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domingo, 16 de fevereiro de 2020

Editorial da FSP castiga a submissão de Bolsonaro a Trump

O jornal "preferido" do presidente-capitão, a Folha de S. Paulo, faz um um editorial destinado a deixar o capitão ainda mais satisfeito com a sua linha, dedicado a condenar a submissão beata do capitão ao unilateralista que administra (mal) a maior potência planetária, assim como voltado a fustigar a ausência de qualquer sentido de estratégia diplomática, uma vez que o capitão é ignorante nessa matéria e os "açeçores", familiares e amadores, são totalmente ineptos e inaptos para a tarefa de instrui-lo, uma vez que o chanceler acidental se exime da tarefa.
Como fica explícito desde o segundo parágrafo: 
"À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão."
Não se sabe se o capitão vai mudar sua postura. Sendo cabeça dura, e achando que sabe tudo, quando ignora tudo em política externa, e continuando com ineptos à sua volta, parece difícil que sua cabeça mude pelo menos um pouco.
Paulo Roberto de Almeida

Negócios à parte

EUA mostram mais uma vez que alinhamento de Bolsonaro não garantirá vantagens

A esta altura o governo brasileiro já deveria ter entendido o básico das relações internacionais —que países têm interesses, não amigos. Isso se faz ainda mais evidente no caso dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, eleito com o bordão “América primeiro”. 
À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão.
Nem mesmo as hostes mais ingênuas do governismo podem duvidar do óbvio —o Brasil não terá tratamento especial, ainda menos quando o tema for econômico. 
A mais recente mostra da inutilidade do posicionamento brasileiro se deu nesta semana, com a decisão dos EUA de rever a lista de países em desenvolvimento elegíveis para tratamento diferenciado sob as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Saíram da relação 25 países, entre eles Brasil, China, Coreia do Sul e Índia. 
A mudança, na prática, facilita que Washington investigue e retalie países que subsidiam suas exportações a ponto de, na visão da Casa Branca, prejudicar a indústria norte-americana. 
No critério geral da OMC, os governos devem descontinuar investigações para a imposição de restrições comerciais se os subsídios detectados forem inferiores a 1% das compras. Quando o caso envolve nações consideradas em desenvolvimento, o limite sobe para 2%. 
Segundo o argumento dos EUA, o critério anterior estava obsoleto. Foram desconsiderados, por exemplo, países membros do G20, da OCDE, da União Europeia ou que já são classificados como de alta renda pelo Banco Mundial. Alguns deles, de fato, já se transformaram em competidores comerciais ferozes, como a China. 
Não se trata, portanto, de uma medida direcionada a um país em particular. Mesmo assim, é mais um lembrete de que as apregoadas afinidades entre Trump e Bolsonaro não proporcionarão vantagens especiais para o Brasil. Nossas vendas em setores como o siderúrgico, já sujeitas a cotas e altas tarifas, ficam mais ameaçadas.
A mudança unilateral americana não tem execução automática, uma vez que os excluídos podem continuar a pleitear a classificação “em desenvolvimento” na OMC. 
Evidencia-se, assim, a imprudência da diplomacia brasileira, que prometeu abrir mão do tratamento favorecido nas futuras negociações comerciais em troca do apoio americano à entrada na OCDE. 
Demonstra-se que a falta de competitividade nacional não será amenizada por facilidades nas negociações. Cabe ao país trabalhar para remover suas amarras e não contar com amigos imaginários.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Senado deveria corrigir os rumos da diplomacia brasileira - Hussein Kalout

A perigosa inércia do Senado nos rumos da política externa brasileira

Cabe aos senadores a tarefa de coibir excessos ou distorções no exercício da atividade pública internacional pelo Poder Executivo

