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sexta-feira, 9 de julho de 2010

O que faz um diplomata, exatamente?

Continuando na hora da saudade -- quero dizer, a revisão de trabalhos antigos, simplesmente para compor uma lista e preparar outros trabalhos -- deparei-me com estas respostas a questões que me são repetidamente colocadas por candidatos à diplomacia.
Como parece que as pessoas, em lugar de pesquisar, primeiramente, vão logo fazendo perguntas já respondidas anteriormente, permito-me, uma vez mais, reproduzir aqui estas respostas a questionário de 2006.

O que faz um diplomata, exatamente?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006

Muito freqüentemente sou solicitado, por interessados na carreira diplomática, geralmente jovens, a pronunciar-me sobre a natureza exata do trabalho diplomático. As dúvidas são muitas e a curiosidade infinita. Ainda assim tento responder a cada um da melhor forma possível, mas novas demandas se repetem, com perguntas usualmente similares. Como exemplo típico desse gênero de questionamento, transcrevo mensagem enviada hoje (11.01.06), que tentarei responder em seguida:
“Ainda falta um pouco para eu me decidir por este caminho (a diplomacia), por isso vim lhe pedir um breve relato de um dia comum seu, em sua profissão. O que é comum encontrar nessa carreira? O que é gratificante? E quais as dificuldades? Não quero incomodá-lo, aliás tenho muito receio disso, mas, ao mesmo tempo, quero me encontrar com a certeza de um futuro inescusável. E como decifrá-lo, se não perguntá-lo? A simples informação de quanto tempo permanece sentado assinando papéis, de quanto de autonomia se tem, dentre outros aspectos congêneres; essas simples informações formam o motivo de minha interpelação.

Pois bem, sei que existem muitas lendas em torno das atividades de um diplomata, geralmente de natureza turística ou etílica, ou seja, de que passamos o tempo viajando de um lugar para outro, em belas cidades de países desenvolvidos, participando de reuniões sofisticadas e, sobretudo, de coquetéis e recepções, um pouco como se todo mundo ainda vivesse nos tempos das cortes européias, em bailes e outras galanterias... Exagero, claro, mas o pessoal também exagera em torno da quantidade de bebida que é humanamente possível ingerir. Com exceção do Vinicius de Moraes, que vivia de copo de uísque na mão, o diplomata geralmente não bebe, salvo, claro, quando é obrigado...

Sans blague, para descrever um dia típico de um diplomata seria preciso, primeiro, distinguir entre o diplomata na Secretaria de Estado, ou seja, na sua capital, onde ele é miseravelmente remunerado, e aquele destacado para um posto no exterior, numa embaixada permanente, numa missão junto a um organismo internacional, ou em missão temporária, integrando uma delegação em alguma reunião internacional, onde ele ganha um pouco mais, mas onde ele tampouco vive nababescamente, como alguns podem imaginar.

Na Secretaria de Estado, somos perfeitos burocratas, processando informações, geralmente em formato eletrônico – como tudo o mais na vida, nestes tempos de informatização generalizada – mas também em suporte papel, muito papel. Ainda existe um bocado de formulários e memorandos nas burocracias governamentais, mais do que o necessário.
Um diplomata padrão cuida de alguns assuntos, sobre os quais possui, ou pelo menos deveria ter, domínio completo e competência reconhecida. Ele recebe um insumo qualquer – digamos um telegrama, hoje um simples e-mail, de uma embaixada, ou uma demanda de algum outro serviço – e imediatamente transforma esse tema em algum tipo de “instrução”, para a própria Secretaria de Estado, para outros órgãos do Estado ou para a missão no exterior que primeiro suscitou o problema. Essa resposta pode sair imediatamente ou requerer consultas a outras instâncias da Casa – divisões políticas, isto é, geográficas, ou econômicas, jurídicas, administrativas, etc. – ou de fora, algum órgão técnico do governo, por exemplo, ou até mesmo a entidades da chamada “sociedade civil”. Se o assunto é sério o suficiente para requerer uma decisão superior, ele é levado sucessivamente a escalões mais elevados, eventualmente até ao próprio presidente da República, que assume responsabilidade por todas as decisões maiores da política externa oficial, da qual o chanceler (ou ministro de Estado das relações exteriores) é o executor.

