Transparência para quê?
Eduardo Graeff – 09/07/2012
Os servidores pedem isonomia com carreiras
mais bem pagas sempre. Resultado: os salários nunca se alinham. A lei limita
aumentos? Tentam mudar a lei.
A Lei de Acesso à Informação pode pegar, graças às
cobranças da imprensa, da sociedade e da melhor parte dos agentes públicos. A
publicação da folha de pagamentos de órgãos públicos é um bom começo, mas é só
um começo. A grande pergunta é: o que fazer com toda essa informação?
Identificar aberrações individuais é
importante. Mas é fundamental usar a informação obtida para começar a botar
ordem na balbúrdia da remuneração de funcionários e autoridades públicas em
geral.
Na falta de políticas remuneratórias
consistentes, a regra do setor público brasileiro é: quem grita mais alto,
leva. A altura da gritaria é razão direta da proximidade dos centros do poder e
razão inversa do número de bocas. Isso dá margem a todo tipo de aberração.
Destaco três: o descolamento do teto, a gangorra ascendente e o esmagamento da
base da pirâmide salarial.
Descolamento do teto é a brecha entre os
salários mais altos e mais baixos do setor público. Ministros dos nossos
tribunais superiores ganham tanto ou mais que juízes da Suprema Corte
americana. Mas um professor primário nos Estados Unidos ganha um quarto de um juiz
da Suprema Corte. No Brasil, deve ganhar um décimo ou menos. A mesma
desproporção se verifica nos salários de policiais, médicos, enfermeiros etc. O
que faz com que eles sempre achem que ganham mal, mesmo quando não ganham tão
mal assim.
Gangorra ascendente é o efeito da busca de
isonomias e equiparações entre funcionários de diferentes carreiras, órgãos,
poderes e níveis de governo. Delegados de polícia querem ganhar como juízes e
promotores; militares de alta patente querem ganhar como delegados;
funcionários do Executivo querem ganhar como os do Legislativo e Judiciário;
policiais e professores dos Estados querem ganhar como os federais. Como as
escalas salariais nunca se alinham, a gangorra nunca para e vai sempre para
cima.
Esmagamento da base é o impacto final dessa
engrenagem sobre a carga tributária. A Lei de Responsabilidade Fiscal limitou a
parcela da receita dos Estados e municípios destinada ao pagamento de salários.
As demandas dos funcionários, justas ou injustas, se chocam com esses
limites. irou moda tentar derruba-los
via emendas constitucionais garantindo aumentos para funcionários estaduais e
municipais. Assim não há carga tributária que chegue -nem dinheiro que sobre
para investir em infraestrutura e melhora da qualidade dos serviços.
Acesso à informação, somente, não vai mudar
esse quadro. Mas pode ajudar a sociedade e autoridades responsáveis a
dimensionar o problema, discutir soluções e alinhar iniciativas na direção de
uma política remuneratória consistente.
Para isso, a informação deve ser abrangente
e comparável. O ideal é que todos os órgãos públicos, de todos os poderes e
níveis de governo, publiquem e atualizem regularmente sua folha de
pagamentos.
Agregar, tabular e comparar essa massa de
dados não será nenhum bicho de sete cabeças, se eles forem publicados em
formato aberto, como prevê a lei. Um órgão como o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) pode fazer isso. Outros entes públicos e privados, como
o Contas Abertas, também.
Só assim saberemos quem está gritando de
barriga cheia e quem está ganhando pouco ou na justa medida -que, para ser
justa, tem que ser proporcional à capacidade de pagamento do país.
Quem se dá bem na sombra achará pretextos
para resistir à abertura da informação. O que é motivo suficiente para os
amigos da transparência insistirem.
EDUARDO GRAEFF, 62, é cientista político.
Foi secretário-geral da Presidência da República (gestão Fernando Henrique
Cardoso)
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