 5 anos de guerra global e dezenas de milhões de mortos para derrotar um tirano que poderia ter sido obstado no momento crucial; esse momento já chegou no caso de Putin e as nações democráticas ainda não se decidiram a respeito, por covardia, como em 1938;

4) O Brasil não deve e não pode ceder à chantagem de Trump, no caso das tarifas vs anulação do processo contra os golpistas, e deve aguentar as duras consequências que podem vir em seguida. Não se pode transigir com princípios, mesmo ao custo de perdas imensas (que sempre são reparáveis). Não deveria, do seu lado, fazer bravatas, apenas seguir a Constituição e o Direito Internacional;

5) Bolsonaro, seus familiares e os sequazes na chantagem mafiosa de Trump são até indignos de serem chamados apenas de “traidores da pátria”; são seres abjetos ao convívio nacional, e suas ações devem ser enquadradas nos delitos pertinentes e serem condenados por golpismo e grave atentado à nação, com vários anos de prisão fechada;

6) Os idiotas que apoiam todos esses psicopatas políticos — Netanyahu, Putin, Trump, Bolsonaro — e mafiosos associados poderiam ser convidados a um curso de reeducação política, eventualmente sancionados, se insistirem em quebrar a legalidade democrática, como medida corretiva similar a uma condenação afeta aos pequenos crimes não intencionais.

Defensores das liberdades democráticas devem sempre atuar com base no Direito e na Moral, o que se aplica exatamente à postura de Lula com respeito aos casos similares da Palestina e da Ucrânia, frente aos quais ele adota posições opostas.

Como diria Popper, não se pode ser tomerante com os intolerantes, sob risco de sucumbir ao desastre e à desonra.

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 15/07/2025


O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações Paulo Roberto de Almeida

O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações

Paulo Roberto de Almeida

        Existem momentos, na vida de uma nação, em que importantes escolhas da vida nacional passam a ser determinadas não por decisões puramente internas, soberanas, mas por fatores externos, independentemente da vontade própria, nacional, determinada pelos detentores do poder, ou influências poderosas na vida nacional (partidos no governo, lideranças econômica e políticas, a própria pressão da opinião pública, que é geralmente provinda da classe média). Isso distingue grandes potências (que podem impor um custo a desafiadores externos) de médias ou pequenas potências, que sofrem pressão externa (até mesmo guerras ou retaliações econômicas) e que devem, portanto, fazer escolhas de menor custo relativo.
        Esta é a posição do Brasil, atualmente: entre as preferências políticas dos dirigentes nacionais e as pressões externas, estas podem se revelar mais poderosas, o que obriga o poder nacional a adotar posturas que não seriam as suas normalmente, mas que eles precisam provisoriamente, ou a contragosto, acatar. Isso muda o próprio perfil econômico, político, social, cultural, que uma nação passa a aceitar, e incorporar nos seus "costumes".
        O Brasil, no quadro conflitivo atual do mundo, terá de fazer escolhas, e não é propriamente o Brasil inteiro, mas as forças que determinam a sua direção atual.
Não se trata apenas de Lula ou Bolsonaro, Trump ou Putin, de Rússia ou Ucrânia, de Mercosul ou sozinho, de direita ou esquerda, de liberal ou protecionista, mas TUDO ISSO JUNTO, que é o que se coloca ao Brasil atualmente, e imediatamente (ou pelo menos no futuro de breve prazo).
        Se não fizer nada, o Brasil sofrerá as consequências, o mesmo ocorrendo se fizer uma escolha, ela terá inevitavelmente custos.
        Quais são eles? Diversos, variados, alguns imprevisíveis, talvez dolorosos, mas eles serão impostos pela realidade, não pela vontade exclusiva dos dirigentes atuais ou de seus opositores.
        Num momento destes, afloram os estadistas, ou NÃO, se eles simplesmente não existem: seremos carregados pelo caudal de eventos, muitos dos quais eu retirei da leitura da imprensa corrente sobre nossas interfaces externas, como abaixo.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 15/07/2025


Algumas notícias glanadas nos boletins disponíveis:

Política Externa Brasileira
Atualização diária ⋅ 15 de julho de 2025
NOTÍCIAS

Brasil e potências médias têm o desafio de manter o não-alinhamento para reconstruir o ... - The Conversation
No caso específico do Brasil, há ainda um objetivo adicional e inequívoco: aumentar os custos de uma política externa orientada por uma estratégia de ...

