segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A educacao no mundo e a deseducacao no Brasil - Gustavo Ioschpe



Como será o ensino superior do futuro ?

Gustavo Ioschpe
Revista Veja, 22/02/2012

O ensino superior do futuro 
Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer que eram outras universidades semelhantes, ou a universidade pública, mas não: “O que nos atrapalha é esse pessoal que engana os alunos dizendo que curso de dois anos é ensino superior”. Eis um bom retrato do nosso ensino superior: não só pequeno como atrasado. Hoje, nosso primeiro problema é termos uma taxa de matrícula de 22%, entre um terço e um quarto da dos países desenvolvidos, metade da de países como Chile, Venezuela e Peru e abaixo da de todos os Brics, exceto a Índia.
A principal explicação para esse acanhamento no ensino superior é a falência da nossa educação básica. Mas, se algum dia consertarmos esse problema (crença que se aproxima cada vez mais do dito sobre o segundo casamento: é o triunfo da esperança sobre a experiência), nossos graduandos se defrontarão com um modelo de ensino superior defasado. Esse não é um problema só brasileiro. No começo do ano participei de um seminário sobre ensino superior em países em desenvolvimento na Universidade de Oxford, e o que se discutiu lá, mais aquilo que já vem sendo pensado aqui, nos permite ter uma ideia de como será o ensino superior da próxima geração. Eis os horizontes mais relevantes (agradeço a Jamil Salmi, até recentemente líder da área de ensino superior do Banco Mundial, por muitos dos exemplos abaixo).
Flexibilidade - Durante séculos, o ensino superior foi algo que acontecia em universidades, em cursos de quatro anos, preparando o aluno para uma carreira específica. No futuro, o ensino se dará em universidades, em escolas técnicas e em outros formatos que ainda não conhecemos que permitam o lifelong learning, o aprendizado ao longo de toda a vida. Os cursos poderão ser presenciais ou on-line. Mais frequentemente, serão das duas formas. Terão dois, três ou quatro anos de duração. Tratarão de várias áreas do conhecimento, e estarão mais preocupados em ensinar a pensar do que em transmitir conhecimentos e habilidades específicos, pois a obsolescência do saber será ainda maior do que é hoje.
Menor duração – O Brasil tem três tipos de formação: bacharelado, licenciatura e curso de tecnólogo. Esse último dura entre dois e três anos, focado no desenvolvimento de uma competência profissional específica, normalmente para cargos de salário médio. No Brasil, só 10% das matrículas em cursos presenciais está nesse tipo de curso. Na China, é mais da metade. Nos países desenvolvidos (OCDE), é um terço (dados disponíveis em twitter.com/gioschpe). Em vez de ser percebido como a melhor alternativa para a pessoa que busca um diferencial rápido e eficaz no mercado de trabalho, o curso de tecnólogo ainda é erroneamente visto como um “primo pobre” do ensino “de verdade”.
Laços com o ensino básico – Nas últimas décadas, o ensino superior se massificou e deselitizou (o Brasil ainda chegará lá), e o ritmo de inovação no mercado de trabalho fez com que um diploma de uma boa universidade não fosse mais suficiente para uma carreira cada vez mais longa. Assim, a distinção entre educação básica e superior vai ter cada vez menos sentido. Ambas estarão dentro de um contínuo, que começa na pré-escola e só termina com a morte. Na Alemanha, as faculdades de engenharia e escolas politécnicas já estão em contato com jardins de infância para atrair futuros bons engenheiros. No Brasil, teremos um problema adicional a resolver: as áreas de licenciatura e pedagogia, hoje patinhos feios da academia, terão de ganhar em importância e prestígio. As universidades terão de entender que sem um aluno bem formado no ensino básico não conseguirão fazer o seu trabalho com qualidade.
