terça-feira, 10 de agosto de 2010

A novela do Mercosul - Rubens Barbosa

A saga do Mercosul
Rubens Barbosa
O Globo - O Estado de S.Paulo, 10.08.2010

A 29° Reunião do Conselho do Mercosul, realizada em San Juan, na Argentina, no início de agosto, ocorreu em um momento particularmente delicado para os países da América do Sul.

A temperatura entre a Colômbia e a Venezuela, em consequência das acusações do ex-presidente Alvaro Uribe sobre a presença das Farc em território venezuelano, subiu a um ponto crítico com mobilização de tropas na fronteira.

Enquanto os problemas institucionais do Mercosul persistem e a desintegração regional se amplia com a crise entre Colômbia e Venezuela, o governo brasileiro parece estar mais preocupado com o conflito no Oriente Médio e em como encontrar uma fórmula para resolver as divergências da comunidade internacional e o Irã, em virtude do controvertido programa nuclear de Teerã.

As críticas do candidato da oposição José Serra ao Mercosul e a suas deficiências institucionais ecoaram fortemente na reunião presidencial.

O ministro Celso Amorim, em entrevista ao jornal “Clarín”, de Buenos Aires, na semana passada, disse que “as criticas ao Mercosul e a possibilidade de seu retorno a uma área de livre comércio significam um grande retrocesso e isso não vai ocorrer porque representa interesses de curto prazo”.

Em resposta indireta a Serra, certamente por inspiração brasileira, os presidentes afirmaram que o Mercosul é um desafio histórico, que compromete a vontade dos seus povos e constitui uma aliança estratégica para enfrentar os desafios do atual contexto internacional.

Coincidência ou não, depois de mais de seis anos, foram finalmente aprovados o Código Aduaneiro do Mercosul e a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a distribuição da renda aduaneira. Embora com prazos dilatados para entrar em plena vigência, os acordos foram sinais positivos.

Os presidentes reconheceram também a necessidade de avanços institucionais, recomendando retoricamente esforços adicionais para fortalecer o Parlamento, o mecanismo de solução de controvérsias e o sistema normativo, a fim de produzir resultados concretos para a integração regional.

O presidente Lula não perdeu a oportunidade para intrigar Serra com os países do Mercosul. Afirmou que “a elite, alguns empresários e políticos consideram perda de tempo a negociação com o Mercosul. Em vez de países pequenos, eles querem negociar com a Alca”, em uma distorcida e equivocada simplificação, que esquece os entendimentos com a União Europeia, aliás sem avanços efetivos até aqui.

Em mais um exemplo da influência da política externa nas negociações comerciais, os países membros assinaram um acordo comercial com o Egito, de pouca relevância do ponto de vista econômico, mas politicamente correto, para fazer contraponto ao já assinado com Israel, e anunciaram a negociação de outros com a Jordânia, a Síria e a Autoridade Palestina.

Continuaram as pressões sobre o Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul.

Foram igualmente aprovados nove projetos no valor de US$ 800 milhões para a construção de estrada no Paraguai e a implantação de linhas de transmissão elétrica na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, financiados pelo Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, em larga medida integralizado com recursos financeiros do Brasil.

Durante a última presidência do Mercosul no governo Lula, o Brasil quer discutir os próximos vinte anos do processo de integração, quem sabe acreditando que o PT nesse período estará a frente do governo no Brasil. Na impossibilidade de avanços concretos na área institucional, como evidenciado pelo desrespeito à tarifa externa comum, reconhecido pelo próprio titular do Itamaraty, o Brasil quer promover um esforço adicional para aumentar a visibilidade do Mercosul, para apoiar a participação social e para fazer um balanço sobre os rumos futuros da integração regional. A distância entre a retórica dos governos e a realidade dos fatos continuará aumentando.

Com a recuperação das economias dos países membros, o comércio intraMercosul vai crescer, independentemente da existência do grupo como uma união aduaneira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.