terça-feira, 22 de julho de 2025

Israel: entre a tradição e as contradições do momento presente - via Airton Dirceu Lemmertz (Não É Imprensa)

Israel: entre a tradição e as contradições do momento presente

(disponibilizado por Airton Dirceu Lemmertz, a quem agradeço por sempre permitir o acesso a material do mais alto interesse e relevância intelectual)

Abaixo, trechos (no YouTube) dos quatro episódios do documentário "A Nação que sobrevive no deserto" (2025), que revela as complexidades da vida cotidiana em Israel, um país marcado pela diversidade cultural e pela convivência de diferentes religiões e etnias. A íntegra dos episódios está no portal NEIM (https://www.naoeimprensa.com/).


EPISÓDIO 1: O DIREITO DE EXISTIR.
Partindo do massacre do dia 7 de outubro, os entrevistados fazem suas reflexões sobre a história de Israel e a situação política atual.

O primeiro episódio na íntegra:
(26 minutos)

EPISÓDIO 2: PERSEVERAR.
A experiência do Shalva, entidade que cuida de crianças com deficiência em Jerusalém, retratada poeticamente como a perseverança de um povo perseguido que vive num país em guerra, com todas as limitações e superações.

O segundo episódio na íntegra:
(23 minutos)

EPISÓDIO 3: UNIDOS NA DIVERSIDADE.
O que é ser israelense, considerando a dinâmica de um país multicultural e religiosamente variado? Neste episódio, buscamos saber como tantas diferenças podem moldar um instinto de nacionalidade.

O terceiro episódio na íntegra:
(17 minutos)

EPISÓDIO 4: OS VALORES DO PROGRESSO.
Queremos entender o papel da cultura judaica no desenvolvimento econômico de Israel. O que explica o paradoxo de um povo milenar estar sempre na vanguarda científica e tecnológica?

O quarto episódio na íntegra:
(14 minutos)

A coletânea dos episódios:
(NEIM)

Trailer:

Todos querem sua fatia do orçamento público - Bruno Carazza (Valor Econômico)

 As castas encasteladas no grande mandarinato estatal continuam a assaltar, até aqui impunemente, o orçamento público, até aqui impunemente, e de maneira crescente, garantindo, contra a ética e a própria Justiça tributária (supostamente vigiada pela Receita Federal) privilégios aristocráticos exorbitantes, que constituem um ESCÁRNIO contra os brasileiros humildes que ganham salário mínimo e são pesadamente taxados por uma estrutura impositiva altamente regressiva. Até quando esses privilégios vão continuar?

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Todos querem sua fatia do orçamento público
Bruno Carazza
Valor Econômico, segunda-feira, 21 de julho de 2025

Corporações do serviço público buscam ficar a salvo do ajuste fiscal e ter liberdade para autoconceder benefícios

Enquanto a sociedade se distrai com os tarifaços de Trump ou as reviravoltas do processo contra Bolsonaro, a deterioração fiscal e a apropriação de recursos públicos por grupos privados correm soltas.
Na semana passada, usei este espaço para denunciar os pagamentos de honorários para advogados públicos, que estavam sendo realizados em valores superiores a centenas de milhares de reais sem a divulgação no portal de transparência do governo federal desde novembro do ano passado.
Num caso raro de resposta rápida a uma cobrança pública, que foi amplificada por reportagens em diversos veículos de imprensa, o governo disponibilizou as informações sobre os valores na quinta-feira. No dia seguinte, uma procuradora da Fazenda Nacional que recebeu R$ 193.226,92 em honorários apenas no mês de janeiro deste ano me procurou numa rede social para me acusar de estar agindo em nome dos grandes escritórios de advocacia da Faria Lima para “sucatear os serviços públicos”.
Entre acusações pessoais, a procuradora usou um argumento repetido à exaustão pelos integrantes da AGU e das procuradorias da Fazenda, do Banco Central e de autarquias federais. Para eles, os honorários usados para turbinar os seus rendimentos são “verba privada” - ou seja, na sua visão, não integram o orçamento público.
Desde 2017 a União já transferiu, em valores corrigidos pelo IPCA, mais de R$ 18,5 bilhões à associação privada (!!!) que administra os pagamentos aos integrantes das suas carreiras. Apesar de ser uma aberração, a apropriação de recursos públicos ameaça se tornar uma tendência entre a elite do serviço público brasileiro.
Na quarta-feira (16) o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1872/2025, que cria o Fundo de Fortalecimento da Cidadania e Aperfeiçoamento do Ministério Público da União. Para quem acompanha a fábrica de privilégios que é o Estado brasileiro, fica uma dica: sempre desconfie dos nomes bonitos, principalmente aqueles que usam “cidadania”, “democracia”, “social” e afins - é bandeira vermelha de que vem alguma tungada no Erário ou, de forma direta, no contribuinte brasileiro.
O fundo do Ministério Público não tem nada de medida para fortalecer a cidadania. Seu objetivo é garantir para o MPU recursos orçamentários, receitas de inscrições de concursos e ainda 10% da arrecadação de custas judiciais, multas aplicadas pela Justiça e alienação de bens considerados abandonados. Tal qual acontece com o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, a gestão do montante arrebanhado pelo fundo do MPU ficará totalmente a cargo de integrantes do órgão, sem nenhuma supervisão de representantes externos à corporação.
Em termos práticos, se virar lei, o fundo garantirá ao MPU a liberdade para administrar recursos bilionários que ficarão a salvo das imposições dos ajustes fiscais. E muito embora a versão final aprovada pela Câmara tenha vedado a aplicação das receitas do fundo com despesas de pessoal, não será surpresa se essa trava for retirada ou simplesmente ignorada no futuro.
A corrida pela privatização do orçamento público é generalizada entre as carreiras (ou seriam castas?) do serviço público. Proposta parecida está na pauta da Câmara contemplando a Defensoria Pública da União (com seu “Fundo de Fortalecimento do Aceso à Justiça e Promoção dos Direitos Fundamentais”, mais um nome bonito). Da mesma forma, magistrados, delegados da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e técnicos do Banco Central, entre outras corporações, têm propostas para assegurar para si a destinação de recursos a fundos parafiscais que poderão ser administrados livremente.
Essa situação se replica nos Estados. No fim de 2024, o governador Romeu Zema (Novo-MG) sancionou lei criando fundos para o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral do Estado mineiros. Para turbinar esses instrumentos financeiros, além de dotações orçamentárias repassadas pelo Estado, a norma garante aos respectivos órgãos parte do valor recolhido com emolumentos cartoriais e valores provenientes de acordos firmados com entes públicos ou privados - aí incluídos os famosos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).
Os fundos do MP, da Defensoria e da AGE mineiros poderão ser utilizados para múltiplas funções, desde a construção e reforma de imóveis até a aquisição de equipamentos e o treinamento de pessoal. No rol de possibilidades de uso do dinheiro do fundo consta a “realização de despesas de caráter indenizatório”. Em outras palavras: o MP, a Defensoria e a AGE deram um jeito de assegurar recursos para pagar, com total liberdade, os penduricalhos milionários para promotores, procuradores e defensores públicos.
Nesta lógica privatizante do orçamento levada a cabo pelas instituições que deveriam zelar pela boa aplicação dos recursos públicos, em breve precisaremos trocar o lema da bandeira nacional: sai o “Ordem e Progresso” e deveria entrar o “Farinha Pouca, Meu Pirão Primeiro”. É muito mais apropriado.

