quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terceira via e desenvolvimento econômico - Sergio Couri (FSP)

 Terceira via e desenvolvimento econômico 

Não bastam nomes, mas também ideias alternativas de gestão política, econômica e social.

TENDÊNCIAS / DEBATES

FSP, 9.ago.2022 às 10h00 

Sergio Couri

Embaixador, economista, advogado e escritor


Inquieta-me a expressã"terceira via", usada na Inglaterra a partir de Giddens, ou a "terceira posição" de Perón, na Argentina. Terceira via requer primeira e segunda, ao passo que o liberalismo e o socialismo são falsas dicotomias entre si. Nessa linha, só existe uma única via, a ser aperfeiçoada. Da mesma forma, desconforta-me a denominação "centro", por inautêntica. Alberga fisiologismos, permitindo a atores sociais e políticos defenderem-se de inconsistência e indefinição ideológicas e das práticas compatíveis. Fala-se demasiado de um "centro" indefinido.

O "centro" não está construído. É zona inexplorada. A maioria dos atores foge a identificar-se com "esquerda" ou "direita", para melhor resultado eleitoral. Também se diz de "centro-esquerda", quando se tem base eleitoral mais próxima ao salário mínimo, ou de "centro-direita", quando mais próxima às classes médias.

Centro não existe aprioristicamente. Precisa ser construído. Por isso costuma ser associado a um "ficar em cima do muro".

Parafraseando Clausewitz, acaba sendo o adiamento da "guerra" por outros meios. Por isso, é tema por demais abrangente para ser deixado apenas aos agentes políticos. Deve ser também tratado pelos pensadores e cientistas sociais, como engenharia social, que não prescinde de arquitetura. Não pode haver "centro" sem consistente ideário e programática de "centro".

"Centro", ou "terceira via", é contínua elaboração, porque o liberalismo puro ou histórico, herança dos séculos 17 e 18, nem sempre contribuiu à realização da liberdade. Quando o liberalismo existiu sem limites e controle, operou a favor dos mais fortes, e disso surgiram o capitalismo dito "selvagem" e os regimes autoritários, pois, para manter o liberalismo econômico, em certos momentos a ideologia liberal canibaliza suas faces política e civil, que têm de renascer das próprias cinzas.

De modo análogo, o socialismo puro, marxista ou utópico, nem sempre contribuiu para o avanço da igualdade e muito menos da liberdade, porque não foi feito para tanto.

Por outro lado, algumas "terceiras vias" ao longo da história, confrontadas por um de dois polos, enveredaram pelo nacionalismo extremo e pelo autoritarismo. Autoproclamavam-se "terceiras vias", mas cometeram o erro de pretender que o Estado fosse o juiz do conflito social, o que produziu resultados perversos, porque o mesmo é instrumento do poder; logo, nãé juiz imparcial, nãé o estágio mais alto da racionalidade, como quis Hegel. Ou se tornaram simples gangorras de benesses, como no caso dos diversos populismos.

Com miras àvindouras eleições, uma "terceira via" procura articular-se no Brasil como alternativa àradicalização e intolerância que se instalaram na sociedade brasileira.

Contudo, uma genuína terceira via não se fará tão somente com o lançamento de nomes alternativos, mas, sobretudo, com ideias alternativas de gestão política, econômica e social e de uma plataforma de ação que ponha o Brasil no rumo certo, ao ritmo desejável.

Não se construirá terceira via com a soma dos índices de rejeição aos nomes que a esquerda e a direita trazem ao ringue eleitoral, ou que não elabore e desenvolva certas interfaces, de modo a identificar com lucidez os problemas brasileiros e conceber estratégia pertinente de "fazer" público.

De assim não ser, estar-se-á desperdiçando rara oportunidade de sensibilizar a cidadania para a descoberta de fórmulas que permitam o compromisso e a conciliação.

