Análises sobre a emergência atual da China e Índia costumam esgotar-se apenas na perspectiva da crescente inserção internacional de suas economias, bem como a partir da cobiça quanto ao acesso de bilhões de seus potenciais consumidores à oferta de produtos e serviços estrangeiros.
Prevalece, também, a dimensão de segurança, com foco em rivalidade entre a RPC e os EUA, no contexto de uma nova “Guerra Fria”. Haveria, ademais, ênfase excessiva na crença de que a ascensão chinesa se daria nos moldes do ocorrido com “potências ocidentais”. Isto é tratar-se-ia da criação de um “novo Império” ou “potência hegemônica” (refiro-me a texto meu anterior publicado neste espaço).
Esquecido fica, portanto, que valores daquelas civilizações asiáticas poderão influenciar o ordenamento internacional vigente. Isto poderia ocorrer, tanto no relacionamento sino indiano, quanto com impactos em outras partes do mundo.
Proponho, a seguir, exercício de reflexão – reconhecidamente simplificado – sobre a evolução de valores culturais indianos e chineses que diferenciam aqueles dois países.
Nessa perspectiva, verifica-se que a mente ocidental judaico-cristã desenvolveu e favoreceu uma visão otimista da evolução da humanidade e, nesse processo, consolidou-se uma fé na capacidade do homem aperfeiçoar-se, através de um melhor planejamento, da tecnologia, da ampliação da educação e da abertura de oportunidades para todos.
Enquanto isso, o pensamento asiático hindu budista se sente à mercê de forças destrutivas: da natureza, como doenças; dos homens, como a guerra; e do passar do tempo, que, ao decorrer da longa história das nações daquela parte do mundo, tem engolido indivíduos, reinos e cidades.
No Ocidente, valorizou-se a genialidade humana para inventar, organizar e disciplinar o espaço geográfico, com o intuito de controlar as forças móveis da natureza. Assim, os indivíduos são os agentes que provocam mudanças – a natureza permanece a mesma. Esta pode ser conquistada pela análise científica e pode ser subjugada pelos avanços da humanidade.
Os pensadores europeus do Século XVIII acreditavam no “iluminismo coletivo”, isto é, na sabedoria, como um combate à escuridão do desconhecimento, tornando a sociedade perfeita, nobre e pura. Os do Século XIX valorizaram o progresso material e coletivo, a conquista das forças da natureza, a abolição da violência, da escravidão, da injustiça e a vitória sobre o sofrimento e morte prematura. O Ocidente chegou, ao Século XX, ciente de que apenas com intenso a extenso planejamento e organização pode a civilização humana ser salva[1].
No mundo ocidental, hoje, a fragilidade da vida humana não causa mais obsessão, na forma sofrida pelos antepassados, dos Séculos XV e XVI. Ao invés de atitude de aceitação, resignação e contemplação, cultiva-se uma vida de movimento constante, provocando mudanças a cada volta, melhorando e planejando as coisas, submetendo o crescimento do mundo a alterações previsíveis.
Em suma, ao invés de procurar entender a vida e o cosmo como um todo, busca-se o controle sobre detalhes concretos.
Segundo estudiosos do assunto, a essência de qualquer sistema filosófico pode ser melhor entendida na forma condensada de seus termos principais. Uma exposição elementar, portanto, deve preocupar-se com a apresentação e interpretação das palavras através das quais as principais ideias devem ser formuladas.
O pensamento indiano é muito bem adaptado a tal abordagem, pois todos os seus termos pertencem ao Sânscrito e servem há longo tempo à língua diária da poesia e romance, bem como à literatura e à medicina. Não são, portanto, termos confinados à atmosfera estranha e pouco familiar das escolas de pensamento ou doutrinas especializadas[2].
Os substantivos, que constituiriam a maior parte da terminologia filosófica, são apresentados ao lado de verbos que derivam da mesma raiz e denotam atividades ou processos que expressam o mesmo contexto. Pode-se chegar ao significado básico das palavras através do estudo de seu uso habitual na vida diária, assim entendendo tanto seus valores e variações, quanto metáforas e conotações.