Tarifar é intervenção externa? Não, mas pode ser o começo - Gazeta do Povo
Os chineses têm uma influência inédita na história do Brasil. Antes, apenas uma fração de influência comercial e política; a partir do último governo ...

Defenda o Brasil do PT ou de Trump: guerra de comunicação influenciará eleições de 2026 - Gazeta do Povo
... brasileira. “Lula retoma a iniciativa política com um discurso ... política externa do governo brasileiro. Em seu terceiro mandato, Lula ...

Líder do PT pede suspensão de passaporte diplomático de Eduardo e inclusão de ... - O Globo
... exterior, obstrução da justiça e articulação internacional contra o Estado de Direito". ... política externa brasileira e exigiu, em nota pública, que ...

"Brasil se tornou o maior adversário dos EUA", afirma ex-juiz federal em análise sobre crise ... - Folha BV
... política externa brasileira. O ex-juiz foi categórico ao apontar que “nenhum outro país do mundo é tão adversário aos Estados Unidos quanto o Brasil ...

Entenda o que é a Lei da Reciprocidade e como pode ser aplicada aos EUA | CNN Brasil

Brasil decide apoiar ação da África do Sul contra Israel na Corte de Haia, diz jornal InfoMoney

Chanceler orienta embaixadora após repreensão a representante dos EUA - Portal Tela
O governo brasileiro, sob a liderança do chanceler Mauro Vieira, tem intensificado sua postura em relação à política externa dos Estados Unidos, ...

Camila Camargo Dantas | Quando a diplomacia assume o leme
Poder360
O Brasil tem peso político, mas precisa adotar uma postura estratégica diante do novo realismo comercial.

Brics entre a ambiguidade e a consolidação - Outras Palavras
Uma das causas parece ser a ambiguidade crescente da política externa brasileira e a percepção geral de que a prioridade do país está no G20. A ...

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Livro: Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Ateliê de Humanidades)

Um livro quase pronto, sendo ultimado para publicação:


Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

(Ateliê de Humanidades)

Índice

1. Prefácio

2. Uma história intelectual: paralelas que se cruzam
1. Uma nota pessoal sobre minhas afinidades eletivas
2. Por que uma história intelectual paralela?
3. Por que vidas paralelas numa história intelectual?
4. Quão “paralelos” são Rubens Ricupero e Celso Lafer?
5. A importância de Ricupero e de Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. O sentido ético de uma vida dedicada à construção do Brasil

3. Rubens Ricupero: um projeto para o Brasil no mundo
1. Do Brás italiano para o Rio de Janeiro cosmopolita
2. Um começo desconcertante na vida diplomática
3. Uma carreira progressivamente ascendente, pela via amazônica
4. Afinidades eletivas com base no estudo do Brasil e no conhecimento do mundo
5. Professor de diplomatas e de universitários, no Instituto Rio Branco e na UnB
6. O assessor internacional e o Diário de Bordo da viagem de Tancredo Neves
7. O Brasil no sistema multilateral de comércio
8. O mais importante plano de estabilização da história econômica brasileira
9. Unctad: a batalha pela redução das desigualdades globais
10. Um pensador internacionalista, o George Kennan brasileiro
11. A figura incontornável de Rio Branco, o paradigma da ação diplomática
12. Brasil: um futuro pior que o passado?
13. O Brasil foi construído pela sua diplomacia? De certo modo, sim
14. Quais as grandes leituras de Rubens Ricupero?

4. Celso Lafer: um dos pais fundadores das relações internacionais no Brasil
1. A abertura de asas de um intelectual promissor
2. A tese de Cornell sobre o Plano de Metas de JK
3. Irredutível liberal: ensaios e desafios
4. As relações econômicas internacionais: reciprocidade de interesses
5. A trajetória de Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. Direitos humanos: a dimensão moral do trabalho intelectual
7. Um diálogo permanente com Hannah Arendt
8. Norberto Bobbio: afinidades eletivas com o sábio italiano
9. A aventura da revista Política Externa e seu papel no cenário editorial
10. A diplomacia na prática: a primeira experiência na chancelaria, 1992
11. A diplomacia na prática: a segunda experiência na chancelaria, 2001-2002
12. No templo dos imortais: um “intelectual militante” e um “observador participante”
13. O judaísmo laico de Lafer e a unidade espiritual do mundo de Zweig
14. Uma coletânea dos mais importantes artigos num amplo espectro intelectual

5. Paralelas convergentes: considerações finais

Produção relevante dos personagens, bibliografia geral e nota sobre o autor, e seus livros principais.