O ponto de partida de um discurso e práxis de terceira via, e de seu "bloco histórico", outro não pode ser que o crescimento econômico, mola mestra do desenvolvimento. Concentração de esforços em um crescimento sustentável, como fonte de recursos para o desenvolvimento, para a maior setorialização e do Estado e do mercado na sociedade. Mas crescimento sustentável é também aquele que evite concentração de renda que possa levar a um capitalismo sem mercado, ou a critérios de dispersão de renda que findem por inibir um crescimento expressivo.

Desde os anos 1980, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro situa-se em torno de 2%, o que, descontada do crescimento demográfico, não inferior a 1%, aponta taxa de desenvolvimento econômico menor que 1% ao ano, na linha de Harrod-Domar. Isso sem mencionar as margens de erro e os fakes. São as quatro décadas perdidas, sem arranque para um verdadeiro desenvolvimento.

Mais ainda, o crescimento está fortemente atrelado a fatores externos, como variações no preço das commodities e alguns outros produtos que disfarçam a falta de aparelhamento da economia para o crescimento autopropulsionado. Quando a maré internacional baixa, deixa à mostra esse iceberg, e o clamor aumenta pelas "reformas", medidas polêmicas que não renderão os resultados de curto prazo esperados por um país onde jánão existe espaço para o não crescimento.

 

Trata-se, portanto, de estratégia de crescimento a ser concebida e implementada com rigor merkeliano, protegida de ações desviáticas. A dramaticidade do tema não permite muitas digressões sobre prioridades, apenas sobre técnicas e instrumentos. O receituário se simplifica.

O primeiro item da receita é o redimensionamento do papel do Estado, ora inchado, ora desidratado. Ele deve ter por objetivo básico, além de suas funções clássicas, o de criar "externalidades" (benefícios diretos e transversos) para todos os demais atores econômicos, incluindo ele próprio. Ademais, a qualidade da gestão estatal no Brasil não recomenda excessiva confiança no papel do Estado como agente do desenvolvimento, a não ser pela via intrínseca das externalidades.

O segundo item é a definição do papel do mercado. Aos setores diretamente produtivos deve ser deixada a tarefa de capitanear o crescimento, pois são os que reúnem condições de fazê-lo com maior eficiência, cabendo ao Estado priorizar em sua política econômica o aumento seletivo da produção.

Postos os atores em seus devidos lugares, o Estado brasileiro partirá em busca do maior volume possível de capital de risco e financeiro com que promover a implementação de externalidades pelo Estado e a expansão produtiva pelo mercado. "Nessun dorma"!

Atratividade para investimentos diretos e indiretos, financiamentos externos e internos, venda de ativos não monetários, de títulos e obrigações do Tesouro; política de juros, câmbio e inflação em patamares compatíveis com a competição no mercado externo etc. merecem ação incansável, mormente considerando-se o baixo grau de poupança e liquidez de uma economia exaurida por um crescimento inexpressivo.

Esforço intimamente ligado ao crescimento será o de aumentar a fatia do Brasil como "parceiro global" ("global partner" e "global trader"), condizente com ser uma das 15 maiores economias do mundo, preferivelmente sem reprimarização da pauta de exportações. A participação do Brasil no comércio internacional desceu do já pífio 1% dos anos 1970, o que pode marginalizá-lo no mercado globalizado.

Finalmente, não há como fugir a prioridades na definição de metas e projetos para a ação direta ou indutiva do Estado, com rígido controle do desempenho, dos mais diversos prismas, num país onde a máquina pública não dispõe de "esteiras de transmissão" eficientes.

Propósitos de terceira via que puderem percorrer essa distância entre o presente e o futuro no mais breve tempo possível serão os únicos dignos no Brasil de hoje e não deixariam de ser acessíveis às atuais "primeira" e "segunda" vias.