Perguntas ainda não respondidas adequadamente - Paulo Roberto de Almeida

Perguntas ainda não respondidas adequadamente:

Por que o povo russo, sim, não apenas Putin, está empenhado em massacrar, matar o povo ucraniano, sua cultura, seu patrimônio, depois de ter sido castigado duramente por muitos invasores ao longo dos séculos? Mongois, vikings, suecos, franceses, alemães violentaram o território russo em diversas ocasiões, o que pode ter provocado uma certa paranoia (mas logo o povo irmão da Ucrânia?).

Por que o povo de Israel está denegando ao povo palestino o direito de ter o seu Estado, como os judeus o fizeram, beneficiados temporariamente por circunstâncias excepcionais? Por que invadem suas terras e pretendem implantar o Grande Israel, que nada mais é do que um mito religioso?

Por que determinadas seitas islâmicas se empenham em dominar outros povos, por vezes até outros muçulmanos, estendendo uma dominação que se apoia numa leitura monopolista e imperiaista da sua religião, nunca aberta ao trabalho de exegese? A exegese, ou seja, a critica e a interpretação do texto religioso, foi o que permitiu ao povo judeu e aos povos cristãos a libertação da religião opressiva, fanática e monopolista.

Por que o povo brasileiro não consegue se libertar de uma cultura oligárquica, responsável por uma das sociedades mais desiguais do mundo? Por que não consegue deixar de apoiar políticos corruptos, demagogos e mediocres? Deve ser por falta de educação, mas depois de tanto tempo ainda não conseguiu resolver essa questão elementar?

Perguntas, por enquanto, sem respostas adequadas. 

Virão algum dia?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 22/07/2925


segunda-feira, 21 de julho de 2025

Oyez, oyez, citoyens! Relembrando Nelson Rodrigues e Umberto Eco - Paulo Roberto de Almeida

Oyez, oyez, citoyens! Relembrando Nelson Rodrigues e Umberto Eco

        Não estou proibindo a burrice. Todos têm o amplo direito democrático de expressar suas estupidezes pessoais nos espaços que constroem para si próprios nas ferramentas disponíveis de informação e de comunicação.
        Nelson Rodrigues, antes da internet, Umberto Eco, já no domínio das redes, alertaram para o perigo iminente da multiplicação dos idiotas nos espaços sociais: eles iriam se sobrepor às vozes da inteligência apenas pelo seu número avassalador. 
        Atuando solitariamente em meus espaços nestas ferramentas, defendendo meu quilombo de resistência intelectual, representado por meu blog Diplomatizzando, creio ter todo o direito de impedir a invasão dos idiotas e dos militantes ignorantes de certos credos extremistas nestes meus instrumentos de informação e de comunicação, recomendando aos enquadrados nas restrições que eles contenham seus comentários nos seus próprios espaços  ou nos de seus semelhantes e colegas de tribo. Não tenho porque poluir meu copyright com burrice alheia.
    
        Eis minha declaração de princípios:
“Diplomatizzando
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.”

        Sublinho racionalidade e inteligência; tudo o que ofender esses modestos critérios será imediatamente deletado das minhas ferramentas. 
C’est mon droit et mon devoir!
Proteção da inteligência, preservação da racionalidade. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/07/2025

Uma pequena história econômica, desastrosa, do mundo (e do Brasil) - Paulo Roberto de Almeida

Uma pequena história econômica, desastrosa, do mundo (e do Brasil)

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre a destruição do mundo por Mister Trump 

 

Não sei se a realidade atual do “comércio” bilateral Brasil- EUA, assim como a dos EUA para com o mundo inteiro, é ubuesca, surrealista, talvez kafkiana, ou apenas e simplesmente psiquiátrica: vcs escolhem a melhor opção.


Milhares de empresários e de trabalhadores, milhões de consumidores americanos e brasileiros, várias centenas de intermediários (nos documentos de crédito, financiamentos e pagamentos correntes), ou seja, toda a cadeia produtiva, comercial, atacadista e varejista dos dois paises, está à mercê dos humores de dois presidentes que não conseguem, não querem e não podem iniciar negociações, sequer uma primeira conversa a respeito da absurda medida adotada pelo presidente americano de taxar pesadamente, unilateralmente e ilegalmente (pelas regras do GATT) as exportações brasileiras para os EUA.


Todo o espetáculo grotesco dos contínuos tarifaços trumpistas, dirigidos de forma circense, aos 196 países da comunidade internacional, conforma algo tão inédito na história do GATT e da economia mundial que os futuros historiadores da área terão dificuldade em como classificar esses atos arbitrários e incompreensiveis, ao atingir pesadamente os interesses de todos, começando pelos interesses do seu próprio país e do seu povo. 

Parece algo similar à decisão de um novo Átila imperial mobilizando todos os seus guerreiros armados e colocando-os na linha de frente de invasões sucessivas de territórios estrangeiros, simplesmente com o objetivo de destruir o que encontram pela frente, sem qualquer critério de conquista e incorporação a uma nova ordem imperial: se trata de pura destruição do que existe, instituições que os próprios EUA tinham concebido e criado ao cabo da IIGM, depois dos equívocos monumentais que eles próprios tinham perpetrado em 1930 e 1934, ao adotar medidas comerciais e cambiais totalmente desastrosas, que aprofundaram a crise iniciada em 1929 e que mergulharam o mundo na Grande Depressão dos anos 1930, e que culminaram na maior guerra global (até aqui) na história da humanidade.


Trump, por ignorância excepcional, arrogância doentia e impulsividade demencial, está simplesmente desmantelando tudo o que os “pais fundadores” americanos tinham concebido e implementado, como nova ordem econômica global, começando em Bretton Woods (1944), aprofundado em Londres e Genebra (1946-47), e que durante 80 anos serviu para trazer paz e prosperidade ao mundo (sobretudo “ocidental”, pois que Stalin vetou a incorporação da URSS e do império soviético a essa nova ordem econômica), uma arquitetura comercial e financeira confirmada e ampliada a partir dos anos 1990.


Trump ignora tudo isso e se dispõe a destruir tudo o que existe, atingindo centenas de milhões, alguns bilhões de seres espalhados em praticamente todos os países do globo. Infelizmente a ONU não dispõe de um “esquadrão psiquiátrico emergencial” capaz de deter o tresloucado dirigente que se crê um imperador mundial. 

O novo Átila continua solto…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 21/07/2025


Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil: releitura do clássico de Milton Friedman na perspectiva do Brasil - Paulo Roberto de Almeida


Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil

Apresentação-debate no dia 24/07, 19h00 (informarei o link)

Haverá um poster-convite para esta palestra que vou dar no dia 24/07, 19hs (informarei o link). Mas já transcrevo o texto que preparei sobre o tema. Há uma apresentação sintética que também colocarei à disposição dos interessados:

4957. Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil: releitura do clássico de Milton Friedman na perspectiva do Brasil (Brasília: Diplomatizzando, 2025, 84 p.; ISBN: 978-65-01-53577-7), Brasília, 19 junho 2025, 84 p. Livro composto na série dos clássicos revisitados, para apresentação em evento da série de leituras do Livres em 24/07/2025. Disponível nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/.../Capitalismo_e_liberdade_nos...) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/.../392817753_Capitalismo_e...); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/.../livro-disponivel...). Relação de Publicados n. 1579.




Leitura de livro: Eugênio Giovenardi: Os Fugitivos da Água - Paulo Roberto de Almeida

Resumo rápido por Paulo Roberto de Almeida

Leitura de livro:
Eugênio Giovenardi:
Os Fugitivos da Água
(Goiânia: Kelps, 2025)


        Estou lendo este "romance científico futurista", se assim posso classificar este livro, do meu amigo, colega sociólogo (embora eu nunca tenha exercido a profissão) e colega de academia, no caso o IHG-DF, obra que tem uma construção original, mas que é embasada (cada linha, cada parágrafo, cada capítulo) na mais pura informação científica, nos campos da ecologia, da sociologia, da economia, da biologia e muitas outras disciplinas trabalhadas com esmero e profundo conhecimento por este "Renaissance Man" (provavelmente mais do que isto).

