O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Qual a melhor politica economica para o Brasil? - Paulo R. Almeida

Quem sou eu para ter a pretensão de preconizar a "melhor" política econômica para o Brasil? Pois é, nem economista eu sou. Mas creio ter alguma percepção do que funciona e do que não funciona, com base na simples observação da realidade, em bases comparativas, verificando, portanto, experimentos que foram melhor sucedidos do que outros.
Em todo caso, sujeito-me às críticas dos que teriam melhores políticas do que as que preconizo nesse mais recente artigo publicado:

Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais
Paulo Roberto de Almeida
Ordem Livre, 25 de Outubro de 2010

A resposta a uma pergunta desse tipo depende, obviamente, da concepção geral de sociedade da qual está impregnado o respondedor. Keynes dizia que sempre somos prisioneiros de algum economista morto, o que não parece ser o meu caso, já que não exerço a disciplina profissionalmente e posso, assim, ostentar uma aparente independência em relação a escolas e tendências econômicas. Não me classifico como liberal em economia, apenas como racionalista, seja lá o que isso queira dizer. A razão é que não acredito que um governo qualquer, no mundo atual, possa se guiar por grandes princípios filosóficos ou concepções completas de sociedade, cabendo-lhe tão somente ser pragmático e tentar resolver os problemas concretos de administração da economia em meio a uma teia de constrangimentos internos e de limitações externas que circundam as (poucas) escolhas possíveis. Numa palavra: difícil ser totalmente livre para implantar um programa completo de reforma social e econômica, quando tantos compromissos foram sendo assumidos ao longo do tempo.

Pessoalmente, tendo vindo do pensamento socialista, manifesto minha atual preferência por um modo liberal de administração econômica, mas tenho plena consciência de que trade-offs têm de ser realizados no contexto concreto das políticas econômicas possíveis. Um caso: acredito que o monopólio de emissão de moeda pelo governo pode ser um custo a mais para a sociedade; mas, como no caso das drogas duras, fica difícil liberalizar essa área na ausência de outras condições que poderiam limitar os imponderáveis da liberalização e da competição entre as drogas (moedas). Acredito, por exemplo, que a taxa de juros de referência deveria deixar de ser fixada pelo governo, passando a ser a de equilíbrio dos mercados, como no caso do câmbio; mas aqui sabemos, também, que os governos intervêm no preço externo da moeda (seja para perseguir objetivos próprios, anti-inflacionários, por exemplo, ou a favor de certos lobbies, como o dos exportadores). Ponto para os juros livres, em todo caso...

Sou radicalmente a favor do corte (ou melhor, da eliminação) de impostos e, obviamente, da redução radical dos gastos do governo; mas sei que isso teria enormes dificuldades de implementação, dada a rede de programas legais já existentes, que obrigam o estado a ser um gastador compulsivo (tanto consigo mesmo, como com corporações que virtualmente assaltam o estado, como empresários, universitários, juízes e toda sorte de rentistas). Talvez se pudesse começar por eliminar a estabilidade no serviço público. Reconheço, porém, que esse é um passo difícil de ser dado.

Sou contra cartéis, monopólios e políticas setoriais, que aumentam nossas faturas de luz, telefone, internet, crédito ao consumidor, tudo. A regulação estatal deveria ser no sentido da máxima abertura possível; mas mesmo isso é difícil de fazer, seja por pressão dos interesses constituídos, seja pelo problema sempre difícil da transição a outro regime; acredito, porém, que se possa caminhar nessa direção. Se eu disser, publicamente, que pretenderia acabar com BNDES, Banco do Brasil, Petrobras e outras empresas públicas, provavelmente vou ser crucificado em praça pública. Mas ainda assim vou dizer: que essas empresas sejam privatizadas e disputem mercado como quaisquer outras, em um ambiente totalmente aberto à competição. Estou absolutamente seguro de que o Brasil seria um país melhor sem qualquer tipo de dinossauro estatal, por mais produtiva ou "estratégica" que seja a empresa: de fato, isso não existe em economia e a única coisa verdadeiramente estratégica, na vida de uma nação, é a boa educação de todos os seus cidadãos.

Não preciso dizer que sou contra qualquer forma de protecionismo e a favor da maior abertura ao capital estrangeiro, sugestão passível de esquartejamento nas academias e nas praças. Provas existem de que os países mais abertos são, também, os mais prósperos e avançados no plano tecnológico e cultural. Os políticos conspiram contra esse objetivo, mas acredito que se deveria formar uma liga de economistas a favor da liberdade de mercados, como na Inglaterra vitoriana aquela a favor do livre comércio. Desconfio, porém, que não teríamos muitos aderentes, tão forte é a crença nos mitos keynesianos (equivocados, aliás, posto que Keynes era um liberal, tendo sido a favor das restrições ao livre fluxo de capitais no contexto da crise de moedas nos anos 1930 e dos desastres econômicos vividos então pela Grã-Bretanha).

No mesmo compasso, sou totalmente favorável à globalização e à interdependência econômica universal, mas também acredito que não teria sucesso qualquer chamado a uma manifestação a favor da globalização. Esse é, aliás, o aspecto que mais me choca nessas marchas de alternativos contra a globalização e a liberalização comercial: como é que pessoas medianamente educadas, ao menos todas alfabetizadas, algumas até universitárias, conseguem ser contra a universalização do progresso, e defender idéias regressistas e até reacionárias? Acredito que seja uma mistura de ingenuidade com ignorância, de um lado, e de má-fé e de manipulação de sentimentos, por outro, por parte dos órfãos do socialismo e das viúvas do comunismo. Ou seja: coisas absolutamente démodées e ancien régime. Esses jovens estão singularmente mal servidos de professores universitários, o que é uma pena.

