domingo, 24 de agosto de 2025

Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia - Rodrigo da Silva (O Estado de S. Paulo) ; Introdução de Paulo Roberto de Almeida

Uma introdução necessária a esta boa matéria sobre a derrota da Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia.

Paulo Roberto de Almeida

Estatisticas do CDS ucraniano são bastante confiáveis: costumam colocar perdas russas na faixa de 1000 baixas por dia. Economistas dos anos 1950 costumavam falar de “unlimited supply of labor” no caso de paises pobres com altas taxas de fertilidadece de natalidade. A Rússia tem algo semelhante no caso das muitas regiões pobres da sua grande, imensa federação: jovens paupérrimos são comprados para morrer na guerra, literalmente; as famílias aceitam pois isso lhes dá um alívio financeiro inesperado.

Mas a Russia vai sair dessa guerra ainda mais depauperada economicamente e drenada demograficamente. A Ucrânia destruída materialmente e também drenada demograficamente.

Ou seja, Putin destruiu dois países, incluindo o seu próprio, para NADA!

Quem ganhou? Os produtores e mercadores de armas mais ima vez!

Quem perdeu mais? Os paises pobres, mais uma vez, que também perdem com a hostilidade insana entre China e EUA, por culpa dos EUA, um hegemon que não reconhece o seu declínio inevitável, por fatores puramente internos, nada a ver com atos predatórios da China, que simplesmente faz o seu dever de casa (que é tirar o seu próprio povo da miséria, algo que o Brasil tampouco faz, por cegueira de suas oligarquias).

Tragédia humana e mundial trazida por um reles tirano megalomaníaco.

PRA, vamos à matéria agora!

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Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia

Rodrigo da Silva

O Estado de S. Paulo, 22/08/2025 

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa.

A guerra na Ucrânia é a maior guerra na Europa desde 1945.

A linha de frente do conflito se estende por mais de mil quilômetros, atravessando campos, cidades e áreas industriais – algo sem paralelo no continente desde a 2ª Guerra Mundial.

Só a Rússia já mobilizou mais de 1,5 milhão de soldados. A Ucrânia colocou outros 700 mil em diferentes funções militares.

Não há nada tão violento na Europa nos últimos 80 anos de história. E nada traduz melhor essa violência do que as estatísticas das mortes.

É verdade que a Rússia mantém em segredo os números oficiais de baixas militares no conflito – desde setembro de 2022, o Kremlin não atualiza o seu balanço. Mas as melhores estimativas nos revelam perdas extraordinariamente altas. Até o último mês de junho, pelo menos 250 mil soldados russos morreram na guerra. Os russos registraram 1 milhão de baixas.

O número de militares russos mortos em pouco mais de três anos de conflito é cinco vezes maior que a soma das mortes combinadas da Rússia e da União Soviética em todas as guerras que o país travou entre 1945 e 2022.

Só para colocar em perspectiva: os Estados Unidos perderam pouco mais de 58 mil soldados nos 8 anos da Guerra no Vietnã. A cada ano, a Rússia tem perdido um Vietnã na Ucrânia.

Na verdade, mais do que isso: em míseros 3 anos, morreram mais russos na Ucrânia do que americanos em todas as guerras que os Estados Unidos lutaram desde 1945.

Durante os 10 anos da guerra do Afeganistão, a União Soviética perdeu 15 mil soldados. A Rússia perde isso hoje em um mês de combate na Ucrânia. Com uma diferença considerável: Moscou suportou 15 mil mortos no Afeganistão, sofrendo uma pressão política que tornou o conflito bastante impopular na Rússia. Hoje, o Kremlin lida com o desafio de transportar dezenas de milhares de mortos em muito menos tempo.

O dinheiro, claro, ajuda. Hoje, uma família de um soldado russo morto pode receber, de uma vez, até 14 milhões de rublos em benefícios sociais, o equivalente a R$ 800 mil.

É certamente um dinheiro bem alto para o padrão de vida russo (8 vezes o salário médio anual do país). Só em 2024 o Kremlin destinou o equivalente a US$ 15 bilhões para pagar compensações de morte e invalidez pela guerra – 6% de todo o orçamento federal anual.

E esse buraco não parece ter fim. No ritmo atual, 440 russos estão morrendo todos os dias na Ucrânia.

E não são só os mortos que retornam em caixões: soldados com membros amputados e ferimentos graves também estão voltando para casa, provocando um aumento bem acentuado na produção de próteses na Rússia.

A indústria da morte agradece. Dados do Ministério do Trabalho da Rússia revelam que Moscou subsidiou o fornecimento de 152 mil próteses em 2024, um aumento de 53% em relação a 2023 – quando 99 mil braços e pernas artificiais foram distribuídos –, outro aumento frente às 64 mil próteses de 2022, quando a guerra começou.

Empresas de caixões também relatam crescimento nos negócios. Só nos primeiros quatro meses desse ano, as funerárias russas faturaram quase 40 bilhões de rublos (cerca de R$ 2 bilhões), um aumento de 12% em relação ao ano passado.

E já não morre mais gente com o mesmo perfil de antes.

Enquanto nos primeiros meses da guerra, a idade média dos soldados que lutavam na Ucrânia era de 20 anos, esse número agora é de 36.

Muitos dos mortos não são só soldados, mas profissionais de diversas áreas: engenheiros, médicos, professores, metalúrgicos. Se no começo a guerra era dominada pelos militares de carreira, a Rússia hoje depende cada vez mais de recrutas civis de meia-idade.

Na prática, regiões bem pobres e distantes, onde há pouco emprego e salários baixos, lotados de minorias étnicas, se tornaram o principal reservatório humano do Exército russo.

Em alguns casos, homens são literalmente sequestrados em vilarejos; abordados nas ruas, retirados das suas casas ou capturados em pontos de ônibus, sem qualquer aviso.

Na Buriácia, por exemplo, no extremo leste da Sibéria, a taxa de mortos na guerra é até 30 vezes maior do que em Moscou. Em repúblicas do Cáucaso, como o Daguestão, jovens muçulmanos são convocados em massa, muitas vezes sob pressão direta das autoridades locais.

No fim, a estratégia é coerente: as mortes russas se concentram em regiões com baixo peso político, longe dos centros de poder. O luto de mães buriates ou daguestanesas faz bem menos barulho do que o de uma mãe de Moscou.

A Rússia diz treinar essas pessoas entre 3 semanas e 6 meses, dependendo da função. Mas a verdade é que há muitos relatos de 1 mês de treinamento – e para algumas operações, a quantidade de treino fornecido varia entre dois dias e duas semanas.

A Rússia já tinha uma pirâmide etária deformada por conta da 2ª Guerra Mundial e da crise dos anos 1990. Tanto é assim que o país já vinha em declínio populacional antes da guerra. Mas a situação agora é caótica.

A população economicamente ativa russa está encolhendo. E essa escassez de trabalhadores produzirá, no curto prazo, não só uma queda da produtividade russa, mas uma possível importação forçada de mão de obra estrangeira – principalmente da Ásia Central e de países muçulmanos.

É claro que as perdas da Ucrânia também são bem altas. Em dezembro do ano passado, Zelenski revelou 43 mil soldados ucranianos mortos em combate e 370 mil feridos desde o início da invasão russa.

Além dessas mortes, quase 14 mil civis ucranianos foram mortos no conflito, e 35 mil ficaram feridos.

A Ucrânia é indiscutivelmente a grande vítima desse conflito, mas os russos são os maiores derrotados.

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa. Cada caixão que retorna, a cada dia de batalha, significa não só um soldado a menos, mas um pai ausente, uma família quebrada, uma comunidade empobrecida.

Nesses três anos de conflito, centenas de milhares de crianças perderam o pai. Outras centenas de milhares de mulheres ficaram viúvas.

O resultado é uma geração marcada pelo luto.

Hoje, o Kremlin até consegue comprar o silêncio com indenizações, próteses e propaganda. Não há grandes manifestações contra Putin. Mas esse silêncio tem prazo de validade.