        Trata-se de um relato feito em meados do século XXII, ou seja, em torno de 2150, sobre o desaparecimento do mundo como o conhecemos hoje, a partir de uma fissura geológica na África (entre o Sudão e a Etiópia) que precipita uma invasão dos mares sobre territórios habitados, uma espécie de "Segundo Dilúvio".
O suposto autor, ou narrador da catástrofe ecológica, é Seven Oitis, descrito como um "Naturólogo, Licenciado em Inteligência Ambiental", cujo nome, escrito ao inverso, significa simplesmente "Sítio Neves", ou a morada do Eugênio.

        Ele cita um autor de um livro, "O Outono Sem Fim" (publicado em 2119), que seria Lechar Nosrac, também um nome invertido, que remete à famosa Rachel Carson, autora de "Silent Spring" (1962; reeditado muitas vezes, e ainda hoje lido com devoção por todos os ativistas da defesa ambiental (o que é exatamente a mais importante atividade de Eugênio Giovenardi).
        A Rachel Carson é praticamente a "mãe" do movimento ecologista contemporâneo, tendo denunciado o uso de defensivos agrícolas por grandes empresas da área, sabotada por eles, mas que se impôs corajosamente até a proibição legal do uso de vários produtos tóxicos nocivos à alimentação humana. Vcs podem ter uma ideia da importância dela lendo a biografia na Wikipedia, e verificando os livros na Amazon.
        Não vou relatar o enredo do livro, pois quero que os que lerem esta nota procurem a obra para saber como é que a humanidade, ou boa parte dela, se tornou "Fugitiva da Água", um dilúvio, ou super inundação, causada pela destruição da natureza pela ação humana.
        O que sim gostaria de confirmar é a riqueza da informação científica manipulada de forma competente por Giovenardi, uma vez que, como afirmei acima, cada frase dele vem sustentada em fatos reais, do mundo natural, trabalhados por cientístas, e explicados de maneira racional, mas de forma agradável, atraente.

        Transcrevo um trecho, da p. 78-79:
        "Perguntava-se Lechar Nosrac [ou seja, a Rachel Carson do século XXII], em uma de suas muitas entrevistas à imprensa televisiva, 'como foi que se chegou a esta raiva do tempo, da natureza, do planeta? Que foi feito da primavera que chegava antes do verão?' As neves nórdicas e as águas da Antártida derretidas não só modificaram os costumes dos habitantes do mar, como alteraram o modo de vida dos moradores dos continentes invadidos. Documentários produzidos nos grandes degelos dos anos 2060 [ou seja, o resultado prático do aquecimento global, já em curso neste século], registravam cenas reveladoras dos alertas repetidos por inúmeras agências observadoras do clima e dos fenômenos físicos ao redor do planeta. Por incredulidade, ou incompetência ou 'interesses maiores' não haviam sido levados a sério pela população nem pelos órgãos da administração pública dos países, localizados à margem de oceanos e possuidores de grandes rios que neles desembocavam."

        Voilà, isso dá uma ideia de como Giovenardi desenvolve seu argumento, por vezes narrado pelo 'autor' (Seven Oitis) ou pela Rachel Carson (invertida) do futuro (a verdadeira morreu dois anos depois de seu famoso livro, em 1964. Os capítulos são descritos pelo narrador, com dois amigos também cientistas, e eles vão repassando toda a literatura científica sobre o meio ambiente desde os anos 1960, 70 (primeira conferência sobre meio ambiente, em Estocolmo, em 1972), os alertas do Clube de Roma e todos os malthusianos e catastrofistas do esgotamento dos recursos naturais, a destruição da natureza, os relatórios "da antiga Organização das Nações Unidas" (ou seja, ela já terá desaparecido no século XXII, e Trump, por uma vez, não é o culpado direto, pois o livro foi escrito antes que o laranjão começasse a destruir o mundo de forma mais afirmada) e uma pletora de outros materiais relacionados na bibliografia do livro.
        A obra termina, justamente, por uma entrevista com Lechar Nosrac, ou seja, a Rachel Carson do futuro.

        Aos que desejarem saber mais sobre o autor e suas obras, recomendo uma visita a uma (ou mais) de suas páginas, podendo começar por aqui.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/07/2025

domingo, 20 de julho de 2025

Apocalypse now? Uma reflexão sobre grandes crises que nos atingiram e seus principais responsáveis - Paulo Roberto de Almeida

 Apocalypse now?

Uma reflexão sobre grandes crises que nos atingiram e seus principais responsáveis

Paulo Roberto de Almeida

O mundo e o Brasil, todos nós, das quatro gerações que precederam a nossa, conhecemos algumas crises devastadoras, nos últimos cem anos. Todas elas podem ser identificadas pelos nomes dos principais (não exclusivos) responsáveis.

1929 foi uma simples crise do mercado acionário americano, e o país já estava a se recuperando em março-abril de 1930 (conforme li num número da Economist dessa data), quando o presidente Herbert Hoover sancionou a Lei Tarifária Smoot-Hawley em junho desse ano, contra a opinião de mais de 200 economistas, que tinham alertado nas páginas do NYT contra a aprovação desse ato protecionista.
Não deu outra: mais do que a crise da Bolsa de NY no ano anterior, o ato precipitou respostas de outros países, igualmente protecionistas, e preparou o terreno para as crises bancárias europeias de 1931, que lançaram o mundo na Grande Depressão.
Podemos chamar essa de "Crise Hoover".
Ambas foram responsáveis pela maior crise econômica no Brasil até aquele ano: em 1930-1931, o PIB decresceu 6%, mas depois se recuperou, com as medidas adequadas tomadas pelo novo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha.

2014-2015: foi uma crise cuidadosamente preparada pela sua administradora principal, a chefe da Casa Civil, e sua tropa de economistas amestrados da "Nova Matriz Econômica". Tivemos uma recessão superior à de 1931: menos 8% no PIB e menos 10% no PIB per capita. Foi a maior crise da história econômica do Brasil, até aqui.
Podemos chamar a essa de "Crise Dona Dilma".
A recuperação foi dura, e só veio depois do impeachment da presidente em 2016, com o governo Michel Temer e um programa dirigido pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles (que já tinha debelado a crise criada pela eleição de Lula em 2002, à frente do Banco Central entre 2003 e 2010) . Foi duro mas passou.

2025-202?: estemos assistindo à construção da "Crise Trump", que vai afetar não apenas os Estados Unidos, mas também o mundo inteiro, embora com variações em função das retaliações tarifárias e outras.
O Brasil vai ser um dos mais atingidos, não apenas em virtude das tarifas de 50% (talvez mais, se medidas retorsivas forem adotadas pelo Brasil), mas também pelas investigações da Seção 301 da Lei Comercial americana de 1974, tudo isso por motivação puramente política (entre elas a briga pessoal Trump-Lula), ligada ao clã dos "traidores da pátria", mais o efeito Brics+.

Como sempre, todas essas crises – mais a dos países em desenvolvimento de 1997-1999, a dos países desenvolvidos, a imobiliária de 2007 e a bancária de 2008 – resultam de uma mistura de políticas econômicas erradas e da impulsividade de certos dirigentes: Hoover, Dilma, agora Trump (with a little help from Lula, se este se agita muito contra o laranjão demencial).