O que esperar da “política externa” em 2020? Como projetar os interesses reais e estratégicos do Brasil na frente externa? Como defender o país de riscos que podem obliterar a sua capacidade de atuar em múltiplos tabuleiros no futuro? Como corrigir os rumos da atuação do Brasil na contramão do direito internacional?
Nos debates sobre a atual “política externa”, o Senado Federal tem sido até o momento o grande ausente. Os Senadores da República se tornaram, ao que parece, apenas observadores da realidade em vez de importantes baluartes na redefinição das linhas da política exterior do país. Tomados provavelmente pela perplexidade que a atual diplomacia provoca, nossos Senadores não conseguiram articular propostas, demandar explicações ou exigir cobranças ao Executivo.
A diplomacia regressiva hoje vigente não encontrou no Senado seu contraponto e uma fonte de moderação. Diferentemente do que se poderia imaginar em certos círculos, o papel dos Senadores não deveria ser, a priori, a de meros carimbadores de sabatinas para as representações diplomáticas do Brasil no exterior. Não foi para este fim que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) foi criada.
Na verdade, a função primordial da Comissão consiste em zelar pelo legítimo exercício do controle constitucional sobre as atividades da política externa, identificando riscos à segurança nacional do Estado brasileiro e atuando para corrigir as distorções nos rumos das relações do Brasil com o mundo.
Vale lembrar que, em matéria de política externa, o Senado da República é a única instituição capaz de impor legalmente o respeito ao regime de freios e contrapesos, quando houver excessos ou distorções no exercício da atividade pública internacional pelo poder executivo.
Nos círculos diplomático, empresarial, político, acadêmico e militar é praticamente uníssona a convicção de que a política externa brasileira não vai bem. A tese de que o Brasil está depauperando o capital reputacional de sua diplomacia está mais do que cristalizada. E o que os Senadores da República irão fazer? A inércia pode ser interpretada como sinal de condescendência ou de desinteresse. Para evitar isso, é mister que a CRE assuma plenamente suas prerrogativas, inclusive para evitar novos danos aos interesses do país.
Logo na reinstalação do ano legislativo, o Senado poderia demandar do Ministério das Relações Exteriores um relatório pormenorizado sobre as propostas para o ano de 2020; os custos econômicos que serão destinados em cada ação; os responsáveis envolvidos em cada iniciativa; os resultados esperados para o país; e uma análise de risco quanto aos projetos propostos. Isso se chama, em linguagem técnica, um planejamento estratégico, algo que tenha começo, meio e fim, que traduza objetivos e metas em resultados, com indicadores claros para que o Senado e o público em geral possam monitorar o bom uso dos recursos públicos.
A CRE, poderia solicitar a apresentação de dados mais concretos sobre os logros recentemente anunciados pelo chefe do Itamaraty. Um relatório técnico acerca de tais resultados deveria conter informações estratificada por projeto, área, tema e região. Isso ajudaria o Senado a compreender e a prestar contas aos seus constituintes – o povo brasileiro – para que pudessem compreender os benefícios de cada ação para a sociedade.
Na mesma toada, seria importante o Senado ter acesso a cópia do acordo assinado entre o Mercosul e a União Europeia e, se possível, destrinchando as concessões feitas pelo Brasil aos membros da Comissão. Assim, o Congresso Nacional tomará conhecimento sobre o que de fato consta no documento – já que cedo ou tarde terá de ratificá-lo.
Igualmente, seria oportuno se os Senadores pudessem conhecer em detalhe o escopo do acordo comercial Mercosul-EFTA. Isso poderia ajudar a elucidar qual é o grau de importância desse tratado para o Brasil. A soma das exportações brasileiras aos países que compõem o EFTA – Liechtenstein, Islândia, Noruega e Suíça – gira em torno de 0,01% da pauta comercial brasileira.
Outro importante feito anunciado pelo Chanceler, diz respeito ao volumoso grau de novos investimentos estrangeiros aplicado no país. Seria muito útil ao Senado saber quem investiu, quanto se investiu e onde se investiu – e quanto será investido, nos próximos anos, em cada setor. É importante que o Senado cobre a distinção entre anúncios e o efetivo desembolso de investimentos.
Assumindo a premissa de que a proposta de combater o globalismo, o marxismo cultural, a agenda 2030 da ONU, negar o aquecimento global, refutar o desmatamento na Amazônia é, de fato, assertiva e atende aos interesses gerais na nação, a chancelaria poderia fornecer ao Senado informações sobre: quais foram efetivamente os avanços na execução dessas propostas; em que estágio está cada vetor; como as representações brasileiras no exterior se mobilizaram para cumprir instruções; em que estágio se encontra essa estratégia; e quantos recursos públicos foram investidos em sua implementação.
O Senado deveria ter acesso, também, ao “projeto reformador” do chanceler para a implementação de sua estratégia regional. Seria vital saber como a chancelaria pretende promover a democracia, as liberdades e combater o socialismo na Venezuela, Argentina, Bolívia, Suriname, Nicarágua, Cuba e México. Afinal, isso daria maior legitimidade às ações propostas pelo Itamaraty e, possivelmente, até com o endosso institucional do Senado. É fundamental, ainda, que sejam esclarecidas a CRE a real orientação da política exterior para o Oriente Médio. Nessa matéria, o nível de contradição é substancial. Igualmente, o envio de um relatório pormenorizado sobre a missão do chanceler a África seria útil para o Senado avaliar a concretude dos resultados.  
Nesse sentido, também, é importante esclarecer para o Senado por que 187 países votaram na ONU contra o embargo unilateral a Cuba e apenas 3 países a favor. Assim, as dúvidas que pairam sobre o posicionamento brasileiro podem vir a ser dissipadas. Afinal, o voto não teve contornos ideológicos, não é certo?
Como guardiões da ordem constitucional na frente externa, o Senado precisa estar antenado e informado até para não ser injustamente responsabilizado. Pois, até o momento, a presidência da Câmara é quem tem feito esse contraste e clamado por maior racionalidade e responsabilidade na execução dos temas de política externa. E isso sem mencionar que meses atrás o próprio STF teve de atuar para mitigar problemas nessa área. Os Senadores fariam bem em demandar um plano estratégico com objetivos, metas e indicadores. Assim, em 2021, veremos se os resultados serão concretos, reais, tangíveis ou cascatas para ludibriar o povo brasileiro.
Enfim, parece que está na hora do Senado assumir a sua missão como o poder contra majoritário para tornar a política externa respeitosa com a constituição e com os interesses vitais do Estado brasileiro – se vivos estivessem, seria essa a mensagem de homens como Barão de Rio Branco, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, San Tiago Dantas, entre tantos outros, aos nobres Senadores da República!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O Brasil virou uma republiqueta? Cosi è, si vi pare - Hussein Kalout