Tudo isso contrasta com a situação no Ocidente contemporâneo, onde a maior parte dos termos filosóficos foram emprestados do Grego ou Latim, situando-se, assim, destacados da vida real e, portanto, sofrendo de inevitável falta de vivacidade e claridade[3].
A palavra “ideia”, por exemplo, tem significado diferente para o momento histórico vivido por Platão ou John Locke, e ainda distinto para a história moderna das “ideias” ou Psicologia. Em cada caso, um autor ou escola de pensamento, esta palavra terá seu próprio significado.
No vocabulário indiano, contudo, as palavras terão sempre a mesma interpretação e serão entendidas de forma igual, seja qual for o momento histórico. Por exemplo, a ênfase colocada no ideal supremo e final de “moksa”, só pode ser entendida, no mundo ocidental, no contexto tradicional indiano e, não, no mundo moderno industrializado. “Moksa” é uma força inerente em cada traço, em cada aspecto e em cada disciplina da vida indiana e que molda toda a escala de valores daquela sociedade[4].
A espiritualidade asiática foi sempre intensa, a ponto de permear a arte, tornando-a, com frequência, expressão tipicamente religiosa.
Na China, durante períodos como o da Dinastia Tang (entre 618 e 907 DC) houve a construção de estátuas imensas e pagodes. Mas os chineses vivenciaram momentos em que floresceu uma arte desengajada de qualquer preocupação divina.
A Índia, de sua parte, sempre esteve inteiramente voltada para a especulação religiosa. As primeiras grandes construções indianas datam do II milênio antes de Cristo e são santuários. Em seguida, vieram as “estupas”, que são imensas construções “hemisféricas” ou cônicas, ao mesmo tempo, símbolos místicos e monumentos comemorativos.
Entre os séculos IX e XVIII D.C. a Índia se cobre de templos, enquanto a influência espiritual indiana se estende pelo Sudeste Asiático. Os imensos conjuntos de Angkor Vat, no Camboja, e os templos de Bangkok são alguns exemplos do papel espiritual desempenhado pela Índia.
A Ásia das monções, contudo, não foi berço de religião alguma – no sentido de ter fornecido um conjunto de regras, dogmas, revelações religiosas precisas, acompanhadas de imperativos. A espiritualidade asiática, portanto, não segue ordenamento prático, nos moldes aos quais estamos acostumados no Ocidente. Trata-se, portanto, antes de tudo, de um exercício de meditação, um voltar-se para o seu próprio interior, um esforço de concentração.
Uma análise superficial da espiritualidade indiana parece indicar que esta se aproximaria de formas religiosas do Ocidente. À época das invasões indo-europeias, a Índia assiste à implantação em seu território de uma tradição religiosa à qual é dado o nome de “Veda” (O Saber).
O Veda é uma revelação “vinda do alto”, mas não pode ser comparada às revelações na forma concebida pelas “religiões mediterrâneas”[5] . O “Saber” seria proveniente do “Bhrama” que é, em grande medida, a “palavra”, o “Espírito Absoluto”. O Bhrama é a “unidade”, cada alma é uma parte destacada desta unidade, que só se reencontra quando volta a se fundir no “todo”.
Essa crença foi denominada Bramanismo ou Hinduísmo, com seus “deuses” maiores ou menores, seus templos e cerimoniais. Desenvolveu-se, assim, um ritual do Bramanismo, paralelamente a um aspecto puramente espiritual, que é a espera ao retorno ao “Universal”.
No século VI antes de Cristo, uma nova concepção espiritual, o Budismo, se expandiu a partir dos Himalaia. Verifica-se, a propósito, que o Budismo não pretende, nem inovar, nem complementar, nem combater, nem substituir o Bramanismo. Desenvolve-se ao lado do Bramanismo, sem confirmá-lo ou contradizê-lo.
O Budismo foi apresentado à Índia em momento de grandes convulsões sociais, provocadas por guerras internas e invasões externas. Seria, em grande medida, uma forma de consolo a povoações rurais que não dispunham de grandes expectativas quanto a sua própria existência.