A Rússia pode até sustentar a guerra no campo de batalha, mas está perdendo em casa. E quando a poeira baixar, Moscou governará um país menor, mais pobre e mais velho. E nenhum triunfo militar, real ou inventado, será capaz de compensar essa derrota.

sábado, 23 de agosto de 2025

Comment fut inventé le peuple juif - Shlomo Sand (Le Monde Diplomatique)

Déconstruction d’une histoire mythique

Comment fut inventé le peuple juif
par Shlomo Sand
Le Monde Diplomatique, Aôut 2025

Victor Brauner. — « Coupe du doute » (1946)
Museu de Arte, São Paulo, Brésil

Les Juifs forment-ils un peuple ? A cette question ancienne, un historien israélien apporte une réponse nouvelle. Contrairement à l’idée reçue, la diaspora ne naquit pas de l’expulsion des Hébreux de Palestine, mais de conversions successives en Afrique du Nord, en Europe du Sud et au Proche-Orient. Voilà qui ébranle un des fondements de la pensée sioniste, celui qui voudrait que les Juifs soient les descendants du royaume de David et non — à Dieu ne plaise ! — les héritiers de guerriers berbères ou de cavaliers khazars.

out Israélien sait, sans l’ombre d’un doute, que le peuple juif existe depuis qu’il a reçu la Torah (1) dans le Sinaï, et qu’il en est le descendant direct et exclusif. Chacun se persuade que ce peuple, sorti d’Egypte, s’est fixé sur la « terre promise », où fut édifié le glorieux royaume de David et de Salomon, partagé ensuite en royaumes de Juda et d’Israël. De même, nul n’ignore qu’il a connu l’exil à deux reprises : après la destruction du premier temple, au VIe siècle avant J.-C., puis à la suite de celle du second temple, en l’an 70 après J.C.

S’ensuivit pour lui une errance de près de deux mille ans : ses tribulations le menèrent au Yémen, au Maroc, en Espagne, en Allemagne, en Pologne et jusqu’au fin fond de la Russie, mais il parvint toujours à préserver les liens du sang entre ses communautés éloignées. Ainsi, son unicité ne fut pas altérée. A la fin du XIXe siècle, les conditions mûrirent pour son retour dans l’antique patrie. Sans le génocide nazi, des millions de Juifs auraient naturellement repeuplé Eretz Israël (« la terre d’Israël ») puisqu’ils en rêvaient depuis vingt siècles.

Vierge, la Palestine attendait que son peuple originel vienne la faire refleurir. Car elle lui appartenait, et non à cette minorité arabe, dépourvue d’histoire, arrivée là par hasard. Justes étaient donc les guerres menées par le peuple errant pour reprendre possession de sa terre ; et criminelle l’opposition violente de la population locale.

D’où vient cette interprétation de l’histoire juive ? Elle est l’œuvre, depuis la seconde moitié du XIXe siècle, de talentueux reconstructeurs du passé, dont l’imagination fertile a inventé, sur la base de morceaux de mémoire religieuse, juive et chrétienne, un enchaînement généalogique continu pour le peuple juif. L’abondante historiographie du judaïsme comporte, certes, une pluralité d’approches. Mais les polémiques en son sein n’ont jamais remis en cause les conceptions essentialistes élaborées principalement à la fin du XIXe siècle et au début du XXe.

Lorsque apparaissaient des découvertes susceptibles de contredire l’image du passé linéaire, elles ne bénéficiaient quasiment d’aucun écho. L’impératif national, telle une mâchoire solidement refermée, bloquait toute espèce de contradiction et de déviation par rapport au récit dominant. Les instances spécifiques de production de la connaissance sur le passé juif — les départements exclusivement consacrés à l’« histoire du peuple juif », séparés des départements d’histoire (appelée en Israël « histoire générale ») — ont largement contribué à cette curieuse hémiplégie. Même le débat, de caractère juridique, sur « qui est juif ? » n’a pas préoccupé ces historiens : pour eux, est juif tout descendant du peuple contraint à l’exil il y a deux mille ans.

Ces chercheurs « autorisés » du passé ne participèrent pas non plus à la controverse des « nouveaux historiens », engagée à la fin des années 1980. La plupart des acteurs de ce débat public, en nombre limité, venaient d’autres disciplines ou bien d’horizons extra-universitaires : sociologues, orientalistes, linguistes, géographes, spécialistes en science politique, chercheurs en littérature, archéologues formulèrent des réflexions nouvelles sur le passé juif et sioniste. On comptait également dans leurs rangs des diplômés venus de l’étranger. Des « départements d’histoire juive » ne parvinrent, en revanche, que des échos craintifs et conservateurs, enrobés d’une rhétorique apologétique à base d’idées reçues.

Le judaïsme, religion prosélyte
Bref, en soixante ans, l’histoire nationale a très peu mûri, et elle n’évoluera vraisemblablement pas à brève échéance. Pourtant, les faits mis au jour par les recherches posent à tout historien honnête des questions surprenantes au premier abord, mais néanmoins fondamentales.

La Bible peut-elle être considérée comme un livre d’histoire ? Les premiers historiens juifs modernes, comme Isaak Markus Jost ou Leopold Zunz, dans la première moitié du XIXe siècle, ne la percevaient pas ainsi : à leurs yeux, l’Ancien Testament se présentait comme un livre de théologie constitutif des communautés religieuses juives après la destruction du premier temple. Il a fallu attendre la seconde moitié du même siècle pour trouver des historiens, en premier lieu Heinrich Graetz, porteurs d’une vision « nationale » de la Bible : ils ont transformé le départ d’Abraham pour Canaan, la sortie d’Egypte ou encore le royaume unifié de David et Salomon en récits d’un passé authentiquement national. Les historiens sionistes n’ont cessé, depuis, de réitérer ces « vérités bibliques », devenues nourriture quotidienne de l’éducation nationale.

Mais voilà qu’au cours des années 1980 la terre tremble, ébranlant ces mythes fondateurs. Les découvertes de la « nouvelle archéologie » contredisent la possibilité d’un grand exode au XIIIe siècle avant notre ère. De même, Moïse n’a pas pu faire sortir les Hébreux d’Egypte et les conduire vers la « terre promise » pour la bonne raison qu’à l’époque celle-ci… était aux mains des Egyptiens. On ne trouve d’ailleurs aucune trace d’une révolte d’esclaves dans l’empire des pharaons, ni d’une conquête rapide du pays de Canaan par un élément étranger.

Il n’existe pas non plus de signe ou de souvenir du somptueux royaume de David et de Salomon. Les découvertes de la décennie écoulée montrent l’existence, à l’époque, de deux petits royaumes : Israël, le plus puissant, et Juda, la future Judée. Les habitants de cette dernière ne subirent pas non plus d’exil au VIe siècle avant notre ère : seules ses élites politiques et intellectuelles durent s’installer à Babylone. De cette rencontre décisive avec les cultes perses naîtra le monothéisme juif.

L’exil de l’an 70 de notre ère a-t-il, lui, effectivement eu lieu ? Paradoxalement, cet « événement fondateur » dans l’histoire des Juifs, d’où la diaspora tire son origine, n’a pas donné lieu au moindre ouvrage de recherche. Et pour une raison bien prosaïque : les Romains n’ont jamais exilé de peuple sur tout le flanc oriental de la Méditerranée. A l’exception des prisonniers réduits en esclavage, les habitants de Judée continuèrent de vivre sur leurs terres, même après la destruction du second temple.

Une partie d’entre eux se convertit au christianisme au IVe siècle, tandis que la grande majorité se rallia à l’islam lors de la conquête arabe au VIIe siècle. La plupart des penseurs sionistes n’en ignoraient rien : ainsi, Yitzhak Ben Zvi, futur président de l’Etat d’Israël, tout comme David Ben Gourion, fondateur de l’Etat, l’ont-ils écrit jusqu’en 1929, année de la grande révolte palestinienne. Tous deux mentionnent à plusieurs reprises le fait que les paysans de Palestine sont les descendants des habitants de l’antique Judée (2).

A défaut d’un exil depuis la Palestine romanisée, d’où viennent les nombreux Juifs qui peuplent le pourtour de la Méditerranée dès l’Antiquité ? Derrière le rideau de l’historiographie nationale se cache une étonnante réalité historique. De la révolte des Maccabées, au IIe siècle avant notre ère, à la révolte de Bar-Kokhba, au IIe siècle après J.-C, le judaïsme fut la première religion prosélyte. Les Asmonéens avaient déjà converti de force les Iduméens du sud de la Judée et les Ituréens de Galilée, annexés au « peuple d’Israël ». Partant de ce royaume judéo-hellénique, le judaïsme essaima dans tout le Proche-Orient et sur le pourtour méditerranéen. Au premier siècle de notre ère apparut, dans l’actuel Kurdistan, le royaume juif d’Adiabène, qui ne sera pas le dernier royaume à se « judaïser » : d’autres en feront autant par la suite.

Les écrits de Flavius Josèphe ne constituent pas le seul témoignage de l’ardeur prosélyte des Juifs. D’Horace à Sénèque, de Juvénal à Tacite, bien des écrivains latins en expriment la crainte. La Mishna et le Talmud (3) autorisent cette pratique de la conversion — même si, face à la pression montante du christianisme, les sages de la tradition talmudique exprimeront des réserves à son sujet.