Vou ter de atualizar meu quadro das crises econômicas relevantes, que já fiz com base no livro do Charles Kindleberger, Panic, Manias and Crashes, atualizado e aumentado para a AL e o Brasil até o início dos anos 2000.

Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 20/07/2025

Entrevista 'O Brasil já está condenado como na Inquisição', afirma Ricupero - Rosana Hessel (Correio Braziliense)

Entrevista
'O Brasil já está condenado como na Inquisição', afirma Ricupero

A abertura de investigação contra o Brasil, pelos Estados Unidos, no âmbito da Seção 301, já tem resultado, como na Inquisição, na avaliação do diplomata, mas medida poderá ajudar o país a ganhar tempo até a aplicação da sobretaxa.

Por Rosana Hessel
Correio Braziliense, 20/07/2025
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/07/amp/7205601-o-brasil-ja-esta-condenado-como-na-inquisicao-afirma-ricupero.html

A abertura da investigação contra o Brasil, pelos Estados Unidos, no âmbito da Seção 301 da Lei Comercial norte-americana, abriu mais um flanco na disputa comercial entre os dois países, mas pode ser positiva o governo brasileiro ganhar tempo na entrada em vigor da sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros, prevista para 1º de agosto, na avaliação do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. "Isso pode permitir, primeiro, quem sabe, um prazo maior, porque a investigação não vai terminar no dia 1º de agosto. E, como há sessão marcada para o dia 3 de setembro, haveria mais tempo", afirma Ricupero, em entrevista ao Correio, na quinta-feira (17), por telefone.

Na avaliação do ex-ministro, contudo, o Brasil já está condenado antes mesmo de se defender na audiência marcada para 3 de setembro pelo representante de comércio dos EUA, o USTR, e não terá a mínima chance, "como no tribunal da Inquisição", na Idade Média. "Ele já está condenado", afirma. Para ele, o presidente dos EUA, Donald Trump, resolveu abrir o processo para tentar dar alguma justificativa às medidas contra o Brasil que não têm fundamento do ponto de vista técnico, mas seguirá uma estratégia de forçar uma negociação permanente.

Leia também: Lula critica revogação de visto de Moraes pelos EUA: "Medida arbitrária"
Diplomata de carreira, Ricupero não poupa críticas ao modus operandi de Trump e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está sendo patrocinado pelo ex-capitão em solo norte-americano. "O Eduardo Bolsonaro está cometendo um suicídio político. Ele, dificilmente, no futuro vai ter condições de poder enfrentar a opinião pública brasileira", profetiza. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O governo dos Estados Unidos no âmbito da Seção 301 e chegou a atacar o Pix e o comércio da 25 de Março, em São Paulo. Como o senhor avalia a reação do Brasil?

Bem, eu vejo a situação como, de fato, uma ameaça grave. Indo por partes, isso começou no dia 9 de julho, quando ele enviou aquela mensagem ao Lula por canais extraoficiais, tanto que que o Itamaraty depois teve que chamar o encarregado de negócios para confirmar se aquela mensagem era autêntica ou não. Normalmente, uma mensagem de um presidente a outro vem por canais oficiais, vem da Embaixada, que envia o Ministério das Relações Exteriores, que encaminha ao presidente da República. Existe um protocolo, mas o Trump mandou por uma mídia social qualquer, tanto que a mensagem foi devolvida, porque não vinha de acordo com as normas usuais. E essa mensagem misturava dois tipos de assunto. A primeira parte da carta era uma referência ao que ele considera perseguição a Bolsonaro e às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relativas ao conteúdo das plataformas, das big techs. E a segunda parte era mais parecida a essas mensagens que ele envia a muitos países, como a União Europeia, o Japão, a Coreia do Sul, o México e o Canadá, ameaçando em cada caso aplicar uma tarifa num determinado nível, se eles não negociarem, e colocando um prazo. Então, são duas mensagens em uma, porque são dois temas diferentes. O primeiro tema é, obviamente, fora de qualquer possibilidade de negociação.

Pode explicar melhor?

É uma contestação à ação de um Poder soberano do Brasil, que é o Judiciário. Inclusive, uma mensagem enviada a um destinatário errado, porque o Lula não tem nada a ver nem com a punição do Bolsonaro, nem com as decisões do Supremo. O Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por causa daquela reunião que ele fez com embaixadores, no Palácio do Alvorada. E ele está respondendo, agora, a outro processo do STF, acusado de conspiração. Ainda que o Lula quisesse responder, ele não tem o que responder, porque isso deveria ser dirigido ao Judiciário. Essa é uma parte inegociável, que não pode ser objeto de nenhum tipo de consideração. Agora, a outra parte, que é a questão do comércio, não é diferente do que Trump tem feito com um número enorme de países.

Qual a sua interpretação da Seção 301?

A minha impressão é que isso aconteceu, porque o governo Trump se deu conta de que a aplicação de sanções de tarifas ao Brasil num contexto de um tema político de soberania era uma medida ilegal até do ponto de vista norte-americano. O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, por exemplo, escreveu duas postagens na internet citando a lei comercial mostrando quais eram os casos em que um presidente norte-americano poderia impor tarifas. Nenhum dos casos se enquadra no caso brasileiro. Acho que eles ficaram alertados para a falta de uma base legal e resolveram abrir essa investigação da Seção 301. Como a lei exige, eles mandaram esse documento de 15 páginas em que relacionam um número enorme de questões, até desconexas, porque vão do comércio da 25 de Março até o desmatamento da Amazônia. Porque no caso da alegação política, como eu disse, você não teria nem onde começar, não teria nem por onde dialogar. Nesse caso, não. Isso segue uma regulamentação. O USTR, inclusive, estabelece as audiências públicas e já tem uma marcada para 3 de setembro. Nessas audiências, ouvem-se as partes. Ao menos, agora, o governo norte-americano oferece um processo. Só que não dá qualquer garantia de imparcialidade.

Por quê?

Estamos falando de Trump. Esse mecanismo 301 é antigo, não é de agora. Quando fui embaixador do Brasil, no GATT, em Genebra, de 1987 a 1991, durante quase toda a rodada do Uruguai, eu era o chefe da delegação do Brasil lá em Genebra, que, agora, é a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na época que eu estava lá, os EUA já tinham acionado essa Seção 301, no caso do Brasil, sobre as patentes para remédios. Eles alegavam que o Brasil não reconhecia patentes para medicamentos nem o processo. É uma coisa antiga, tem mais de 30 anos. Não só o Brasil, mas também os outros países nunca admitiram a legalidade desse mecanismo, porque, pela lei internacional, teriam que pedir uma investigação na OMC, pelo Departamento de Solução de Controvérsias. Mas, obviamente, esse mecanismo deles é totalmente unilateral e parcial, porque é um tribunal em que o mesmo país é promotor público, é juiz e é executante do processo. É como se a mesma pessoa fosse o acusador, o juiz que dá a sentença e o carrasco que executa. É óbvio que é um tipo de mecanismo em que o acusado não tem a mínima chance. Ele (o Brasil) já está condenado, como tribunal da inquisição. Quem era denunciado à Inquisição nunca saía inocentado. Por definição, é culpado.

O senhor não está otimista?

Eu não sou otimista. O fato de eles mandarem essa carta com 15 páginas, em que todo mundo discute um argumento e outro, mas, no fundo, é claro, até por uma questão de dignidade, mostrar que tudo é bobagem. Mas você não pode ter muita esperança de que o resultado vai ser a condenação. Apenas a única coisa que eu diria é que isso pode permitir, primeiro, quem sabe, um prazo maior. Porque a investigação não vai terminar no dia 1º de agosto. E, como há sessão marcada para o dia 3 de setembro, haveria mais tempo. Seria bom se pudesse ter um prazo maior, porque é como no caso dos outros países, o prazo foi sendo estendido cada vez mais. E também porque acho que, com o atual governo dos EUA, o máximo que se pode desejar não é um acordo definitivo, mas é uma espécie de estado de negociação permanente, porque ele sempre reabre. O máximo que vai acontecer é negociar uma sanção menor do que essa de 50%.