Se ouso resumir meu mix ideal de políticas econômicas para o Brasil, minha receita poderia ser esta: liberdade cambial e de movimentos de capitais; juros de mercado (como norma legal, o que deixaria a autoridade monetária sem condições de manipular os juros, e também, portanto, sem poder criar essas bolhas que depois são atribuídas aos mercados livres); conversibilidade da moeda nacional; ausência completa de bancos públicos e de financiadores oficiais para setores que produzem bens de mercado, preservando-se o financiamento público para grandes obras de infraestrutura e alguns (poucos) projetos sociais; pouquíssimas políticas setoriais, limitadas à formação de recursos humanos, pesquisa de ponta (estritamente definida) e, claro, educação universal de boa qualidade; previdência unificada com base em um regime de capitalização (e não de repartição, como atualmente), anulação dos privilégios existentes, sem quaisquer regimes especiais; regulamentação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que até hoje não possui um Conselho de aplicação de penas (a que muitos administradores já deveriam ter sido submetidos); eliminação dos subsídios (remanescentes) à agricultura e ampliação do seguro agrícola; abertura econômica (receptividade aos investimentos estrangeiros) e liberalização comercial, com negociação ampla de acordos de livre comércio, sem reciprocidade exigida de países da América do Sul (com redefinição do Mercosul); retomada da privatização e reforço das agências regulatórias (sobretudo assegurando-se sua independência em relação ao governo); autonomia legal do Banco Central e ampliação do Conselho Monetário para um seleto número de membros não governamentais, escolhidos dentre figuras eminentes do pensamento econômico (mediante prévia aprovação do Senado); desmantelamento de todo e qualquer cartel informal, sobretudo nas telecomunicações.

Finalmente, eu também acabaria com as televisões públicas (as educativas seriam geridas por fundações independentes), com a “Hora do Brasil” e com todo e qualquer gasto governamental em publicidade, extinguindo-se o “ministério da propaganda oficial” e todas as secretarias de comunicação de governos. A economia financeira talvez seja pequena, mas a despoluição comunicativa seria enorme.
Como se pode constatar, eu sou um sonhador incurável...

Debate enviesado: aborto e eleicoes - Sergio Fausto

Artigo sensato sobre um tema sensível. Pessoalmente, creio que deveria haver um pequeno avanço, controlado, nessa questão do aborto, mas reconheço a extrema sensibilidade do tema para certas correntes religiosas. Como, porém, acredito que dogmas religiosos não devem ser impostos ao conjunto da sociedade, entendo que o assunto deva ser exaustivamente debatido no local apropriado; ou seja: o Parlamento.
Os presidentes simplesmente não podem ter a sua opinião transformada em lei.
O "debate" atual, portanto, é totalmente inoportuno e indesejado.
Eu mesmo não tenho opinião formada sobre o que autorizar, em que etapa, sob quais condições. Eu seria pela continuidade do sistema atual, com assistência às grávidas para conduzir o processo já com adoção garantida do nascituro, ou seja, desde que uma mulher se inscrevesse num programa de "gravidez indesejada", ela não seria dirigida a uma clínica de aborto, e sim a um serviço de assistência à gravidez, já com o compromisso jurídico de perda do "pátrio poder" (neste caso poder materno) e a entrega imediata do bebê nascido a um casal inscrito para receber criança adotiva.
Eu seria por um programa desse tipo. Mas creio que o melhor é um debate ponderado a respeito, sem as vozes vociferantes dos que são contra ou a favor dogmaticamente.
Paulo Roberto de Almeida

Crença religiosa e manipulação política
Sergio Fausto
O Estado de São Paulo, 10 outubro 2010

Já na etapa final do primeiro turno e mais ainda neste início de segundo turno, há uma corrida para tranquilizar os eleitores evangélicos e católicos que temem a descriminalização do aborto. Fala-se em defesa dos “valores da vida”, expressão enigmática que visa a estigmatizar quem ouse pôr em dúvida um dogma religioso segundo o qual a vida tem início no ato da fecundação do óvulo por um espermatozoide.

Em nome desse dogma, produziu-se uma chantagem eleitoral: quem não rezar o credo da criminalização do aborto será punido com a perda de uma fatia de eleitores que pode ser decisiva para a vitória ou a derrota. Em cena patética, candidatos desdizem o que disseram ou se esmeram em reforçar supostas credenciais conservadoras na matéria. Um dos partidos, segundo a imprensa, se dispõe a rasgar parte do programa de sua candidata. Todos amedrontados pela ameaça do voto religioso, mais temível do que as próprias labaredas do inferno. Covardia cívica de quem anonimamente alimenta as baterias do dogmatismo e de quem se dobra e se desdobra para se ajustar ao figurino conservador, mesmo que lhe caia mal.

A manipulação de crenças religiosas para fins político-eleitorais é um veneno para a democracia e uma ameaça ao Estado laico. Crenças religiosas fundam-se em dogmas e sustentam valores absolutos. A liberdade humana, nessa esfera, restringe-se a aderir, pela fé, aos valores professados ou rejeitá-los. Se a religião é uma esfera de verdades absolutas, a democracia é um espaço de verdades parciais, sujeitas ao contraditório e ao compromisso entre valores e interesses distintos. O debate público democrático é permeado pela emoção, mas não se fecha à análise racional dos dilemas que surgem quando valores absolutos abstratos se chocam contra o chão duro da realidade. No caso em pauta, se, de um lado, não há evidência de que a descriminalização aumente o número de abortos realizados, de outro, sobram evidências de que os abortos feitos em clínicas clandestinas ou por conta própria são causa importante de morte, doença e esterilidade entre as mulheres mais pobres. De que lado estão os “valores da vida”?

A relativa separação entre a esfera da religião e a da política é uma conquista da civilização ocidental. Acreditava-se que estivesse consolidada na maioria dos países do Ocidente, mas a História recente mostrou que não, em especial nos Estados Unidos. Lá, a partir dos anos 80 do século passado, cresceram e organizaram-se politicamente as denominações evangélicas não tradicionais. Multiplicaram-se os “pastores eletrônicos” e seus programas nos meios de comunicação de massa. Os novos evangélicos passaram a representar cerca de 30% da população, com um peso ainda maior no eleitorado, dado o seu maior comparecimento às urnas. Conquistaram o Partido Republicano e elegeram um dos seus, George W. Bush, para a presidência da República. Na Casa Branca, ele congelou as verbas federais para pesquisas com células-tronco embrionárias, defendeu a reza na escola pública, atacou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, lançou o país a uma aventura no Iraque como se fosse um cruzado liderando a civilização cristã. Vinte anos antes, as denominações evangélicas fundamentalistas pareciam ser um fenômeno politicamente inofensivo…

No Brasil, é crescente a proporção de pessoas que se declaram evangélicas. Além de conforto espiritual, elas encontram na igreja uma comunidade religiosa que lhes oferece proteção contra as adversidades e as ajuda a progredir materialmente na vida, pela rede de relações que estabelecem. E isso é muito bom. Tenha-se ou não crença religiosa, nenhum de nós pode dispensar algum tipo de espiritualidade e inserção comunitária. Marx dizia que “a religião é o ópio do povo”, mas completava: “O suspiro da criatura oprimida, o calor de um mundo sem coração.”