 

Russia-Ukraine war: what we know on day 168 of the invasion - Jordyn Beazley (The Guardian)

Russia-Ukraine war at a glance

Russia-Ukraine war: what we know on day 168 of the invasion

Zelenskiy vows to ‘liberate’ Crimea as Kyiv denies responsibility for deadly attack on Russian airbase in the annexed peninsula 

Smoke rises after explosions near a Russian airbase in Crimea.
  • A Russian airbase deep behind the frontline in Crimea has been damaged by several large explosions, killing at least one person. It was not immediately clear whether it had been targeted by a long-range Ukrainian missile strike. In his nightly address, Ukraine’s president, Volodymyr Zelenskiy, did not discuss who was behind the attacks but vowed to “liberate” Crimea, saying: “This Russian war against Ukraine and against the entire free Europe began with Crimea and must end with Crimea – with its liberation.” An adviser to the president, Mikhail Podolyak, said Ukraine was not taking responsibility for the explosions, suggesting partisans might have been involved.

  • The head of Ukraine’s state nuclear power firm warned of the “very high” risks from shelling at the Zaporizhzhia nuclear power plant in the Russian-occupied south and said it was vital Kyiv regains control over the facility in time for winter. Energoatom’s chief, Petro Kotin, told Reuters in an interview that last week’s Russian shelling had damaged three lines that connect the Zaporizhzhia plant to the Ukrainian grid and that Russiawanted to connect the facility to its grid.

  • Russian forces occupying the Zaporizhzhia nuclear plant are reorienting the plant’s electricity production to connect to Crimea, annexed by Moscow in 2014, according to Ukrainian operator Energoatom. “To do this, you must first damage the power lines of the plant connected to the Ukrainian energy system. From August 7 to 9, the Russians have already damaged three power lines. At the moment, the plant is operating with only one production line, which is an extremely dangerous way of working,” Energoatom president Petro Kotin told Ukrainian television. The plant, located not far from the Crimean peninsula, has six of Ukraine’s 15 reactors, and is capable of supplying power for four million homes.

  • The leaders of Estonia and Finland want fellow European countries to stop issuing tourist visas to Russian citizens, saying they should not be able to take holidays in Europe while the Russian government carries out a war in Ukraine. The Estonian prime minister, Kaja Kallas, wrote on Tuesday on Twitter that “visiting Europe is a privilege, not a human right” and that it was “time to end tourism from Russia now”, the Associated Press reported.

  • US president Joe Biden on Tuesday signed documents endorsing Finland and Sweden’s accession to Nato, the most significant expansion of the military alliance since the 1990s as it responds to Russia’s invasion of Ukraine, Reuters reports.

  • The US state department has approved $89m worth of assistance to help Ukraine equip and train 100 teams to clear landmines and unexploded ordnance for a year, Reuters reported.

  • The total number of grain-carrying ships to leave Ukrainian ports under a UN brokered deal to ease the global food crisis has now reached 12, with the two latest ships which left on Tuesday headed for Istanbul and Turkey.

  • Russia’s Baltic exclave of Kaliningrad has been struggling with quotas imposed by the EU for sanctioned goods that it can import across Lithuania from mainland Russia or Belarus, the region’s governor admitted.Lithuania infuriated Moscow in June by banning the land transit of goods such as concrete and steel to Kaliningrad after EU sanctions on them came into force, Reuters reported.

  • Russia has launched an Iranian satellite from Kazakhstan amid concerns it could be used for battlefield surveillance in Moscow’s invasion of Ukraine. Iran has denied that the Khayyam satellite, which was delivered into orbit onboard a Soyuz rocket launched from Baikonur cosmodrome, would ever be under Russian control. But the Washington Post previously reported that Moscow told Tehran it “plans to use the satellite for several months, or longer, to enhance its surveillance of military targets” in Ukraine, according to two US officials.

I write from Ukraine, where I've spent much of the past six months, reporting on the build-up to the conflict and the grim reality of war. It has been the most intense time of my 30-year career. In December I visited the trenches outside Donetsk with the Ukrainian army; in January I went to Mariupol and drove along the coast to Crimea; on 24 February I was with other colleagues in the Ukrainian capital as the first Russian bombs fell.