Agora, é curioso que esse estado de negociação permanente parece uma marca do Trump. Ele estica a corda para depois negociar?

Ele quer deixar o adversário sempre desestabilizado. E, com isso, ele está sempre tomando novas iniciativas para obter mais concessões. Agora, eu acho que há muitas ilusões. Muita gente tem falado, até colegas meus diplomatas, dizem, que precisamos negociar, por exemplo, o etanol, porque o Brasil tem uma tarifa maior, de 16%, 18%, do que a tarifa deles sobre o nosso etanol e cana-de-açúcar. Agora, todas as pessoas que dizem isso estão partindo de uma pressuposição equivocada, a de que nós nunca quisemos negociar. A verdade é que isso não é certo.

Como assim?

O Brasil tentou negociar várias vezes e eles que é que não quiseram. É preciso lembrar uma frase que os americanos usam muito, eles dizem que para dançar o tango você precisa de duas pessoas. E a negociação é a mesma coisa. O Brasil, no mês de março, mandou uma missão aos Estados Unidos e tentou negociar. Essa presunção que está sendo repetida aqui não é verdadeira. Não é verdadeira. O Brasil sempre esteve disposto a negociar o comércio. Ele nunca quis negociar questões de soberania nacional. As pessoas que falam em negociação sobre o etanol, ou não conhecem, ou estão sendo ingênuas, porque o Brasil tentou negociar o etanol sugerindo que os americanos fizessem concessões, ou em suco de laranja, porque encontramos muitas barreiras no mercado norte-americano para o suco de laranja por causa da Flórida. Eles não aceitaram nem conversar sobre uma coisa nem sobre outra. Essas pessoas que fazem essas declarações pensam que os americanos estão de boa-fé. Mas, eu tenho minhas dúvidas. Na verdade, eles não querem negociar, eles querem extorquir. Eles querem que o Brasil faça concessões unilaterais sem esperar nada em troca.

E o que o senhor acha desse procedimento da Seção 301?

Infelizmente, esse mecanismo, vai demonstrar que eles não estão interessados numa negociação real. Oxalá eu esteja equivocado. Mas os precedentes me levam a crer que na área que eles são protecionistas, eles não vão ceder. Você sabe, as pessoas todas partem da presunção de que eles são os heróis e nós somos os vilões. Mas isso é equivocado. Eles têm protecionismo exacerbado, por exemplo, em açúcar, em arroz, em etanol, em suco de laranja, em algodão. O Brasil já ganhou uma vez um julgamento na OMC contra os Estados Unidos por causa dos subsídios ao algodão. Eles, em vez de retirar os subsídios, preferiram pagar a multa. Pagaram vários milhões de dólares ao Brasil, mas não retiraram os subsídios, porque os subsídios ao algodão decorrem da ação do lobby mais poderoso do Texas. Há muita ignorância sobre o panorama norte-americano, porque, mesmo a média das tarifas deles, que era baixa, agora com o Trump, já no mês de maio, estava em 8,5%, que é praticamente o nível teórico das tarifas brasileiras. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um documento há pouco tempo mostrando que as tarifas que o Brasil efetivamente aplica aos produtos americanos, como há muitas exceções, são menos de 3%. Na prática, o que é que o Brasil vai negociar?

Então o Brasil não é protecionista em relação aos Estados Unidos?

É, em teoria. No livro tem essas tarifas, mas, na aplicação prática, a tarifa aplicada aos produtos americanos é inferior a 3%. Por isso, é que os americanos têm exportado muito para o Brasil. Basta ver os documentos da AmCham que mostram que o saldo comercial americano aumentou. Então é preciso dizer isso. E a esperança que podemos ter de, pelo menos, reduzir essas tarifas para 10% é usar a ajuda do setor exportador americano. Se nós vamos perder, os americanos vão perder mais, porque eles têm saldo comercial positivo com o Brasil. É um raciocínio muito simples. Se, nos últimos 15 anos, venderam ao Brasil US$ 410 bilhões a mais do que compraram, se zerar o comércio, eles perdem mais.

E no Brasil, quem perde mais?

Os maiores prejudicados são a Embraer, a WEG, fabricante de motores de Santa Catarina, e a Tupi, que exporta ferro fundido. Mas é preciso ver caso a caso. A American Chamber of Commerce, que é uma câmara de comércio norte-americana, publicou um documento dizendo que mais de 6 mil pequenas empresas dos EUA dependem de importação de produtos brasileiros. A melhor esperança que o Brasil pode ter é mobilizar esse setor, porque, obviamente, ele tem mais influência sobre o Trump do que o governo brasileiro ou a nossa diplomacia.

A estratégia não será a via diplomática no caso?

O Trump não é sensível à diplomacia. Ele não fala com diplomata. Ele fala com homens de negócios. Os diplomatas brasileiros são úteis no caso da Seção 301, porque quem vai representar o Brasil vai ser a Embaixada ou o vice-presidente Geraldo Alckmin. O Brasil também pode procurar os diplomatas brasileiros em Washington, por exemplo, para mobilizar os estados americanos em que o Brasil já tem indústria. São vários. Se há 3.800 empresas americanas com investimento no Brasil, por outro lado, há mais de 2.600 empresas brasileiras com investimento nos EUA. É preciso mobilizar esses estados, porque muitos deles são republicanos e têm acesso ao presidente Trump. Há uma ampla gama de coisas que se pode fazer. Mas, sem muita ilusão, porque como eu disse, da parte deles, não há boa-fé. Só espero que essa decisão possa ser negociada quanto ao prazo e quanto ao montante da sobretaxa.

A Lei de Reciprocidade seria um tiro no pé do governo brasileiro?

Não, eu acho que não, porque a Lei de Reciprocidade dá ao Brasil a possibilidade de retalhar se o pior acontecer. A reciprocidade é como uma bomba atômica. Você tem que possuir um elemento para não usar. Você tem que dizer, olha, se você me aplicar tal e tal coisa. Você não me deixa retalhar. Eu não quero fazer isso, mas está nas suas mãos. Nessa investigação, por exemplo, eles fazem acusações infundadas, entre outras, de que o Brasil não protege a propriedade intelectual, de que o Brasil está aplicando taxas sobre serviços de telecomunicação. Você sabe, isso em inglês se chama uma self-fulfilling prophecy, uma profecia autorrealizável. Se eles estão me castigando por uma coisa que eu não estou fazendo, estão me convidando a fazer essa coisa. Isso pode ser utilizado como argumento dentro do processo da Seção 301, porque a impressão que eu tenho é que dentro desse processo, muitas das acusações vão se revelar infundadas, como essa do Pix. Isso vai se desmontar e no fim e vai ficar alguma coisa que eles vão se segurar para aplicar alguma medida. Esse é o cenário mais provável que vai acontecer.

Qual sua avaliação da escolha do vice-presidente Geraldo Alckmin como o negociador após as declarações de Lula na cúpula do Brics?