Esse é o lado bom da história. O lado menos bom é o fato de que, ao contrário do catolicismo brando e sincrético da tradição brasileira, há maior fervor e dogmatismo religioso entre os evangélicos, em alguns casos com intolerância em relação às religiões afro-brasileiras, vistas como demoníacas. Pior ainda é o fato de que parte das igrejas evangélicas se tornou um obscuro e lucrativo empreendimento comercial, em que se misturam religião, política e negócio, em especial no setor dos meios de comunicação de massa.

Nos muitos programas evangélicos de televisão e rádio se ensina que o mundo se divide entre Deus, representado por Jesus, e o demônio, tão onipresente quanto aquele. Num mundo divido entre o Bem e o Mal, não há liberdade de escolha possível para as pessoas de bom caráter. Afinal, quem será pelo demônio? Só os maus.

Em matéria de liberdade de escolha, a Igreja Católica não fica atrás. Basta pensar na longa lista de interditos: preservativos, sexo antes do casamento, para não falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Tudo isso em nome dos “valores da vida e da família”, como se vida e família não fossem construções humanas que admitem grande variação na forma como são vistas e vividas. O Estado laico e democrático existe para assegurar essa pluralidade e para permitir a convivência entre crenças e preferências diferentes.

O tema do aborto não foi trazido ao debate político para ser esclarecido e debatido a sério. Ninguém o propôs abertamente. Surgiu sub-repticiamente, por oportunismo eleitoral. E tem merecido uma resposta não menos oportunista. Pode ser que renda os frutos eleitorais pretendidos, pode ser que não. Substantivamente, trata-se de muito barulho por nada, já que nenhum presidente ou presidenta da República, não importa quão grande seja sua maioria no Congresso, terá condições de impor a sua opinião em matéria tão sensível.

Não quer dizer que ela não deva ser discutida. Mas não agora, não desse jeito.

China e Brasil: candidatos a bolhas financeiras...

ENTREVISTA: MICHAEL PETTIS VÊ RISCO DE BOLHA NA CHINA E NO BRASIL
Agencia Estado, 25.10.2010;

Nova York, 22 - O economista Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade Pequim, alertou que a China decidiu tarde demais aumentar os juros e que já pode estar experimentando uma bolha em sua economia. "Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também", disse. Pettis se mostrou especialmente preocupado com a dependência do País em exportar commodities para a China. "Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não", avalia, em entrevista esta manhã, por telefone, de Pequim, à correspondente da Agência Estado em Nova York, Luciana Xavier.

Ele está pouco esperançoso de que os líderes do G-20 consigam chegar a um acordo cambial, na reunião de novembro em Seul, e não vê um fim próximo para a guerra das moedas. "Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema", disse.

A seguir, leia a íntegra da entrevista:

Agência Estado - O senhor teme uma bolha nos emergentes?

Pettis - Acabei de ler hoje um artigo interessante no "South China Morning Post" sobre um tipo especial de jade que agora está sendo negociada a US$ 3 mil a onça, duas vezes mais do que o ouro. Isso é muito interessante porque o preço da jade está no pico, os preços da arte chinesa estão no pico, assim como os preços do chá tipo premium. Tudo isso costuma acontecer quando há uma bolha. Arte, colecionáveis, pedras preciosas, tudo está em patamares muito elevados na China, o que me leva a crer que definitivamente estamos experimentando algum tipo de bolha.

AE - Só na China?

Pettis - Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também.

AE - Falando em Brasil, o governo aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para capital estrangeiro duas vezes em cerca de 15 dias, de 2% para 4% e depois para 6%. Esse segundo aumento em tão pouco tempo deve surtir algum efeito?

Pettis - Isso é uma das coisas com as quais devemos ficar bem preocupados. Basicamente o que acontece em circunstâncias é que todo mundo está usando algo para desvalorização cambial, seja impostos sobre capital ou para importações, tudo com o mesmo objetivo: proteger ou aumentar a participação na demanda global declinante. Isso será muito difícil. Com os EUA embarcando em mais afrouxamento quantitativo, países que estão intervindo em suas moedas vão sofrer o impacto do aumento rápido da liquidez. Esses países estão reclamando, dizendo que os EUA deveriam parar de fazer isso, mas os EUA dizem que não, que estão agindo assim por razões domésticas e que eles é que devem parar de intervir. Ambos estão certos. As perspectivas são mesmo muito pessimistas.

AE - Podemos dizer que uma bolha também está se formando no Brasil?

Pettis - O que mais me preocupa é que, se você se lembrar, no ano passado a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado exportador do Brasil. As pessoas viram isso como indicação da ascensão da China. Minha interpretação foi um pouco diferente. O Brasil exporta mais bens manufaturados para os EUA e mais commodities para a China. Para mim, o que realmente aconteceu foi a ascensão das commodities em relação aos manufaturados no Brasil. E isso é algo que os brasileiros devem começar a questionar. Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não. Precisamos pensar muito nisso dentro do contexto do Brasil. Os preços das commodities estão altos basicamente por causa do rápido crescimento da China baseado nos investimentos, que muitos acreditam que não irá se sustentar, e estoque de commodities na China, como parte da estratégia de diversificação deles além do dólar. Se essas duas coisas pararem, então haverá maior pressão para baixo nos preços das commodities.

AE - Há algum modo de o Brasil evitar uma bolha?

Pettis - Há sempre modos de proteger uma economia de bolhas, mas não sem um custo. Elas são dolorosas e é muito difícil convencer os políticos a assumir alguma dor hoje para evitar uma dor ainda maior amanhã.

AE - Podemos esperar então por uma longa guerra cambial?

Pettis - Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema.

AE - Qual sua avaliação sobre essa guerra cambial?

Michael Pettis - Nos últimos dois anos vinha alertando de que isso seria inevitável. O problema é que por muitos anos, a demanda global cresceu muito rapidamente, alimentada primeiramente por um consumo muito forte nos Estados Unidos e nos países da Europa com déficit comercial - Espanha, Itália, Grécia e alguns outros. Desde a crise tivemos dois problemas. Primeiro, é que a Europa não pode mais continuar com esses déficits porque enfrenta uma crise financeira. Segundo, os EUA estão em processo de desalavancagem, com isso a demanda e o crescimento global desaceleraram significativamente. Quando ambos estavam altos, demanda e crescimento, era possível manter mais ou menos a participação de cada um na demanda global. Mas agora a desaceleração é tanta que o único modo de crescer rapidamente é aumentar sua fatia na demanda global. Todo mundo quer aumentar sua participação e é claro que isso é impossível. Logo, o modo para se tentar conseguir isso é por meio de uma guerra comercial. Toda a discussão em torno das moedas, como nos anos 30, é simplesmente um aspecto dessa disputa comercial.