Tecnologia – No Brasil, só reconhecemos diplomas de instituições brasileiras, mas certamente em breve validaremos o ensino dado nas melhores universidades do mundo. Hoje já é possível assistir, on-line e sem custo, a aulas de instituições como o MIT e Stanford. Nos EUA, um sexto das matrículas do ensino superior já é feito em cursos on-line. O Brasil está chegando perto, com uma em cada sete, depois de uma explosão que levou o número de matriculados de 200 000, em 2006, para 930 000, em 2010. Stanford, Purdue e Duke são universidades que já gravam todos os seus cursos, para que os alunos possam baixá-los e rever as aulas quantas vezes quiserem. Há algumas semanas, a Apple lançou uma plataforma de venda de livros didáticos para o iPad. Além do texto, tem vídeos, animações, lugar para resumos. Em breve, serão compartilháveis.
Desabou a Torre de Marfim – À medida que o ensino superior se massifica, desaparece a noção da academia como instituição alheia (e superior) ao mundo “real”. Haverá cada vez mais forte competição entre instituições pelo aluno, o que faz com que as universidades precisem se desdobrar para atender às demandas dos alunos e de seus futuros empregadores. A Universidade do Sul da Flórida dá uma garantia a seus alunos de engenharia: se, durante seus cinco primeiros anos no mercado de emprego, eles sentirem a necessidade de competências que não aprenderam na faculdade, podem voltar e aprendê-las de graça.
Currículo – Oscar Wilde (1854-1900) escreveu que nada que vale a pena saber pode ser ensinado. O desafio das universidades do futuro será ensinar apenas aquilo que vale a pena saber, o que demandará novos currículos e nova didática. Um exemplo é o Olin College of Engineering, nos EUA. O ensino é centrado na resolução de problemas, sempre em equipes. Não há departamentos acadêmicos e os professores não recebem cátedra. O currículo é baseado em um triângulo entre engenharia (o projeto é exequível?), empreendedorismo (é viável?) e humanas (é desejável?).
Interdisciplinaridade Os problemas do mundo real são complexos e não respeitam fronteiras departamentais. A universidade do futuro terá de respeitar essa realidade. Todo aluno de graduação nos EUA passa por todas as grandes áreas do saber. Só no início do terceiro ano é que ele precisará decidir qual será a sua “major”, a área em que vai se diplomar. Antes disso, o futuro cientista estuda sociologia e o historiador estuda matemática. A especialização virá mesmo só na pós-graduação. Algumas universidades federais no Brasil tomaram a iniciativa de criar um “bacharelado interdisciplinar”. É um bom começo, ainda que a iniciativa seja limitada pelo fato de que o aluno estuda apenas uma de quatro grandes áreas (artes, humanidades, saúde e ciência e tecnologia).
Nada é de graça – Um sistema educacional que matricule perto de 100% dos jovens (EUA, Finlândia e Coreia do Sul já estão chegando perto disso) é caro. Não é possível estender esse benefício a número tão grande de alunos e esperar que os contribuintes paguem a conta. Com exceção de México, República Checa e países escandinavos, todos os países da OCDE cobram mensalidades de seus alunos em universidades públicas. Passaremos por mais algumas invasões de reitorias, mas chegaremos lá.

