A marcha da História
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
As sociedades evoluem e se transformam muito lentamente, na gradual acumulação de pressões inovadoras que vão gerando impulsos para reformas gradativas, parciais, geralmente de maneira não disruptiva, pois esta é a tendência dos grupos e classes sociais já organizados sob a forma de uma comunidade política qualquer, e também porque as mudanças econômicas, que são as que mais contam, só se realizam muito lentamente, com alguns saltos tecnológicos mais ousados que ocorrem a certos intervalos.
Acelerações no ritmo das mudanças podem ocorrer, mas elas são perturbadoras das forças sociais e econômicas já consolidadas e podem provocar crises momentâneas, que perturbam um ciclo de crescimento. Os Estados Unidos, por exemplo, cresceram de maneira sustentada durante quase um século e meio, depois da guerra de secessão, mas também passaram por crises econômicas e algumas provocadas de fora. Sociedades que conheceram violentas mudanças políticas, em meio a grandes revoluções sociais – como a Revolução francesa, a bolchevique, em 1917, a maoísta, dos anos 1950-70, e a dos aiatolás, no Irã –, geralmente se saíram pior dessas formidáveis experiências do que se tivessem enveredado por um processo de reformas graduais, sem grandes perdas econômicas – como efetivamente tiveram – e sem os enormes sacrifícios em capital humano – emigrados, ou simplesmente eliminados fisicamente – que efetivamente tiveram.
Algumas sociedades não conseguem se reformar para avançar, passando por uma fase mais ou menos longa de declínio ou estagnação, ou então passam a enfrenar aquelas pressões disruptivas que as conduzem a processos revolucionários, em geral devido a impasses entre as classes dominantes e as elites dirigentes, ou em face da ascensão de novas forças sociais, que passam a disputar o poder político e o comando do Estado. Mas, as grandes revoluções sociais são eventos raros na história da sociedade, e a imensa maioria das sociedades avança mediante erros e tentativas, num processo gradual de adaptações e ajustes setoriais e parciais.
O Brasil nunca enfrentou um processo de tal magnitude quanto uma grande revolução social, mas teve várias pequenas e grandes rupturas ao longo dos últimos 200 anos. A longa crise da escravidão acabou redundando, entre outros fatores conjunturais, na própria abolição da monarquia, o que resultou num início de República muito caótico, até o país se acomodar no regime quase “normal” das oligarquias. A Revolução de 1930, liderada por um caudilho autocrático, nos levou à primeira grande ditadura, o Estado Novo, autocrático e modernizador (e também com grande efervescência cultural). Nova crise política, sempre com os mesmos desentendimentos entre as elites dirigentes, nos conduziram a nova ruptura política e a uma ditadura militar ainda mais longa, embora com nova e vibrante efervescência cultural. A democratização teve seus pequenos impasses e inéditos processos hiperinflacionários, que foram superados depois de diversos exercícios de engenharia econômica.
Mas não tínhamos enfrentado, ainda, um processo de degradação institucional e de rebaixamento cultural conduzido diretamente a partir do poder central, como o enfrentado desde 2019, com a ascensão do reconhecidamente pior dirigente em toda a história do país. Venceremos o desmantelamento na governança pela via eleitoral, com talvez algumas sequelas no plano das crenças políticas, mas nada de totalmente disruptivo. Mais importante, talvez, do que os desarranjos atuais no núcleo do poder é o persistente processo de declínio ou estagnação do crescimento econômico, o que resultou da extrema fragmentação política na sociedade, do corporatismo no Estado e da baixa educação política do eleitorado.
Acredito que vamos superar essa letargia sem grandes rupturas políticas ou sociais, mas às custas de uma extrema lentidão nas reformas estruturais.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4078: 10 fevereiro 2022, 2 p.
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