AE - Podemos dizer que a China e seu fraco yuan é o vilão da história? Ou seriam os Estados Unidos e sua política monetária frouxa?

Pettis - Acho que uma das razões pela qual a guerra cambial é praticamente inevitável é porque todo país está procurando o vilão e o vilão tem que ser um estrangeiro. Nessas circunstâncias, é muito difícil chegar a uma resolução. O fato é que se você quer achar um culpado, você vai achar muitos culpados ao redor do mundo. Há poucos países que não colaboraram para os desequilíbrios vistos até 2007. Todos os países devem reconhecer isso e trabalhar para resolver esses desequilíbrios. Mas sinto que isso é pouco provável, especialmente porque em todo país que você for é muito claro a percepção de que "a culpa não é nossa, é dos estrangeiros".

AE - O senhor não acredita que um acordo possa ser alcançado na reunião de líderes do G-20 em Seul?

Pettis - Ficarei chocado se houver algum acordo nesse sentido. O fato é que o mundo hoje quer exportar. China, Japão e Alemanhadependem muito de aumentar os superávits comerciais para gerar crescimento, enquanto Estados Unidos e alguns países da Europa são os grandes deficitários comerciais. Você não pode ter as nações com superávit comercial aumentando esse superávit, enquanto você tem uma ou duas nações com déficit comercial em colapso. Vamos ouvir boas coisas vindas da cúpula do G-20, espero, mas sem se dirigir a essas questões eu não vejo realmente uma solução.

AE - A proposta de metas para superávits e déficits em conta corrente que deve ser discutida no G-20 pode ajudar a resolver ou minimizar os problemas entre EUA e China?

Pettis - Talvez. Mas acho que um dos problemas é que isso tem sido visto como uma questão principalmente entre EUA e China. Mas é claro que não é. O ministro da Fazenda do Brasil (Guido Mantega) chocou o mundo quando ele disse que havia uma guerra cambial, ainda que todo mundo soubesse que havia. Temos visto ações sendo tomadas na Indonésia, Tailândia, Coreia, Japão e outros países. Todos intervindo agressivamente no câmbio, adotando impostos para capital estrangeiro, importações, etc. A suposição de que isso seja uma questão EUA-China é errada. O problema é que o crescimento global está desacelerando e vai continuar desacelerando por muitos anos e a maioria dos países, especialmente aqueles com crescimento acelerado do superávit comercial, não possui mecanismos que permitam que desacelerem de modo saudável sua expansão doméstica. É muito difícil imaginar qual será a solução. Por exemplo, vamos dizer que os EUA e China cheguem a um acordo. O que seria esse acordo? Um declínio rápido no déficit comercial americano e no superávit comercial chinês? Seria muito doloroso para a China. Por outro lado, os EUA têm alta taxa de desemprego e parte da razão para tanto desemprego é o elevado déficit comercial. Então, os EUA iriam concordar esperar cinco, sete anos para resolver esse problema? Quase certo que não.

AE - Um acordo nos moldes do Plaza Accord também estaria então fora de cogitação?

Pettis - Não. O problema do Plaza Accord é que ele também ocorreu tarde demais. Naquela época, a economia japonesa estava seriamente desequilibrada e a resposta do Japão para valorizar o iene foi expandir o crédito e reduzir os juros, o que só fez a situação piorar. [O Plaza Accord foi um acordo fechado no Plaza Hotel, em Nova York, em 1985, entre França, Alemanha Ocidental, Japão, EUA e Reino Unido para depreciar o dólar em relação ao iene e ao marco alemão]

AE - O Japão adotou a política do juro zero. Sobrou alguma bala na agulha a ser usada para desvalorizar o iene?

Pettis - Bem que eles gostariam. Mas desvalorizar contra quem? Todos estão tentando desvalorizar suas moedas. O problema no Japão é que eles também precisam subir os juros para reequilibrar a economia, mas os níveis da dívida estão tão elevados, que se eles subirem os juros, quase certamente teremos o risco de default do governo japonês. O Japão está emperrado. Eles não podem subir o juro. Eles até devem, mas não podem.

AE - O senhor avalia que a China está fazendo o suficiente para fortalecer o yuan?

Pettis - Eles estão numa situação muito difícil. Do ponto de vista externo, claramente eles não estão. Eles esperaram muito tempo e fizeram muito pouco. Mas do ponto de vista interno, se eles elevassem o renminbi muito rápido, haveria uma desaceleração muito veloz da economia. Por isso, sou tão pessimista. Pois é muito fácil para os americanos e europeus dizerem "a culpa é da China", por estar sendo lenta demais. E eles estão certos. Mas também é muito fácil para a China dizer "nós não tínhamos realmente muita escolha".

AE - O aumento de juros pela China pela primeira vez em três anos também veio tarde demais?

Pettis - Sim. Os juros não mudaram ao longo de todo ano e a inflação foi para cima. Então, os juros foram elevados em 0,25 ponto porcentual, mas a inflação talvez já tenha subido 1 ou 2 pontos porcentuais.

AE - Esse aumento tem tudo a ver com inflação e preços de imóveis?

Pettis - Bem, grande parte tem a ver com a inflação. Mas a razão pela qual os juros reais devem subir na China é porque a alta dos juros reduz a má alocação de capital, que é um problema grande na China, e aumenta a renda das famílias, que é também um grande problema no país. Ou seja, resolve de uma vez dois problemas. Mas se você faz isso muito rapidamente, pode aumentar o número de falências de bancos, pois a maioria dos que tomam emprestado na China consegue sobreviver apenas por causa dos juros muito baixos.

AE - O senhor acha que esse deveria e será apenas o início de um ciclo de aperto monetário chinês?

Pettis - Acho que deveria, mas não que será.

AE - Se houvesse mais aumento, quanto mais os juros deveriam subir, por exemplo, nos próximos 12 meses?