This is the biggest war in Europe since 1945. It is, for Ukrainians, an existential struggle against a new but familiar Russian imperialism. Our team of reporters and editors intend to cover this war for as long as it lasts, however expensive that may prove to be. We are committed to telling the human stories of those caught up in war, as well as the international dimension. But we can't do this without the support of Guardian readers. It is your passion, engagement and financial contributions which underpin our independent journalism and make it possible for us to report from places like Ukraine.

If you are able to help with a monthly or single contribution it will boost our resources and enhance our ability to report the truth about what is happening in this terrible conflict.

Thank you.

Luke Harding

Foreign correspondent


CELSO AMORIM: o Brics vai se fortalecer - Entrevista Sputnik Brasil (247)

Celso Amorim: Lula foi responsável não só pela projeção como pela criação do BRICS

Ex-chanceler brasileiro fez um balanço da atuação do grupo e projetou o cenário para o BRICS no caso da eleição de Lula, como as pesquisas eleitorais vêm apontando.

Por Marina Lang, da Sputnik Brasil - 

3 de agosto de 2022, 18:27 h

https://www.brasil247.com/brasil/celso-amorim-lula-foi-responsavel-nao-so-pela-projecao-como-pela-criacao-do-brics

Quando o economista Jim O'Neil publicou seu artigo "Building Better Global Economic BRICs" ("Construindo uma melhor economia global BRICs", em tradução livre), em 2001, talvez sequer imaginasse que, sete anos depois, ministros das Relações Exteriores de Brasil, Rússia, Índia e China estivessem juntos em um encontro.

O ano era 2008, a África do Sul ainda não era o "S" da coalizão de países e quem representava o "B" de Brasil nesse acrônimo internacional era o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, durante a segunda gestão do então presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual líder isolado na disputa presidencial das eleições brasileiras deste ano.

Quatorze anos depois, as placas tectônicas da geopolítica mundial se movimentaram. Muita coisa mudou, mas o BRICS segue sendo um dos grupos mais importantes na nova ordem de um mundo multipolar. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o BRICS concentra 31,8% do produto interno bruto (PIB) global atualmente.

De lá para cá, o ex-chanceler brasileiro fez um balanço da atuação do grupo em entrevista exclusiva de pouco mais de uma hora concedida à Sputnik Brasil na última segunda-feira (1º), além de projetar o cenário para o BRICS no caso da possível eleição de Lula, como as mais recentes pesquisas eleitorais vêm apontando.

Amorim aponta as similaridades entre o grupo, mas enfatiza, principalmente, duas grandes diferenças entre os países que o compõem: a questão das armas nucleares — sobre a qual defende veementemente a eliminação total delas — e a dificuldade de se encontrar um consenso sobre a reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que considera urgente e cujo entrave principal, em sua avaliação, se encontra na posição chinesa a respeito.

"O Brasil é membro do BRICS, mas o Brasil também é membro da Coalizão da Nova Agenda, com países variados, como Nova Zelândia, que querem a eliminação total das armas nucleares. Porque nós partimos do pressuposto de que, enquanto existir algum país com arma nuclear, o risco existe. Em geral, as potências nucleares falam muito em não proliferação. Tudo bem, mas temos que falar na eliminação das armas nucleares", sublinha. 

Veja abaixo os principais trechos da entrevista do ex-chanceler Celso Amorim sobre o BRICS, parte de uma série publicada ao longo desta semana.

Sputnik Brasil: Qual a importância que o grupo terá em um eventual novo governo Lula, considerando que o Lula foi um dos grandes responsáveis pela projeção do grupo?

Celso Amorim: Pela projeção eu nem diria. Eu diria que pela criação mesmo. O termo BRICS tinha sido inventado por um economista do Goldman Sachs, Jim O'Neil. Uma vez eu o encontrei e disse: "Foi você quem inventou o BRICS, né?" E ele disse: "Foi". E eu disse: "Mas nós é que criamos". Porque, na realidade, era apenas um acrônimo para definir países com alguma semelhança. E ele não incluiu a África do Sul, na verdade.