La victoire de la religion de Jésus, au début du IVe siècle, ne met pas fin à l’expansion du judaïsme, mais elle repousse le prosélytisme juif aux marges du monde culturel chrétien. Au Ve siècle apparaît ainsi, à l’emplacement de l’actuel Yémen, un royaume juif vigoureux du nom de Himyar, dont les descendants conserveront leur foi après la victoire de l’islam et jusqu’aux temps modernes. De même, les chroniqueurs arabes nous apprennent l’existence, au VIIe siècle, de tribus berbères judaïsées : face à la poussée arabe, qui atteint l’Afrique du Nord à la fin de ce même siècle, apparaît la figure légendaire de la reine juive Dihya el-Kahina, qui tenta de l’enrayer. Des Berbères judaïsés vont prendre part à la conquête de la péninsule Ibérique, et y poser les fondements de la symbiose particulière entre juifs et musulmans, caractéristique de la culture hispano-arabe.

La conversion de masse la plus significative survient entre la mer Noire et la mer Caspienne : elle concerne l’immense royaume khazar, au VIIIe siècle. L’expansion du judaïsme, du Caucase à l’Ukraine actuelle, engendre de multiples communautés, que les invasions mongoles du XIIIe siècle refoulent en nombre vers l’est de l’Europe. Là, avec les Juifs venus des régions slaves du Sud et des actuels territoires allemands, elles poseront les bases de la grande culture yiddish (4).

Ces récits des origines plurielles des Juifs figurent, de façon plus ou moins hésitante, dans l’historiographie sioniste jusque vers les années 1960 ; ils sont ensuite progressivement marginalisés avant de disparaître de la mémoire publique en Israël. Les conquérants de la cité de David, en 1967, se devaient d’être les descendants directs de son royaume mythique et non — à Dieu ne plaise ! — les héritiers de guerriers berbères ou de cavaliers khazars. Les Juifs font alors figure d’« ethnos » spécifique qui, après deux mille ans d’exil et d’errance, a fini par revenir à Jérusalem, sa capitale.

Les tenants de ce récit linéaire et indivisible ne mobilisent pas uniquement l’enseignement de l’histoire : ils convoquent également la biologie. Depuis les années 1970, en Israël, une succession de recherches « scientifiques » s’efforce de démontrer, par tous les moyens, la proximité génétique des Juifs du monde entier. La « recherche sur les origines des populations » représente désormais un champ légitimé et populaire de la biologie moléculaire, tandis que le chromosome Y mâle s’est offert une place d’honneur aux côtés d’une Clio juive (5) dans une quête effrénée de l’unicité d’origine du « peuple élu ».

Cette conception historique constitue la base de la politique identitaire de l’Etat d’Israël, et c’est bien là que le bât blesse ! Elle donne en effet lieu à une définition essentialiste et ethnocentriste du judaïsme, alimentant une ségrégation qui maintient à l’écart les Juifs des non-Juifs — Arabes comme immigrants russes ou travailleurs immigrés.

Israël, soixante ans après sa fondation, refuse de se concevoir comme une république existant pour ses citoyens. Près d’un quart d’entre eux ne sont pas considérés comme des Juifs et, selon l’esprit de ses lois, cet Etat n’est pas le leur. En revanche, Israël se présente toujours comme l’Etat des Juifs du monde entier, même s’il ne s’agit plus de réfugiés persécutés, mais de citoyens de plein droit vivant en pleine égalité dans les pays où ils résident. Autrement dit, une ethnocratie sans frontières justifie la sévère discrimination qu’elle pratique à l’encontre d’une partie de ses citoyens en invoquant le mythe de la nation éternelle, reconstituée pour se rassembler sur la « terre de ses ancêtres ».

Ecrire une histoire juive nouvelle, par-delà le prisme sioniste, n’est donc pas chose aisée. La lumière qui s’y brise se transforme en couleurs ethnocentristes appuyées. Or les Juifs ont toujours formé des communautés religieuses constituées, le plus souvent par conversion, dans diverses régions du monde : elles ne représentent donc pas un « ethnos » porteur d’une même origine unique et qui se serait déplacé au fil d’une errance de vingt siècles.

Le développement de toute historiographie comme, plus généralement, le processus de la modernité passent un temps, on le sait, par l’invention de la nation. Celle-ci occupa des millions d’êtres humains au XIXe siècle et durant une partie du XXe. La fin de ce dernier a vu ces rêves commencer à se briser. Des chercheurs, en nombre croissant, analysent, dissèquent et déconstruisent les grands récits nationaux, et notamment les mythes de l’origine commune chers aux chroniques du passé. Les cauchemars identitaires d’hier feront place, demain, à d’autres rêves d’identité. A l’instar de toute personnalité faite d’identités fluides et variées, l’histoire est, elle aussi, une identité en mouvement.

Shlomo Sand

Historien, professeur à l’université de Tel-Aviv, auteur de Comment le peuple juif fut inventé, à paraître chez Fayard en septembre.


Notes:
(1) Texte fondateur du judaïsme, la Torah — la racine hébraïque yara signifie enseigner — se compose des cinq premiers livres de la Bible, ou Pentateuque : Genèse, Exode, Lévitique, Nombres et Deutéronome.

(2) Cf. David Ben Gourion et Yitzhak Ben Zvi, « Eretz Israël » dans le passé et dans le présent (1918, en yiddish), Jérusalem, 1980 (en hébreu) et Ben Zvi, Notre population dans le pays (en hébreu), Varsovie, Comité exécutif de l’Union de la jeunesse et Fonds national juif, 1929.

(3) La Mishna, considérée comme le premier ouvrage de littérature rabbinique, a été achevée au IIe siècle de notre ère. Le Talmud synthétise l’ensemble des débats rabbiniques concernant la loi, les coutumes et l’histoire des Juifs. Il y a deux Talmud : celui de Palestine, écrit entre le IIIe et le Ve siècle, et celui de Babylone, achevé à la fin du Ve siècle.

(4) Parlé par les Juifs d’Europe orientale, le yiddish est une langue slavo-allemande comprenant des mots issus de l’hébreu.

(5) Dans la mythologie grecque, Clio était la muse de l’Histoire.

https://www.monde-diplomatique.fr/2008/08/SAND/16205

A Paz de Westfália - Fausto Godoy (Facebook)

REQUIEM PARA WESTFALIA...

Fausto Godoy

O mundo moderno é herdeiro da Paz de Westfalia...

Estou-me referindo aos tratados de paz assinados em 1648 nas cidades alemãs de Münster e Osnabrück, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos na Europa, a qual durou de 1618 a 1648. Estes tratados, firmados entre o Imperador Fernando III, do Sacro Império Romano-Germânico, os demais príncipes alemães e os Reinos da França e da Suécia, marcaram o declínio do Império e do Papado de Roma e a emergência de um novo sistema de poder.

Este, que foi um dos conflitos mais sangrentos da história europeia, teve início por motivos religiosos decorrentes da Reforma Protestante. Começaram por um ato de protesto de nobres boêmios contra a tentativa do imperador Fernando III de abolir as igrejas luteranas. O conflito evoluiu da disputa religiosa para a luta por supremacia entre as potências europeias, inaugurando o sistema de relações internacionais moderno, baseado no poder temporal e nos interesses seculares em vez dos religiosos. E teve por consequência a emergência do conceito de soberania dos Estados nacionais: desfez-se o Império, refez-se a cartografia politica, e cada Estado passou a ter autoridade exclusiva sobre seu território, sem interferências externas.  A partir de então este tem sido o padrão que rege o relacionamento entre os países... 

Só que... esta tem sido também a grande mazela neste início do século XXI, quando a intensificação do processo de globalização das economias vem transformando de forma radical a geografia humana e econômica e, desta forma, o jogo de poder no planeta...

Desde o final do século XIX e início do século XX, o ocaso do colonialismo europeu, que se consolidou no final da II Guerra Mundial, sacralizou o fim da Europa imperial e colonialista, e deu azo à consolidação de novos atores, mormente os Estados Unidos, que no final do conflito passaram a compartilhar com a então União Soviética a disputa pela hegemonia planetária... Só que em 1991 esta se dissolveu e tornou a América no único hegemon mundial... Só que a partir de 1978, as reformas de Deng Xiaoping na República Popular da China - até então maoísta - alavancaram o “País do Meio” a se liberar do seu “século das humilhações” - como os chineses alcunham o século XIX, em que foram vítimas dos ingleses nas duas “Guerras do Ópio” - e do ranço ideológico radical do maoísmo, e sob sua batuta passou a “caçar ratos, não importasse a cor do gato”, como Deng afirmava... ou seja, a abrir-se para o mundo independentemente do credo político-ideológico e dos sistemas de governo dos parceiros. Foram então criadas as “zonas econômicas especiais”, encerrando o isolamento multicentenário da China. A partir de então ela ganhou o ímpeto que a transformou na segunda maior economia do planeta, já disputando agora com os Estados Unidos a liderança. Ou seja, em oitenta anos o planeta mudou quatro vezes de “patrões”!...

