terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Fato novo no cenário internacional: o acordo Rússia-China - Rubens Barbosa (OESP)

Devo dizer que discordo com vários dos argumentos expostos neste artigo, sobretudo em relação ao BRICS, mas não vou desenvolver minha posição aqui, pois me tomaria algum espaço. Já expus minha visão das relações exteriores do Brasil, de sua política externa e de sua diplomacia em diversas obras minhas, a mais recente sendo Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), à qual remeto para desenvolvimentos nessa área

Paulo Roberto de Almeida

 

FATO NOVO NO CENÁRIO INTERNACIONAL 

 

Rubens  Barbosa

O Estado de S. Paulo, 22/02/2022


No meio da crise entre a Rússia e a Ucrânia, no início de fevereiro, depois de encontro Putin-Xi Jinping, os governos da Rússia e da China divulgaram longo comunicado que constitui um fato novo na ordem internacional e no desenvolvimento sustentável global. Nesse contexto, ressaltam a emergência de uma nova era, que deveria ser consolidada, evitando-se o estímulo à divisão da comunidade internacional. 

Na visão da segunda maior potência global (China) e do segundo pais com maior capacidade nuclear (Rússia), a ordem internacional passa por profundas transformações, tornou-se multipolar, com a redistribuição de poder no mundo, o que justificaria uma interação e uma interdependência entre os países, e não o incitamento às contradições e ações unilaterais. Por isso, pedem o reconhecimento dessa nova fase, cuja principal referência seriam as Nações Unidas e o Conselho de Segurança da ONU. 

O documento afirma que os dois países decidiram formar uma inédita aliança política, militar, energética, tecnológica sem limites, sem nenhuma área proibida de cooperação. Rússia e China demandam uma nova forma de relação entre as potências mundiais, baseada em respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação benéfica para todos. O lado chinês apoiou as propostas apresentadas pela Rússia para criar um sistema de garantias de segurança de longo prazo na Europa, legalmente obrigatório. Integridade territorial e soberania emergem como conceitos basilares, junto com a necessidade de segurança em áreas adjacentes, o que significa a não expansão militar da OTAN para os países que fazem fronteira com a Rússia e a não entrada da Ucrânia na OTAN, mas também o respeito ao princípio de Uma Única China, em relação a Taiwan e a crítica ao acordo militar na região Indo-Pacífico. 

Essa nova visão de mundo não implica na destruição e refundação da ordem global, como estabelecida depois de 1945, mas com Rússia e China mais ativas dentro do sistema vigente. 

Nesse sentido: 

 - Coincidem com a defesa da paz, da cooperação, do desenvolvimento sustentável, inclusive no Ártico, do meio ambiente, dos avanços tecnológicos e respostas aos desafios da segurança internacional.  

- Defendem a democracia e os direitos humanos como aplicados por eles e rejeitam o uso desses princípios, segundo critérios ocidentais para exercer pressão em outros países. 

- Notam, no tocante ao desarmamento, que a denúncia pelos EUA de importantes acordos de controle de armamentos teve um forte impacto negativo no tocante à segurança e à estabilidade internacional e regional. A saída dos EUA do Tratado sobre a Eliminação de Mísseis de Médio e de Pequeno Alcance, enquanto Washington desenvolve pesquisa para aperfeiçoamento desses mesmos mísseis e tem intenção de enviá-los para regiões da Ásia-Pacífico e Europa são preocupantes. Demonstram preocupação com o avanço de planos para desenvolver sistemas globais de defesa de mísseis e instalá-los em várias regiões do mundo, junto com armas nucleares de alta precisão para evitar ataques e outros objetivos estratégicos.  

- Reforçam a importância do uso pacífico do espaço exterior e demandam um papel central para o Comitê da ONU sobre Usos Pacíficos do Espaço Exterior para promover a cooperação, manutenção o desenvolvimento de legislação internacional sobre o espaço e a regulamentação do campo das atividades espaciais para evitar que o espaço exterior se torne um campo de confrontação armada e reiteram sua intenção de evitar o armamentismo e uma corrida armamentista no espaço. 

- Apoiam e consideram pilares da paz e segurança a preservação da Convenção de Armas Químicas e a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção e estocagem de armas bacteriológicas e tóxicas e demandam sua destruição. 

- A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, prejudicada pela pandemia, deveria ser reativada para que a nova fase do desenvolvimento global seja definida pelo equilíbrio, harmonia e inclusão.  

O documento faz expressiva referência ao BRICS. Rússia e China afirmam que apoiam o aprofundamento da parceria estratégica com o BRICS, com a promoção e a expansão de cooperação em três áreas: política, segurança, economia e finanças e apoio humanitário. Nesse particular, pretendem encorajar a interação entre os membros do grupo nos campos da saúde pública, economia digital, ciência, inovação e tecnologia, incluindo inteligência artificial, além da crescente coordenação entre os países membros do BRICS nas plataformas internacionais. O grupo vai fortalecer o formato de convites para outros países participarem como convidados como um mecanismo efetivo de diálogo com associações e organizações de integração regional de países em desenvolvimento e países com mercados emergentes

É muito cedo para arriscar prognósticos sobre seu impacto, mas a aliança estratégica, sem limites entre a China e a Rússia, pelo peso político e econômico desses países, poderá ser um marco na geopolítica global, por deixar explícita a visão do fim da hegemonia dos EUA e a afirmação de um mundo multipolar alternativo. O Brasil não vai poder deixar de se posicionar face a essa nova realidade, sobretudo em função da referência ao papel do BRICS.  

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras. 


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