Eu acho que certamente o BRICS vai ter muita importância [no possível governo Lula em 2023]. Eu acho que o mundo evoluiu de lá para cá. Embora a China já fosse a economia mais forte, ela também se comportava com uma certa timidez, com um certo cuidado, eu diria, nas relações internacionais. E agora essa situação é diferente. Então, a meu ver, é preciso também que haja um certo equilíbrio dentro do BRICS. Isso exige que todos se articulem.

Acho que é certa uma ampliação do BRICS; já há uma proposta, um convite feito à Argentina. Da minha parte (e eu nem conversei com o presidente Lula sobre isso), eu sou totalmente a favor, porque eu acho que isso apenas fortalece o Brasil e fortalece a América do Sul, porque nós caminhamos para um mundo de blocos. Há outros países que podem participar, e isso pode ser considerado.

Agora, não devemos ter a imagem do BRICS sendo um grupo que é contra outro. Eu acho que ele é parte de um equilíbrio global. Mas o Brasil, por exemplo, não deixará de ter uma parceria estratégica com a União Europeia [UE] nem deixará de ter um diálogo especial com os Estados Unidos. Em alguns momentos funciona, em alguns momentos não funciona. Mas eu acho que cada um dos países do BRICS tem situações análogas. Ele [o BRICS] é parte dessa pluralidade de articulações que constituem a teia complexa das relações internacionais de hoje, o que é muito importante.

Na área econômica ele revelou grande importância: foi a primeira vez que teve uma pequena reforma no sistema de cotas do FMI, e também influiu nas decisões tomadas no G20. Também é importante em certas áreas como energia, alimentos... Enfim, tem muita coisa que se pode fazer em comum, tem muita afinidade entre os países [do BRICS].

SB: Dentro desse contexto de nova ordem multipolar, de que maneira o Brasil poderia se beneficiar, sendo um dos integrantes do BRICS?

CA: O BRICS não se opõe, o BRICS é parte dessa ordem. Eu acho que isso nos dá alternativas. Eu acho que o Brasil não tem que estar com todos os ovos em uma única cesta. É muito bom ter boas relações com os EUA, é muito bom ter relações com a UE; nós somos a favor, fortemente, disso. Mas também é muito bom ter com os países do BRICS e com outros países, aliás, com a África, com a América do Sul; fortalecer a integração com a América do Sul e a América Latina é absolutamente fundamental. Então você tem que atuar em várias direções. Para usar uma expressão: alianças de geometria variável.

Então depende muito do ponto, e nós temos muitos pontos em comum com o BRICS. Mas em um ponto, por exemplo, nós não temos, que é a reforma do Conselho de Segurança [da ONU]. Até hoje nós não conseguimos um apoio unânime à necessidade de reformar o Conselho de Segurança com novos membros permanentes. Isso, para nós, é um ponto fundamental, porque é a raiz do desequilíbrio na organização mundial. Eu acho que a Rússia tem sido até um pouco mais flexível, pelo menos ao verbalizar posições, mas a China é muito rígida nesse ponto. Ela não fala que é contra, mas não faz nenhum movimento para que isso ocorra. Enfim, então, é assim.

Dois países do BRICS são possuidores de armas atômicas e reconhecidos como potências nucleares pelo TNP [Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares]. Um outro país do BRICS tem armas atômicas sem ser membro do TNP, que é a Índia, e dois outros são países que renunciaram às armas nucleares. Então isso também nos dá uma mudança de visões, quer dizer, o Brasil é membro do BRICS, mas o Brasil também é membro da Coalizão da Nova Agenda, com países variados, como Nova Zelândia, que querem a eliminação total das armas nucleares. Porque nós partimos do pressuposto de que, enquanto existir algum país com arma nuclear, o risco existe.

Em geral, as potências nucleares falam muito em não proliferação. Tudo bem, mas temos que falar na eliminação das armas nucleares.

SB: Na semana passada, a imprensa brasileira divulgou que Lula estava planejando se reunir com os embaixadores do BRICS e, em seguida, com outros embaixadores. Por que separar as reuniões, isto é, primeiro com os BRICS e depois com os outros?