A pergunta que não quer se calar neste ponto é... será que as estripulias isolacionistas de Donald Trump no intuito de “Make America Great Again”, que afetam o planeta por inteiro - como estamos aturdidamente acompanhando - marcariam o início do declínio de um dos dois atuais hegemons?... Mais radicalmente falando: será que a hegemonia territorial será substituída, enfim, pela hegemonia econômica?...Fará sentido disputas territoriais num mundo economicamente interligado?...

Vamos, uma vez mais, recorrer à História...desta vez a da China... Cabe ressaltar, primeiramente, que ao longo da sua história ela não invadiu nenhum país; ou seja, à parte o Tibete e Taiwan que ela reivindica - com ou sem razão(ões)... - como suas partes inalienáveis, ela se reteve ao seu próprio território. Ao contrário, construiu as muralhas que a isolaram dos “bárbaros”, na busca de preservar sua coerência civilizacional...haja vista que o seu nome, em mandarim, é “Zhōngguó”  (中国), o país (terra) do meio. Ou seja, antes de ser um país, ela se considera como uma Civilização....com base nisto, ela espraiou seu comércio pelo Ocidente afora através da Rota da Seda e tornou-se a maior economia do mundo ao longo dos séculos; porém trancou-se sobre si mesma, não permitindo a presença de estrangeiros no seu solo. 

Corolário disto é a sua participação nos dois conflitos de cunho vestfaliano que mobilizam todo o planeta na atualidade: a guerra da Ucrânia e o conflito Israel-Palestina. À parte declarações retóricas, e algum posicionamento sobretudo em favor da Rússia aliada, ela tem-se pouco manifestado de forma mais engajada. Isto porque o que lhe interessa, na verdade, é a hegemonia econômica!

Este é um dos corolários do livro “The China Dream”, escrito por um professor da Academia de Defesa da China, Liu Mingfu, livro este que o Presidente Xi Jinping menciona amiúde. Logo no seu primeiro capítulo, intitulado “China´s Dream for a Century” está escrito: ”…it has been China´s dream for a century to become the world´s leading nation...but what does it mean for China to become the world´s leading nation? First it means that China´s economy will lead the world. On that basis it will make China the strongest country in the world. As China rises to the status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”!!!!!… 

Em nenhum momento é feita menção a avanços sobre outros territórios... este é um tema que não lhe interessa, até porque ela sabe que cada vez mais o mundo “vestfaliano” vai paulatinamente cedendo espaço para o atual e maior impulso agregador da humanidade: o comércio (e a tecnologia...). Fruto dele o planeta se desloca cada vez mais para o Oriente, onde estão algumas das economias mais pujantes: China, a segunda maior, e a Índia, a quinta (ainda....). E não nos esqueçamos da Coreia do Sul, do Japão, da Indonésia, do Vietnã, etc... E assim “la nave va”...

Neste cenário fica a pergunta recorrente: para onde vamos nós, brasileiros?... Seguindo a nossa herança atávica, vamos nos enquistar no universo que conhecemos melhor e sofrermos as suas consequências, tal como agora... ou nos atirarmos na aventura, como fizeram os nossos antepassados portugueses? Remember Sagres... 


Westfalia, ou o Futuro?...To be continued...

Mensagem numa garrafa imaginária - Paulo Roberto de Almeida

 Uma "mensagem" do início do ano, que ainda parece ter algunma validade:


Mensagem numa garrafa imaginária

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Dirigindo-me aos que me seguem e outros curiosos.

        A meus amigos da Direita e da Esquerda, que os tenho, certamente (pelo menos quando eu posso com eles argumentar racionalmente), e não sei se os tenho também na Extrema-Direita (alguns o são, discretos, talvez disfarçados, vários não confessos) e na Extrema-Esquerda (ela anda meio frouxa ultimamente, ao passo que os do outro lado do espectro andam mais excitados):
        Uma simples nota para dizer que não tenho nenhum arrepio ou reserva em discutir e argumentar racionalmente com quaisquer representantes do amplo leque ideológico presente no espaço público. Só tenho uma certa alergia à burrice, que parece se estender democraticamente por todo o espectro político (acredito, porém, que nenhum da espécie se digna discutir comigo, que sou de um natural reservoso, mas aberto a todo tipo de argumento).
        Aceito argumentos contra e a favor das economias de mercado, assim como contra e favor de uma economia parcial ou totalmente estatizada, de preferência apoiados em evidências empíricas que sustentem sua eficácia, going to the best, ainda que seja um second best.
        Aceito argumentos em favor de repúblicas ou monarquias, sistemas presidencialistas ou parlamentaristas, centralizados, unitários ou federativos, de preferência abertos às alternâncias, próprias dos regimes democráticos. Populismos são inevitáveis em quaisquer regimes, mas detesto a demagogia popularesca e as mentiras muito frequentemente assacadas para enganar eleitores incautos.
        Não preciso dizer que detesto, repudio, odeio e combato ditaduras de todo tipo, as resultantes de golpes de força, assim como aquelas plebiscitariamente construídas a partir de solertes golpes publicitários.
        Tortura e torturadores devem ser imediatamente denunciados e seus autores expostos à execração pública.
        Indo à concretude dos fatos, os assaltantes do Capitólio americano, assim como os invasores e destruidores dos três poderes no Brasil devem julgados, condenados e punidos, sem qualquer leniência. Não há “mas…”.
        Os apoiadores da Direita no Brasil não precisam de uma ditadura para exercer o poder, desde que o conquistem pela via eleitoral, democraticamente expressa, o que vale igualmente para as Esquerdas.
        Aqueles que adentrarem meus espaços para defender seres ou regimes execráveis, à Direita ou à Esquerda, são solicitados a permanecer inertes e silentes, do contrário serão inapelavelmente deletados ad aeternum, como diria o papa, sem qualquer explicação ou recurso.
        Suponho que “centristas”, de qualquer coloração, sejam naturalmente tolerantes à alternância e respeitadores das regras do jogo democrático, embora alguns sejam perfeitamente oligárquicos, como é o caso na maioria dos países.
        Assim como na maioria dos países, o Brasil comporta, tradicionalmente, seus oligarcas, em geral de Direita, embora as Esquerdas também os possam exibir. Populistas e demagogos se exercem de forma abundante, mas são o mal menor de todas as democracias, abertas a todos os talentos, mesmo aqueles menos recomendáveis.
        Assim que minha mensagem na garrafa está lançada: ditatoriais ostensivos ou in pectore abstenham-se e me deletem. Não preciso da companhia dessa casta de intocáveis políticos (sei que eles raras vezes se corrigem, e uma vez fascistas, racistas e autoritários eles tendem a se manter assim).
        Basta ver bolsonaristas e trumpistas, assim como chavistas, orteguistas, putinistas e aiatolás: aceitam qualquer ignomínia de seus chefetes execráveis e conseguem ser tão idiotas e repugnantes quanto eles. Mil perdões às almas cândidas por estas ofensas finais: apenas uma maneira de deixar bem claro meu repúdio a toda uma categoria concreta e completa de imbecis (existem vários outros, porém).
        Como sempre, assino embaixo do que escrevo:

Paulo Roberto Almeida
Brasília,21/02/2025

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Complemento em 22/02/2025:
        Almas cândidas se espantam com meu posicionamento a favor de um julgamento pelo STF da mal identificada turba de golpistas — na Denúncia da PGR apresentada como grupo criminoso, o que estava longe de ser formalizado — que tentou DE FATO consumar um golpe autoritário continuísta, e só não o conseguiu por extraordinária imbecilidade e covardia do chefe formal do ajuntamento de meliantes antidemocráticos. Esse foi o único fator do fracasso da tentativa: estupidez extrema e total incapacidade do condutor do brancaleônico grupo de golpistas amadores. O outro fator foi a recusa de dois comandantes militares de movimentar tanques e aviões, ponto. Se, mesmo com toda essa desorganização, eles tivessem conseguido, estaríamos entregues não a uma organização tecnocrática-autoritária, como a de 1964 (com a classe política quase toda aliada no empreendimento), mas a uma ditadura de milicianos, rufiões e bandidos vulgares, uma seja, um ridículo regime autoritário incapaz de prover, como em 1964, ordem e segurança, mesmo no arbítrio dos tigres torturadores. Só teríamos estes últimos, o caos bolsonarista e sua tropa mambembe.         O Brasil não evitou um regime autoritário, o Brasil escapou de um bando de imbecis consumados. Esse era o golpe, muito diferente do caso americano, que acaba de reeleger democraticamente um imbecil consumado.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4856, 21 fevereiro 2025, 3 p.
Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/02/mensagem-numa-garrafa-imaginaria-paulo.html).