As relações estreitas entre a natureza, a vinculação profunda num mundo camponês, limitado por laços familiares, são ainda mais sensíveis no universo chinês do que no espaço indiano.
O Budismo exerceu influência sensível na China. Durante a Dinastia Tang (618 a 907), manifestou-se através da influência no desenvolvimento de esculturas. Os chineses guardaram do Budismo, acima de tudo, o desprendimento das coisas deste mundo. Mas, com frequência, seguiram sua própria via.
No VI século AC, Confúcio veio propor-lhes soluções bem distintas do Budismo. Tendo como ponto de partida, também, sua sociedade contemporânea, Confúcio chegou a solução bastante distinta daquela do Budismo. Isto porque o “momento presente” também não lhe parecia perfeito – longe disso – mas ele identificava possibilidades de transformações. Estas aconteceriam através do controle dos impulsos pessoais. Não seria necessário, como acreditam os budistas, “escapar de tudo”. Pelo contrário, caberia adaptar-se.
Confúcio, assim, apresenta uma filosofia que considera o homem dentro da natureza, que se expressa pelo culto do passado, considerado como uma Era melhor, e pela comunhão com o mundo material. Daí resulta, para seus seguidores, a busca permanente da harmonia que se manifesta através do gosto por uma escrita extraordinária. A caligrafia é bela em seus menores detalhes. A pintura de paisagens, como se refletissem o estado da alma, é também levada a extremos do bom gosto.
A pintura, ademais, é influenciada por outro aspecto do pensamento chinês: o Taoismo, que é uma doutrina mais recente do que o Confucionismo. O Taoismo é uma forma de meditação sobre a ordem da natureza, muito mais mística do que o Confucionismo, na medida em que se submete à essência do mundo para poder penetrá-lo.
Alguns pensadores concluem que a espiritualidade oriental apresenta grandezas e fraquezas, na medida em que, por um lado, é superior ao pensamento ocidental, que jamais soube dedicar a mesma humildade e busca de compreensão – a exemplo da espiritualidade oriental – às leis do mundo, aceitá-las e ir além delas (“les dépasser”)[6]. A “simpatia universal” que, no entanto, submete o pensamento asiático à passividade, dificulta a luta das pessoas daquela parte do mundo, contra as forças da natureza, as destruições provocadas por sucessivas guerras e o condicionamento de hábitos consagrados por heranças milenares.
A sociedade indiana, por exemplo, é o resultado da assimilação de centenas de influências culturais, originárias da Europa e Ásia, trazidas dos continentes europeu e asiático. A Índia incorporou, portanto, costumes e crenças das diferentes civilizações que a invadiram ou lá se estabeleceram. Como resultados hoje existem no país 17 línguas oficiais e algumas centenas de dialetos.
Mas a Índia não foi apenas “importadora” de cultura. Foi também “exportadora”. O Sânscrito, como se sabe, é uma língua originária na Índia e raiz de línguas indo-europeias, como o grego e o latim.
O Budismo nasceu na Índia, derivado do Hinduísmo, mas praticamente desapareceu de seu país de origem, espalhando-se pela Ásia e outras regiões. O Hinduísmo, no entanto, foi difundido pelo Sudeste Asiático, mas continuou a florescer, principalmente no território indiano.
Verifica-se, a propósito, que o Hinduísmo parece adaptar-se perfeitamente à sociedade indiana – há quem diga que, nesse caso, a religião influencia a sociedade e vice-versa. Isto é, a profusão de “deuses” oferece ampla escolha de devoção aos fiéis e teria ajudado no estabelecimento de sistema de castas, que sobrevive há 3.000 anos.
É possível concluir que, na medida em que os seres humanos se apropriam de maior riqueza e educação, suas diferenças culturais se tornam mais pronunciadas – não menos. Nesse processo, diferentes grupos perseguem visões distintas de bem-estar, bem como reagem de formas agressivas a ameaças perceptíveis a sua dignidade cultural.
As pessoas, agora, aparecem menos como indivíduos egoístas, voltados para a satisfação material, e mais como seres inseridos em suas respectivas sociedades.