CA: O Lula não é uma autoridade para convocar embaixadores. Aliás, é o presidente [Jair] Bolsonaro quem faz isso (e eu nunca vi isso, mas enfim). Ele [Lula] está conversando, e é uma conversa mais produtiva se ela é uma conversa em grupo. Não é só sobre esse tema. Mais amplamente, é sobre a cooperação bilateral. Ele não está convocando, as oportunidades surgem. Acho que é natural que ele faça e esteja discutindo. Há a questão de que os embaixadores europeus estão de férias neste período.

Lula esteve [nos últimos meses] na França, na Alemanha, na Espanha e na União Europeia. Quanto à América Latina, ele foi à Argentina, foi ao México. Então o BRICS era um pouco o que estava faltando.

Como não há condição de visitar os quatro países do BRICS, é uma das maneiras de ele ter uma reunião com eles.

SB: No tema das reservas internacionais em dólar, o senhor acha que o Brasil deveria ampliar a cesta de moedas e incluir o yuan e o rublo, sobretudo ante o congelamento dos ativos russos?

CA: Já discutimos no BRICS, no tempo em que eu ainda era ministro. Estávamos começando uma discussão sobre a possibilidade do uso das moedas, de se fazer o comércio com as moedas locais, com as moedas nacionais. Acho que seria uma boa maneira de contornar certos problemas com o dólar. Não sou economista, mas na nossa cesta de reservas eu sei que o yuan já entra um pouquinho. Muito pouquinho, mas entra.

Mas o que eu vejo no comércio do BRICS é que se poderia fazer um comércio entre os países do BRICS ou bilateralmente, entre dois deles, em moedas locais. Isso seria uma maneira de incentivar o comércio e de se colocar fora do risco dessas sanções. Agora, se você vai trocar as moedas por outra moeda, isso é uma coisa complicada, acho que não é uma coisa que um país, sozinho, vai decidir.

SB: China e Rússia defendem uma moeda para o BRICS. O senhor defende uma moeda própria para o BRICS? Como facilitar as transações econômicas entre os membros do grupo?

CA: Isso é complexo porque a moeda, essencialmente, é confiança. Antigamente havia o ouro que lastreava a moeda, hoje em dia não tem. Para se chegar a uma moeda comum é um caminho muito longo. O que eu acho razoável pensar é ter contas de comércio bilateral, ou pode ser plurilateral, do BRICS usando moedas nacionais. Isso eu acho que é possível, e há uma maneira de você se colocar fora, digamos, do império do dólar. Não porque se é contra o dólar, mas porque não se quer estar sujeito a isso. E isso acho que é possível.

Agora, pensar em uma moeda do BRICS… Acho que as economias têm dimensão muito desproporcional entre China e África do Sul, por exemplo. Agora, sim, procurar libertar o comércio e os investimentos desses países do império do dólar é razoável. Ou de qualquer outro império, nada contra especialmente o dólar, mas de qualquer outro império.

O meio ambiente e a política externa - Rubens Barbosa (OESP)

 O meio ambiente e a política externa

O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto
09 de agosto de 2022

Rubens Barbosa

A partir da guerra na Ucrânia, a ameaça concreta de falta de energia, em especial do gás, agravada pela forte alta dos preços no mercado internacional, trouxe um retrocesso nos compromissos ambientais assumidos pelos países europeus. A reabertura de usinas a carvão na Alemanha e outras medidas em diversos países vão em sentido contrário às políticas de redução de emissões de gás carbônico. Os países que cobram uma atitude mais firme do Brasil na defesa do meio ambiente e nas políticas de mudança de clima, por circunstâncias internas, veem-se forçados a utilizar meios de geração de energia que condenam, por serem contrários às políticas ambientais que defendem.

Pela primeira vez na História o Brasil ocupa uma posição de grande visibilidade e influência na mais importante e estratégica questão global para o futuro da humanidade.