P.S. – O artigo do mês passado, sobre o fechamento de vagas em universidades de “má qualidade”, suscitou algumas respostas curiosas. Uma delas, de um médico que concordava que não se deviam fechar vagas em nenhum curso – exceto medicina. Pois haveria médicos suficientes para atender à população. Infelizmente, não é verdade. Há 1,87 médico por grupo de 1 000 habitantes no Brasil. Nos países da OCDE, esse número é de 3,32 – 78% mais, portanto. No Uruguai, é de 4,18. Para chegarmos à média da OCDE, precisaríamos de 634 000 médicos, ou 277 000 mais do que temos hoje em atividade no país.

Capitalismo em frangalhos (para alegria dos seus inimigos...)

Se as cifras são corretas, se trata de fato de perdas colossais, que deixam as dívidas gregas parecendo uma brincadeira, proporcionalmente...



Pertes records en vue pour Dexia

LEMONDE.FR | 20.02.12

La banque franco-belge Dexia, en cours de démantèlement, doit présenter, jeudi 23 février, ses résultats pour l'année 2011, qui se chiffrent à près de 12 milliards d'euros de pertes, annoncent Les Echos dimanche.

La vente accélérée du portefeuille d'actifs risqués du groupe, commencée au printemps, a coûté environ 4 milliards d'euros, selon Les Echos. La vente de plus de 68 % de Dexia Municipal Agency (Dexma), la structure de refinancement de Dexia, à l'Etat, la Caisse des dépôts et consignations (CDC) et à la Banque postale coûte au groupe près de 1 milliard d'euros. Enfin, la vente de sa banque de détail en Belgique et l'exposition du groupe à la Grèce ont toutes deux coûté environ 4 milliards d'euros.
La poursuite du démantèlement de Dexia s'annonce encore coûteuse, selon le quotidien économique, selon lequel "les acheteurs potentiels se montrent fort peu généreux avec un établissement qu'ils estiment à terre et pressé de vendre". Royal Bank of Canada tarde à reprendre la totalité des titres de la structure de conservation de titres RBC Dexia, et le fonds qatarien QNB aurait fait une offre jugée trop basse pour racheter DenizBank, la filiale turque de Dexia.
Le Monde.fr


Political and Economic Risks in BRICS countries - Maplecroft Global Risks Atlas 2012


Maplecroft Global Risks Atlas 2012

No improvement in BRICs capacity to withstand shocks from global risks despite economic growth – Maplecroft Global Risks Atlas 2012
Investment potential of China, India and Russia undermined by poor governance and societal resilience

No improvement in BRICs capacity to withstand shocks from global risks despite economic growth – Maplecroft Global Risks Atlas 2012
Investment potential of China, India and Russia undermined by poor governance and societal resilience
20/02/2012

According to a major new report, the BRIC countries of Brazil, Russia, India and China are no better placed to withstand shocks from major risk events than they were four years ago.
The findings of the Global Risks Atlas 2012, released by risk analysis firm Maplecroft, indicate that strong economic performance in the BRICs has not translated into improved societal resilience or governance, which constrain a country’s ability to adapt and combat potential shocks from pandemics, terrorism, conflict, resource security, economic contagion and the impacts of climate change.

“With hopes for a global economic recovery resting with the BRICs, investors and business seeking new high-growth, high-risk markets need to be aware of their limited resilience to global risks.” states Maplecroft CEO Alyson Warhurst. “A country’s resilience to external and internal shocks is built up over time, so as the BRICs political risk environment improves we might see resilience strengthen, but our results reveal this is yet to happen.”
The fourth annual Global Risks Atlas highlights potentially destabilising factors in the world’s key growth economies. Maplecroft classifies global risks as those that cut across borders, affecting multiple areas of the world with major impacts on countries and business alike. The Atlas covers 178 countries and includes 33 indices within five global risk areas, which calculate exposure to macroeconomic risk, security, resource security, climate change and infectious diseases. It also evaluates governance and societal resilience to measure how prepared nations are to adapt to the impacts of global risks.
The 10 countries most exposed and least resilient to global risks are: Somalia (1), DR Congo (2), South Sudan (3), Sudan (4), Afghanistan (5), Pakistan (6), Central African Republic (7), Iraq (8), Myanmar (9) and Yemen (10).
Global Risks Index 2012

Legend
Extreme risk

High risk

Medium risk

Low risk

No Data

Rank
Country
Rating
1
Somalia
Extreme
2
DR Congo
Extreme
3
South Sudan
Extreme
4
Sudan
Extreme
5
Afghanistan
Extreme
Rank
Country
Rating
6
Pakistan
High
7
C.A.R.
High
8
Iraq
High
9
Myanmar
High
10
Yemen
High