Pettis - Há três coisas que a China precisa aumentar: os juros, a moeda e os salários. Todos têm o mesmo impacto, de reduzir os investimentos e aumentar a renda das famílias. Não se pode só falar de um desses três componentes, porque se a moeda valoriza rapidamente e os juros caem, é como se nada tivesse acontecido. Eles têm realmente que subir os três juntos. Os juros são os mais importantes, mas a moeda e os salários também têm sua importância. Se você fizer apenas dois deles muito rápido, claro que o desemprego irá subir e é isso que todos querem evitar. (Luciana Xavier)

domingo, 24 de outubro de 2010

Na morte do socialismo, faltou tinta para confirmar por escrito

Terminei de ler, no trem de Tóquio a Osaka, o livro de John Lewis Gaddis, The Cold War: A New History (New York: Penguin, 2005), que eu já conhecia de folhear em livrarias, mas que nunca tinha lido por completo (o que agora fiz, inclusive notas e referências bibliográficas).
Pois bem, o que me chamou a atenção, mais para perto do final, foi um detalhe prosaico, que eu não conhecia (e aposto que nenhum dos meus leitores tampouco), mas que é imensamente revelador do imenso castelo de areia que constituía, finalmente, o socialismo de tipo soviético.
Transcrevo:

And so on December 25, 1991 -- two years to the day after the Ceausescus execution, twelve years to the day after the invasion of Afghanistan, and just over seventy-four years after the Bolshevik Revolution -- the leader of the Soviet Union [Mikhail Gorbachev] called the president of the United States to wish him a Merry Christmas, transferred to [Boris] Yelstsin the codes needed to lauch a nuclear attack, and reached for the pen with which he would sign the decree that officially terminated the existence of the U.S.S.R. It contained no ink, and so he had to borrow one from the Cable News Network television crew that was covering the event.
[Reference: Don Oberdorfer, From the Cold War to a New Era: The United States and the Soviet Union, 1983-1991 (updated edition; Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998), p. 471-472]; citado por Gaddis, p. 257 e 297.

Vejam vocês o patético da coisa: o socialismo, que sempre se caracterizou pela penúria generalizada de bens, não conseguiu sequer assegurar uma caneta que funcionasse para que o presidente formal do grande império que constituia a URSS pudesse assinar a dissolução formal desse Estado que durou 70 anos. Se não fosse o pessoal da CNN, o socialismo teria durado mais um pouco...
Claro, para ser totalmente preciso com a história, o que estava acabando em dezembro de 1991 era a União Soviética, não exatamente o socialismo, mas aquela pode ser tomada como a representante legítima deste último, inclusive porque os chineses comunistas estavam brincando de capitalismo há mais de dez anos, então.

Torrando o seu dinheiro, caro leitor...

Caros leitores, passantes, frequentadores habituais, simples curiosos e perdidos eventuais que acabaram neste blog.
Não é novidade o que vou contar, pois há muito tempo, desde o século passado, que passamos a viver numa república sindical, um mandarinato pouco republicano que aos poucos vai se apropriando de uma parte crescente da renda nacional.
Se vocês quiserem saber onde está indo o seu rico dinheirinho, basta ler o editorial abaixo do Estadão, que mostra como um categoria marajanesca de mandarins mete a mão despudoradamente no seu, no meu, no nosso dinheiro.
Não tenho nenhum problema em atacar os funcionários públicos, pois eu também sou um, e plenamente consciente dos privilégios inaceitáveis que rondam a categoria em qualquer país do mundo, em qualquer época: ganhar o dobro do que se ganha na iniciativa privada, não é só um acinte, mas um roubo declarado. E quando falamos dos mandarins do Congresso, então, não se trata mais do dobro, e sim do triplo, e talvez mais.
Por isso mesmo, tampouco tenho qualquer restrição em dizer que sou contra, absoluta, relativamente, e insistentemente, contra a estabilidade no serviço público, em qualquer área e categoria. Para mim, nenhum funcionário público, repito NENHUM, deveria ter estabilidade, nem juiz. Juízes podem gozar de estabilidade temporária em suas funções, mas sujeita a exames periódicos de capacidade e aferição de produtividade por parte de um conselho externo à categoria.
Esse tal Conselho Nacional da Magistratura -- que aliás está construindo mais um palácio em Brasília -- é um exercício altamente suspeito entre pares, interessados em não remexer muito no vespeiro.
Os tiranetes togados são os mais arrogantes de todos os mandarins. Depois deles, vem os funcionários do Congresso, objeto deste editorial.
Pois bem, caros leitores, se vocês querem saber para onde está indo o fruto do trabalho de vocês, agora já sabem.
E tenham coragem de protestar...
Paulo Roberto de Almeida

'Bancada' de servidores é a mais vitoriosa da Casa
Editorial - O Estado de S.Paulo
24 de outubro de 2010

Projetos de interesse de funcionários públicos são votados com rapidez ou barrados quando ameaçam seus privilégios

Disseminada em todos os partidos, uma bancada sem mandato se destaca como a mais vitoriosa nas votações no Congresso. Com forte atuação e com a pressão corpo a corpo rotineira sobre os parlamentares, os servidores públicos conseguem fazer andar os projetos de seu interesse e barrar os que oferecem alguma ameaça a seus privilégios. A lista é longa e inclui aumentos salariais, fim de contribuição previdenciária e recontratação de funcionários que deixaram o serviço público por opção própria e querem o cargo de volta sem se submeter a concurso.

"Estamos aumentando o peso do Estado para a sociedade carregar", resumiu o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), conhecido na Câmara por suas posições em defesa do equilíbrio das contas públicas. Nos últimos meses, avançaram no Congresso dois projetos propondo a reintegração de 55 mil servidores públicos e funcionários de estatais 14 anos depois de se desligarem mediante adesão a programas de demissão voluntária.

Quando deixaram o serviço público, em 1996, no chamado PDV, os funcionários receberam vantagens e foram indenizados com a multiplicação da remuneração que recebia na época. Um servidor com 30 anos de trabalho, por exemplo, teve direito a R$ 47.875 por cada R$ 1 mil de salário. O peso desse pacote nos cofres públicos não foi calculado oficialmente, mas, considerando um salário médio de R$ 7.500 por servidor resultaria em um gasto de R$ 1,4 bilhão ao ano.

"Peso da corporação"
A busca de um emprego público foi incentivado nos 7 anos e 10 meses de governo Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse período, por iniciativa do presidente e de chefes do Legislativo e do Judiciário e com a aprovação do Congresso, foram criados 229.679 cargos e 50.237 funções gratificadas de livre nomeação para os três Poderes. E ainda há mais pelo caminho.