O Brasil contra o Direito Internacional

O ramo, princípio basilar de nossa atuação, passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado

Revista Época, 31/01/2020

Quem se dedica ao estudo das relações internacionais provavelmente se formou com uma certeza: a defesa do direito internacional tornou-se, ao longo do século XX, parte inextrincável da identidade internacional brasileira.
Do Barão do Rio Branco e da atuação de Rui Barbosa na Conferência da Haia, passando pela fundação da ONU e das instituições de Bretton Woods e outros arranjos regionais à OEA e ao MERCOSUL, o Brasil consolidou a reputação de um grande defensor do direito como método para regular as relações entre países.
Essa defesa do direito internacional – e das instituições multilaterais, que são supostas dar-lhe consequência prática – ganhou estatura de princípio constitucional em 1988, refletindo um amplo consenso na sociedade, nos partidos políticos e na academia. Um consenso que, perseguido na prática por meio da política externa, tornou-se fonte de credibilidade e influência.
Não adotamos, é certo, esse princípio apenas por idealismo, mas por considerar que essa postura atende melhor ao interesse nacional, contribuindo para criar previsibilidade nas relações internacionais, ao mesmo tempo em que protege os relativamente mais fracos da imposição de interesses pelos mais fortes.
Nos últimos 75 anos, o Brasil investiu capital político e diplomático para reforçar as instituições multilaterais. O país se engajou na construção de arcabouços jurídicos com vistas a enfrentar desafios comuns em variados campos: paz e segurança, direito humanitário, direitos humanos, comércio internacional, meio ambiente, entre outros.
Em matéria de direito internacional, a antiga certeza converteu-se, por força da atual “política externa”, em dúvida. O consenso passou a ser ativamente combatido em nome de uma ruptura conservadora, cujos objetivos conjunturais de política interna são priorizados em detrimento do compromisso histórico com o direito e as regras multilaterais. 
Dessa forma, o direito internacional, de princípio basilar de nossa atuação passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado.
Isso tem sido a nova norma, como demonstram o voto contrário à resolução que condenava o embargo unilateral contra Cuba, a inédita posição sobre o conflito Israelo-Palestino e o endosso irrestrito à eliminação do general iraniano Qassem Suleimani pelos Estados Unidos.
Em cada um desses temas, o Brasil se afastou do seu compromisso com o direito internacional. O governo preferiu agarrar-se cegamente a alinhamentos puramente ideológicos, patrocinou narrativas alheias ao interesse nacional e marginalizou a análise racional dos interesses de longo prazo. 
Análises lúcidas e preocupações justificáveis de nossos militares e de assessores econômicos foram descartadas, levando de roldão o princípio de respeito ao direito internacional que no passado sempre nos blindaram contra guinadas que teriam colocado em risco interesses concretos do país.
No caso do embargo contra Cuba, a ideia teria sido punir o regime que exporta revolução socialista desde 1959. Mas se é assim, por que será que aliados dos EUA e críticos do governo cubano, como o Canadá e todos os europeus, inclusive o Reino Unido, integraram a maioria de 187 países que votaram a favor da resolução que condenava o embargo unilateral?
Não foi certamente por amor ao socialismo que até a Hungria de Orbán votou a favor da resolução. O propósito era não legitimar o instrumento do embargo, que é contrário ao direito internacional. Apoiar o embargo, como fizemos, é aceitar que o mais forte pode decidir sozinho medidas coercitivas. Se no futuro formos alvos de medidas de força, será difícil esgrimir o direito internacional para nos defender.
A nota do Itamaraty saudando o “acordo do século” do presidente Trump para a “paz e a prosperidade” entre Israel e os palestinos é um dos mais grotescos passos da história da diplomacia brasileira. O suposto acordo de paz não é um acordo e nem é de paz. Trata-se de uma tentativa de impor solução unilateral arquitetada para salvar a reeleição de Netanyahu em Israel e fortalecer a posição eleitoral de Trump. 
O pioneirismo fica por conta de como o Brasil decidiu entrar nessa farsa, diminuindo-se ao patamar de uma republiqueta de quinta categoria. Joga-se por terra um posicionamento de 73 anos de uma diplomacia profissional que sempre buscou se pautar pelo equilíbrio na busca de uma solução negociada de dois Estados.
Para endossar esse teatro, a diplomacia bolsonarista topou agredir o direito internacional, ferir a constituição federal e implodir o voto brasileiro em todas as resoluções do âmbito das Nações Unidas – inclusive aquelas aprovadas com apoio dos EUA ou sem o veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU. 
E isso sem contar, ainda, que o Brasil já mudou uma série de votos em organismos internacionais para favorecer Israel, inclusive no tema do Golã sírio ocupado e da agência de apoio aos refugiados palestinos (UNRWA).
Na mesma toada, no episódio da eliminação do General Suleimani o Itamaraty só faltou aplaudir o assassinato - uma grave violação ao direito internacional. O afã de agradar foi tão grande que o Brasil, país sem interesse estratégico na região, deu um endosso que nem aliados mais próximos e membros da coalizão anti-Estado Islâmico se dignaram a estender aos EUA.
Quando se minimiza o direito internacional em nome de alianças políticas, visão ideológica ou alucinações teocráticas, o que se tem como resultado não é apenas o definhamento de um abstrato poder de influência e persuasão. 
Nos casos mencionados, além de fazer minguar nosso já escasso “soft power” e contribuir para um mundo mais caótico e desordenado na esteira da política temerária de Trump, nossa diplomacia está arando um terreno minado, alimentando os monstros que diz atacar e aumentando a probabilidade de perdas econômicas e elevando o risco de segurança.
Espero que, antes de adotar essa postura, nossos luminares da política externa tenham executado medidas de reforço da segurança dos bens e ativos do Brasil no exterior, inclusive de nosso pessoal diplomático e nossas comunidades de expatriados. Afinal, não seriam tão amadores a ponto de não calcular pelo menos esse risco que afeta a segurança e a integridade dos nossos compatriotas.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Política externa: rumo a lugar nenhum - Maria Herminia Tavares de Almeida (FSP)

