Diplomacia
Os motivos que calaram o chanceler Carlos França sobre a PEC dos embaixadores
Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura
Depois de uma manhã de embates no Senado sobre a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a parlamentares serem embaixadores do Brasil no exterior sem abrir mão do próprio mandato, a pergunta que não quer calar em Brasília é: por que o chanceler Carlos França até agora não se manifestou publicamente sobre o assunto?
Desde que a emenda assinada pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil - AP) começou a tramitar, em outubro passado, não se ouviu nenhuma palavra de França a respeito.
A postura do ministro das Relações Exteriores provoca estranhamento porque a emenda representa um duro golpe na histórica blindagem da carreira diplomática criada pela Constituição de 1988.
Diplomatas dos mais diversos setores e graus hierárquicos estão em polvorosa contra a medida, que foi discutida hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e deve ser votada na semana que vem.
Para eles, a emenda não apenas fere o princípio constitucional da separação de poderes, mas também pode provocar uma queda na eficiência e na qualidade do serviço diplomático e, por extensão, da nossa política externa. Na prática, abriria as portas do Itamaraty , que hoje é uma instituição de Estado, ao loteamento político.
Mas embora França não comente o assunto em público, no seu entorno ninguém tem dúvidas sobre os motivos que o calaram. O mais importante foi a pressão do grupo de Alcolumbre, que fez chegar ao ministro um recado bem claro: se fizer oposição aberta e pública ao projeto, terá problemas quando sair do Itamaraty e for tentar uma vaga em uma embaixada.
O chanceler já sinalizou a vários aliados no governo que gostaria de ser embaixador em Londres depois que este mandato presidencial terminar.
O segundo motivo é a orientação do próprio governo. O Palácio do Planalto é contra a PEC e já se manifestou a respeito em uma nota técnica, mas decidiu não entrar na disputa com Alcolumbre e o Centrão por causa da proposta e determinou a França que não crie marola.
Alcolumbre voltou cheio de poder da geladeira política em que estava, após a derrota na tentativa de impedir André Mendonça de ser aprovado para uma vaga no Supremo – e, agora, quer compensações.
Ele pretende ser candidato à presidência do Senado em 2023 e quer usar a PEC dos Embaixadores como bandeira de campanha.
O silêncio do obediente ministro Carlos França impressionou até mesmo a relatora da PEC, Daniella Ribeiro (PSD-PB), que já deu seu parecer favorável.
Daniella disse que, até agora, só teve uma conversa de cerca de 5 minutos com o chanceler, no mês passado, em que ele quis saber mais detalhes da proposta – mas sem emitir juízo de valor ou apresentar qualquer argumento contra a iniciativa. Fez apenas perguntas genéricas.
"Sempre me mantive muito aberta ao diálogo. Por isso mesmo, aproveito para ressaltar meu estranhamento por parte do Ministério das Relações Exteriores e do nosso representante maior (Carlos França) pela falta de interesse em busca da discussão com essa relatora", disse a senadora durante a audiência pública realizada ontem – à que o chanceler faltou por estar na reunião do G-20, na Indonésia.
Hoje, em conversa com a equipe da coluna, ela reforçou a pressão. “Onde houve manifestação pública do ministro, que seria a voz em defesa dos diplomatas? Causa estranheza o silêncio do chanceler brasileiro. Mesmo a nota técnica da Casa Civil só apareceu após minha cobrança na audiência pública”, afirmou a senadora à equipe da coluna.
Depois da pressão de diplomatas e de políticos, o Ministério das Relações Exteriores emitiu uma nota pública contra a proposta bastante tímida e cheia de ressalvas.
Na manifestação da Casa Civil enviada ao Senado, o ministério destaca que o Itamaraty também se manifestou internamente contrário à proposta. “A chefia de missão diplomática tem natureza distinta daquela de ministro de Estado. A natureza do cargo de Embaixador recomenda distanciamento da política partidária”, alegou o Itamaraty.
A equipe da coluna enviou dez perguntas sobre a PEC ao chanceler brasileiro, mas o Itamaraty se limitou a informar que a nota à imprensa divulgada "reflete a posição" do chanceler.
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