JK: Meu caminho para Brasília: os três volumes da autobiografia de Juscelino Kubitschek disponíveis na Editora do Senado

JK: Meu caminho para Brasília
Kubitschek, Juscelino, 1902-1976
Publicador : Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial
Data de publicação : 2020
Descrição física : 3 v. : il., fotos.
Série : Edições do Senado Federal ; v. 201A-201-C
Conteúdo : v. I. A experiência da humildade -- v. II. A escalada política -- v. III. 50 anos em 5.
Assuntos : Kubitschek, Juscelino, 1902-1976, biografia | Chefe de Estado, Brasil | Política e governo, Brasil, 1945-1963 | Quarta República (1945-1964), Brasil
Cobertura geográfica : Brasília (DF), construção | Brasília (DF), história
Responsabilidade : Juscelino Kubitschek
ISBN : 9788570185433 (v.I) | 9788570185440 (v.II) | 9788570185457 (v.III)

Endereço para citar este documento : https://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/576817
Direitos autorais : Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Brazil
Referência sobre direitos autorais : http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/
Notas:
Possui índice onomástico.
Mostrar registro completo

https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/576817

Três impérios, três destinos - Paulo Roberto de Almeida

Três impérios, três destinos

Existem hoje, temporariamente, três impérios e meio no mundo.

O império chinês é guiado pela racionalidade instrumental dos mandarins tecnocráticos do PCC. 

O império russo é dominado pela obsessão expansionista de Putin. 

O império americano está sendo diminuído pela ignorância avassaladora de Trump.

Isso explica as trajetórias diferentes de cada um deles: sucesso sustentável no primeiro caso; impasses e disfunções no segundo caso, podendo levar a uma profunda crise estrutural da Rússia; aceleração do declinio no terceiro caso, mas que atinge não só os EUA, mas o mundo todo, dada a magnitude do ainda hegemônico império americano. 

De certa forma, o mundo econômico é uma vitima da extrema ignorância de um déspota eleito democraticamente.

O mundo político e geopolítico está sendo abalado pelo expansionismo obsessivo de um ditador totalitário.

O fabuloso Império do Meio do passado, que atraía comerciantes e aventureiros europeus da primeira globalização, a dos “descobrimentos”, está sendo pacientemente reconstruído pelos novos mandarins do PCC.

Em volta desses três impérios, e do meio império da UE, que não possui comando unificado no plano econômico ou militar, gira o destino de potências médias, como Índia e Brasil, assim como o de todos os demais países com alguma importância econômica ou política no mundo atual. 

Alguns destes são guiados por estadistas inteligentes e racionais; outros, infelizmente, o são por lideres impulsivos ou mal assessorados, que reagem de forma tão irracional quanto o atual candidato a déspota dos EUA; de certa forma, este último está facilitando o itinerário bem sucedido do primeiro império.

CQD!

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 14/07/2025


JOSE DE SOUZA MARTINS: Um sociólogo em busca de contradições - Pablo Nogueira (Jornal da Unesp)

 

JOSE DE SOUZA MARTINS:

Um sociólogo em busca de contradições

Agraciado como Personalidade Acadêmica no próximo prêmio Jabuti Acadêmico, José de Souza Martins discute, em entrevista ao Jornal da Unesp, as linhas que orientam sua extensa produção no campo da Sociologia e a persistência da escravidão na sociedade brasileira

Jornal da Unesp, 12/072025


No último dia 23 de junho, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou o sociólogo José de Souza Martins como Personalidade Acadêmica da segunda edição do Prêmio Jabuti Acadêmico. Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Martins é autor de uma vasta e diversificada obra que compreende mais de 40 livros e capítulos publicados no Brasil e no exterior.

Três desses livros foram vencedores do prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas: Subúrbio (Editora Unesp), A Chegada do estranho (Hucitec Editora) e A aparição do demônio na fábrica (Editora 34). Curador do prêmio Jabuti Acadêmico e ex-reitor da Unicamp, Marcelo Knobel afirmou que a indicação é “um reconhecimento justo para quem tanto se dedicou e contribuiu para estudar a sociedade contemporânea brasileira”. 

