terça-feira, 23 de agosto de 2022

O futuro das entidades empresariais sindicais - Rubens Barbosa (OESP)

Mais de dois terços das associações industriais setoriais NÃO ASSINARAM o documento pró-democracia. Ou seja, preferem um degenerado que lhes garanta o lucro, independentemente da democracia.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA 

O FUTURO DAS ENTIDADES EMPRESARIAIS E SINDICAIS

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 23/08/2022


A mobilização da sociedade brasileira em defesa da democracia, do Estado de Direito e do sistema eleitoral colocou em evidência, entre outras, entidades representativas do setor industrial e sindical, e do agronegócio. A ação dessas confederações, federações e associações mostraram sua influência e suas contradições pela diversidade de interesses envolvidos.

            Com as profundas transformações econômicas e tecnológicas no mundo e com os desafios internos para a volta do crescimento e do emprego, as agendas para o setor privado nacional mudaram. Essas entidades produzem trabalhos técnicos e defendem com eficiência os interesses conjunturais de seus associados. A percepção sobre essas instituições, porém, está contaminada, em grande parte, pela defesa não do interesse geral do país, mas interesses setoriais, protecionistas e de ganhos de curto prazo, com a ilusão de que com isso poderiam ajudar o setor e a economia a crescer. O agronegócio e a indústria estão apresentando propostas aos candidatos para a dinamização da economia e o crescimento desses setores, mas as principais sugestões dificilmente terão o respaldo político para a aprovação de legislação no Congresso Nacional. As entidades perderam a capacidade de influir efetivamente em políticas públicas de interesse geral.

Vou comentar especificamente o setor industrial, em vista da situação dramática hoje existente, resultado do esgotamento do modelo que beneficiou o setor nos últimos sessenta anos, baseado no protecionismo, representado por barreiras tarifárias, e não tarifárias, reserva de mercado, subsídios e incentivos fiscais, política cambial, entre outras políticas governamentais. Além das questões estruturais (custo Brasil), e do atraso tecnológico, no curto prazo, surgiram problemas com a falta de insumos e a alta da energia e, em especial, com os impactos negativos gerados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. As entidades representativas da indústria e dos trabalhadores não tiveram, nos últimos anos, a capacidade de formular propostas para a modernização do parque industrial brasileiro que pudessem sensibilizar os governos de turno. A exemplo do que está ocorrendo hoje em outros países, como os EUA e a França, uma nova política industrial, deveria refletir os interesses do país e deveria responder aos desafios globais.

Em coordenação com o governo e o Congresso, para modernizar sua agenda, elas poderiam ter definido uma estratégia para promover a recuperação do setor em consonância com os interesses mais gerais do país. Essa ação poderia ter-se alicerçado no tripé, reindustrialização, agenda de competitividade e abertura da economia, via negociação de acordos comerciais.

            A reindustrialização e a modernização industrial serão possibilitadas pela implementação da agenda de reformas estruturais e o aumento da produtividade que deveria ser complementada com uma verdadeira política industrial que induziria negócios estratégicos de alto impacto econômico e social. Nesse sentido, caberia fortalecer mecanismos de apoio `a indústria como financiamento, compras governamentais e estímulos `a produção e a exportação de bens de media e alta tecnologia; definir, como áreas prioritárias, as indústrias de alto conteúdo tecnológico e inovadoras; identificar nichos de mercado para a nacionalização de produtos essenciais e estratégicos na área da saúde, farmacêuticos e outros; identificação de áreas para criar cadeias de valor agregado na América do Sul a partir de interesses da indústria nacional; apoio com políticas públicas `a internacionalização da empresa nacional.

            A agenda da competitividade poderia ser levada adiante mediante ação política junto ao Executivo e ao Legislativo para a aprovação da reforma tributária, o fator mais importante para o aumento da competitividade da economia e das empresas nacionais. Outras políticas incluiriam a isonomia de tratamento entre produtos importados e nacionais; a desburocratização e a simplificação de regras e regulamentos e apoio a centros de inovação garantindo a conexão deles com a indústria e as Universidades para um trabalho conjunto em áreas estratégicas como inteligência artificial, biotecnologia, incentivos a formação e capacitação de profissionais e a implantação da tecnologia 5 G para acelerar o processo de modernização da indústria.

            A abertura da economia deveria ser realizada via acordos comerciais com a definição de uma política de negociação transparente, com a participação do setor privado, com o objetivo de diversificar mercados e a pauta exportadora e promover a ampliação de empresas exportadoras para reduzir a concentração hoje existente.

A relação das entidades do setor produtivo e sindical com o Estado envelheceu. Criadas em momento diferente do capitalismo brasileiro, elas não acompanharam as mudanças ocorridas na sociedade. A ação política dessas entidades exigirá a revisão da forma de defender seus interesses. Com isso, haveria uma mudança da percepção interna sobre o papel do setor privado no mundo em profunda transformação. As discussões sobre as perspectivas da indústria, do agro e dos serviços não são questões teóricas, mas práticas e, por isso, seu foco deveria mudar radicalmente.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.