     Rumo a lugar nenhum

Atual governo destrói com empenho a política internacional do país     

Maria Hermínia Tavares de Almeida
Folha de S. Paulo, 23/01/2020

No final de 2019, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou no Twitter o balanço da política externa brasileira no primeiro ano de sua gestão.
Segundo ele, a ação exterior de sua pasta acumulara êxitos na área comercial, na afirmação da soberania e na promoção da democracia e dos valores do povo brasileiro. Há quem concorde com o ministro, enfatizando que nossa política externa, por ser coerente com a orientação do governo Bolsonaro, estaria no rumo certo.
Mas qual é mesmo o rumo? Isso existe no comércio internacional. Aí o dinamismo e os interesses do agronegócio definem o caminho. Fora disso, em meio a discursos grandiloquentes, ofensas gratuitas a parceiros e obsequiosa subserviência ao presidente Donald Trump, Bolsonaro e seu fiel ministro empurram o país rumo à insignificância internacional.
Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores - Ueslei Marcelino - 4.dez.2019Reuters
Muitas décadas atrás, o embaixador Araújo Castro (1919-1975), diplomata tarimbado, disse que, nos anos 1950, embora houvesse desenvolvido uma política externa, o Brasil ainda carecia de uma política internacional. Com isso distinguia as relações de um país com outros —fossem elas bilaterais ou no interior de organismos multilaterais— da existência de concepção mais ampla e de longo alcance do papel internacional que aspira a desempenhar bem como das estratégias para chegar lá.
Ao longo das últimas décadas, governos de diferentes orientações políticas foram construindo a visão de uma nação pacífica que desejava mais protagonismo nas decisões internacionais. Um país que buscava relações de cooperação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que reafirmava sua autonomia em relação à grande potência do Norte. E que se propunha a desempenhar função estabilizadora e de articulação política na América do Sul —além de se somar à causa da preservação ambiental. Para realizar seus objetivos, o compromisso forte com o multilateralismo tornou-se política de Estado, não por ideologia, mas por ser esse o arranjo no qual limitados recursos de poder disponíveis a uma nação emergente poderiam ser potencializados.
Assim, em sua ação externa, o Brasil somou-se à construção de regimes internacionais —entre eles o da mudança climática— e teve participação ativa nos organismos multilaterais, nos quais passou a demandar assento nos centros de decisão mais importantes, como, por exemplo, a direção da Organização Mundial do Comércio ou uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
É a política internacional do Brasil que o governo de extrema direita está destruindo com empenho. Sem ela, a política externa ruma certeiramente para lugar nenhum.


Maria Hermínia Tavares
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.       

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A política externa do governo Bolsonaro está no caminho certo? NÃO - Rubens Ricupero (FSP)

Depois que Alberto Pfeifer respondeu que SIM, à pergunta da Folha de SP, sobre se a política externa de Bolsonaro estava no caminho certo, o embaixador Rubens Ricupero responde com um sonoro NÃO!