© Maplecroft, 2012
For investors and business though, it is the resilience of the BRIC economies of Brazil, Russia, India and China to withstand global risks that is increasingly important, as they become central to the fortunes of the global economy due to their increased economic might and integration with individual economies.
According to the Atlas findings, none of BRICs have improved their performance in relation to their resilience to global risks over the course of the last four years. This is despite cumulative GDP growth between 2009 and 2012 of 16% for Brazil, 13% for Russia, 28% for India and 32% for China.
“Economic gains have yet to transform the resilience of the BRICs to major risk events,” adds Warhurst. “Improvements in basic social infrastructure, such as education, healthcare and sanitation for large sections of society, are vital in combating the impacts of global risks. Without these, and improvements in governance, the BRIC economies may not fully realise their investment potential.”
Brazil (ranked 97 in the Atlas) is largely buffered from the destabilising influences of global risks and performs markedly better than its BRICs counterparts, due, in part, to its strong democratic governance and regime stability. However, poor governance and a relative lack of societal resilience in India (19), Russia (30) and China (58) are identified as significant factors that could undermine their ability to combat the effects of ‘black swan’ events.
Continuing poor governance is evidenced by the endemic nature of corruption, especially in India and Russia, where the political process is undermined by an inability to tackle the problem. In India, for instance the political standoff over a new anti-corruption law between the ruling Indian National Congress and the opposition Bharatiya Janata Party, both of which have been hit by recent corruption scandals, has severely disrupted law-making. Uncertainty for investors in Russia has also been compounded by anti-government protests relating in part to suspected irregularities in the elections.
Terrorism and political violence are also identified by Maplecroft as particularly prevalent risks in India and Russia, which threaten human security and business continuity, while diverting valuable government resources and money. Security issues in China also exist due to localised protests and unrest relating to a lack of political freedom and social gains. Upheaval on a national scale remains unlikely though, as the country’s strong economic performance buffers it from further popular dissent at present.
The high growth, resource rich, economies of Argentina (123), Chile (131) and Mongolia (117) all emerge as countries relatively well insulated from global risks and make attractive investment destinations, especially for the mining sector.
Mongolia remains heavily reliant on neighbouring China and Russia as export markets and for energy imports. While these countries sustain high rates of growth, Mongolia will continue to benefit from this integration, presenting important opportunities for the country’s mining sector. Mongolia benefits from low exposure to security risks, while also enjoying relatively robust societal resilience.
Chile, meanwhile, has emerged as a model for sustainable development in Latin America. It benefits from high economic growth fuelled by vast mineral resources and has made substantial progress in raising living standards. Low exposure to security risks and infectious diseases is also supported by strong societal resilience and good standards of governance, enabling the country to withstand and adapt to global risks.
New Zealand (176), Finland (175), Denmark (173), Norway (171), Canada (169), Sweden (168), Germany (163) and Australia (159) are among the countries exhibiting the lowest risk, suggesting that traditional Western styled democracies are still among the safest investment destinations in terms of their exposure and resilience to major risk events.

Cooperacao brasileira ao desenvolvimento: Sul-Sul descentralizado


Estados e Municípios brasileiros terão apoio para cooperar com países em desenvolvimento
Agência Brasil, 20/02/2012

No dia 29 de fevereiro, no Salão Oeste do Palácio do Planalto, em Brasília, o Governo Federal lançará o Programa de Cooperação Técnica Descentralizada Sul-Sul, cujo objetivo é estimular estados e municípios brasileiros a desenvolverem projetos de cooperação técnica em benefício de seus homólogos nos países em desenvolvimento. 

Trata-se de uma iniciativa inédita, fruto da parceria entre a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, por meio da Subchefia de Assuntos Federativos (SAF) e do Ministério das Relações Exteriores, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC).

Após o lançamento do Programa, os governos locais e estaduais, mediante demanda dos países beneficiários da cooperação, poderão apresentar suas propostas até os prazos de 29 de junho e 31 de agosto e, uma vez aprovadas, receberão apoio da ABC para elaborar os projetos, organizar missões e atividades previstas nos projetos.

As propostas serão avaliadas por um Comitê Técnico, composto por representantes do Governo Federal, dos estados e municípios, tendo como referência os critérios técnicos objetivos, explicitados no Programa.