A Câmara já aprovou outros projetos criando mais 880 cargos e funções que ainda tramitam pelo Legislativo e, na lista de espera de votação, há propostas que somam mais 13.101 cargos e funções. Os dados fazem parte de levantamento feito por Madeira. "O peso das corporações do funcionalismo no processo decisório nacional é desproporcional ao significado que têm na sociedade. Os servidores públicos têm peso maior do que o conjunto da sociedade", afirmou.

Ele lembra que, uma vez criados, os cargos são eternos e não são cortados. Madeira avalia que os servidores, o PT e o governo fazem uma parceria que impede que se mexa em projetos que freiam gastos públicos, mas atingem interesses dos servidores.

Embalados pela disposição do governo de reajustar os salários dos funcionários públicos acima da inflação, os parlamentares aprovaram aumentos generosos. Dados do Ministério do Planejamento mostram aumentos de até 374% e salários em início de carreira de R$ 14.753, 69, como no caso de auditores. Em 2002, o salário inicial dessa categoria de servidor era de R$ 4.544,53.

A tabela mostra que o salário final é de R$ 18.260, o mesmo do procurador do Banco Central e de funcionários da área jurídica do serviço público federal, e pouco abaixo dos R$ 19.699, pagos aos delegados da Polícia Federal.

Na mesma linha do favorecimento, foi aprovada em comissão especial proposta de emenda constitucional que acaba com a contribuição previdenciária dos servidores inativos a partir dos 65 anos. O próximo passo é a votação pelo plenário da Câmara. O projeto ainda prevê um redutor de 20% ao ano a partir dos 61 anos, beneficiando mais essa faixa de servidor aposentado.

Atualmente, essa contribuição corresponde a 11% sobre a parte do benefício acima do teto da Previdência. Cálculos apontam para uma queda de R$ 2,3 bilhões na arrecadação do governo, com o fim da contribuição, podendo chegar a R$ 4 bilhões se forem consideradas as parcelas nos Estados e nos municípios.

Tartaruga. O resultado vantajoso para os servidores pode ser medido também pelas propostas que ficam paradas ou são examinadas em ritmo de tartaruga. A tentativa de limitar os gastos de pessoal para os próximos dez anos, por exemplo, já foi derrubada por unanimidade durante votação em comissão, enfraquecendo o projeto que irá ao plenário.

A regra, que deveria começar a valer neste ano até 2019, estabelece que a despesa com funcionários e encargos sociais de cada um dos Poderes não poderá exceder, em valores absolutos, o que foi gasto no ano anterior mais 2,5% ou a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o que for menor, além da correção da inflação medida pelo IPCA. Um projeto no mesmo sentido com regras um pouco mais rígidas, enviado pelo presidente Lula em 2007, está parado.

Não sai do lugar há mais de um ano proposta do Executivo que cria a fundação estatal de direito privado, uma forma de contratação por concurso público, mas em regime de empresa privada. Esse modelo permite a demissão do funcionário que não tiver bom desempenho. Na área da saúde, as fundações seriam criadas para administrar grande parte dos hospitais federais.

Ao mesmo tempo, os servidores públicos vêm barrando a tramitação do projeto que cria o regime de previdência complementar para a categoria. Esse sistema acabaria com a aposentadoria integral automática do funcionário, estabelecendo o limite aplicado para o trabalhador do regime geral da Previdência.

"O corporativismo estatal é muito forte quando se trata de Previdência do setor público", diz o deputado José Genoino (PT-SP). "Os servidores são organizados, estão dentro dos Poderes e formam a cúpula, com alto poder aquisitivo."

sábado, 23 de outubro de 2010

A economia do ocio - Ubiratan Iorio

Parece que algumas pessoas acreditam que o Brasil poderá ficar rico sem precisar trabalhar...
O texto é antigo, mas sua atualidade se mantém plenamente.
Paulo Roberto de Almeida

O encômio do ócio
Ubiratan Iorio
Jornal do Brasil, 14/01/2008

Os brasileiros conscientes, que não se deixam levar pelo bombardeio esquerdista desencadeado pela mídia, estão entregues às baratas. É de impressionar, até para um alienado crônico, a quantidade de pessoas sem qualificação ocupando cargos públicos importantes no governo do PT. Onde isso vai parar não sabemos, mas é fácil percebermos que mais três anos com essa turma no Planalto decretarão a deterioração total de nosso setor público - que, aliás, nunca foi eficiente em termos de servir ao público. Se o próximo presidente tiver consciência da gravidade do problema levará, pelo menos, um mandato inteiro para consertar os estragos.

O louvor à indolência veio de um campeão de sandices, Márcio Pochmann, presidente do Ipea, que, depois de declarar em sua posse que o Estado brasileiro seria "raquítico" e de ter iniciado um expurgo - petetização - no órgão, saiu-se, antes do Natal, com uma bobagem digna de figurar entre as maiores já pronunciadas por uma figura pública: "Não há, do ponto de vista técnico, motivo para alguém trabalhar mais do que quatro horas por dia durante três dias por semana"...

Ponto de vista "técnico"? Tamanha jericada teria de suscitar, naturalmente, reações indignadas por parte dos que, por bons princípios ou por experiência, sabem que o trabalho é essencial para o homem e sua prosperidade. Assim, por exemplo, reagiu o jornalista Reinaldo Azevedo à parvoíce do ex-secretário da ex-prefeita Marta Suplicy: "Pochmann é um daqueles casos em que o trabalho conta como massa negativa. Se ele trabalhar a metade, renderá sempre o dobro. O ideal, de fato, é que não faça nada para que atinja a produtividade 100%".

Azevedo, a meu ver, foi generoso com o economista que compôs, da maneira mais multidisciplinar e errada possível, um hino à vagabundagem, demonstrando desprezar a ética do trabalho, entender tanto de economia quanto uma preguiça sonolenta de teoria dos jogos e conhecer tanto de história quanto uma pulga saltitante da arte do contraponto e fuga.

Sob o ponto de vista ético, sabemos, desde os escritos de São Paulo, que aquele que não gosta de trabalhar não merece comer o pão. Além disso, toda a tradição moral da civilização nos ensina que o trabalho dignifica e que as tarefas profissionais bem feitas, realizadas com perfeição humana, além de renderem benefícios pecuniários, elevam o espírito. Nota zero em ética!

Quanto à história, olhemos apenas o exemplo da França, que já tentou a fórmula do ócio, deu-se conta da imensidão do erro e está voltando atrás, mesmo possuindo um nível de capital humano inquestionavelmente maior do que o do Brasil - o que, teoricamente, daria aos franceses, em média, a possibilidade de terem de trabalhar menos horas do que os brasileiros. Zero em história!