Empresários com Bolsonaro em agosto de 2018 - Editorial do Estadão

Empresários com Bolsonaro em agosto de 2018 - Editorial do Estadão 

Graças à postagem original de Carlos U. Pozzobon, reproduzida pelo FB 7 anos depois, temos o registro de mais um editorial memorável do vetusto e venerando Estadão sobre o idiota boçal que se apresentava como favorito a ganhar a eleição presidencial em 2018.

Meu comentário inicial:

PRA: Empresários se submetem a qualquer regime para fica bem com o poder, pode ser a mais perfeita democracia ou a mais horrenda ditadura: sempre vão bajular quem ocupa o poder. Ética pública não é com eles: hay gobierno, soy a favor, lo que sea, tiene mi apoyo!

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Editorial d' O Estado de S.Paulo, 14 Agosto 2018

Uma parte da elite empresarial do País começa a declarar publicamente sua intenção de voto em Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República. O que antes era um apoio silencioso e um tanto envergonhado vai ganhando porta-vozes desinibidos. A unir esses empresários está não o liberalismo postiço de Bolsonaro, inventado somente para tornar menos difícil declarar voto em quem é tão identificado com o estatismo, o nacionalismo e a repressão que marcaram a ditadura militar, mas a presunção de que o ex-capitão, por ser quem é, será capaz de implodir o atual sistema político.

Para os empresários que se dizem bolsonaristas, é preciso acabar com o presidencialismo de coalizão, em que o presidente precisa fazer acordos muitas vezes fisiológicos com diversos partidos para conseguir votos. Fosse o candidato do PSL capaz desta proeza, mereceria o apoio dos brasileiros de boa-fé.

Que o deplorável presidencialismo de coalizão é o sintoma mais evidente da submissão da política a interesses paroquiais não se discute. A distribuição de verbas e cargos para angariar apoio no Congresso torna praticamente impossível que o Executivo forme um Ministério com os melhores nomes possíveis, devido ao loteamento entre os apaniguados de partidos aliados. Ademais, a governabilidade fica sempre na dependência da habilidade do presidente de manter a capacidade de barganha.

Não admira que esse sistema, levado a extremos nos governos do PT, cujos escândalos do mensalão e do petrolão foram seu corolário, tenha causado tanta revolta - especialmente entre os que trabalham e pagam impostos. O processo que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, embora baseado nas criminosas “pedaladas fiscais”, foi politicamente impulsionado pela sensação, compartilhada por milhões de brasileiros que foram às ruas protestar, de que o País estava sendo tomado de assalto por uma quadrilha política.

O afastamento da petista acendeu a esperança de que o sistema fosse afinal se regenerar, mas, para uma parte considerável da opinião pública - na qual se encontram os empresários bolsonaristas -, os desdobramentos foram frustrantes. Generalizou-se a sensação de que todos os políticos são corruptos, entre outros fatores, pela imprudência de alguns dos integrantes da Operação Lava Jato, que trataram tênues suspeitas como provas cabais, e pela lamentável atuação da Procuradoria-Geral da República especialmente no caso das denúncias ineptas, porém escandalosas, contra o presidente Michel Temer.

Diante da percepção de que o sistema é de difícil regeneração - pois exige uma ampla reforma política que, entra ano, sai ano, ninguém consegue fazer -, gente como Bolsonaro passou a ser vista a sério como opção, por ser identificado como alguém avesso a fazer os conchavos políticos que a maioria da população não compreende e repudia. Sua candidatura desligada dos grandes partidos e relacionada a uma nostalgia da ditadura - idealizada como um tempo de “ordem” garantida por militares incorruptíveis - ganhou ares de alternativa viável para os que consideram que o sistema é irremediavelmente corrupto e indiferente ao destino do País.

O trágico é que alguns desses empresários que declaram voto em Bolsonaro admitem que o ex-capitão não tem mesmo capacidade para ser presidente da República. Mas, para eles, isso não é importante. O importante é que a eventual vitória de Bolsonaro representaria a ruptura com “o modelo que está aí”, nas palavras de um dos empresários desse movimento, cuja crescente mobilização foi noticiada pelo Estado.

Até onde se tem conhecimento, nenhum desses empresários parece saber ao certo o que virá depois dessa projetada ruptura. Mas não é difícil imaginar. Sem partido, com um discurso desagregador e antidemocrático, adepto de soluções que privilegiam a violência e - o que ele mesmo admite - um rematado ignorante dos principais problemas econômicos do País, Bolsonaro criaria tal confusão e tensão que o ambiente de negócios, já muito difícil, se tornaria totalmente hostil. Donde se conclui que esse movimento de empresários em favor de tal ruptura carece absolutamente de racionalidade. Pois Bolsonaro não tem como fazer a reforma política e muito menos como sanear as finanças públicas e reativar a economia.

(fim do Editorial)

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O desafio do Paraguai para a política externa brasileira - Rubens Barbosa Portal Interesse Nacional

PRA: O Brasil competiu com a Argentina para ser a influência dominante no Paraguai nos últimos 200 anos. Agora, por escolha própria o Paraguai escolhe aliar-se mais ativamente aos EUA. O embaixador Rubens Barbosa acha que isso afeta os interesses brasileiros.


O desafio do Paraguai para a política externa brasileira
Proximidade entre o governo de Donald Trump e o país sul-americano pode afetar os interesses do Brasil na região
Rubens Barbosa
Portal Interesse Nacional, 22/08/2025

A movimentação política e diplomática do governo do Paraguai, em completo alinhamento com os EUA, coloca sérios desafios para a política externa brasileira.

Empresas industriais brasileiras têm forte presença no Paraguai beneficiando-se da taxação reduzida, do baixo custo da energia e das baixas tarifas contra produtos de origem no país. Mais de 1.000 empresas brasileiras estão instaladas no Paraguai e, com a taxação de 50% para produtos brasileiros, é de se prever que novas empresas nacionais deverão se instalar em território paraguaio para exportar para os EUA.

Na agricultura, grande parte da soja e outros produtos é produzida por brasileiros e exportada por portos brasileiros. A binacional Itaipu, um dos símbolos da integração regional, o Mercosul e a hidrovia Paraná-Paraguai tornam o país um parceiro importante do Brasil na energia e no comércio exterior.

‘Com Trump, está em desenvolvimento uma estreita parceria entre os EUA e o Paraguai que poderá ter sérias implicações para os interesses brasileiros’

Com Trump na presidência em Washington, está em desenvolvimento uma estreita parceria entre os EUA e o Paraguai que poderá ter sérias implicações para os interesses brasileiros.

O Departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio, senador da Flórida, ultraconservador, primeira geração de cubanos que saíram de Cuba, está tomando medidas concretas para fortalecer os governos de direita (El Salvador, Paraguai, Argentina e agora a Bolívia) e tentar reverter a tendência pendular de governos de esquerda na região para influir nas eleições para eleger governos alinhados às políticas de Washington, “para construir um hemisfério mais seguro, mais forte e mais prospero”.

‘O governo Santiago Peña no Paraguai, desde o início do governo Trump, se aproximou dos EUA, por meio de contato direto com Marco Rubio’

O governo Santiago Peña no Paraguai, desde o início do governo Trump, se aproximou dos EUA, por meio de contato direto com Marco Rubio. O ministro do Exterior do Paraguai apresentou-se como candidato a assumir a secretaria geral da OEA com o apoio dos EUA. Houve articulação contrária a essa candidatura, inclusive do Brasil, e foi eleito o representante do Suriname, depois do ministro paraguaio retirar sua candidatura.

Aproveitando as afinidades ideológicas entre os dois governos, o Departamento de Estado, de maneira proativa, negociou e assinou, nos primeiros meses de governo, acordos com o Paraguai em diferentes frentes:
- criação de uma base na fronteira com o Brasil contra o Hezbollah. O Paraguai terá um centro antiterrorista, com agentes treinados por agentes do FBI para recolher informações de inteligência contra o Hezbollah na tríplice fronteira com o Brasil e a Argentina;
- acolhimento de asilados de outros países residentes nos EUA (Safe Third Countries Agreement);
- parceria estratégica em segurança, diplomacia e economia, em especial no combate ao crime transnacional, estabilidade regional (mencionada no referido acordo),
- cooperação em energia, mineração e tecnologia (também mencionado no acordo).

Nesse contexto, chamam a atenção declarações de Marco Rubio sobre a possibilidade de intervenção de Washington na utilização da energia da binacional Itaipu para a instalação de data centers, em função do excedente de energia e seu baixo custo.O que significaria usar a infraestrutura energética do Paraguai como insumo para Big Techs.