Espera-se que os projetos sejam elaborados com base nas experiências bem sucedidas dos governos subnacionais nas áreas de saúde, educação, segurança cidadã, governança local, desenvolvimento territorial sustentável, agricultura sustentável, segurança alimentar, restauro e conservação do patrimônio, esporte e lazer, inovação tecnológica e desenvolvimento científico, meio ambiente e mudanças climáticas, formação profissional, cultura e fortalecimento de competências para o alcance dos objetivos do Milênio.

O orçamento total previsto para o Programa é de 2 milhões de dólares em dois anos, sendo que cada projeto poderá apresentar um orçamento de até 200 mil dólares para execução no prazo de um ano.

Como forma de orientar tecnicamente estados e municípios de todo o território nacional a apresentarem projetos e dar maior visibilidade à iniciativa, serão realizados cinco seminários regionais nos meses de março e abril com o intuito de envolver os governos, bem como, na condição de parceiros secundários, a iniciativa privada e a sociedade civil local (organizações não governamentais e associações).

Nos últimos anos, o Brasil vem mudando o perfil de sua política de cooperação técnica e vem se consolidando como país prestador, com atenção crescente em países da América Latina, África, Ásia e Oriente Médio. Segundo o estudo Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009, organizado pelo IPEA e ABC, com apoio da Casa Civil, os recursos do Governo Federal brasileiro investidos para contribuir com o desenvolvimento de outros países alcançaram cerca de 3 bilhões de reais, aplicados em diversas modalidades de cooperação.

De forma análoga, cidades e estados brasileiros vem incrementando suas ações internacionais de cooperação. A ideia de apoiar as iniciativas de cooperação internacional dos entes federados com recursos federais ganhou impulso após o lançamento do edital trilateral Brasil-França-Países da África e Haiti, em 2011, o qual selecionou dois projetos envolvendo as cidades de Fortaleza e Guarulhos (Brasil), St Denis e Lyon (França), Porto Novo (Benim), Maputo e Matola (Moçambique).

Republica Mafiosa do Brasil?

Retire-se o ponto de interrogação...

‘A cara do Brasil’, de J.R. Guzzo

J.R. Guzzo
Revista Veja, 15/02/2012
A cena, registrada com fotos na semana passada em Brasília, poderia servir como um belo documento sobre os usos e costumes da vida política brasileira neste começo de século. Na área central do retrato, a presidente da República, Dilma Rousseff, afaga com a mão direita o rosto do ministro das Cidades, Mário Negromonte, no exato momento em que ele estava virando ex-ministro das Cidades. Um sorriso de beato ilumina o seu semblante ─ como se ele estivesse tomando posse no cargo, em vez de estar sendo demitido. O novo titular, deputado Aguinaldo Ribeiro, também em estado de graça, aguarda a sua vez de receber a bênção presidencial. Entre os grão-duques da política nordestina presentes à cerimônia, na qualidade de donos hereditários do atual Ministério das Cidades ─ Negromonte é da Bahia, Ribeiro vem da Paraíba, e ambos são do mesmo partido, o PP ─, dá para ver o senador José Sarney, vice-rei do Nordeste e do governo em geral, deslizando quietamente no cenário.
Deveria ser um momento de drama. Afinal, mais um ministro de estado, o sétimo em seguida deste governo, acabava de ser posto na rua por atolar-se em indícios de má conduta, e alguém com ficha limpíssima estaria vindo para consertar o desastre. Mas o que se podia ver, nesta fotografia do Brasil-2012, era uma comemoração. Em alegre harmonia, a presidente e seus parceiros pareciam estar dando o seguinte recado: “Atenção, respeitável público: garantimos que por aqui continua tudo igual”. Continua igual, em primeiro lugar, o que já se pode chamar de “sistema brasileiro” de mexer no ministério. Quando um ministro atinge uma cota crítica de “malfeitos” em sua área e precisa ser demitido, porque se tornou impossível, inútil ou simplesmente cansativo segurá-lo no emprego, é obrigatório nomear para seu lugar alguém que seja uma fotocópia dele ─ mesmo partido, mesma região, mesmo estilo e mesma folha corrida. Há uma salva de palmas para o ministro que sai, outra para o que entra e todo mundo fica aliviado, porque não há perigo de mudar nada. Continua igual, acima de tudo, a privatização do estado brasileiro, com áreas inteiras da máquina pública transformadas em propriedade particular de partidos e de políticos que apoiam o governo, mais suas famílias, amigos e redondezas. É a cara do Brasil de hoje.
O ex-ministro Negromonte, como os companheiros de infortúnio que o antecederam, viveu nas últimas semanas um processo de torrefação acelerada, por conta de suspeitas cada vez mais feias e cada vez menos explicadas; também como os outros, começou “blindado” e acabou virando farinha de rosca. Para seu lugar, privatizado pelo governo em favor do PP, foi nomeado praticamente um sósia. O homem já vem carimbado na frente e no verso. Está envolvido no tráfego de dinheiro público, por via de “emendas parlamentares”, em favor da mãe, prefeita de uma cidade da Paraíba, e da irmã, deputada estadual e possível candidata à prefeitura de outra. Não declarou à Justiça eleitoral nas últimas eleições, como era obrigado a fazer, a propriedade de quatro empresas. Tem duas emissoras de rádio, sempre na Paraíba, registradas em nome de pessoas ligadas a ele ─ um assessor e um ex-contador. Emprega em seu gabinete de deputado um primo que não bate ponto em Brasília; ele mora na Paraíba, onde, aliás, é dono de uma construtora. (O novo ministro acha que não há nada de mais nisso: segundo explicou, primo é parente “de quarto grau”.)

