segunda-feira, 9 de julho de 2012

Politica Externa Bisonha - Marcelo de Paiva Abreu


Política externa bisonha

Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S. Paulo - 09/07/2012


Em meu último artigo, escrito horas antes de eclodir a crise paraguaia, usei metáfora futebolística para caracterizar a ação do Itamaraty nos últimos tempos: defesa mais que razoável; ataque bisonho. A defesa se referia à postura defensiva do Ministério das Relações Exteriores no campo político. O ataque, às propostas brasileiras no terreno econômico.
Com base no primeiro ano e meio do lado político da diplomacia do governo Rousseff, sublinhei as virtudes do afastamento em relação a Teerã e Caracas. O Itamaraty parecia ter sido capaz de se distanciar dos excessos a que se havia exposto na época da tríade Amorim-Guimarães-Garcia. Com otimismo, Rio Branco ameaçava voltar a se sobrepor à diplomacia de grêmio estudantil que tanto agradava a Lula.
Em contraste, no terreno propositivo, especialmente na esfera econômica, eu havia mencionado a pobreza das propostas brasileiras no quadro multilateral. Primeiro, na Organização Mundial do Comércio (OMC), enfatizando a necessidade de que negociações comerciais levassem em conta flutuações cambiais, assunto em relação ao qual até o Fundo Monetário Internacional, como agência multilateral especializada em finanças, se revela relativamente impotente. E também no G-20, ao propor nova rodada de negociações comerciais multilaterais na OMC, a despeito de o Brasil ter-se tornado um dos grandes delinquentes em matéria de escalada do protecionismo no passado recente.
Havia ventilado como bastante provável a hipótese de que o Itamaraty estivesse sendo posto à margem do processo decisório de política comercial. De fato, é difícil crer que possam ter bom trânsito no Palácio dos Arcos iniciativas que desgastam o bom nome brasileiro acumulado desde a Rodada Uruguai até os vitoriosos contenciosos do algodão e do açúcar. As impressões digitais do eixo Fazenda-Planalto são visíveis.
Na verdade, devo agora reconhecer que minha avaliação sobre a vertente política da diplomacia brasileira estava equivocada. Não havia bola de cristal disponível para prever as trapalhadas da diplomacia do Brasil no quadro da crise política paraguaia. Em especial, a propensão a repetir erros do passado. O que se conclui agora é que, na política exterior brasileira, não é só o ataque que é bisonho, a defesa também o é.
O Paraguai foi censurado por seus companheiros do Mercosul por açodamento na aplicação de rito de impeachment previsto na Constituição, embora não seja claro qual teria sido o timing aceitável pelos críticos da deposição de Fernando Lugo. No passado, o preciosismo do governo brasileiro na avaliação dos ritos processuais foi bem menos marcado na apreciação das peripécias eleitoreiras de Hugo Chávez na Venezuela. Certamente, um caso de dois pesos e duas medidas.
É sabido que o Itamaraty tentou mitigar a impetuosidade presidencial e houve sucesso em impedir tresloucadas sanções econômicas ao Paraguai, que contavam com a simpatia do eixo Buenos Aires-Caracas. Mas a presidente Dilma, a julgar por revelações de dirigentes uruguaios, teve papel ativo e decisivo quando foram consideradas as consequências da suspensão do Paraguai como membro do Mercosul, com possível remoção do obstáculo à admissão da Venezuela, cujo ingresso dependia de voto favorável do Senado paraguaio. Suspenso o Paraguai, admita-se a Venezuela. A pressa em resolver o assunto, em benefício da postulação venezuelana, contrasta com a censura à pressa paraguaia em aprovar o impeachment de Lugo. A melhor justificativa encontrada pelo Itamaraty - "é a Venezuela que está sendo admitida no Mercosul, e não Chávez" - é ridícula, para dizer o mínimo.
Fica claro que a política externa brasileira hoje tem sido formulada e implementada em grande medida ao arrepio do Itamaraty. A perspectiva de curto prazo tem prevalecido sobre qualquer visão estratégica sobre o papel político e econômico que o País possa desempenhar em escala global. É uma versão um tanto inusitada de diplomacia presidencial, com o presidente tornando-se o principal formulador da política externa.
Não se discute que a política externa brasileira tenha como pilar a manutenção de relações cordiais com seus vizinhos. De fato, a secular convivência pacífica com os vizinhos é um dos aspectos mais positivos da tradição diplomática do Brasil, configurando um contraste positivo com diversos outros emergentes. Essa prioridade explicaria as acomodações que têm marcado a postura do País diante de Caracas e Buenos Aires. Mas o preço da manutenção de tal postura tem aumentado desmesuradamente à medida que "se va la mano de los hermanos", especialmente no caso da Argentina, onde prospera o primitivismo peronista. Certamente haverá limites para a capacidade brasileira de fazer vista grossa às decisões argentinas prejudiciais ao Brasil e, também, aos destemperos chavistas.
Que credibilidade global pode ter um Brasil a reboque de Argentina e Venezuela? Não só o Mercosul fica ainda mais estigmatizado como parceiro comercial preferencial das economias desenvolvidas, mas também a postulação brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, emblemática do anseio por um papel global, torna-se despropositada.


Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge; é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio 

3 comentários:

  1. "Defesa mais do que razoável, ataque bisonho"
    O Estado de São Paulo,25 de junho de 2012 Marcelo de Paiva Abreu

    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,defesa-mais-do-que-razoavel-ataque-bisonho-,891107,0.htm

    Vale!

    ResponderExcluir
  2. abc COLOR (Paraguai):
    09 de Julio de 2012
    "Gobierno de Paraguay acude hoy al Tribunal Permanente del Mercosur"

    http://www.abc.com.py/edicion-impresa/politica/gobierno-de-paraguay-acude-hoy-al-tribunal-permanente-del-mercosur-423928.html

    Vale!

    ResponderExcluir
  3. Última Hora (Paraguai):
    Política | 15:05 | Lunes, 09 de Julio de 2012
    "Paraguay presentó demanda ante Tribunal del Mercosur"

    http://www.ultimahora.com/notas/543969-Paraguay-presento-demanda-ante-Tribunal-del-Mercosur

    Vale!

    ResponderExcluir

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.