Para o Brasil, caso isso ocorra, poderia dificultar a negociação do anexo C do Tratado que criou Itaipu, no tocante à prioridade da venda ao Brasil da energia que não for consumida no Paraguai, na hipótese de os EUA quererem comprar essa parte da energia.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Rubens Ricupero: gran estadista de la diplomacia brasileña - Paulo Roberto de Almeida (Ateneo de Ciencias Sociales de Argentina)

 Rubens Ricupero: gran estadista de la diplomacia brasileña

Paulo Roberto de Almeida, diplomático, profesor.
Contribución libre en su homenaje como miembro de honor del Ateneo de Ciencias Sociales de Argentina, el 23 de agosto de 2025 (via Zoom)
        La diplomacia brasileña tiene, en sus rangos, muchos intelectuales, literatos, analistas políticos, historiadores, artistas, hasta simples diplomáticos, burócratas de las relaciones exteriores de Brasil, quizá los más numerosos. Un libro, O Itamaraty na Cultura Brasileira, editado cuando Celso Lafer ocupaba por la segunda vez nuestra cancillería, en 2001, presentó los más relevantes y conocidos, desde el siglo XIX hasta José Guilherme Merquior, uno de los más importantes intelectuales no solo de Brasil, pero del mundo, fallecido en 1991, muy joven. Rubens Ricupero y Celso Lafer fueran dos de los más queridos amigos de Merquior.
        Los tres están entre los contemplados en el libro que vengo de organizar y editar, que es la continuidad de Itamaraty na Cultura Brasileira, intitulado Intelectuais na Diplomacia Brasileira: a cultura a serviço da nação, en el cual Merquior es de nuevo un personaje, por medio de un ensayo escrito por otro diplomático intelectual, Gelson Fonseca Jr, hoy director del Centro de Historia y Documentación Diplomática. Celso Lafer, un gran amigo de Felix Peña y de Argentina, firma de nuevo el prefacio de esa obra, dedicada a Alberto da Costa e Silva, quien organizó el primer libro. Ricupero hizo un homenaje afectivo a un otro gran intelectual de la diplomacia brasileña, Wladimir Murtinho, el hombre que ha, finalmente, presidido a la transferencia de Itamaraty de Rio de Janeiro a Brasilia, en 1970, diez años después de la inauguración de la capital por Juscelino Kubitschek. Murtinho lo hizo con gran maestría, con una combinación de arte moderna, clásica y colonial de Brasil en la decoración del nuevo palacio, que mantiene su nombre original, del inicio de la República.
        El embajador Rubens Ricupero tiene una distinción especial con respecto a todos los otros diplomáticos, sea intelectuales o todos los otros, una vez que jamás ha sido, no lo es, sencillamente, tan solo un intelectual, sino un gran pensador, un historiador instintivo y uno de los mejores analistas políticos de las relaciones internacionales de Brasil, siendo, también, principalmente, un gran estadista, en su manera de concebir y proponer políticas públicas en diversos campos de la política externa, multilateral, regional y bilateral, no solo para la diplomacia brasileña, pero igualmente para su economía y su sociedad. He sido premiado, desde mi ingreso en la diplomacia, con sus enseñanzas, pero sobre todo con sus ejemplos de hombre público, de negociador habilidoso, de persona accesible, de profesor muy atento a los alumnos de la Academia Diplomática de Brasil – donde han estudiado muchos colegas argentinos –, a los académicos en general.
        Ricupero siempre ha mantenido una atención especial a Argentina, su segundo posto en la carrera diplomática, luego después de Viena, a mediados de los anos 1960, donde empezó su largo recorrido por los diversos países por los cuarenta años siguientes. Escribió en sus Memórias páginas significativas:
        “De todos los puestos que tuve, [Buenos Aires] fue aquel donde más mantuve relaciones con personas ‘normales’, sin ningún contacto con asuntos diplomáticos.” [Memórias, 2024, p. 254] Continua: “No por eso he dejado de adentrarme en la situación política del país, leyendo sobre su historia, conversando con los grandes analistas políticos y económicos, tornándome amigo de algunos de ellos, como el historiador de la economía Aldo Ferrer, Oscar Camilión, entonces redactor-jefe de El Clarín, más tarde embajador en Brasil, ministro de las Relaciones Exteriores, ministro de Defensa.” [p. 255]

        La permanencia de Ricupero en Argentina ocupó toda la dictadura Ongania, del 1966 a 1969, cuando también Brasil adentraba su segundo y tercer general en la presidencia de la República. Recuerdo que, algunos años más tarde, cuando estaba trabajando en la embajada de Brasil en Washington, aproveché algunos momentos libres para encuestar en los National Archives and Records Administración. El secretario-general de Itamaraty en ese mismo año, 1966, al recibir el Encargado de Negocios de la embajada americana aún en Rio de Janeiro, fue muy claro con respecto a la situación de los regímenes en América del Sul, y le dijo: “Ahora que se ha resuelto la cuestión en Argentina, tenemos que nos ocupar de la situación en Santiago, donde hay un Kerenski chileno”, hablando del presidente reformista de la Democracia Cristiana Eduardo Frei (padre). O sea, Brasil intentaba extender las dictaduras de la región, objetivo quizá aceptable para los militares argentinos.
        Fueron los años más difíciles de las conturbadas relaciones bilaterales Brasil-Argentina, sin perspectivas de real integración, después de la firma del primer tratado de Montevideo, creando la Alalc (nunca completada), y al principio de las disputas acerca de la construcción de Itaipu binacional, Brasil-Paraguay, más de diez años de controversias por la explotación de los recursos hídricos de la Cuenca del Plata, hasta el tratado tripartite de 1979. De Buenos Aires, Ricupero partió para Quito, pero retornaría visitar a Argentina inúmeras veces durante muchos años, como diplomático brasileño o como director de la Unctad.
        He trabajado con Ricupero durante su misión como embajador en las organizaciones internacionales de Ginebra, entre 1987 y 1990, cuando yo pasé a Montevideo y Ricupero fue nombrado como embajador en Washington, un año después. Por casi tres años, nuestra colaboración em Ginebra no fue únicamente diplomática, pero se extendió a temas académicos y culturales. Los picos más significativos de su carrera estuvieran entre el Ministerio de Amazonia Legal y Medio Ambiente, en 1993-94, y la asunción, totalmente involuntaria, como ministro de Hacienda, en medio a una de las diversas crisis de hiperinflación, típicas de la historia económica de nuestros dos países. Él supo transmitir confianza en la población, elemento esencial de suceso del Plan Real.
        Por muchos años quise elaborar un Festschrift en su homenaje, siempre retardado por ocupaciones más urgentes de trabajo. A mi retiro, finalmente, he decidido hacer no solo una, pero dos homenajes a los dos personajes brasileños más amigos de la Argentina, el propio Ricupero y Celso Lafer, con mi libro Vidas Paralelas, una relectura de sus obras relevantes en política exterior y diplomacia de Brasil, recién publicado. Independiente de los gobiernos, liberales o proteccionistas, de izquierda o derecha, amigos o indiferentes, en las dos margines del Plata, como ya ocurrió entre Bolsonaro y Fernández, y ahora entre Lula y Milei, los dos pueblos están destinados a cumplir el vaticinio del presidente Roca, más de cien años antes: “todo nos une, nada nos separa”.
        Sorpresas ocurren, como en todas las relaciones humanas. Los estadistas existen, justamente, para sobrepasar todo tipo de inconveniencias políticas. Ricupero y Lafer son, precisamente, los dos mayores estadistas favorables a una buena relación permanente entre Brasil y Argentina. Aún tienen algún trabajo por la frente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 5037, 21 agosto 2025, 3 p.



Crise do Sistema Multilateral de Comércio: Como o Brasil deve reagir? - Paulo Roberto de Almeida, Sandra Rios, Magno Karl (Livres)


 

🌎 Crise do Sistema Multilateral de Comércio: Como o Brasil deve reagir?

No dia 04/09, às 19h, o Livres promove um painel imperdível sobre os desafios do comércio internacional e as alternativas para o Brasil neste cenário.

👥 Participantes:

•⁠  ⁠Paulo Roberto de Almeida - Diplomata e Conselheiro Acadêmico Livres

•⁠  ⁠Sandra Rios - Economista e Conselheira Acadêmica Livres

•⁠  ⁠Magno Karl - Diretor Executivo do Livres e cientista político

💡 Uma conversa com especialistas para entender os rumos do comércio global e quais estratégias o Brasil deve adotar diante da crise.

➡ Inscreva-se em: tarifas.eusoulivres.org


PALESTINA: A TRAGÉDIA SEM FIM... - Fausto Godoy (FB)

PALESTINA: A TRAGÉDIA SEM FIM...

Fausto Godoy (FB)

O papo é longo...como o sofrimento na Faixa de Gaza...

Num texto que publiquei na minha página do Facebook, em 17/10/23 , intitulado “A Tragédia Palestina”, eu dizia que “do momento em que centenas de militantes do Hamas lançaram um ataque ao território sul de Israel, no dia 7 de outubro, resultando na morte de pelo menos 1.200 pessoas e no sequestro de dezenas de reféns abriu-se um capítulo trágico na História da região bíblica da Palestina. Desde o início da guerra, a ofensiva israelense já deixou mais de 60 mil mortos, segundo dados do ministério da Saúde de Gaza. 