E, quanto à economia, é degradante que alguém do ramo desconheça que o crescimento - da pessoa humana e do país - só se consegue com esforço, criatividade, busca pessoal, hábitos de poupança e trabalho duro, sob leis justas, concisas e estáveis. Nos países desenvolvidos - que atingiram esse grau exatamente por não terem seguido suas idéias - trabalha-se ainda, e muito. Nota zero em economia para o economista! Que vergonha!

Sabe acaso o senhor Pochmann o que seria, por exemplo, ficar atrás do balcão de uma padaria ou botequim e fechar o estabelecimento quatro dias por semana e, nos outros três, atender apenas das 8h até o meio-dia, ou das 14h até as 18h? Ou ser um dentista, médico, agricultor, dono de uma academia, ou representante de vendas e proceder da mesma forma? O que deseja? Que todos corram para gastar nos shoppings, sem terem produzido? O que espera? Que a redução de 70% nas horas semanais de trabalho, de 40 para 12, fará crescer o número de empregados? Será que conhece algo sobre custos? Que nunca leu, em qualquer livro introdutório de economia, sobre o conceito de produtividade? E que ignora as relações, fortes e inescapáveis, entre produtividade, salários, custos de produção, oferta e nível de emprego? Quem sustentaria a vagabundagem coletiva? Os contribuintes? E até quando? Até que todos - inclusive o país - quebrassem?

O encômio do ócio... Aviltante! Por essas e outras, Roberto Campos definia o PT como "o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam".

Brasil eleitoral: uma pequena reflexao sobre o dia seguinte

Brasil: the day after
Paulo Roberto de Almeida

Brasil, 1ro. de Novembro de 2010: o país amanhece irremediavelmente dividido, qualquer que seja o resultado das eleições. Quem quer que seja o vencedor, sua herança será um clima pesado de divisão, uma fratura que cinde a nação praticamente ao meio de suas preferências eleitorais, com terríveis consequências para os quatro anos seguintes.
Num caso, podemos antecipar quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de simples alinhamentos corporativos.
No outro caso, teremos quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de velhos alinhamentos grupais.
Esta é a lógica da divisão do país. Estarei sendo muito pessimista?
Não creio. Infelizmente, eu vejo o Brasil aproximando-se do modelo de alguns vizinhos, países nos quais o processo político também conduziu à fragmentação social, à divisão política, à fratura institucional e a uma predisposição mental de conceber a arena do jogo político, não como uma sadia competição entre propostas alternativas de políticas públicas, mas como um enfrentamento entre inimigos irreconciliáveis, como uma batalha de vida ou morte em torno de escolhas excludentes.
Este é, lamentavelmente, o legado desses anos de simplificação do debate eleitoral como sendo uma oposição entre o passado e o futuro, entre o antes e o agora, entre “nós” e “eles”, entre o povo e as "elites", entre o bom e o mau. Este é o legado da visão confrontacionista do mundo, aquela que pretende que todos os vícios estão de um lado, e que todas as virtudes estão do outro.
Gostaria, pessoalmente, que não fosse assim. Como analista político constato, porém, que é assim! É assim que se comportam certos personagens, que deveriam atuar como magistrados, encarregados de presidir uma simples disputa eleitoral. Ao contrário: eles vêem na contenda uma luta terrível entre um projeto de poder, o “seu” projeto, e todas as demais propostas que não se submetem à sua visão do mundo.
Este parece ser o destino para o Brasil nos próximos anos, infelizmente: descoordenado, dividido, com quase metade da população sentido um gosto amargo de derrota e desiludida de que a política possa representar uma oportunidade para melhorar o Brasil, de forma gradual e consensualmente. Para nossa tristeza, temos apenas de aceitar que uma única solução é exclusivamente aceitável, sem qualquer outra possibilidade. Esta é a lógica dos que nos levaram a essa divisão insana e improdutiva entre brasileiros que simplesmente ostentam opiniões opostas sobre como melhor encaminhar os problemas da nação.

Não quero, contudo, deixar a impressão de que, seja num caso, seja no outro, tudo vai resultar inevitavelmente no mesmo clima de brigas e impasses em torno da governança. Nem tudo são “parecenças” e semelhanças entre um e outro projeto. Existem diferenças, por certo, e eu não me privo de apontá-las. Com minha habitual franqueza e total abertura de linguagem.
Nutro pela classe política as mais fundadas desconfianças, como é público e notório. Mas não posso deixar de reconhecer diferenças entre os personagens. Isto porque não se pode confundir as partes com o todo. Cada um tem responsabilidades individuais e diferenciadas, e não se pode amalgamar o comportamento de todos num mesmo conjunto indivisível. No assunto da corrupção, porém, ocorre algo curioso, justamente. Sempre tivemos a corrupção “normal” do sistema político: políticos se apropriando individualmente de bens públicos, desviando o orçamento para suas pequenas causas (algumas grandes), interferindo no processo decisório em torno de investimentos públicos, etc. Isso é conhecido e até mesmo esperado e sei situa num nível, digamos assim, artesanal, ou manufatureiro, da corrupção.
O que não tínhamos conhecido, porém, era a corrupção sistêmica, estrutural, de natureza “fabril”, em escala industrial, ou seja, organizada e mantida, até estimulada e “agregada” por um grupo que se movimenta em torno do poder com o único objetivo de mantê-lo indefinidamente. Nem se trata de construir um sistema alternativo, pois ninguém mais acredita nesse tipo de bobagem; se trata apenas de explorar as vantagens do sistema para o seu grupo, exclusivamente, fazendo sua “acumulação primitiva”, inclusive no plano individual.
Isto é novo no Brasil, e propriamente aterrador.
Creio, infelizmente, que é este o legado que teremos destas eleições, um legado que nos acompanhará pelos próximos anos.

(Tóquio, 24 outubro 2010)

Retrocessos no combate a corrupcao: Brasil e Argentina

Dois artigos sobre retrocessos lamentáveis no combate à corrupção, Brasil e Argentina:

Ação Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro: o retrocesso na situação brasileira
Artur Andrade da Silva, Mestrando em RI na UnB
Mundorama, 08 Outubro 2010

Após árduo trabalho concertado entre diversas burocracias nacionais no combate à lavagem de dinheiro, o Brasil está de volta à “lista negra” da autoridade internacional na matéria. O resultado da visita das autoridades internacionais ao Brasil ainda em 2009 foi publicado há cerca de dois meses (GAFI, 2010), levantando grande debate na sociedade interna. Há mister a incorporação da discussão pela comunidade acadêmica de Relações Internacionais.