A política externa do governo Bolsonaro está no caminho certo? NÃO

Diplomacia tem dedo podre, erra sistematicamente

Toda diplomacia deve ser julgada pela correta percepção da realidade mundial e pela capacidade de produzir resultados em favor do país. A diplomacia do governo atual falha nos dois requisitos.
Na crise entre Irã e EUA, por exemplo, o governo errou duplamente. Endossou um ato de terrorismo de Estado e hostilizou a vítima, país que é um dos principais mercados brasileiros no Oriente Médio. 
Em uma questão que ameaça a paz mundial, o Brasil deveria agir como força construtiva de moderação e equilíbrio. Em vez disso, o governo se precipitou ao aprovar uma ação irresponsável, o que até os aliados militares dos norte-americanos se abstiveram de fazer. 
A melhor garantia aos direitos brasileiros está num sistema mundial baseado em leis e instituições, ameaçado mortalmente pelas iniciativas unilaterais do governo dos EUA. Jair Bolsonaro sacrifica os objetivos permanentes do Brasil ao prestar à obra de demolição do governo Donald Trump colaboração contrária ao interesse nacional. 
A diplomacia bolsonarista tem dedo podre, erra sistematicamente ao avaliar situações. É por isso que o presidente acerta mais quando recua do que quando avança. É enorme a lista de absurdos abandonados ou corrigidos: oferta de bases aos EUA; anúncio de saída do acordo do clima de Paris; intenção de mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém; declarações hostis aos chineses e aos árabes; nomeação frustrada de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington; e apostas em alianças falidas (Macri, Salvini, Netanyahu, o chileno Piñera, o venezuelano Juan Guaidó). 
Quando não volta atrás, é pior. As ofensas à França e a Macron põem em risco o acordo do Mercosul com a União Europeia; a antipolítica ambiental na Amazônia ameaça causar represálias de importadores; e a defesa das sanções americanas deixa o país isolado contra a quase unânime opinião universal. 
Sem motivo concreto, o governo demoliu a amizade com a Argentina, cuja construção, desde a solução do problema de Itaipu, em 1979, custou 40 anos de esforços a sete governos sucessivos. Trata os vizinhos não com a solidariedade de que precisam em hora difícil, mas com a arrogância com que nos tratavam as grandes potências.
A personalidade política cultivada pelo presidente, por seus filhos e por assessores se caracteriza pela agressividade interna e externa. É o oposto das qualidades “diplomáticas” exigidas pela convivência internacional. Infelizmente, o chanceler agrava, em vez de compensar essa “antidiplomacia”.
Na raiz das dificuldades encontra-se uma ideologia de extrema direita que distorce a complexidade do mundo, reduzindo-a, de forma simplista, a uma suposta ofensiva contra a cultura judaico-cristã. Alienada da realidade social dentro e fora do país, essa ideologia isolou o Brasil no mundo. Converteu-o em pária ambiental e dos direitos humanos, dilapidou o prestígio e patrimônio de “poder suave”, ou “soft power”, acumulado em décadas. 
O governo Jair Bolsonaro agrava a queda de exportações e a piora da balança de pagamentos ao multiplicar atritos com parceiros. 
Agora que Donald Trump começou a obrigar a China a desviar em favor dos americanos compras que fazia do agronegócio brasileiro, não terá a quem se queixar, pois o governo Trump, do qual é subserviente servidor, desmantelou o mecanismo de solução de litígios da Organização Mundial do Comércio.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Política Externa: balanço do primeiro ano da Bolsodiplomacia - Janina Onuki (Nexo)