Num país com 190 milhões de habitantes, a presidente Dilma Rousseff não encontrou ninguém melhor que esse deputado Aguinaldo para o seu Ministério das Cidades; no Brasil de hoje, ao que parece, uma ficha como a sua é recomendação, e não problema, para nomear um ministro de estado. É triste, mas o que se há de fazer? O cargo pertence ao PP, e foi ele que o PP escolheu. Pior ainda é a história da Casa da Moeda, a mais recente na coleção de verão do governo; não deu nem para fingir, aí, que existe algum tipo de autoridade pública na repartição que fabrica todo o dinheiro do país. Seu presidente, Luiz Felipe Denucci, foi subitamente para o espaço, ao se descobrir a movimentação de 25 milhões de dólares em contas de empresas que ele mantinha em paraísos fiscais. O que esse cidadão estava fazendo lá? Ninguém sabe. O cargo é do PTB; o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que nunca tinha falado com ele, nem sequer visto sua cara, antes de assinar sua nomeação para presidir a Casa da Moeda ─ um caso único no mundo, sem dúvida.
Estamos, de fato, em plena privatização.

A mafia no diva - Arnaldo Jabor

Não, não se trata de um remake do filme de Hollywod, com Robert de Niro no papel de um mafioso com problemas psicológicos (um pouco mais abaixo, na verdade).
Ou talvez seja, adaptado ao cenário nacional, em que mafiosos tem carreira solo, especializando-se em roubar o próprio Estado, o que é mais raro nos EUA.
Raramente aprecio as crônicas de Arnaldo Jabor, que tem um grande dom de repetição. Mas esta é uma das melhores...
Paulo Roberto de Almeida

‘Angústias de um colarinho-branco’