Melhor direcionamento de foco, no que diz respeito à atual emergência da China e da Índia, deveria levar em conta, portanto, que um dos grandes desafios do século atual seria o entendimento de como as culturas evoluem, adaptam-se ou permanecem estáveis. Que tipos de influência estas alterações exercem no cenário internacional?
China e Índia – A Disputa por “Soft Power”
Reitera-se que pouca atenção tem despertado a capacidade de Índia e China no sentido de atrair e influenciar outras regiões do planeta. Isto ocorreria como resultado da divulgação de práticas, hábitos, criações e formas de raciocínio herdado ou marcado pela longa história indiana e chinesa.
Em outras palavras, há pouca reflexão sobre a “soft power” - para utilizar o termo popularizado por Joseph Nye[7] - na competição entre as duas potências emergentes na Ásia.
Esta disputa ocorre em setores como: a reivindicação de ser sede do Budismo e, portanto, o espaço cultural de definição do “perfil espiritual” da Ásia; em Medicina e cinema, indianos e chineses aparecem, também, engajados em atrair e influenciar novos e velhos amigos.
O Budismo como “Soft Power”
Na medida em que a economia se abriu para o exterior e tem crescido a taxas surpreendentes, a RPC se torna mais disposta a aceitar e utilizar como “soft power” sua antiga civilização. Da mesma forma, ocorre com a Índia.
A China, portanto, tem demonstrado empenho em resgatar sua associação histórica com o Confucionismo. Assim, em novembro de 2004, Pequim determinou a abertura de seu primeiro “Confucius Institute”, em Seul. A partir de então, Institutos semelhantes foram instalados em diferentes países, inclusive em Nova Delhi, na Universidade Jawaharlal Nehru.
Evidentemente, tais representações visam a, além de divulgar o pensamento do antigo sábio chinês, promover a língua e cultura chinesas.
Tal esforço se enquadra no discurso atual do presidente da RPC, Xi Jinping, quanto ao encorajamento a uma “nova e gloriosa civilização” chinesa, com ênfase em projeto que valorize a antiga filosofia do país e, não, em valores ocidentais. O ressurgimento de Confúcio, assim, é particularmente notável, porque adota o mais conhecido princípio daquele antigo mestre, que diz respeito a uma “sociedade harmoniosa”, como meta de governo.
Na prática, o retorno do Confucionismo coincide com a renovação do Budismo, na China.
Enquanto isso, a Índia volta a abraçar, também, esta antiga religião, reivindicando sua condição de origem do Budismo. Em jogo, entre Pequim e Nova Delhi está a disputa pelo título de ser o espaço civilizacional que, com base neste aspecto de “soft power”, definirá a “feição espiritual” da Ásia.
Nessa perspectiva, a Índia construiu, em 2006, na cidade de Luoyang, na China, um templo budista, com características indianas. A mensagem pareceu clara. Há dois mil anos, o Budismo emigrou do país de origem para o território chinês, instalando-se, inicialmente, naquela cidade.
De igual importância foi o fato de que, em 2007, Nova Delhi estabeleceu, na Universidade de Nalanda, em Cingapura, um centro de estudo do Budismo. Isto porque, enquanto a China não tem tido problemas para participar de diálogo institucional com, por exemplo, a Associação das Nações do Sudeste Asiático ou a Comunidade Asiática das Nações, a Índia tem ficado fora de tais reuniões.
O passado colonial e a condição que lhe foi imposta de exportadora de mão de obra barata para plantações no Sudeste Asiático, distanciou a Índia dos demais ex-integrantes do antigo “British Empire”, na Ásia.
Agora, os indianos buscam resgatar a herança de exportadores de cultura hindu-budista para Indonésia, Malásia, Indochina, Tailândia e Mianmar.
Cabe lembrar, ainda, que a disputa territorial, entre a China e a Índia, pelo estado indiano de Arunachal Pradesh, fica incluída na agenda da competição sino indiana pela “soft power” no continente asiático.