As novas preocupações globais com a preservação do meio ambiente e a mudança de clima colocaram o Brasil em situação de destaque no contexto internacional. O Brasil, como nunca antes, se encontra no centro das discussões sobre o tema global (não militar) mais relevante e que concentra a atenção de todos os países nas discussões multilaterais e mesmo bilaterais, com repercussão sobre a totalidade dos membros da comunidade internacional. Desde 1992, quando da realização da cúpula sobre meio ambiente, a Eco-92, o Brasil passou a desempenhar um papel de relevo nas negociações e envolveu-se fortemente em todos os acordos negociados até o Acordo de Paris, em 2015, mas nunca o tema da mudança de clima ganhou as dimensões atuais.

A preocupação com o aquecimento do planeta adquiriu proporções inusitadas, pela perspectiva real do aumento do nível dos oceanos, do desaparecimento de ilhas-países e de grande parte de países com litorais vulneráveis, além do impacto sobre a agricultura, que, no médio e no longo prazos, poderá vir a ser afetada pela desertificação ou por grandes inundações, como resultado da alteração dos regimes pluviais, com a destruição das florestas e a não redução do aquecimento planetário.

Nas últimas reuniões do G20 e na COP-26 houve uma evolução da atitude e das posições políticas do governo em relação a essas discussões, apesar de tudo. O Brasil está de volta e se apresenta como parte da solução, com contribuições para a formação do mercado global de carbono, a redução do metano e a antecipação do fim do desmatamento da Amazônia. O Brasil poderá voltar a ter um papel especial nessas negociações e relevância global pela importância do bioma amazônico, pelo maior reservatório de água doce do mundo, pela importância da matriz energética limpa, pelo papel como potência agrícola e pelas soluções que já está produzindo para a redução das emissões de gás de efeito estufa.

Pela primeira vez na História 0 Brasil ocupa posição de visibilidade e influência na mais importante e estratégica questão global para o futuro da humanidade

Fontes inesgotáveis e diversificadas de energia renovável (solar e eólica), o potencial da biomassa e da biodiversidade, a produção de etanol, que reduz a poluição dos transportes, são contribuições do País para as discussões sobre o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e a mudança de clima. O desenvolvimento do mercado de carbono entre Estados e o voluntário entre empresas poderá trazer um grande volume de recursos para o País e ajudará a mitigar o problema de emissão de gás na atmosfera.

Com as necessárias mudanças de políticas ambientais, governo e sociedade em geral poderíam aproveitar essa grande oportunidade. A questão não se deve limitar às discussões ambientais, mas ampliar-se para o exame de como o meio ambiente pode trazer recursos externos, ajudar a fortalecer a projeção externa do País e como o Brasil, afinal, poderá encontrar um lugar no mundo que corresponda efetivamente ao seu potencial.

No momento em que as contradições nas posições ambientais dos países desenvolvidos se agravam, está sendo publicado o livro Diplomacia ambiental, que vai suprir a falta de uma completa e independente informação interna dos compromissos internacionais assumidos em 15 acordos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas e confirmar ou corrigir a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais atuais. O trabalho esclarece a evolução dos processos gerados pelo resultado das negociações e pela internalização dos acordos examinados, que se tomam parte da legislação nacional. O livro mostra os compromissos cumpridos ou em processo de cumprimento e os não cumpridos, e, por isso, poderá ser um instrumento valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e no restabelecimento da credibilidade externa do País, substancialmente deteriorada.

Fica muito claro, contudo, que há muito a ser feito para colocar o Brasil novamente como um real protagonista nos entendimentos bilaterais e nos fóruns internacionais sobre meio ambiente. Em paralelo ao lançamento deste livro, o resultado do trabalho Diplomacia ambiental já pode ser acessado por meio do e-book no portal Interesse Nacional: wvw.interessenacional.com.br.

O trabalho oferece um roteiro para que, a partir de 2023, meio ambiente e mudança de clima possam estar no centro da política externa e serem definidos como a principal prioridade da ação oficial para a recuperação da credibilidade externa.

PRESIDENTE DO INSTITUTO RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...