Arnaldo Jabor
O Estado de S.Paulo, 14/02/2012
“Doutora, eu procurei a psicanálise porque ando com um estranho sintoma: estou com o que vocês chamam de ‘sentimento de culpa’… Tive essa ideia quando vi aquele seriado na TV, Os Sopranos, com o chefão da Máfia de New Jersey chorando para uma psicanalista de lindas pernas. Como a senhora…
Tenho tido pesadelos: sonho que morri assassinado por mim mesmo, que estou preso com traficantes estupradores. Não mereço isso, eu, que sempre assumi minha condição de corrupto ativo e passivo… (sem veadagem… claro).
Não sou um ladrão de galinhas, mas já roubei galinhas do vizinho e até hoje sinto o cheiro das penosas que eu agarrava. Há há há… Mas hoje em dia, doutora, não roubo mais por necessidade; é prazer mesmo. Estou muito bem de vida, tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, mando em cidades do Nordeste, tenho tudo, mas confesso que sou viciado na adrenalina que me arde no sangue na hora em que a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes do empresário me pagando a propina, suas mãos trêmulas me passando o tutu, delicio-me quando o juiz me dá ganho de causa, ostentando honestidade e finge não perceber minha piscadela marota na hora da liminar comprada (está entre 30 a 50 mil dólares, hoje), babo ao ver juízes sabujos diante de meu poder de parlamentar e fazendeiro rico.
Como, doutora? Se me sinto superior assim? Bem, é verdade… Adoro a sensação de me sentir acima dos otários que me ‘compram’, eles se humilhando em vez de mim. Roubar me liberta. Eu explico: roubar me tira do mundo dos ‘obedientes’ e me provoca quase um orgasmo quando embolso uma bolada. Desculpe… a senhora é mulher fina, coisa e tal, mas, adoro sentir o espanto de uma prostituta, quando eu lhe arrojo mil dólares sobre o corpo e vejo sua gratidão acesa, fazendo-a caprichar em carícias mais perversas.
É uma delícia, doutora, rolar, nu, em cima de notas de cem dólares na cama, de madrugada, sozinho, comendo chocolatinhos do frigobar de um hotel vagabundo, em uma cidade onde descolei a propina de um canal de esgoto superfaturado. Gosto da doce volúpia de ostentar seriedade em salões de caretas que te xingam pelas costas, mas que te invejam pela liberdade cínica que te habita. Suas mulheres me olham excitadas, pensando nos brilhantes que poderiam ganhar de mim, viril e sorridente ─ todo bom ladrão é simpático. A senhora não tem ideia, aí, sentada nessa poltrona do Freud, do orgulho que sinto, até quando roubo verbas de remédios para criancinhas, ao conseguir dominar a vergonha e transformá-la na bela frieza que constrói o grande homem. E, agora, este sentimentozinho de ‘culpa’ tão chato…
Sei muito bem os gestos rituais da malandragem brasileira: sei fazer imposturas, perfídias, tretas, sei usar falsas virtudes, ostentar dignidade em CPIs, dou beijos de Judas, levo desaforo para casa sim, sei dar abraços de tamanduá e chorar lágrimas de crocodilo… Sou ótimo ator e especialista em amnésias políticas. Eu já declarei de testa alta na Câmara: ‘Não sei nem imagino como esses milhões de dólares apareceram em minha conta na Suíça, apesar destes extratos todos, pois não tenho nem nunca tive conta no exterior!’ Esse grau de mentira é tão íntegro que deixa de ser mentira e vira uma arte.
Doutora, no Brasil há dois tipos de ladrões de colarinho-branco: há o ladrão ‘extensivo’ e o ‘intensivo’.
Não tolero os ladrões intensivos, os intempestivos sem classe… Faltam-lhes elegância e finesse. Roubam por rancor, roubam o que lhes aparece na frente, se acham no direito de se vingar de passadas humilhações, dores de corno, porradas na cara não revidadas, suspiros de mãe lavadeira.
Eu, não. Eu sou cordial, um cavalheiro; tenho paciência e sabedoria, comecei pouco a pouco, como as galinhas que roubei na infância, que de grão em grão enchiam o papo… Eu sou aquele que vai roubando ao longo da vida política e, ao fim de décadas, já tem Renoirs na parede, iates, helicópteros, esposas infelizes (não sei por que, se dou tudo a ela), filhos estroinas e malucos… (mandei estudar na Suíça e não adiantou).
Eu adquiri uma respeitabilidade altaneira que confunde meus inimigos, que ficam na dúvida se me detestam ou admiram. No fundo, eu me acho mesmo especial; não sou comum.
Perto de mim, homens como PC foram meros cleptomaníacos… Sou profissional e didático… Considero-me um Gilberto Freyre da corrupção nacional…
Olhe para mim, doutora. Eu estou no lugar da verdade. Este País foi feito assim, na vala entre o público e o privado. Há uma grandeza insuspeitada na apropriação indébita, florescem ricos cogumelos na lama das maracutaias. A bosta não produz flores magníficas? O que vocês chamam de ‘roubalheira’, eu chamo de ‘progresso’. Não o frio progresso anglo-saxônico, mas o doce e lento progresso português que formou nossa tolerância, nossa ambivalência entre o público e o privado.
Eu sempre fui muito feliz… Sempre adorei os jantares nordestinos, cheios de moquecas e sarapatéis, sempre amei as cotoveladas cúmplices quando se liberam verbas, os cálidos abraços de famílias de máfias rurais… A senhora me pergunta por que eu lhe procurei?
Tudo bem; vou contar.
Outro dia, fui assistir a uma execução. Mataram um neguinho no terreno baldio. Ele implorava quando lhe passaram o fio de náilon no pescoço e apertaram até ele cair, bem embaixo de uma placa de financiamento público. Na hora, até me excitei; mas quando cheguei em casa, com meus filhos vendo High School Musical na TV, fui tomado por este mal-estar que vocês chamam de ‘sentimento de culpa’…
Por isso, doutora, preciso que a senhora me cure logo… Tem muita verba pública aí, muita emenda no orçamento, empreiteiros me ligando sem parar… Tenho de continuar minha missão, doutora…”