O gratificante, para um diplomata, é ver que uma proposta sua, emanada de seu “processamento” diligente, e inteligente, defendendo o que ele considera como sendo o interesse nacional, foi convertida em política de Estado e passa a ser defendida pelos representantes do país nos foros internacionais. As dificuldades, pelo menos no plano “psicológico”, geralmente estão ligadas à incapacidade de a instituição responsável pela política externa chegar a uma posição clara, contemplando esses interesses – mas nem sempre é fácil determinar onde está o interesse nacional –, ou então elas são derivadas do fato de que a melhor posição possível, em determinadas circunstâncias, tem de ser “contornada”, digamos assim, em função de alianças táticas ou de “competição” com outros objetivos, nem sempre muito claros.
Já nem considero aqui as dificuldades de tipo administrativo ou logístico – como a ausência de recursos materiais e humanos suficientes para executar o que se poderia considerar como a melhor diplomacia possível em todas as frentes abertas ao engenho e arte de nosso serviço exterior – ou os obstáculos propriamente “estruturais”, que são a obstrução dos fins pretendidos pelas “nossas” instruções por alguma coalizão mais forte no plano externo ou a insuficiente mobilização de aliados para a nossa causa. Isso faz parte da vida...

O diplomata na capital, ainda que fazendo parte de uma grande burocracia, dispõe de mais margem de ação e de mais autonomia do que o diplomata no posto, que tem necessariamente de seguir as instruções da capital. Mas este último também participa do processo decisório e da elaboração de posições, ao informar corretamente sobre as relações de força, sobre as posições dos demais países, sobre as alianças táticas que estão sendo desenhadas em torno de algum assunto e assim por diante.
Numa embaixada bilateral, que são os postos mais numerosos, as negociações são talvez menos freqüentes, mas aumenta o volume de informações produzidas sobre o país em questão e cresce o esforço de defesa dos interesses brasileiros em temas concretos, como comércio, investimentos, acordos de cooperação, geralmente científica e tecnológica, visitas bilaterais, bem como atividades de promoção cultural.

Coquetéis e recepções constituem parte integral do “balé” diplomático, mas esse tipo de atividade “festiva” geralmente está ligada às comemorações das datas nacionais – e isso dá para preencher quase todos os dias do ano, dependendo da capital e da respectiva rede de embaixadas, mas a freqüentação desse tipo de evento varia muito em função de “quem trabalha com aquele país” – ou então contempla a parte inicial de alguma reunião importante, com a presença de várias delegações. Almoços de trabalho – muito raramente pagos pelo serviço exterior – são mais usuais, ao passo que são mais raras aquelas recepções que nós mesmos organizamos para os colegas que conosco trabalham ou com quem convivemos por dever de ofício. Chefes de missão têm, sim, uma jornada extra, recepcionando ou participando intensamente desses eventos, para os quais se requer boa disposição de espírito, bom humor e o físico em forma...

Resumindo em poucas palavras, o diplomata, em suas diferentes funções ligadas à representação, negociação e informação, passa a maior parte do tempo pesquisando, escrevendo, processando informações, se relacionando com outros diplomatas, colegas e de outros países, bem como com funcionários de diferentes serviços, com o objetivo básico de conceber instruções e depois defender posições que reflitam o interesse nacional de seu país. É uma função, sem dúvida alguma, “nobre” e gratificante, mas também muito exigente e comportando alguma dose de desprendimento, pois por vezes as condições de trabalho, ou as da vida em família, não são as melhores possíveis (em alguns postos “de sacrifício”, por exemplo, ou até mesmo na Secretaria de Estado, onde os salários são baixos e o trabalho excessivo).

No cômputo global, creio que se trata de uma profissão invejável, pela diversidade de situações que ela permite e pelas oportunidades que cria de engrandecimento pessoal, intelectual e profissional. Os interessados em uma opinião pessoal sobre o que eu creio serem, na atualidade, as regras pelas quais deve pautar-se um diplomata, podem consultar meu ensaio preliminar “Dez regras modernas de diplomacia”, no seguinte link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/800RegrasDiplom.html; um resumo do mesmo texto, limitado às regras, foi colocado em meu Blog, post nr. 62, neste link: http://paulomre.blogspot.com/2005/12/62-dez-regras-modernas-de-diplomacia.html.
Boa sorte aos que tentam o ingresso na carreira, mas um aviso preliminar: será preciso estudar muito, antes e durante toda a carreira...