Fica difícil para os que estamos fisicamente longe do conflito separar o “joio do trigo”, ou seja, encontrar as razões que nos ajudem a minimamente entender (?...) o que está ocorrendo naquela região”...  Neste cenário nebuloso, e diante das opiniões divididas, o que importa é não somente a libertação dos reféns israelenses, mas o destino dos 2,2 milhões de indivíduos que habitam a faixa de Gaza... Ou seja, a humanidade está diante do dilema VIDAS X DISPUTAS POLÍTICAS... ou GENTE X IDEOLOGIA...” 

Em 22 meses de guerra, o Exército israelense tomou quase 75% da Faixa de Gaza, e nos últimos dias, intensificou os ataques aéreos e operações terrestres na Cidade de Gaza e nos campos de deslocados próximos, que considera os últimos redutos do Hamas. Estamos, portanto, na iminência da sucumbência de um ESTADO...Replicando o NYT, o Estadão de hoje noticia que “Israel convocou ontem 60 mil reservistas para ocupar a cidade de Gaza, ignorando críticas e desafiando o crescente apoio à criação da Palestina. O governo do premiê Binyamin Netanyahu também aprovou a construção de 3,4 mil casas na Cisjordânia, uma manobra que praticamente inviabiliza a criação de um Estado palestino”... Isto malgrado a condenação da maioria dos governos estrangeiros. Incidentalmente, cabe relembrar que 144 dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem o Estado palestino. Ainda a propósito, as relações de governo entre o Brasil e a Palestina datam de 1975, e temos uma representação diplomática no território...

Entretanto, fatos são fatos, e a sua percepção é outro “departamento”...se os alemães tivessem ganhado a II Guerra Mundial, leríamos a História de outra maneira...

Vamos, pois, recapitulá-la, da maneira mais fidedigna...


Estamos nos referindo à Canaã bíblica, que os judeus tradicionalistas preferem chamar de Sion. A região foi conquistada pelos hebreus por volta de 1.200 AEC, quando, guiados por Moisés, se retiraram do Egito, onde viveram por alguns séculos. Entretanto, sucessivas dominações estrangeiras, iniciadas com a tomada de Jerusalém (587 AEC) por Nabucodonosor, rei da Babilônia, deram início a um processo de diáspora da população. Os segundos ocupantes foram os romanos. As duas rebeliões dos judeus contra este domínio, em 66-70 e 133/135 AEC, tiveram resultados desastrosos. Ao debelar a primeira revolta, as tropas do general Tito - posteriormente Imperador - tomaram Jerusalém, em setembro de 70 EC. O templo construído por Salomão, em 970 AEC, e reconstruído por Herodes em 19 AEC, símbolo e centro do poder religioso e político dos judeus, foi incendiado e os habitantes deportados como escravos. Dele restou apenas o Muro das Lamentações. Por sua vez, o imperador Adriano, ao sufocar a segunda rebelião, intensificou a diáspora e proibiu os judeus de viverem em Jerusalém. A partir de então, eles se espalharam pelo Império Romano, para a Mesopotâmia e outras regiões do Oriente Médio, fora do poder de Roma. 

Em 638 EC a região foi conquistada pelos árabes, no contexto da expansão do islamismo, e passou a fazer parte do mundo muçulmano. Após várias disputas hegemônicas, de 1517 a 1918 a Palestina passou a integrar o Império turco-otomano. Entretanto, no início do século XX já existiam na região pequenas comunidades israelitas vivendo em meio à população predominantemente árabe. A partir de então, novos núcleos começaram a se instalar ali, geralmente mediante compra de terras aos árabes palestinos. A criação do Estado de Israel é uma verdadeira epopeia!

Após a I Guerra Mundial, com a derrota dos turcos, que haviam lutado ao lado da Alemanha, a Palestina passou a ser administrada pela Grã-Bretanha por mandato outorgado pela Liga das Nações. Foi quando se intensificou a imigração de judeus para a região, gerando inquietação no seio da população árabe majoritária. A crescente hostilidade levou os colonos judeus a criarem uma organização paramilitar – a “Haganah” – a princípio voltada para a autodefesa, e mais tarde também para operações de ataque contra os árabes.

Entrementes, em 1896, o escritor austríaco de origem judaica Theodor Herzl fundava o “Movimento Sionista”, que pregava a criação de um Estado judeu na antiga pátria dos hebreus. Este projeto teve ampla ressonância junto à comunidade judaica internacional. Foi neste contexto que em novembro de 1917, em plena I Guerra Mundial, o governo britânico emitiu uma declaração, registrada pela História como “Declaração Balfour” anunciando seu apoio ao estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu" na Palestina, então uma região otomana com uma população judaica bastante reduzida.

Apesar do conteúdo da declaração favorável à criação de um Estado judeu, a Grã-Bretanha tentou frear o movimento imigratório para não descontentar os países muçulmanos do Oriente Médio, com o quais mantinha proveitosas relações econômicas. Entretanto, viu-se confrontada pela pressão mundial da comunidade israelita e dentro da própria Palestina, pela ação de organizações terroristas. Após a Segunda Guerra Mundial, o fluxo de imigrantes judeus tornou-se irresistível. Em 1947, a Assembleia-Geral da ONU decidiu dividir a Palestina em dois Estados independentes: um judeu e outro palestino. Mas tanto os palestinos como os Estados árabes vizinhos recusaram-se a acatar a partilha proposta pela ONU.

Em 14 de maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel, que se viu imediatamente atacado pelo Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano. Esta foi a 1ª Guerra Árabe-Israelense. Os árabes foram derrotados, e Israel passou a controlar 75% do território palestino. Os 25% restantes, correspondentes à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, ficaram sob ocupação respectivamente do Egito e da Jordânia. Cabe notar que a Cisjordânia incluía a parte oriental de Jerusalém, onde fica a Cidade Velha, de grande importância histórica e religiosa. Como territórios palestinos restaram a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. A partir daí, iniciou-se o êxodo dos palestinos para os países vizinhos. Atualmente, esses refugiados somam cerca de 3 milhões.

Para arregimentar a população palestina na defesa dos seus territórios ancestrais, em 1964 foi criada a “Organização para a Libertação da Palestina” (OLP), cuja pretensão inicial era destruir Israel e criar um Estado Árabe Palestino. Utilizando de inicio táticas terroristas, mas sofrendo pesadas retaliações israelenses, a OLP não alcançou seu objetivo e, com o decorrer do tempo, passou a admitir implicitamente a existência de Israel.

Paralelamente, nas décadas de 1950 e 1960, estava em ascensão o nacionalismo árabe, liderado pelo presidente do Egito, e posterior presidente da República Árabe Unida (RAU), Gamal Abdel Nasser. Ele era apoiado vários chefes de Estado árabes, sobretudo os que integravam a “Liga Árabe”. Na “Segunda Conferência do Cairo”, de 1964, esses países deixaram claro, por meio de uma declaração, que um dos seus objetivos principais era “a destruição do Estado de Israel”. A situação piorou quando Síria e Jordânia passaram a dar apoio a grupos guerrilheiros da OLP e a movimentar tropas regulares nas fronteiras com Israel. 

Diante desta ameaça, em maio de 1967, os israelenses, de forma preventiva, ocuparam fulminantemente a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, e tomaram a Península do Sinai ao Egito, bem como as Colinas de Golan à Síria. A História registrou este momento como a “Guerra dos Seis Dias”. Outros confrontos aconteceram posteriormente, porém os israelenses conservaram em seu poder os territórios ocupados em 1967. Em 1977, pela primeira vez, desde a fundação do Estado de Israel, uma coalizão conservadora - o bloco Likud - obteve maioria parlamentar. O novo primeiro-ministro, Menachem Begin, iniciou o assentamento de colonos judeus nos territórios ocupados em 1967. 

Em 17 de setembro de 1978, o Presidente do Egito, Anwar Sadat e o Primeiro-Ministro Begin firmaram os "Acordos de Camp David", que foram negociados secretamente, intermediados pelo Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Por eles, o Egito tornou-se o primeiro país árabe a reconhecer o Estado de Israel, o qual, em contrapartida, devolveu-lhe a Península do Sinai, cláusula esta que foi cumprida em 1979. Por eles, Sadat e Arafat receberam conjuntamente o "Prêmio Nobel da Paz", em 1978. Mas, em revanche, em 1981 militares egípcios, contrários aos acordos e à paz, assassinaram Sadat.