O Barao, visto por Rubens Ricupero (RHBN)


O desenhista do Brasil

Ao negociar com os vizinhos cada palmo das fronteiras, o barão do Rio Branco criou uma cultura de paz impensável no mundo atual

Rubens Ricupero
Revista de História da Biblioteca Nacional, 1/2/2012 
  • O jornal A Noite resumiu o sentimento geral ao abrir a manchete “A morte de Rio Branco é uma catástrofe nacional” em 10 de fevereiro de 1912. Às 9h10 da manhã, expirara em seu gabinete de trabalho aquele que era considerado “o maior de todos os brasileiros”. O destino do barão foi paradoxal. Monarquista convicto, teve papel fundamental na legitimação da República de 1889, que começara sob os piores auspícios: a inflação do Encilhamento, a ditadura militar de Floriano, a tragédia sanguinária de Canudos, a repressão à Revolta da Armada e a Rebelião Federalista no Sul. Foram os êxitos diplomáticos de Rio Branco, ainda antes de se tornar ministro, nas definições de limites com a Argentina e a França-Guiana Francesa, que forneceram ao governo republicano os primeiros sucessos de que precisava desesperadamente.  
    Algo parecido ocorreu com sua projeção pessoal. Viveu semiesquecido em postos obscuros na Europa por 26 anos. Só a partir dos 50 anos (morreria com 66) alcançaria o reconhecimento tardio. Desde esse momento, no entanto, acumulou tantas vitórias, em especial como ministro das Relações Exteriores durante quase dez anos (1902-1912) sob quatro presidentes, que ofuscou todos os demais. Nenhum outro diplomata de carreira, em qualquer país, atingiu como ele o status de herói nacional de primeira grandeza, culminando com a reprodução da sua efígie no padrão monetário. Entre 1978 e 1989, a nota de 1.000 cruzeiros, a de maior valor, era chamada pelo povo de “barão”.
    O futuro barão nasceu em 20 de abril de 1845 como José Maria da Silva Paranhos Júnior na velha Travessa do Senado, atual Rua 20 de abril, no Centro da cidade, num sobrado que se pode ver ainda hoje no Rio de Janeiro. Fez seus estudos no Liceu D. Pedro II e na Faculdade de Direito de São Paulo, transferindo-se no último ano para Recife, onde se formou. No começo, hesitou sobre o caminho a seguir: foi professor, promotor público e deputado por Mato Grosso em duas legislaturas.
    (...)
    Ler o restante na Revista de História da Biblioteca Nacional

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...