Os sentimentos protecionistas no Brasil são tão arraigados que eles costumam surgir onde menos se espera, ou seja, no poderoso, forte, robusto, competitivo setor agropecuário brasileiro.
Assim como os corruptos já não têm vergonha de ser corruptos no Brasil, os protecionistas já não têm qualquer constrangimento em expor seu protecionismo rústico.
Paulo Roberto de Almeida
A "desagropecuarização" silenciosa do Brasil
Roberto Simões
Valor Econômico, 31/10/2011
A evolução das condições macroeconômicas do Brasil fez surgir, nos últimos meses, a discussão sobre uma iminente "desindustrialização" do País, ou seja, a perda de competitividade da indústria nacional frente a similares importados, levando ao fechamento de empresas, mudança ou terceirização da produção em outros países e, consequentemente, à perda de postos de trabalho. As justificativas principais são a valorização do real frente ao dólar e a falta de uma política de apoio à indústria nacional.
A sombra do mesmo processo paira sobre a agropecuária brasileira. No nosso caso, há um fator agravante às questões econômicas e estruturais: a diplomacia brasileira e as negociações comerciais danosas envolvendo alguns produtos agropecuários, a maioria sensível à concorrência desigual entre países, cuja importação, consequentemente, tem crescido em detrimento da produção nacional.
Silenciosa e continuamente, o governo federal vem normatizando a importação de produtos de diversos países. Somente entre 2008 até os primeiros oito meses de 2011, considerando-se apenas os produtos agrícolas nos quais o Brasil é autossuficiente, foi normatizada pelo Ministério da Agricultura a importação de 21 itens, entre eles café, cebola, cenoura, castanha de caju, laranja, mandioca, vagem, pimentão e folhas de fumo. A banana e outros hortícolas provenientes do Equador estão na fila de espera para regulamentação.
A origem desses produtos inclui países de duvidosa importância comercial para o Brasil, como os africanos Guiné Bissau, Nigéria, Benin, Gana e Costa do Marfim; países latino-americanos, como México, Bolívia e Peru; europeus, como Portugal e Itália; além dos parceiros do Mercosul.
O caso mais recente dessa política brasileira foi a negociação comercial com o Uruguai, no final do governo Lula, que abriu o mercado brasileiro à importação de lácteos provenientes daquele país, em troca de uma cota de exportação de 150 mil toneladas anuais de carne de frango.
A primeira pergunta é: se nos foi imposta uma cota, por que a reciprocidade brasileira é ilimitada? Os impactos já são sentidos no mercado interno e a produção uruguaia cresce à taxa superior a 15% em um ano. Já a produção brasileira deve crescer menos do que em 2010, quando aumentou cerca de 7%.
Nos primeiros sete meses deste ano já entraram no Brasil 50 mil toneladas de leite em pó, aumento de quase 70% em relação a 2010. Se o ritmo permanecer o mesmo até o final deste ano, as importações alcançarão mais de 85 mil toneladas. Este volume equivale a cerca de 880 milhões de litros de leite in natura, o correspondente ao processamento anual da quarta maior empresa de laticínios instalada no País.
Também preocupa os nossos produtores a recente promessa brasileira em reabrir o mercado para a banana equatoriana, fechado desde o início dos anos 90 por questões sanitárias. A cadeia produtiva da banana no Equador, totalmente voltada para exportação, é controlada por multinacionais norte-americanas, que têm pesada estrutura para distribuir em todo o mundo as frutas que produzem no Equador e em outros países da América Latina. Com essas "gigantes" na coordenação da cadeia produtiva local, é significativamente restringida a participação dos produtores locais na cadeia de valor da banana. No Brasil, a presença da banana importada nas grandes redes de varejo pode levar um grande número de produtores a abandonar a atividade.
Um exemplo claro de substituição da produção interna pela importação em condições desiguais de competitividade foi a abertura do mercado brasileiro ao alho chinês, na década de 90. Até então, a produção nacional de alho abastecia 90% da demanda interna. Em 2010, de um consumo estimado de 240 mil toneladas do bulbo no País, 63% foram importados, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Alho. Até agosto de 2011, o Brasil já gastou R$ 417 milhões em compras de alho e também de cebola. Como consequência, a produção nacional de cebola deve cair 7% em relação a 2010, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os produtores brasileiros já são diuturnamente desafiados a sobreviverem em condições as mais adversas, com logística cara e ineficiente, carga tributária proibitiva, taxas de juros e prazos de pagamento incompatíveis com a atividade, frágil política de seguro rural e falta de assistência técnica, dentre inúmeros outros entraves. Mesmo assim, fazemos a mais importante e eficiente agropecuária tropical do planeta. Dentro da porteira vimos demonstrando nossa capacidade e aprendemos a lidar com a competição das commodities nos principais mercados do mundo.
Mas, os pequenos e médios produtores voltados para o abastecimento interno não estão preparados para uma competição internacional sob condições desiguais. Não se trata de pedir protecionismo, contra o qual lutamos nos principais mercados para os quais exportamos. Trata-se de pedir condições iguais de competição, sob pena de termos à mesa apenas alho chinês, banana equatoriana e leite argentino e uruguaio.
Roberto Simões é presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG) e do Conselho Deliberativo do Sebrae Nacional (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
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