Política externa brasileira: só ventos do norte não movem moinhos

Janina Onuki

No Brasil, o início de novas gestões governamentais coincide com o ano novo, momento em que é comum que as esperanças sejam renovadas. Essa época geralmente vinha sendo marcada por expectativas positivas, por mais competitivo que fosse o processo eleitoral. O começo de 2019, no entanto, gerou expectativas incomuns e apreensão, derivadas do período de campanha, onde já se destacavam discursos que usavam a polarização como recurso e nos faziam desconfiar que parte das instituições não seria capaz de absorver mudanças possivelmente disruptivas.
Ao longo do primeiro ano do governo Bolsonaro, no que se refere à política externa, vivenciamos um conjunto de episódios desorganizados, decorrente da falta de planejamento estratégico que levou a idas e vindas nessa agenda. Dois aspectos marcam um processo que pode ser considerado como uma ruptura da política externa: a centralização do processo decisório e a mudança de perfil do país no cenário internacional.
Uma frase, conhecida na literatura especializada de análise de política externa, justificaria o baixo comprometimento dos gestores em apresentar um planejamento para essa área, justificada pelo desinteresse da população: “política externa não dá votos”. Diferentemente de outras políticas públicas, a política externa foi tradicionalmente considerada distante dos cidadãos por várias razões: (i) temas externos não interessariam aos cidadãos comuns, mais preocupados com políticas domésticas, como saúde, educação e segurança pública; (ii) os efeitos distributivos das decisões em política externa seriam diluídos e difíceis de serem identificados por diferentes grupos de interesse; (iii) o Itamaraty exerceria papel central para garantir a estabilidade do processo decisório e da própria política externa.
Mudanças significativas na conjuntura internacional e doméstica no início dos anos 1990 impactaram a política externa brasileira e, consequentemente, a percepção da opinião pública sobre as ações externas. A combinação da despolarização do sistema internacional, a volta do regime democrático e a abertura comercial levaram o Brasil a ampliar suas relações com outros países e a participar mais ativamente de regimes e instituições internacionais em diferentes áreas.
Passando por governos de distintos matizes ideológicos, a política externa brasileira foi marcada pelo multilateralismo e pela liderança em diversas organizações internacionais, mas demorou para que o processo de democratização chegasse a ela.
À medida em que o país passou a participar de mais processos de negociações internacionais, a percepção dos efeitos distributivos aumentou, assim como o interesse por influenciar as decisões, demandando uma política externa mais democrática. O que preocupa é que a centralização do processo decisório no último ano fez evidenciar uma agenda mais personalista e menos preocupada em consolidar uma posição mais autônoma do Brasil no mundo.
Ao longo das décadas de 1990-2000 também o Mercosul (Mercado Comum do Sul) levou a avanços na cooperação no âmbito regional. Isso fez consolidar a liderança do Brasil em vários processos internacionais, tanto no âmbito de organismos internacionais, quanto sua atuação em coalizões como Brics e Ibas
Em todos esses espaços, havia uma estratégia coordenada que combinava consolidação da liderança como país emergente, ampliação dos níveis de accountability (responsabilidade e transparência) das decisões externas para os cidadãos e maior inclusão de atores não-governamentais na política externa, sobretudo em temas relacionados aos direitos humanos e meio ambiente, nos quais a sensibilidade da cidadania é mais apurada.
Observando o discurso que predominou nesse primeiro ano, e com o processo decisório em bases menos institucionalizadas, o risco do Brasil será sacramentar o perfil de “potência submergente” e perder espaço no plano global
Pesquisas de opinião recentes, como o survey Las Américas y el Mundo, coordenado pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e IRI/USP (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo), mostram o aumento do interesse e da compreensão da população por temas de política externa. Resultados do questionário, aplicado em três momentos desde 2010, mostram que tem aumentado o interesse por temas de política internacional e esse interesse tem se aproximado do percentual que se verifica em outras áreas. Isso mostra também o avanço do entendimento da política externa como uma política pública.
Do ponto de vista da posição relativa do Brasil no sistema internacional, esses surveys vinham registrando a consolidação da percepção do país como uma potência emergente e com influência crescente no campo global.
Ainda que menos abruptas do que anunciadas no plano do discurso, as mudanças substantivas da política externa do governo Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato foram significativas. A começar pela desarticulação de dois pilares fundamentais, o multilateralismo e o regionalismo, concebidos precisamente como instrumentos de contrapeso à preponderância das grandes potências. A afinidade com os Estados Unidos introduziu o unilateralismo como eixo articulador da política externa brasileira.
Embora o redirecionamento tenha sido claro, o alinhamento aos EUA não foi nem tão automático nem tão pleno. Reservas de autonomia expressaram-se na relação ambivalente adotada pelo governo com relação à China — certamente em função do choque de realidade ao se tomar conhecimento da importância comercial e dos investimentos desse parceiro — e na contenção a uma intervenção militar na Venezuela, fomentada por alas mais radicais de núcleos próximos ao presidente.
As mudanças no campo regional seguiram a tônica das conduzidas no campo global. Não foram tão intensas quanto as anunciadas, mas vale registrar a derrocada da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a criação do Prosul (Foro para o Progresso e Integração da América do Sul), e a mudança de postura com os regimes de esquerda, em especial a Venezuela.
A relação do Brasil com o Mercosul é, no outro extremo, um exemplo de mudança anunciada, mas não implementada, no primeiro ano de governo. A saída do Brasil do bloco chegou a ser cogitada, mas nenhuma medida concreta foi tomada nessa direção. A assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, ainda pendente de ratificação nos âmbitos dos legislativos nacionais dos dois blocos, também relativiza o alinhamento pleno do Brasil aos Estados Unidos.
O desprestígio da arena multilateral não ficou restrito à retórica crítica ao dito “globalismo marxista”. A posição brasileira na última conferência sobre mudanças climáticas reforçou a ênfase na abordagem unilateral — essa, sim, em clara convergência com o governo norte-americano.
A percepção externa sobre o país tem dado sinais claros de mudança. O Brasil perdeu status de potência emergente, conquistado depois de longos anos de investimento para consolidar posição de liderança em regimes internacionais de destaque. Na área ambiental, em que o país vinha sendo reconhecido como uma potência, o rebaixamento foi ainda mais acentuado.
O principal ativo futuro da política externa parece estar na área econômica. Embora nem só de economia se faça a política, um melhor desempenho nessa área poderia ajudar a reativar, em outras bases, a marca de “potência emergente”. Entretanto, observando o discurso que predominou nesse primeiro ano, e com o processo decisório em bases menos institucionalizadas, o risco será sacramentar o perfil de “potência submergente” e perder espaço no plano global, tão caro aos países em desenvolvimento
.
Janina Onuki é professora titular e diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP, coordenadora adjunta da Área Temática Política Internacional da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), coordenadora do Grupo de Pesquisa de Relações Internacionais da Alacip (Associação Latino-Americana de Ciência Política) e pesquisadora do Caeni-USP (Centro de Estudos das Negociações Internacionais).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Guilhon de Albuquerque: Bolsonaro e Política Externa

Do blog de José Augusto Guilhon de Albuquerque:

REDAÇÕES REELEGEM BOLSONARO TRÊS ANOS ANTES DA HORA

OS NÚMEROS CONTAM OUTRA HISTÓRIA
Deu na Folha: “Reação da economia freia perda de popularidade de Bolsonaro, diz Datafolha”. Mais discreto, o Estadão dá na página A10, quase em nota de rodapé: “Reprovação de Bolsonaro para de crescer, diz Instituto”. Como a aprovação variou apenas um ponto, de 30% para 29%, e a reprovação dois pontos, de 38% para 36%, a avaliação negativa do governo, na verdade, manteve-se inalterada. 
Isso porque, segundo os critérios adotados pelo próprio Datafolha, nenhuma diferença menor do que quatro pontos percentuais é estatisticamente significativa, uma vez que, em mais de 90% dos casos, ela não “representará a realidade” como se costuma afirmar nas mídias em geral. Dito de outra forma, segundo os critérios dos institutos, em mais de 90% dos casos (às mais de 95%) diferenças menores do que quatro pontos percentuais não “representam a realidade”. Assim sendo, tudo o que se pode dizer, a partir desses dados é, primeiro, que a reprovação do governo Bolsonaro não aumentou nem diminuiu, e isso também vale para sua aprovação. Segundo, que a diferença entre ambas continua variando entre seis e nove pontos percentuais, e que, portanto, entre 68% e 72% dos entrevistados continuam não aprovando seu governo.
E não param aí as afirmações equivocadas do Instituto, repercutidas sem muito critério pelos dois maiores jornais do País. Segundo a matéria da Folha, “a pesquisa capturou vários sinais de que parte da população voltou a observar com otimismo a situação econômica”, porque 43% acham que essa situação vai melhorar nos próximos meses (e não que já teria melhorado…), enquanto apenas 40% pensavam assim em agosto. Se o “otimismo” de hoje pode variar entre 41% e 45%, e o de agosto entre 38% e 42%, pode-se dizer que ele não aumentou nem diminuiu significativamente. (Na verdade não se pode empregar um cálculo de margem de erro entre amostras diferentes aplicadas em datas diferentes, mas todos os institutos o fazem, e as redações ficam satisfeitas com isso. Tampouco se pode dizer que uma amostra retrata qualquer realidade, mas enfim…)
Assim sendo, afirmar que “a melhora das expectativas econômicas tenha estancado a perda de popularidade do presidente” constitui um equívoco ao quadrado, pois como poderia uma melhora de expectativas que não ocorreu ter tido impacto sobre a melhora ou piora de uma popularidade que tampouco variou? Seria o mesmo que atribuir a flutuação das avaliações sobre o governo do presidente às fases da Lua ou à mudança da maré.
Com exceção da avaliação da equipe econômica do governo, que melhorou significativamente, todos os indicadores foram significativamente mais desfavoráveis ao governo Bolsonaro. O mais lamentável é que 81% não acreditam sempre no presidente e outros 81% consideram que ele não está à altura do cargo. Com tal contexto de avaliações negativas é difícil acreditar que, tal como sugere o Datafolha, uma reversão da queda de popularidade do governo Bolsonaro esteja a caminho.
A quem poderia interessar esse completo divórcio entre os fatos realmente observados e a narrativa, a não ser aos mesmos que “simulam” os resultados do segundo turno, com três anos de antecipação sobre um primeiro turno que ainda não ocorreu? Decretar que Bolsonaro freou, estancou ou parou de aumentar a deterioração de sua imagem perante o eleitor, e que Lula é o seu único adversário viável beneficia apenas aqueles cuja hegemonia política depende vitalmente de inviabilizar os moderados.

WASHINGTON É APENAS UM DETALHE, BEM QUE EU AVISEI


É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:
Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional. 
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima. 
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa. 
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”. 
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim. 
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.
Em suma, o que posso dizer, senão: assino embaixo?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

As besteiras de EA na política externa - Rodrigo Maia

O chanceler acidental manda seus esbirros ficarem vigiando o que eu posto nas redes sociais. Me parece ótimo: assim pelo menos ele lê alguma coisa de útil.
Não tenho culpa se a maior parte das notícias sobre a sua gestão seja eminentemente negativa, pois ele realmente faz muita besteira, muitas vezes não por vontade própria, apenas para agradar seus chefes.
Paulo Roberto de Almeida

