O
que esperar da Rio+20
José Goldemberg
O Estado de S.Paulo,
17/10/2011
O Rio de Janeiro vai
sediar, no início de junho de 2012,uma conferência internacional da Organização
das Nações Unidas (ONU) para marcar o 20.º aniversário da Rio-92. Duas décadas
se passaram desde essa conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento,que é
considerada a mais importante realizada até hoje sobre o tema e à qual
compareceram mais de cem chefes de Estado e de governo.
A Rio-92 ocorreu num momento
em que o movimento ambientalista mundial estava em ascensão, o que favoreceu os
resultados alcançados, os mais importantes dos quais foram a Convenção do Clima
e a Convenção da Biodiversidade. Outros resultados foram a Declaração de
Princípios sobre Florestas, a Declaração do Rio de Janeiroe aAgenda21, os
quais, apesar de meramente retóricos, fizeram a vançar a agenda ambiental em
muitos países.
A Convenção do Clima foi
ratificada e seguida pela adoção do Protocolo de Kyoto, em 1997, que deu
"dentes à convenção", fixando reduções mandatórias de emissões de
gases que provocam o aquecimento da Terra, mas apenas para os países
industrializados, a serem atingidas até 2012. Os países em desenvolvimento
foram isentos dessas reduções, considerando que suas emissões eram pequenas e
seu desenvolvimento exigiria mais energia e mais emissões.
Na convenção e no protocolo
os países foram divididos em duas categorias: cerca de 30 industrializados como
brigações a cumprir(países do AnexoI) e os demais 150,em desenvolvimento,
isentos dessas obrigações.
Os
EUA,por essa razão,não ratificaram o Protocolo de Kyoto, o que reduziu muito a
sua eficácia e encontra agora sérias dificuldades.
Vários
países que são parte do protocolo (Japão, França Rússia e Canadá) já
expressaram a intenção de abandoná-lo, o que deixaria isolada a União Europeia,
que representa apenas 13% das emissões.
A
própria ONU,ao convocara Rio+20, limitou seu escopo: ela terá apenas três dias
de duração (de 4 a 6 de junho) e tratará de desenvolvimento com ênfase em três
temas:combate à pobreza, economia verde e governança ambiental.
ARio-92teveduração de 15
dias, o que deu tempo para uma ampla mobilização das organizações sociais e até
para os negociadores dos países que vieram ao Rio de Janeiro.
Antes da Rio+20
vai se realizarem Durban, na África do Sul, em dezembro, a 17.ª Conferência das
Partes da Convenção do Clima(COP17),na qual essa discussão poderia
avançar.
Em
preparação a ela houve uma reunião dos ministros do Meio Ambiente dos países do
Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), realizada em Minas Gerais em 26 e
27 de agosto, que se limitou a repetir velhos chavões que esses países adotam
desde 1992 e são os seguintes: 1) Os países industrializados emitem gases de
efeito estufa desde o século 19 e agora querem impedir que os países em
desenvolvimento se desenvolvam. Em outras palavras, têm a
"responsabilidade histórica" pelas emissões e de resolver o problema.
2) As emissões per capita dos países em desenvolvimento são muito menores que
as emissões per capita dos países industrializados.
Além
disso, concordaram em reivindicar que os países industrializados reduzam suas
emissões( reforçando o Protocolo de Kyoto) e paguem aos países em
desenvolvimento-que são isentos da obrigação de reduzi-las - para que se
adaptem às mudanças climáticas. Ora, são passados 20 anos desde 1992. Hoje a
China é o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e os países em
desenvolvimento já são responsáveis por mais da metade delas. Dentro de dez
anos provavelmente as emissões desse grupo atingirão 70% do total, invertendo a
situação que existia duas décadas atrás.
A impressão que se tem, lendo
o comunicado final da reunião de ministros, é que eles não se deram conta ainda
de que a Conferência de Copenhague (COP 15) mudou a "arquitetura" de
implementação da Convenção do Clima e abriu caminho para o abandono de
compromissos multilaterais e a adoção de metas nacionais sérias.
Para persuadir os países
industrializados a fazer mais, isto é, reforçar e estender o Protocolo de Kyoto,
os países do Basic precisariam também fazer mais do que fazem hoje. E a forma
de fazê-lo é iniciar uma negociação séria com os atuais signatários do
protocolo para sua inclusão na lista dos países industrializados que aceitam
metas quantitativas mandatórias, ou seja, adotar um processo de
"graduação".
No Protocolo de Kyoto, China,
Índia, Brasil e África do Sul são tratados exatamente como países pequenos da
África e da Ásia que contribuem muito pouco para as emissões.
Não é
realista insistir na manutenção dessa ilusão.
Países do Basic fazem parte
do chamado Grupo dos 77, extremamente heterogêneo, que abrange desde nações
muito pobres até produtoras de petróleo. A ação conjunta desse grupo pode
funcionar para fins políticos, como aumento da assistência econômica aos países
mais carentes, ajuda humanitária, combate ao colonialismo e outros, mas não o
de contribuir para um futuro sustentável do ponto de vista ambiental.
Em particular no caso do
Brasil, não é sem tempo que o Itamaraty decida como e onde quer ficar. Por um
lado,o País aspira a ser um dos "grandes" no cenário mundial e
conseguir um lugar de membro permanente do Conselho Segurança da ONU, com as
responsabilidades que isso implica. Por outro, alinha-se a países que não têm
realmente como enfrentar o problema das mudanças climáticas e são dependentes
de doações dos países ricos para tal. Esse é, no fundo, um comportamento
bipolar e que na prática só favoreceu até agora a China,que,protegida pelo
Protocolo de Kyoto, se tornou o maior emissor mundial.
Sem novas propostas criativas
a Conferência do Clima de Durban no fim do ano vai fracassar, comprometendo o
sucesso da Rio+20 em 2012, que poderá transformar-se apenas num palco para
declarações retóricas.
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