Seu último livro, publicado pela Editora Unesp, Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista, analisa o fenômeno da servidão contemporânea e sua importância dentro do sistema de produção capitalista, um tema ao qual o pesquisador dedicou boa parte de sua trajetória profissional. Durante 12 anos (1996 a 2007), Martins atuou como representante das Américas na Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão. Em 2002 coordenou voluntariamente uma comissão da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça que elaborou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Escravo.

Nesta entrevista para o Jornal da Unesp, Martins discute as linhas de pesquisa que têm orientado sua extensa produção acadêmica, que ele descreve como “conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica”, além de analisar algumas das causas da persistência da escravidão na sociedade brasileira.

***

O senhor recebeu o prêmio Personalidade Acadêmica no Prêmio Jabuti Acadêmico 2025 pelo conjunto da sua obra. Seus livros abordam uma diversidade grande de temas, como questões agrárias, imigração italiana, linchamentos no Brasil, escravidão moderna, história de São Paulo, entre outros. Existe um eixo principal que orientou esse seu percurso intelectual? 

José de Souza Martins: Existe um eixo, mas não apenas um eixo. Um eixo principal que vai do meu livro A Imigração e a Crise do Brasil Agrário, que é sobre a imigração italiana, mas que na verdade discute a formação do capitalismo no Brasil. 

O capitalismo no Brasil não é uma cópia do capitalismo de outros países. Fernando Henrique Cardoso, que foi meu professor, já havia chamado a atenção para isso na tese de doutorado dele Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, e eu continuei investigando o tema. Contudo, à medida que a pesquisa andava, eu notei que haviam temas correlacionados mais abertos, que pediam uma investigação adicional. Então eu fui ampliando a pesquisa até esse livro mais recente, que é o Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista, publicado pela Editora Unesp, em que praticamente eu fecho essa linha de análise da realidade brasileira. 

Durante esses meus estudos sempre surgem temas paralelos. Por exemplo, eu estava no campo durante pesquisa na região amazônica e começaram a surgir informações paralelas à pesquisa sobre linchamentos na região. Houve um episódio famoso em Matupá (MT), nos anos 90, quando dois ladrões assaltaram um banco numa pequena localidade do estado e foram bestialmente linchados e queimados vivos pela população local, tudo isso transmitido pela televisão. Então eu comecei uma linha adicional de pesquisa sobre linchamentos que durou 20 anos e resultou no meu livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil

Ou seja, são temas correlatos, eles não estão separados. Ao mesmo tempo, eu desenvolvi uma linha de trabalho, também paralela, sobre Francisca Julia da Silva, uma grande poetisa paulista, que se matou em 1920. Apesar de ser uma poetisa conservadora, ela era uma romântica, e ainda assim acabou se tornando uma espécie de musa dos modernistas. Este é o tipo de contradição que me interessa. Minhas pesquisas todas estão baseadas nessas contradições, seja em que plano for. Essa é minha tese: o Brasil é uma sociedade do avesso. Isso aparece em alguns autores, como Guimarães Rosa e Walnice Galvão, e aparece também nos movimentos sociais. Minha obra é um conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica e de explicação do que é o Brasil.

O que você quer dizer com o Brasil, um país do avesso?

José de Souza Martins: A dinâmica do Brasil é uma dinâmica oculta. Não é o que sai no jornal. Não é o que sai nas análises políticas. Nós estamos de cabeça para baixo. Tudo funciona do avesso. Nessa dinâmica, existe um protagonismo histórico das populações simples, dos desvalidos, dos marginalizados, dos excluídos. Eles fazem história indiretamente. Um dos meus livros, A sociabilidade do Homem Simples, é sobre isso. A Guerra de Canudos foi marcada por esse protagonismo do homem simples e a Guerra do Contestado também. Esse inclusive é o tema do meu próximo livro, que está quase pronto, pela Editora Unesp.

Nós não nos explicamos pelo modelo europeu de história. Nós somos a anti-história. Nós somos a margem do mundo. Então nós nunca temos uma consciência política verdadeira, nunca sabemos exatamente o que está acontecendo, mas achamos que sabemos. Somos um país anômalo e anômico, ou seja, aquilo que funciona com regras invertidas. Essa realidade que nós estamos vivendo hoje no Brasil atualmente é escandalosamente isso. O avesso marginalizado não protagoniza as decisões da história do país. É claro que para poder entender isso que eu estou tentando dizer tem que ler os livros. 

