Reunião presidencial do Brics
A partir de 2019 surge uma possibilidade de convergência para uma nova etapa do grupo
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 14/08/2018
O Brics, grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, realizou sua 10.ª reunião de cúpula em Johannesburgo, África do Sul, no final de julho. Criado em 2006, o grupo representa 44% da população mundial, quase um quarto do território terrestre e 23% de seu PIB. São cinco países de renda média que buscam ampliar a cooperação e buscar soluções para os desafios de um mundo em profunda e rápida transformação, sem, no entanto, questionar os atuais fundamentos da ordem política e econômica global.
Na reunião, a cooperação com a África foi discutida e a escalada protecionista, que ameaça o livre-comércio e amplia os questionamentos sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC), foi condenada. Ambos os temas são de direto interesse do Brasil. A ameaça de guerra comercial ficou concentrada na disputa entre EUA e China. O entendimento entre os EUA e a Europa culminou com a suspensão de todas as medidas restritivas no intercâmbio bilateral, inclusive no tocante ao aço, ao alumínio e a automóveis. Ninguém se beneficiará dessa confrontação, nem mesmo o Brasil, sobretudo nas exportações de produtos agrícolas.
Ao final do encontro do Brics, os países-membros aprofundaram a cooperação em áreas como meio ambiente, esportes e economia digital. Foi instituído um Centro de Pesquisa em Vacinas para ampliar a capacidade conjunta da produção farmacêutica; e foi lançada parceria para explorar oportunidades no setor de aviação regional. Foi também assinado acordo para a instalação, no Brasil, de escritório do Novo Banco de Desenvolvimento. Com esta nova sede regional, em São Paulo, o banco do Brics vai financiar mais investimentos no Brasil e em toda a América Latina, em especial na área de infraestrutura.
No momento, o Brasil corretamente tem focado sua atuação no Brics de maneira pragmática e cautelosa. Tendo em conta as atuais limitações para a convergência de uma agenda mais ampla no campo da política internacional entre países tão distintos e com pesos econômicos relativos tão díspares, o governo brasileiro aproveita o agrupamento para promover atividades concretas de cooperação, como ficou evidenciado na África do Sul. Trata-se, portanto, de auferir ganhos concretos no campo econômico-financeiro (financiamento de infraestrutura, atração de investimentos) e de promoção comercial. Do ponto de vista financeiro, a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e de arranjos financeiros representou um avanço significativo para reforçar a identidade do grupo e ampliar os instrumentos de apoio entre os países-membros.
O grupo tende a firmar-se como instância de cooperação para enfrentar problemas típicos de países de renda média (com destaque para saúde, educação, ciência, energia, tecnologia e inovação). Em 2018, deverão ser realizados mais de cem encontros ministeriais, de altos funcionários e setoriais entre os países-membros.
A partir de 2019, no início de sua segunda década de existência, surge uma possibilidade de convergência para uma nova etapa dos Brics.
Dependendo do resultado das eleições presidenciais e, espera-se, com a volta do crescimento sustentável, a disparidade relativa entre o Brasil, a China e a Índia poderá ser reduzida, e assim desenhada uma política mais ambiciosa em relação ao Brics com o objetivo de aumentar a projeção diplomática do Brasil. Considerações de natureza geopolítica deveriam também ser levadas em conta. Ser parte de um exclusivo grupo de países com grande peso econômico e político é fator de influência e prestígio diplomáticos. Hoje já existe coordenação em muitas áreas, tais como em foros multilaterais como G-20, ONU, Banco Mundial e FMI. Nos próximos anos, com a recuperação econômica do Brasil e da Rússia e o continuado avanço da China e da Índia, o Brics tenderá a ter uma crescente presença no cenário global, ampliando sua participação não só em termos econômicos, mas também político, com maior peso no encaminhamento de soluções para crises pontuais.
Para ser ouvido nos foros internacionais ou no concerto das nações, o Brics terá de atuar de maneira coordenada e uníssona. Não interessa ao Brasil endossar posições nacionais de um ou mais membros que marquem antagonismos em geral contra os EUA e países europeus. Com maior presença global, o Brasil, nos próximos anos, terá de posicionar-se em questões geopoliticamente distantes, como no caso da Síria ou do Oriente Médio. Terá de buscar consenso para o grupo também atuar com voz única nos chamados “novos temas emergentes” (terrorismo, narcotráfico, migrações e segurança cibernética), nos quais hoje há significativa discrepância entre a posição brasileira, de um lado, e a russa e a chinesa, de outro. Também não interessa ao Brasil o aumento do número de países-membros. México, Argentina, Arábia Saudita, Indonésia, Egito e Venezuela, que já manifestaram interesse em juntar-se ao grupo, poderiam, uma vez aceitos, dificultar a obtenção de consensos, sobretudo em temas relacionados à paz e à segurança internacionais – aí incluída a reforma do Conselho de Segurança.
O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) promoverá em São Paulo, em setembro, encontro para discutir um novo papel para o Brasil no âmbito do Brics, levando em conta que em 2019 caberá ao Brasil sediar o próximo encontro presidencial do Brics. Com o novo presidente, a cúpula poderá ser a oportunidade ideal para ensaiarmos os primeiros passos na busca de uma posição comum dos cinco países em temas internacionais sensíveis, aprofundando a atitude de cautela adotada até aqui. O fortalecimento da política e da economia internas reforçará a política externa brasileira nos próximos anos e o Brics poderá ser uma plataforma relevante para uma ação mais proativa do Brasil no cenário internacional.
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