Primeiro, acho que o Alckmin é o interlocutor ideal. Ele é um conciliador, um homem que tem muito controle do que ele diz. Ele nunca faz declarações sem pensar, acho que ele é o interlocutor ideal para conduzir essa negociação. Por outro lado, independentemente das declarações de Lula na cúpula do Brics, mesmo se ele nunca tivesse dito uma palavra, ele já representa, pelas suas posições tradicionais, algo que é incompatível com o Trump. Certas pessoas têm dito que o Lula deveria tomar o telefone, deveria ir lá conversar com Trump, mas elas esquecem que, quando o Trump recebeu o Volodymyr Zelensky (presidente da Ucrânia), ele passou uma descompostura pública. O Lula também corria o risco de sofrer uma humilhação pública. É preciso tomar cuidado com o que se sugere. Já o Alckmin é diferente. Ele não vai negociar com o Trump. Vai negociar com os setores do governo americano, como o USTR, a Secretaria de Comércio, o Departamento de Estado.

Com a investigação da Seção 301, agora, esses canais são abertos. Antes não tinha. A investigação tem um lado negativo, que é aquele acúmulo de acusações, um pouco sem perna e cabeça, mas por outro lado proporciona, como eu disse, um procedimento com regras. E a investigação prevê audiências públicas, prevê apresentação de documentos. Tudo isso não existia antes, agora vai passar a existir.


As medidas anunciadas por Trump, de certa forma, defendendo o Bolsonaro, na verdade, estão beneficiando o Lula no campo político. As pesquisas da Quaest, por exemplo, mostraram que a aprovação de Lula aumentou e a desaprovação diminuiu. Quer dizer que Trump está ajudando mais o Lula do que o Bolsonaro indiretamente?

Eu concordo plenamente. Esse tipo de medida é contraproducente. Ter o apoio público do Trump é pior do que não ter nenhum apoio. Porque você vê, isso já aconteceu com nas eleições canadenses, há dois, três meses atrás. O Trump apoiou o candidato que era o adversário do atual primeiro-ministro. Perdeu a eleição por causa do Trump. A mesma coisa aconteceu na Austrália. Então, eu acho que vai acontecer aqui também no Brasil, já está acontecendo. Inclusive, como você sabe, tradicionalmente a opinião pública brasileira rejeita a intromissão de uma potência estrangeira. E brasileiros que apareçam conspirando com o governo estrangeiro para prejudicar o Brasil passam a ser rejeitados pela opinião pública brasileira. Acho que o Eduardo Bolsonaro está cometendo um suicídio político. Ele, dificilmente, no futuro, vai ter condições de poder enfrentar a opinião pública brasileira. O que esses brasileiros estão fazendo é castigando o Brasil. Eles são muito desequilibrados. Eles não estão castigando o Lula. Para o Lula, está sendo um presente fantástico para a eleição de 2026. O Lula não sai perdendo, politicamente. Quem sai perdendo são os trabalhadores, os empresários… 

Mal comparando duas personalidades: Lula e Trump - Paulo Roberto de Almeida

Mal comparando duas personalidades: Lula e Trump

P.S. ex-ante: Alguns dos leitores da postagem abaixo estão considerando que eu equiparei Lula e Trump, que supostamente considero ambos exatamente iguais, o que é totalmente errado. Eu falei da maneira de ser, não do caráter ou do efeito real de suas ações, no que eles são absolutamente diferentes, com ações frontalmente opostas no plano interno ou na esfera internacional.

Lula é um populista sinceramente engajado na promoção do povo pobre, ainda que com politicas equivocadas no plano econômico e mesmo social. Lula não é marxista, está longe de qualquer definição ideológica, mesmo se acredita ser um esquerdista, onde acredita devem estar todos aqueles que querem igualdade de oportunidades para aqueles que nunca tiveram nenhuma. 

Também é um anti-imperialista igual a tantos outros (como eu, por exemplo) e um antiamericano anacrônico, e por isso se alia a ditaduras execráveis ao redor do mundo, de direita e de esquerda, desde que sejam antiamericanas ao seu gosto, o que é exatamente o caso do extremista de direita, tirano cruel Vladimir Putin, que leva uma brutal guerra de agressão contra o povo ucraniano, contrária à Carta da ONU e a todos os princípios elementares do Direito Internacional, assim como aos valores constitucionais e aos padrões diplomáticos do Brasil, que Lula parece ignorar completamente. Nesse plano dos nossos valores e princípios, creio que Lula está profundamente equivocado, mas não na esfera de suas intenções. Espero que isso fique bastante claro, ponto.

Trump é um sujeito completamente diferente, de um caráter doentio e perverso, absorvido unicamente por suas próprias ambições mesquinhas e que está destruindo não apenas o seu próprio país, mas tudo aquilo que os EUA fizeram de positivo no mundo nos ultimos 110 anos (por certo muitas coisas erradas, Vietnã, Iraque etc., mas a maior parte certas, como salvando a Europa duas vezes de aventuras totalitárias de poderes agressivos). Trump é um sociopata perigoso, para os EUA e o mundo, que isso fique bastante claro, ponto.


Resumo e termino esta nota introdutória a uma postagem anterior: Eu fiz uma comparação entre duas personalidades pelo lado do egocentrismo megalomaníaco, não quanto a seus respectivos papeis no plano das políticas sociais. Se quiserem notas “diplomáticas” para ambos, Lula fica com 40/100 e Trump com um Zero absoluto (Putin tem menos 50, ou mais, e merece um Nuremberg só seu). PRA

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Aqui a postagem original:

No fundo, no fundo, Trump e Lula são muito parecidos, praticamente duas almas gêmeas separadas unicamente pela língua e pelo PIB de cada país, mas unidos pela mesma vocação palanqueira, bravatas mil, espíritos autocentrados, se encantam com as suas próprias palavras, se julgam extraordinariamente espertos e acreditam, piamente, que ninguém consegue ser como si próprios, cada um deles, respectivamente, dispostos a subir o tom quando são desafiados, não aceitam negativas e acham que podem transferir custos para terceiros desde que possam provar que estão certos e que não há nada melhor do que prevalecer sobre tudo e sobre todos, como se o mundo girasse em volta deles mesmos, a exclusão de qualquer concorrente, adversário, auxiliar ou subordinado, todos devidamente enquadrados e submissos à sua vontade exclusiva. Lula tem ligeira vantagem, pois está em 3, ao passo que seu espelho tropeça no 2. 

Cara de um, espelho do outro, perfeitamente simétricos, ainda que no formato reverso, comme il faut!


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20/07/2025


sábado, 19 de julho de 2025

A cláusula de nação-mais-favorecida está na origem do multilateralismo - Paulo Roberto de Almeida

 A cláusula de nação-mais-favorecida está na origem do multilateralismo

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre o desmantelamento do multilateralismo contemporâneo por Trump.