Brasília, 11 de janeiro de 2006
Post nr. 153, link: http://paulomre.blogspot.com/2006/01/153-o-que-faz-um-diplomata-exatamente.html

7 comentários:

Danilo Belo disse...

Sempre com palavras sábias e francas direcionando os demais interessados, fico grato pela atenção.

Quanto ao texto:
"Aprenda diplomacia por sua própria conta (e risco)... "
Muito bom, boa sátira.
Abraços Professor

Lais Neiva disse...

Obrigado por continuar esclarecendo pessoas como nós, possíveis aspirantes a carreira diplomática.Tenho 18 anos e sou graduanda em Direito(UESPI), espero quando terminar minha graduação possa definir com exatidão se é ou não essa carreira a seguir. Mas, só perturbando mais um pouco, o que exatamente o bacharel em Direito desempenharia dentro da diplomacia(Itamaraty)brasileira?

marilia disse...

Olá Paulo,

já tive a oportunidade de comentar em outro post (em outro blog).

Dessa vez quero lhe lançar a seguinte pergunta: é possível construir uma vida à dois enquanto se constrói uma carreira diplomática/ (considere a barra ao lado como um ponto de interrogação, pois o teclado que estou usando está desconfigurado)


Você diria que viver no exterior se tornaria a maior dificuldade/

Sei que essa pergunta demanda uma resposta pessoal, mas eu apreciarei sua honestidade e seu realismo.

Marília C. Ferreira

Paulo Roberto de Almeida disse...

Marilia,
Nao misture vida pessoal com carreira profissional. Voce pode construir, ou nao, vida a dois, no Brasil ou no exterior em qualquer profissao, nao depende de ser ou nao diplomata. A carreira nao tem nada a ver com o que voce faz na vida privada, amorosa, familiar.
Casais solidos o são no Brasil e no exterior.
O exterior pode introduzir algum stress, mas nao mais do que a vida numa cidade grande com toda a tensão do cotidiano, o cuidado dos filhos etc.
O que pode fazer diferenca no exterior é a falta de familiares a quem apelar, uma vó para cuidar do neto, etc.
Acho que você nao deveria se preocupar com isso antes de ingressar na carreira. Concentre-se nos exames, apenas isso.
Paulo Roberto de Almeida

Sid disse...

Olá Paulo..
Curiosidade: qual o percentual de diplomatas negros que existe no Brasil atualmente?
Pode parecer uma pergunta singela. E o é. Como disse, é apenas curiosidade.
Adoro seus textos, volto para ver a resposta..

Paulo Roberto de Almeida disse...

Sid,
Não sei responder à sua pergunta, pois acredito que o MRE não classifica seus funcionários racialmente, como fazem talvez outras agências públicas e algumas universidades (o que considero lamentável, pois iniciando uma cultura do Apartheid que eu abomino).
Acredito que sejam poucos, como muito poucos são os negros em outras esferas especializadas, não tanto por racismo, como querem acreditar os militantes da causa e mais por falta de condições. Como nos EUA, os negros brasileiros se encontram nos estratos mais desfavorecidos da população, dotados de pouquíssima educação e poucas oportunidades de ascensão social. A solução não seria "promover" negros para dentro da carreira -- que é exclusivamente baseada no mérito, ou deveria ser, pelo menos -- e sim prepará-los para enfrentar o concurso e passar e isso não passa por políticas de cunho racialista, pois seria uma discriminação contra brancos pobres e sim por políticas inclusivas de cunho social, criando escolas de qualidade para todas as crianças, independente de origem social ou de grupo étnico.
Não creio que você obtenha resposta para sua pergunta...
Paulo Roberto de Almeida

Ramon Aleixo disse...

Senhor Paulo,
Primeiramente,agradeço pelo seu texto acerca da diplomacia e dos estudos internacionais. Sempre me interessei por esta carreira. No entanto, meu desejo é fazer um curso de Direito para adiante me especializar em relações internacionais, não procurando ser especificamente um bacharel na última. É prudente esta minha posição? Estarei em desvantagem com relação aos que já buscam,a priori, o grau de bacharel na área? O que devo fazer para,digamos,me acostumar com a área ao longo do curso de Direito?