Isto porque, segundo consta, o sexto Dalai Lama nasceu em Tawang (atual estado indiano de Arunachal Pradesh), em 1638. Isto levaria Pequim a considerar que aquele território faria parte do “Grande Tibete” e, portanto, integraria a RPC.
Curiosamente, os nacionais indianos da região em disputa têm fisionomia e características étnicas chinesas. Por ocasião de visitas a Goa, conheci funcionários indianos de hotéis e restaurantes, naturais de Arunachal Pradesh, com aparência chinesa.
A Concorrência no Oferecimento de “Wellness”
Existe crescente interesse, no mundo inteiro, na “arte de viver bem” - “wellness”. Tal benefício, parece haver consenso, poderia ser, hoje, proporcionado seja pela Medicina Tradicional Chinesa, seja pelos tratamentos oferecidos pela prática indiana da “Ayurveda”.
Enquanto a Ayurveda indiana cresce em popularidade, no Ocidente, a Medicina Tradicional Chinesa parece consolidar-se na Ásia Oriental. Ambas as práticas refletem um tipo de “soft power” que Índia e China pretendem exportar para o resto do mundo.
A Ayurveda é um sistema de tratamento tradicional indiano, praticado há mais de 5.000 anos. Hoje é reconhecida, fora da Índia, como “medicina alternativa”, dedicada ao prolongamento da vida humana. Busca o equilíbrio entre o corpo e o meio ambiente, criando a harmonia entre a pessoa e as condições que a rodeiam.
Baseia-se na teoria de “Cinco Grandes Elementos”: a terra, a água, o fogo, o ar e o espaço. Estes influenciariam diferentes funções do corpo humano e do meio ambiente em que se vive. Assim, por exemplo, o fogo regularia a digestão e assimilação de alimentos e ideias; o espaço influenciaria a “mobilidade mental”; e a água manteria o equilíbrio do peso, coesão e estabilidade. Diferentes combinações destes elementos levariam o indivíduo a “viver melhor”, desintoxicando, fortalecendo os tecidos e os sistemas imunológicos.
A Medicina Tradicional Chinesa explica que a energia (Qi) flui através de “meridianos” no corpo humano e sobre sua superfície. Estes canais são “rios de energia” que precisam ser balanceados. Tal processo pode ser realizado com a aplicação da acupuntura, que utiliza agulhas que estimulam a tal energia, em determinado local do corpo, fortalecendo-o e proporcionando a cura natural de doenças, sem a necessidade de cirurgia.
Os seguidores desta técnica acreditam que a saúde depende do equilíbrio do corpo, entre seus próprios órgãos e funções e entre o indivíduo e seu meio ambiente. Quando o corpo estiver balanceado e em harmonia com o exterior, a energia flui naturalmente através dos “meridianos” de forma que todas as suas partes são irrigadas adequadamente.
China e Índia, oferecem, assim, propostas originais da “arte de viver bem”, aos habitantes ricos de outros países. O grande desafio que se coloca a ambos, no entanto, é o de resolver seus respectivos problemas de fome e miséria.
Bollywood versus Filmes Chineses
A China tem obtido maior sucesso na obtenção de Oscars do que a Índia. Mas, pelo menos na Ásia, é possível notar que Bollywood[8] tem muito mais fãs do que o cinema chinês.
Com sua perene simplicidade temática, ensaios musicais e danças, as películas indianas ainda não frequentam grandes audiências cinematográficas europeias ou norte-americanas. Em países do Subcontinente Indiano, Sudeste Asiático, Oriente Médio e mesmo África, o interesse por estes filmes, no entanto, é enorme.
É necessário, contudo, definir a Índia que é apresentada nos filmes produzidos em Bollywood, que não podem ser considerados como representativos do país. São um espetáculo. A riqueza dos casamentos exibidos nas películas e a alegria de suas danças não refletem a realidade da população. O que está sendo projetado no exterior é uma caricatura.
Em sua dimensão econômica, fora das telas, a Índia real conta, ainda, com centenas de milhões de pobres. A infraestrutura lamentável e o ensino deficiente, mesmo considerando os centros de excelência existentes, não facilitam a inclusão da população rural no processo de crescimento tão alardeado nas áreas urbanas.