O seu livro mais recente tem como título Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista. O que é essa sociedade pós-escravista, exatamente, e por que a gente vê a perseverança da escravidão no Brasil ainda nos dias de hoje?

José de Souza Martins: Porque nós não somos um país civilizado. Nós não somos um país capitalista. A gente acha que é, mas na verdade não somos. Nós temos um capitalismo que nunca chegou lá, nunca concluiu, nunca se fechou. É um capitalismo periférico, subdesenvolvido, que usa recursos pré-capitalistas para fazer acumulação de capital. É um capitalismo que depende, por exemplo, de grilagem de terra e de especulação imobiliária.

Nós nunca chegamos a ser aquilo que foi o capitalismo inglês, o capitalismo alemão, o capitalismo francês, o capitalismo norte-americano. Nós somos sempre um aquém. Nós não chegamos lá.

Nós temos escravidão até hoje no Brasil. Há uns três ou quatro anos tinha um sujeito vendendo dois escravos na feira do Pari, aqui na cidade de São Paulo. Isso é algo atual. Isso não é uma aberração. É uma contradição. Nós estamos vivendo um período pós-escravista legal aqui no Brasil. Estamos longe de 1888 e no entanto a escravidão ainda se reproduz. 

E por que o Brasil não se percebe do avesso? O Brasil se percebe uma grande economia capitalista, tanto que esses episódios que o senhor citou costumam causar reações de espanto na sociedade.

José de Souza Martins: Porque as sociedades contemporâneas dependem de alienação para existirem. Você tem que acreditar que a sociedade é uma coisa que de fato ela não é. Isso ocorre também nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França. É a chamada alienação. E nós temos a nossa alienação. Nós achamos que somos o país mais interessante do mundo, ou o “país do futuro”, como disse o escritor Stefan Zweig. Nós não somos o Brasil do futuro, infelizmente. Nós não somos sequer o país do presente. Nós estamos sempre por chegar lá, mas a gente nunca chega. 

O pós-escravismo é isso: um capitalismo que não depende de criatividade empresarial e industrial. Ele depende de especulação financeira, da renda da terra, da especulação imobiliária, depende de grilagem de terra. Atualmente, nós temos no Brasil quase 30 milhões de hectares de grandes empreendimentos agrários em terras griladas. Terras que foram obtidas de forma criminosa. No fim das contas, o crime é que governa o Brasil. 

Nós vimos nos últimos dez ou vinte anos a sociedade brasileira dar uma forte guinada para a direita, se tornando mais conservadora. Isso foi visto por muitas pessoas como uma surpresa e surgiram várias tentativas para explicar essa guinada. Uma dessas explicações é internacionalista, e entende essa mudança como algo que ocorre em outros lugares do mundo e relacionado às novas tecnologias. Existe uma forma de entender esse movimento com base na própria história do país?

José de Souza Martins: Sim. Nós nunca fomos um país de esquerda e a nossa esquerda sempre foi fragmentada, de classe média. Esse é um grande problema. Nós não temos uma esquerda operária clássica no Brasil. Existe o movimento de São Bernardo do Campo, mas não temos uma esquerda consolidada como você tem na Itália ou na França, por exemplo. Então, quando as contradições se agudizam, como se agudizaram nos últimos vinte ou trinta anos, é claro que vem para fora esse lado oculto. A ditadura militar nunca terminou no Brasil, esse é o primeiro detalhe. Essa gente que está aí, estava conspirando já antes da ditadura militar acabar. Bolsonaro é filho da ditadura e foi criado para cumprir o papel dele: desmantelar o sistema democrático no Brasil.

Nós temos uma ilusão que somos de esquerda. Na verdade, nós queremos ser de esquerda, mas não sabemos ser de esquerda. Somos um país que temos marxistas que nunca leram a obra de Karl Marx, que é complicadíssima. O pensamento de Marx é um pensamento científico. O capitalismo não é para ser contra, é para ser superado. Você constroi alternativas ao capitalismo em cima da práxis política. A práxis é a contradição de repetição e inovação. 

Os movimentos populares que poderiam ser a expressão de uma inovação na práxis política são subestimados e combatidos, ao invés de serem devidamente interpretados. A universidade tem uma responsabilidade nisso. Ela tem que se ajustar e interpretar a realidade como ela é. Isso depende de método científico. Isso não depende de ideologia política. 

Na imagem acima: sociólogo José de Souza Martins (Crédito: Marcos Santos/USP Imagens)