        Mais de cinco séculos atrás, quando os Estados nacionais começaram a se estruturar no plano institucional, depois constitucional, a cláusula relativamente “recente” (na época) de nação-mais-favorecida (MFN) começou a ser introduzida nos primeiros acordos comerciais feitos entre países até aquela época relativamente fechados e autossustentados, saídos da grande ruptura do Império Romano, mergulhados na fragmentação da Idade Média, quase todos agrícolas, com alguma manufatura urbana e portos comerciais ativos (Liga Hanseática, por exemplo). Era uma cláusula legítima no plano do Direito Internacional nascente – ou seja, todos devem ser tratados igualmente – e que sinalizava uma realidade concreta para os fabricantes e comerciantes nacionais, mas de angústia para os protecionistas, fabricantes de manufaturas ou produtores de produtos agrícolas (grãos, vinhos, azeites).
        Mas os primeiros arranjos comerciais entre os países eram feitos em meio a guerras – civis, de religião, de conquista – tanto no continente europeu, quanto nas possessões coloniais, ainda sendo conquistadas nas Américas e na Ásia, impérios em formação, com fronteiras externas e continentais sempre sujeitas a alterações, o que repercutia em tratados intensamente debatidos nos parlamentos ou gabinetes dos governos. Os tratados comerciais eram necessariamente bilaterais (e assim permanecerão até o século XX) e nem sempre continham a cláusula MFN, que estava mais presente na Lex Mercatoria do que nos tratados entre os países. O tratado de Methuen, por exemplo, concluído pelo ministro inglês em Portugal em 1703 (e que demorou a ser ratificado em ambos os países) não continha essa cláusula MFN, que foi muito discutida nas negociações de Utrecht (1711-1713), que também abrigava discussões paralelas sobre tratados de fronteiras, reconhecimento e comerciais (como entre a França e a Inglaterra).
        O tratado de Methuen se tornou emblemático na história do comércio internacional, sendo usado e citado por Adam Smith, em sua famosa obra sobre a Riqueza das Nações, e também por David Ricardo, em seu discurso sobre o comércio internacional, e permanece até hoje como uma espécie de “página negra” que explicaria o não desenvolvimento industrial de Portugal, e até do Brasil, supostamente dependentes do imperialismo inglês, aceitando, assim, uma relação assimétrica, desigual, abrindo o acesso aos mercados da parte dependente, talvez condenando-a a não desenvolver todo o seu potencial industrializador. O tratado regulava a aceitação, pela Inglaterra, dos vinhos portugueses a uma tarifa preferencial, mas não livre, e o ingresso nos mercados portugueses dos panos ingleses, geralmente de lã (o algodão não estava ainda amplamente disseminado, o que veio algumas décadas mais tarde). Sua grande distinção não esteve tanto na sua assinatura, mas na sua não recusa, dez anos depois, quando se discutiu um tratado de comércio e navegação entre os reinos da Inglaterra (já unificada à Escócia, portanto Grã-Bretanha) e da França, que deveria a rigor reconhecer a cláusula MFN, mas que não foi aceito pelo Parlamento inglês, salvando, assim, o tratado de Methuen.
        A cláusula foi sendo usada, ao longo dos dois séculos seguintes, mas ao sabor dos interesses nacionais de cada parte, geralmente de forma condicionada ou condicional, não ilimitada, irrestrita e incondicional, como veio a ser inserida, sendo mesmo o primeiro grande princípio do sistema multilateral de comércio, no GATT-1947, negociado em Genebra nesse ano, e que deveria ter sido integrado à Carta de Havana (1948), que criou uma primeira Organização Internacional de Comércio (mas que nunca foi ratificada pela maioria dos países que participaram dessa conferência que deveria fechar o tripé aberto na conferência de Bretton Woods (1944).
        Pois bem, a cláusula MFN, junto com o tratamento nacional, não discriminação, reciprocidade, constituiu, ao longo de mais de 80 anos o eixo central do sistema multilateral de comércio, tendo estado na base do crescimento mundial, da prosperidade e das medidas de confiança que tornaram o mundo mais seguro para a paz e não para a guerra. Até que veio Mister Trump, que simplesmente dinamitou, literalmente, completamente, a cláusula MFN e todos os demais princípios do Gatt-1994, denunciando acordos de livre comércio (Nafta, bilaterais etc.) e introduzindo unilateralmente tarifas retaliatórias contra TODOS os países do mundo. Foi a mais completa destruição do sistema internacional desde a IIGM e as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Ou seja, os países não mais estão sendo tratados de forma igual, ou igualitária, mas são obrigados a responder à vontade demencial do presidente americano, que não possui NENHUM critério racional para o estabelecimento de tarifas. O mais curioso, ou estranho, é que ele manipula tarifas como se os exportadores estrangeiros as tivessem de pagar, e não os importadores e consumidores americanos, o que revela, uma vez mais, o quão desequilibrado, ignorante e autoritário é esse mandatário, que se imagina o dono do mundo.
        O mundo está à deriva e à mercê da vontade errática do desequilibrado presidente.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4999, 19 julho 2025, 2 p.

O Itamaraty e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, e a questão das crianças sequestradas e enviadas para a Rússia - Pesquisa de Vitelio Brustolin por meio da IA

Numa breve postagem no Facebook, eu me perguntava se o Itamaraty havia feito, alguma vez, uma nota sobre o sequestro de crianças ucranianas e seu envio para serem adotadas, criadas e russificadas no país que se esvazia de gente, especialmente de homens, enviados para a guerra, e que não tem nascimentos suficientes para repovoar o maior território estatal do mundo.

Eu até havia feito uma pesquisa na seção de notas do MRE, buscando simplesmente o conceito "Ucrânia", e vieram 5 centenas de resultados, de 2006 à atualidade. Postei os resultados na minha página em Academia.edu, e repeercuti a busca neste blog Diplomatizzando, como abaixo: 

4993. “Notas sobre a Ucrânia no âmbito do Itamaraty (2006-2025)”, São Paulo, 15 julho 2025, 31 p. Levantamento efetuado na Base de Dados de Notas de Informação à Imprensa no Itamaraty: 499 notícias de todos os tipos, diretas e indiretas (link: https://www.gov.br/mre/pt-br/search?origem=form&SearchableText=Ucr%C3%A2nia). Íntegra da relação disponível na plataforma Academia.edu (Link: https://www.academia.edu/142908159/Notas_sobre_a_Ucr%C3%A2nia_no_ambito_do_Itamaraty_2006_2025_ ). Disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/07/notas-sobre-ucrania-no-ambito-do.html). PRA


Veio em meu socorro o amigo acadêmico, especialista em geopolítica, professor de relações internacionais na UFF Vitelio Brustolin, que com a ajuda da AI enviou-me a seguinte mensagem:


"O Itamaraty, até o momento, *não emitiu uma nota específica sobre o sequestro de crianças ucranianas pela Rússia ou sua suposta ligação com Putin*. No entanto, fez declarações oficiais referindo-se ao tema em contexto mais amplo:

•⁠  ⁠O Itamaraty *reiterou condenação da invasão russa à Ucrânia*, também mencionando a preocupação com a situação humanitária, incluindo as crianças ucranianas removidas durante o conflito. A nota destacou ações como concessão de vistos temporários, doações humanitárias e acolhida de refugiados ucranianos no Brasil ([Gazeta do Povo][1]).

•⁠  ⁠O Ministério citou o *“Plano de Paz sino-brasileiro” de maio de 2024*, no qual consta que “a população civil, incluindo mulheres, crianças e prisioneiros de guerra, deve ser protegida” e que “esforços para assistência humanitária e prevenção de crise devem ser aumentados” — sem menção direta aos casos de sequestro de crianças ([Gazeta do Povo][1]).

Também houve pressão política interna:

•⁠  ⁠A senadora *Damares Alves solicitou reunião com o Itamaraty* no início de fevereiro de 2025 para discutir a mediação brasileira no resgate dessas crianças, após ter recebido informações sobre cerca de 20 mil delas sendo levadas de regiões ucranianas ocupadas ([UOL Notícias][2], [Gazeta do Povo][3]).

•⁠  ⁠A Ucrânia, por meio de seu chefe de gabinete Andriy Yermak, fez *pedido público para que o Brasil mediasse a devolução* das crianças, mas o governo brasileiro respondeu que “reconhece o problema” e está disposto a colaborar em acordos de paz, sem compromisso específico de mediação ou adesão à coalizão internacional “Bring Kids Back” ([Gazeta do Povo][1]).

Em resumo: *não há nota específica mencionando Putin ou se referindo diretamente ao sequestro das crianças*, apenas posicionamentos gerais e diplomáticos sobre a invasão e a situação humanitária.

Se quiser, posso buscar declarações mais recentes ou oficiais no site do Itamaraty. Deseja que eu procure diretamente no site do Ministério das Relações Exteriores?