Na busca de se livrar das ações da OLP, em 1982 Israel invadiu o Líbano, então em plena guerra civil entre cristãos e muçulmanos, e conseguiu expulsar a organização do território libanês. Em resposta, foi criado o grupo Hezbollah (“Partido de Deus”), organização xiita libanesa apoiada pelo governo islâmico fundamentalista do Irã. Em 1987, palestinos que se opunham à ocupação israelense promoveram, na faixa de Gaza uma  “Intifada”. Basicamente, a Intifada consiste em manifestações diárias da população civil que arremessa pedras contra os soldados israelenses. 

Em 1993, com a mediação do presidente norte-americano Bill Clinton, Yasser Arafat, líder da OLP, e Yitzhak Rabin, Primeiro-Ministro de Israel, firmaram em Washington um acordo prevendo a criação de uma Autoridade Nacional Palestina, com autonomia administrativa e policial em alguns pontos do território palestino, o que a História registrou como os "Acordos de Oslo". Estava prevista, também, a progressiva retirada das forças israelenses de Gaza e da Cisjordânia. Em troca, a OLP reconhecia o direito de Israel à existência e renunciava formalmente ao terrorismo. Mas duas organizações extremistas palestinas - Hamas e Jihad Islâmica – opuseram-se aos termos do acordo, da mesma forma que os judeus ultranacionalistas. Em 1994, a Jordânia tornou-se o segundo país árabe a assinar um tratado de paz com os israelenses.

Estes esforços foram crescentemente dilapidados quando, em 1996 foi eleito primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu, do Partido Likud, que paralisou a retirada das tropas de ocupação dos territórios palestinos e intensificou os assentamentos de colonos judeus em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, em meio à população predominantemente árabe. O processo de pacificação da região entrou, então, em compasso de espera, ao tempo em que recrudesceram os atentados terroristas palestinos, como o que ocorreu em 7 de outubro do ano passado. As controvertidas políticas que o grupo de extrema direita de Netanyahu e a ala radical de seu partido, vêm promovendo ao incentivar a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia, causaram um profundo revés aos acordos previamente firmados e são a mola motora dos atentados... 

A situação é ainda pior na faixa de Gaza, uma extensão de território de apenas 41 quilômetros de comprimento e de 6 a 12 quilômetros de largura, com uma área total de 365 km2. A título de exemplo, a área urbana da cidade de São Paulo é de 949,611 km². Este espaço exíguo abriga cerca de 2,2 milhões de pessoas; ou seja, é praticamente impossível de se viver ali, porque, ademais, Israel controla grande parte da infraestrura do enclave, como a eletricidade e o fornecimento de água. Disto sou testemunha ocular... Quando servia em Aman, em 2012, tive a “nefasta” ideia de passar as férias de Natal em Jerusalém, o que muitos considerariam de grande significado. Pois, entusiasmado, lá fui eu... e não só fiquei muito impactado com o nível da agressividade da segurança imposta pelas tropas israelenses em cada recanto da cidade sagrada para as três grandes religiões monoteístas, senão também, a caminho de Belém, na véspera de Natal, cruzando o território palestino, no qual Belém se situa, pude avaliar as dificuldades que enfrenta uma população, sobretudo os mais jovens, confinada num país – chamemo-lo assim – em que se pode quase ver num só golpe de vista o muro inacessível da fronteira leste e o mar a oeste, ambos patrulhados pelos israelenses!!!! 

A pergunta que me ficou na alma é: qual é o limite da tolerância humana de suportar tais condições antes que o desespero leve – sobretudo os jovens sem futuro – a atitudes radicais e tresloucadas? Nada justifica, é claro, o que está acontecendo, assim como nada tampouco justifica as suas causas....

Trágico...Meninos, eu vi.

Anne Applebaum: “Peace is war, freedom is slavery” (Substack)

 Anne Applebaum:

“Peace is war, freedom is slavery”
Substack, August 20, 2025

Forgive me for using an Orwellian cliche in this headline (The full quote is “War is Peace, Freedom is Slavery, Ignorance is Strength.” It’s from the novel 1984, if you don’t recognize it, and it is an example of doublethink, the Party’s propaganda). But unfortunately we are entering that territory. I wound up writing on that theme in two different ways this past week.
Let me first note that in the days before and during Trump’s meeting with Putin in Alaska, I contracted a mystery virus. Because it initially seemed like it could be something worse, I spent a few days in a hospital. From that more distant perspective the absurdity of the meeting, the Kabuki theater element, was perhaps clearer. Everyone was playing their roles for the camera. Putin was there so that he could show his audience at home that he is the leader of a great superpower. Trump was there to fulfill the demands of his own ego, to prove that Putin really is his friend. American soldiers literally kneeled and rolled out a red carpet for a war criminal. The American president stood on the carpet clapping like a seal as the war criminal arrived. 
Trump also looked weak because he is. In a burst of antibiotic-inspired energy, I did write something for the Atlantic on Saturday: Trump Has No Cards. I started by listing all of the ways in which Trump has already dismantled all forms of American pressure on Russia: 
President Donald Trump berated President Volodymyr Zelensky in the Oval Office. He allowed the Pentagon twice to halt prearranged military shipments to Ukraine. He promised that when the current tranche of armaments runs out, there will be no more. He has cut or threatened to cut the U.S. funds that previously supported independent Russian-language media and opposition. His administration is slowly, quietly easing sanctions on Russia, ending “basic sanctions and export control actions that had maintained and increased U.S. pressure,” according to a Senate-minority report. 

Given all of that, it’s hardly surprising that Putin now thinks he can win the war. Instead of agreeing to a ceasefire, he can enter prolonged “negotiations.” Instead of feeling pressure to stop fighting, he is convinced that the US, at least, will do nothing to stop him. The Anchorage meeting encouraged that perspective. 
Certainly the Europeans, who are now providing Ukraine with more money and weapons than the United States, understood the PR catastrophe of Alaska very well. They flew to Washington, on short notice, because they wanted to prevent the Alaska disaster from morphing into something worse. But quite a lot of damage has already been done: 

The better way to understand Anchorage is not as the start of something new, but as the culmination of a longer process. As the U.S. dismantles its foreign-policy tools, as this administration fires the people who know how to use them, our ability to act with any agility will diminish. From the Treasury Department to the U.S. Agency for Global Media, from the State Department to the Office of the Director of National Intelligence, agency after agency is being undermined, deliberately or accidentally, by political appointees who are unqualified, craven, or hostile to their own mission.
Many of these changes have gone almost unremarked on in the United States. But they are widely known in Russia. The administration’s attacks on Zelensky, Europeans, and Voice of America have been celebrated on Russian television. Of course Vladimir Putin knows about the slow lifting of sanctions. As a result, the Russian president has clearly made a calculation: Trump, to use the language he once hurled at Zelensky, has no cards.

Programa da Homenagem ao Dr. Rubens Ricupero Ateneo de Ciências Sociais – Via Zoom

Programa da Homenagem ao Dr. Rubens Ricupero

Ateneo de Ciências Sociais – Via Zoom
Data: 23 de agosto
Abertura da sala Zoom: 10h20
Início do ato: 10h30
10h30 – Abertura
Mestre de Cerimônias
Boas-vindas aos presentes.
Apresentação do motivo central: homenagem ao Dr. Rubens Ricupero e sua designação como Membro de Honra do Ateneo de Ciências Sociais.

10h40 – Palavras institucionais
Presidente do Ateneo de Ciências Sociais
Apresentação do Ateneo.

Palavras de homenagem à figura do Dr. Ricupero e abertura formal do ato.
10h50 – Palavras de homenagem
Dr. Roberto Luis Troster
Dr. Nicolás Svirnovsky-Riveris
Dr. Paulo Roberto de Almeida
Dr. Daniel Alfonso da Silva

(Cada orador será apresentado em seu turno pelo Mestre de Cerimônias.)

11h10 – Momento protocolar
Leitura da Resolução
“Visto” e “Considerando” a cargo do Mestre de Cerimônias.
Proclamação solene da parte resolutiva pelo Presidente do Ateneo e golpe de martelo.
Entrega simbólica do Diploma: exibição na tela e anúncio de envio ao Dr. Ricupero no Brasil.
11h20 – Intervenção do homenageado
Dr. Rubens Ricupero
Reflexão pessoal.
Aceitação da designação como Membro de Honra.

11h30 – Encerramento
Mestre de Cerimônias
Leitura final das adesões recebidas.
Agradecimento aos oradores, ao homenageado e aos presentes.
Encerramento formal do ato.

Notas organizativas
Tendo em vista que se trata de uma reunião virtual e com o objetivo de manter a atenção do público, solicita-se aos oradores que sejam breves em suas intervenções.
Durante o ato serão lidas as adesões e mensagens enviadas por diversas organizações e personalidades.
A ordem dos oradores foi estabelecida em função da disponibilidade horária de cada um, e não reflete hierarquias de méritos nem antecedentes acadêmicos.
Cada orador será apresentado na ordem correspondente pelo Mestre de Cerimônias.
Duração total estimada: 55–60 minutos.

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...