Os trunfos principais a serem projetados, como “soft power” da Índia são o fato de estar bem equipada, com instituições democráticas, e sua capacidade de promover a convivência entre suas distintas culturas, raças, religiões, castas e línguas.
A Influência em Outras Regiões
China e Índia buscam atrair e influenciar regiões do planeta, através da divulgação de práticas, hábitos, criações e formas de raciocínio herdadas ou marcadas por suas respectivas longas histórias
Cabe lembrar, a propósito, que os registros iniciais da China com a África nos levam ao século XV, quando o legendário navegador Zheng He trouxe do Quênia uma girafa.
Por coincidência, também foi do Quênia, a partir da cidade marítima de Mombasa, que um navegador muçulmano conduziu Vasco da Gama a Calicute, em 1498, levando os portugueses a “descobrirem o caminho marítimo para as Índias”, já havia muito tempo percorrido por comerciantes indianos e africanos.
Não tratarei, neste texto, mas abordarei o tema em artigo posterior, da questão do “Cinturão e Rota das Sedas da China”, pois me parece tratar-se mais de ação de “Short Power” – isto é “tentativa de imposição de exploração econômica, com a aplicação de recursos financeiros” – do que de “Soft Power”.
Verifica-se, finalmente, que, na medida em que se consolide a emergência da China e Índia, que possuem laços de vizinhança milenares, bem como se desenvolvam cooperação mais intensa e troca de ensinamentos, sobre como administrar seus respectivos processos de crescimento exponenciais, poderá haver impacto significativo no cenário político internacional.
Isto ocorrerá, tanto pela maior inserção de ambos na economia global, quanto por suas diferentes formas de atrair e influenciar novos e velhos amigos.
Cabe lembrar que, há 70 anos, Nova Delhi e Pequim foram os promotores dos chamados Cinco Princípios de Convivência Pacífica, durante a Conferência de Bandung, Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955. Entre os objetivos anunciados encontravam-se a promoção da cooperação econômica e cultural entre nações da Ásia e África, além de fortalecer a solidariedade entre estes países, alguns dos quais haviam se tornado independentes havia pouco tempo.
Caberia, agora, desejar que, com sua crescente “soft power”, China e Índia contribuam para um contexto de respeito entre culturas diversas, que resulte em melhor ordenamento na governança mundial. [9]
Notas:
[1] Girard, Louis. “Le Monde Contemporain – Histoire – Civilizations”. “Collection d’Histoire”. Bordas 1966.
[2]Zimmer, Heinrich. “Philosophies of India”. Editado por Joseph Campbell. Bollingen Series/Princiton 1989.
[3]Zimmer, Heinrich. “Myths and Symbols in Indian Art and Civilization”. Editado por Joseph Campbel, Prince Town University Press., 1974.
[4]Zimmer, Heinrich. “Philosophies of India”. Editado por Joseph Campbell. Bollingen Series/Princeton. 1989.
[5] Vide “Philosophies of India”, por Heinrich Zimmer. Editado por Joseph Campbell. Bollingen Series/Pinceton 1989.
[6] “Le Monde Contemporain” “Histoire - Civilisations” –Collection d’Histoire Luis Girard. Bordas, 1966.
[7] Nye, Jr. Joseph S. “Soft Power: The Means to Success in World Politics”. Public Affairs, 2004. O autor descreve tal poder como “a habilidade de obter o que você quer, atraindo e persuadindo os outros a seguirem objetivos seus”.
[8] Nome genérico dado à indústria cinematográfica indiana, sem que ocupe um local delimitado, na área de Mumbai.
[9] Servi, como diplomata, no “universo de influência cultural chinesa”, entre 1982 e 2006, sucessivamente, em Pequim, China; Kuala Lumpur, Malásia; Singapura; Manila, Filipinas; e Taipé, Taiwan – com intervalos de retorno a Brasília – e fui o primeiro Cônsul-Geral em Mumbai, Índia, com jurisdição sobre Goa, entre 2006 e 2009.