Maia diz que EUA não defendem Brasil e critica "besteira" de Ernesto Araújo

Jamil Chade
Notícias UOL, 12/12/2019
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, teceu nesta quinta-feira duras críticas contra a política externa de Jair Bolsonaro, a relação estabelecida com os EUA e ao chanceler Ernesto Araújo.
Maia viajou a bordo de um avião da FAB para Genebra, na Suíça, nesta quinta-feira. Com uma comitiva composta por outros deputados, ele manteve reuniões com Roberto Azevedo, o diretor-geral da OMC.
O deputado ainda irá visitar nos próximos dois dias organismos internacionais e a ONU, entidade frequentemente criticada pelo presidente.
Eu acho que há uma relação do Brasil com os EUA e não há uma relação dos EUA com o Brasil. E é normal. O presidente americano já está em campanha. O eleitor dele é nacionalista e basicamente anti-América do Sul, pelo menos é o que vejo à distancia.Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados
Nos últimos meses, o governo americano não concretizou seu apoio para a entrada do Brasil na OCDE, não liberou o comércio de carnes nacionais e ameaçou sobretaxas o aço nacional. No mesmo período, o Brasil fez importantes concessões.
Ao ser questionado por jornalistas brasileiros sobre a diplomacia brasileira em seu primeiro ano de gestão de Ernesto Araújo no Itamaraty e a opção por um alinhamento aos EUA, Maia foi duro e alertou que não existe hoje reciprocidade.
Ninguém podia imaginar da parte do presidente americano posições concretas em defesa de uma relação com o Brasil. Não me pareceu uma coisa provável. É claro que os EUA são muito importantes, mais forte na economia mundial, é bom que o Brasil tenha uma boa relação, mas não vejo os americanos retribuindo essa convergência ideológica entre os dois presidentes em ações práticas que beneficiem a economia brasileira, por exemplo. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados
Maia e Toffoli reagem à fala de Guedes sobre o AI-5
Band Notí­cias
Na visão de Maia, a prioridade da Casa Branca hoje não é o Brasil e só se interessa pela América Latina por conta da ameaça que pode existir de uma maior implicação chinesa na região.
Questionado se a política externa de Bolsonaro deveria mudar, ele deixou claro sua insatisfação com Araújo.
O presidente foi eleito e a política externa é do governo. Agora a minha posição em relação ao ministro das Relações Exteriores é uma posição muito crítica. Acho que ele é muito ideológico e não defende os interesses práticos, pragmáticos dos brasileiros na relação com outros países. Fez mudanças em embaixadores só do ponto de vista ideológico, só porque tinham sido ministros da Dilma, uma besteira, os embaixadores são funcionários de carreira, vão atender a todos os governos respeitando a orientação do governo eleito.Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados

Direitos Humanos

Na sexta-feira, um dos encontros de Maia será com a alta comissária da ONU para Direitos Humano, Michelle Bachelet, duramente questionada pelo governo brasileiro depois de seus comentários sobre a violência policial.
A ex-presidente chilena gerou um dos momentos mais constrangedores para Bolsonaro no cenário internacional. Numa coletiva de imprensa, ela repetiu críticas já realizadas por quase uma dezena de dirigentes internacionais nos últimos anos, questionando a ação policial no Brasil.
Ela também alertou que, sob a gestão de Bolsonaro, o "espaço democrático" estava "encolhendo".
Imediatamente, Bolsonaro a atacou e elogiou Augusto Pinochet, o ex-ditador chileno. O militar foi o responsável por um regime que matou o pai de Bachelet, a deteve e a torturou. Os comentários do brasileiro foram condenados por delegações de esquerda e direita, de todo o mundo.
O encontro de Maia com Bachelet ainda ocorre num momento em que o governo Bolsonaro é alvo de um número inédito de denúncias internacionais na ONU por conta das violações de direitos humanos. Neste ano, já são pelo menos 37 casos apresentados à entidade internacional.
Questionado sobre sua mensagem à chilena, ele deixou claro que vai mostrar que as instituições brasileiras estão funcionando e que a defesa dos direitos humanos é prioridade.
"Acho que as pessoas muitas vezes confundem narrativas com práticas", declarou. "O Brasil tem instituições funcionando, leis que não foram modificadas e que não mudaram marcos de defesa do cidadão, preservação do cidadão", insistiu.
"O que a gente vem aqui fazer também é mostrar que o Congresso Nacional vem cumprindo seu papel, garantindo seu espaço na sociedade, diálogo, uma agenda que tem priorizado uma agenda de reformas econômicas e sociais e não uma agenda que transforma essas narrativas em debates lei", afirmou.
Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia - Antonio Cruz / Agência Brasil
Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia
Imagem: Antonio Cruz / Agência Brasil

Globalismo

Maia, que tem uma agenda que percorre justamente as entidades criticadas pela atual administração brasileira, fez questão de destacar a importância da ONU.
O Brasil é um país democrático. Entendemos a importância desses organismos. A importância desses organismos multilaterais.Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados
Outro ponto da agenda de Maia é um encontro com Guy Ryder, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho. A agência já fez críticas ao longo do ano às políticas adotadas pelo governo e chegou a colocar o Brasil na lista de países suspeitos de violar convenções trabalhistas.

2020

Para o ano que chega, Maia ainda insistiu que a pauta do Congresso está dada. "A reforma tributária já está andando", disse. Segundo ele, o governo deve mandar também a reforma administrativa. "Tem que ser logo no início do ano. Talvez até o final de janeiro. Nós já temos a nossa bem encaminhada", disse.
Estamos com uma consultoria importante, a Falcone. Estamos com um mapeamento da situação do Congresso. Tem mais de 4 ml funções. Até para colocar broche tem uma estrutura montada. Um desperdício de dinheiro público. Estrutura salarial alta, custo alto. Servidores que custam, entre ativos e inativos, R$ 3,5 bilhões. Há muita coisa para fazer. Não apenas para reduzir custos. Mas para melhorar a qualidade do processo legislativo.Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados
"Agora, precisamos que o governo mande a dele. A estrutura salarial que foi construída no Congresso, dos servidores. não é diferente do Judiciário e Executivo. É importante que se construa uma reforma dos Três Poderes para poder construir carreiras que tenham marcos iniciais de salários parecidos e não haja a competição de concursos", completou.