O que o Brasil tem a dizer?
João Augusto de Castro Neves
Artigo originalmente publicado no jornal O Globo, em 09/10/2011
Em 2001, um banco de investimentos cunhou a expressão Brics, situando o Brasil num agrupamento promissor de economias emergentes. Em 2006, a Bolívia nacionalizou ativos de uma empresa estatal brasileira naquele país, acontecimento que inaugurou uma onda de novas reivindicações de países vizinhos perante o Brasil. Ano passado, a tentativa do Brasil de intermediar, juntamente com a Turquia, as negociações nucleares entre as grandes potências e o Irã foi prontamente rechaçada pelas grandes potências.
O que esses fatos têm em comum? Primeiramente, são reflexos de algumas transformações mais profundas na inserção internacional do Brasil. A combinação de estabilidade macroeconômica com crescimento permitiu avanços e garantiu também um ambiente propício à consolidação de políticas sociais. O resultado desse processo foi além da emergência de uma nova classe média e do surgimento de multinacionais brasileiras, as chamadas campeãs nacionais. No front externo, essas mudanças geraram entusiasmo e confiança nos governantes nacionais e alargaram os horizontes de atuação do Brasil.
Mas um aspecto menos comentado daqueles acontecimentos merece atenção. Positivos ou negativos, todos foram recebidos com certa surpresa pelo Brasil, inclusive nos círculos governamentais. Não raro, as reações variaram da euforia, como se o mundo finalmente tivesse acordado para a grandeza do Brasil, à perplexidade, como se qualquer ato contrário aos interesses do país fosse resultado de má vontade ou incompreensão.
Para um país que ambiciona, há décadas, posições mais elevadas na hierarquia de poder global, essas reações extremadas impressionam. E o fato de elas acompanharem até mesmo algumas transformações mais graduais porém mais evidentes na agenda externa, como a elevação da China a principal parceiro econômico do Brasil, não só impressiona, mas assusta. Desnecessário afirmar que a crescente atitude anti-China nos meios políticos e produtivos é tão contraproducente e ideológica quanto o excesso de otimismo do governo do PT com a suposta “parceria estratégica”.
O bom desempenho econômico e social do Brasil dos últimos anos inspira, com razão, questionamentos internos sobre a sua sustentabilidade. A ascensão internacional do país, de certa forma um subproduto desse desempenho, por sua vez, demanda um debate igualmente importante sobre os efeitos e as possibilidades dessa nova situação. Afinal, a ascensão do Brasil não ocorre no vácuo. Intencionalmente ou não, ela reverbera na região e alcança temas globais, como o comércio e as finanças, o meio ambiente, os direitos humanos e a proliferação nuclear.
A nova visibilidade internacional do Brasil, portanto, não deve ser encarada como a conclusão de um processo bem-sucedido de modernização. Essa nova condição de potência emergente — ou já emergida —, na verdade, deve ser entendida como o início de uma nova fase nas relações internacionais do Brasil. Uma fase que, além de oportunidades, traz mais riscos e novas responsabilidades, não havendo espaço para surpresas, indefinições e improviso.
Diante dessa realidade, é fundamental o cultivo de uma cultura de planejamento estratégico entre governo e sociedade civil. Isto é, coordenar esforços para desenvolver a capacidade de olhar para a frente e além do nevoeiro do curto prazo e do dia a dia, a fim de que se possa enxergar tendências duradouras e desenhar estratégias para lidar com elas. Afinal, uma retórica diplomática ambiciosa, por si só, não prepara as lideranças do país para lidar com a realização de alguns objetivos que pareciam distantes.
País que sempre clamou por mais voz nos assuntos internacionais, o Brasil tem de evitar o risco de, quando começar a ser ouvido, não saber bem ao certo o que tem a dizer.
@BrazilPolitics
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