[1]: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/brasil-responde-a-pedido-de-ajuda-da-ucrania-para-resgatar-criancas-apontando-para-plano-pro-russia/?utm_source=chatgpt.com "Brasil não deve intermediar volta de crianças ucranianas raptadas"

[2]: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2024/02/08/onu-pede-a-russia-que-interrompa-transferencia-forcada-de-criancas-ucranianas.htm?utm_source=chatgpt.com "ONU pede à Rússia que interrompa transferência forçada de crianças ucranianas"

[3]: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/damares-cobra-acoes-do-itamaraty-contra-sequestro-de-criancas-ucranianas-pela-russia/?utm_source=chatgpt.com "Damares cobra ações do Itamaraty contra sequestro de crianças ucranianas"

Retomo (PRA): O Itamaraty não faz absolutamente nada que não seja autorizado pelos "mestres da diplomacia", que não estão exatamente no Itamaraty, e não faz nada que possa de alguma maneira, mesmo a mais leve e sutil, contrariar os amigos russos, especialmente Putin e Lavrov.

Uma hipoteca negativa para o Brasil: uma reflexão pessoal sobre o BRICS+ - Paulo Roberto de Almeida

Uma hipoteca negativa para o Brasil: uma reflexão pessoal sobre o BRICS+

Paulo Roberto de Almeida

Minha posição sobre as aventuras diplomáticas de Mister Lula.


O BRIC, o BRICS e agora o BRICS+ são apenas ilusões equivocadas (o que é uma redundância, mas justificada) de uma certa diplomacia? 

Não, não se trata apenas disso, pois essas siglas sucessivas resultam dos compromissos assumidos em meados da primeira década do século pelo que eu já chamei, inúmeras vezes, de lulopetismo diplomático, mas que agora pesam na diplomacia nacional nesta terceira década do século XXI.


Não são apenas ilusões, mas grandes miragens de uma diplomacia em sua essência personalista, e que não foram impedidas (esse é o termo) de se tornarem políticas de Estado — em lugar de serem apenas aventuras passageiras de um chefe de Estado autoritário e megalomaníaco — por um Itamaraty muito mais submisso do que o habitual em sua longa história bissecular (mais longa, em todo caso, do que certas Instituições diplomáticas de grandes Estados que se unificaram décadas depois de nosso Estado imperial, que é mais antigo, por exemplo, do que a Itália e a Alemanha contemporâneas).


Os três blocos são totalmente artificiais — pois que não nasceram de reflexões técnicas da diplomacia profissional do Itamaraty — e, sim, foram impostos à instituição pelo então chefe de Estado e pelo seu chanceler “ativo e altivo”. Eles são equívocos desastrosos para à diplomacia de uma potência MÉDIA, como sempre foi o Brasil, em toda a sua história, mas que foi guindado a essa aliança mal concebida com duas grandes potências imperiais - Rússia e China —  pela megalomania de um populista obsecado pelo seu antiamericanismo primário e anacrônico (aqui em virtude de um gramscismo mal digerido pelos guerrilheiros reciclados que dominaram o aparelho político de um partido que era, em sua origem, basicamente sindicalista).


Não é natural que uma potência média, desejosa de preservar sua autonomia decisória e independência diplomática, conforme uma aliança com uma grande potência, a não ser para fins defensivos em um ambiente hostil, como pode ter sido o caso de Portugal, precocemente levado a conformar uma aliança com a Inglaterra, após a Restauração de 1640, para se defender de dois vizinhos incômodos, Espanha e França.

O Brasil imperial e o republicano nunca fizeram tais tipos de alianças desiguais, a não ser circunstancialmente nas duas grandes guerras gobais da primeira metade do século XX, da segunda vez de maneira informal com os EUA durante a Guerra Fria devido à ameaça real ou suposta do comunismo.

Mas nos desvencilhamos rapidamente dessa aliança incômoda ainda no segundo governo do regime militar, mesmo se não conseguimos estabelecer uma completa autonomia em matéria de defesa, ainda que rompendo um acordo de assistência militar no quarto governo da ditadura, por questões de soberania (críticas às práticas de DH pela potência imperial americana).


E assim preservamos a autonomia de nossa política externa e a credibilidade de nossa diplomacia no período imediatamente posterior ao regime militar, ou seja, nos primeiros quinze anos da Nova República. Foi aí que sobreveio o regime dos companheiros — sim, regime, e não apenas dois ou três governos —, cujos ideólogos tinham imensa raiva do império americano (por ter sido “golpista” em 1964, apenas em parte verdade), mas que também exibiam uma grande fidelidade a Cuba e outros regimes assimilados ao já referido antiamericanismo primário.

O primeiro BRIC nasce justamente dessa circunstância oportunista, a mera sugestão de um “bloco” de potências “emergentes”, mas que devia servir unicamente como uma espécie de plataforma financeira para investimentos rentáveis para fundos bilionários institucionais. O acrônimo era atraente e assim se formou, entre 2006 e 2009, primeiro em escala ministerial, depois em nível de cúpula, o bloco diplomática antinatureza que uniu o Brasil a duas grandes autocracias (mais a Índia, já parceira do Brasil lulopetista nessa outra aliança mais modesta, o IBAS).


Não vou retomar aqui todos os argumentos reflexivos que desenvolvi ao longo de 18 anos, desde a bizarra formação do BRIC em 2096 até a publicação de meu livro de 2022, “A Grande Ilusão do BRICS e o Universo Paralelo da Diplomacia Brasileira”, so a forma de artigos e ensaios ali reunidos. A importância relativa dessas reflexões está contida no prefácio e no posfácio dessa compilação, que acabo de tornar disponíveis a todos os interessados. Isso foi antes da ampliação irracional (e indesejada pela diplomacia profissional, e até mesmo pela diplomacia lulopetista, incapaz de resistir às pressões de China e Rússia) para o bloco completamente disforme do BRICS+, que poderia estar ainda meior, não fosse pela resistência de Índia e Brasil, que justamente não desejavam diluir sua importância e poder relativos no novo “bloco”.

Essa ampliação não invalida o teor e a substância desses dois textos, prefácio e posfácio, ao livro em questão.

Convido os interessados a lê-los, prometendo trazer uma nova reflexão abrangente em tempo hábil. Eles estão nesta postagem do meu quilombo de resistência intelectual que é o Diplomatizzando:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/07/a-grande-ilusao-do-brics-e-o-universo_19.html?m=1 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 19/07/2025


No mundo dos “livros” (se é o caso de se dizer): Mein Kampf - Paulo Roberto de Almeida

No mundo dos “livros” (se é o caso de se dizer): Mein Kampf

Existe alguma outra obra mais execrável do que o Mein Kampf, completando 100 anos agora? 

Os Protocolos dos Sábios de Sion sempre foram reconhecidamente falsos, mas o “magnum opus” de Hitler, à parte sua criminosa carreira de tirano mais asqueroso de toda a humanidade, era um projeto de vida, que se transmutou em um projeto nacional, assustadoramente verdadeiro e consequente.

Não consigo imaginar obra mais “mortal” do que essa. E mesmo na sua vertente puramente geopolítica, como conceber que os bolcheviques tenham abastecido uma potência fundada sobre a promessa de sua eliminação da face da terra e ainda tenham mantido a ilusão de que poderiam conviver com Hitler?

Como a culta Alemanha se rendeu a um dos mais desvairados tiranos do século XX, junto com Stalin, Mao e Pol Pot? E, com livro ou sem livro, como admitir que um ser humano possa ter sido tão horrendo quanto Hitler?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/07/2025


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...