O Grupo de Ação Financeira (GAFI/FATF) foi criado em Cúpula do G-7 em Paris em 1989. Trata-se de um organismo internacional de caráter informal, sem personalidade jurídica internacional, com critérios restritivos de associação, mas com enorme poder político. Seu principal objetivo é promover políticas nacionais e internacionais para o combate à lavagem de dinheiro

O GAFI trabalha com rol de 40+9 recomendações. Quarenta lançadas em 1990, correlatas à lavagem de dinheiro. Nove lançadas após 11 de setembro de 2001, que dizem respeito ao financiamento de práticas terroristas. As recomendações podem ser de duas naturezas distintas: de natureza legal, impondo diretrizes para tipificação e definição de crimes antecedentes à transferência de dinheiro; ou preventiva, prevendo a criação de mecanismos de investigação e gerenciamento de informação qualificada.

Há quatro convenções internacionais principais balizando o regime multilateral de combate à lavagem de dinheiro auspiciado pela ONU – ponto de partida para as recomendações do GAFI. A Convenção de Viena, de 1988; a Convenção para Supressão do Financiamento ao Terrorismo, adotada em 1999; a Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional, de 2000; e a Convenção de Mérida contra a Corrupção, de dezembro de 2003. A Convenção de Viena foi o primeiro grande marco para tipificação da lavagem de dinheiro como crime internacional. A Convenção de Palermo lista técnicas de investigação a serem adotadas pelos países-partes. A Convenção de Mérida visa transformar corrupção em crime antecedente para a lavagem de dinheiro.

A legislação brasileira é bastante avançada no que tange ao combate à lavagem de dinheiro (COAF & FEBRABAN, 2005). Como recomendado pelo GAFI, a Lei 9.613 criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao mesmo tempo em que tipificou o crime de lavagem de dinheiro. No combate à lavagem de dinheiro, atuam ainda o Ministério da Justiça, responsável pela definição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e outras burocracias, como a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) – a autoridade central.

Caso um país não atenda a 10 das recomendações do GAFI, ele é colocado em uma espécie de lista negra. Hoje, a denominação de lista negra é evitada, preferindo-se o título, em inglês, de High-risk jurisdictions and non-cooperative jurisdictions. Como resultado, qualquer transferência monetária internacional do país estará sujeito a escrutínio dos demais; e, persistindo a avaliação negativa, o GAFI pode determinar contramedidas a serem aplicadas contra o país listado.

Apesar de ser membro ativo no GAFI (e também no GAFISUD), desde agosto foi tornado público o documento de avaliação conjunta (GAFI, 2010) que condena o Brasil como jurisdição de alto risco ou não cooperativa.

A morosidade do Legislativo para tipificar o crime de financiamento de terrorismo é um dos pontos que fizeram retroceder a situação brasileira ante o regime internacional. Após os atentados, o combate ao terrorismo assumiu o topo de prioridade na agenda internacional, o que ficou patente já na clássica Resolução 1373 do Conselho de Segurança da ONU, que impõe aos países membros o imperativo de adotar legislação nacional específica. Não à toa a preocupação com o terrorismo se infiltrou na política internacional de combate à lavagem de dinheiro. Até então, a criminalização da lavagem de dinheiro ocorria pela transferência de montante monetário adquirido mediante ato ilícito (crime antecedente), como a corrupção. Com as 9 recomendações adicionais, cada país deve se preocupar com destino do dinheiro, além de sua origem.

Entretanto, apesar de o relatório acusar falhas em diversas instâncias operacionais da política nacional de combate à lavagem de dinheiro (como falhas em alguns dos componentes do sistema de informação de combate à lavagem de dinheiro, sobretudo após o encerramento da CPMF), a principal crítica recaiu sobre o poder judiciário. Entre 2004-08 foram 6.071 investigações abertas pela Polícia Federal e 4.760 inquéritos do Ministério Público Federal. No entanto, de 2006 a 2008, somente 91 sentenças condenatórias foram prolatadas nas varas estaduais.

É eficiente o imperativo de vinculação entre terrorismo e lavagem de dinheiro, para o enfrentamento dos problemas nacionais? É justa a recomendação de contramedidas por órgão internacional de natureza informal? Como deve ser a atuação do Brasil junto ao poderoso GAFI? Como melhorar a efetividade da política nacional de combate à lavagem de dinheiro? A lavagem de dinheiro deve ser alvo de maiores questionamentos pela comunidade acadêmica de Relações Internacionais. Trata-se de mais um tema que congrega segurança pública e segurança internacional; ação internacional e políticas domésticas.

Referências:
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN). Lavagem de dinheiro: legislação brasileira. Brasília:COAF; São Paulo: FEBRABAN, 2005. Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/downloads/LivroCoaf2005.pdf
GAFI. Relatório Conjunto de Avaliação do Brasil. 2010. Disponível em: http://www.fatf-gafi.org/document/53/0,3343,en_32250379_32236963_45538741_1_1_1_1,00.html
Sítio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF): https://www.coaf.fazenda.gov.br/
Sítio Virtual do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI): http://portal.mj.gov.br/drci/data/Pages/MJDD198628PTBRIE.htm
Sítio do Grupo de Ação Financeira (GAFI-FATF): http://www.fatf-gafi.org/

Artur Andrade da Silva Machado é mestrando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (andradesmachado@gmail.com).

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Duro informe del GAFI
Lavado: ultimátum para la Argentina

Hugo Alconada Mon
La Nación, Viernes 22 de octubre de 2010

Deberá reformar "con urgencia" el control

Con alusiones explícitas a la impunidad de la corrupción local y al asilo de un terrorista chileno, el Grupo de Acción Financiera Internacional (GAFI) decidió ayer reclamar a la Argentina que demuestre "con urgencia" su compromiso con la lucha antilavado en un plazo perentorio de poco más de 100 días.

De no hacerlo, ingresará en un proceso que podría llevarla a la lista "gris" de países bajo la lupa, con graves consecuencias financieras y bancarias.

La decisión del plenario del GAFI, confirmada por tres fuentes, terminó de darle forma al documento más crítico sobre un Estado miembro del grupo desde su creación, en 1989, ya que otros países que figuran dentro de su peor lista, la "negra" (es el caso de Irán), no lo integran.

El ministro de Justicia, Julio Alak, admitió en un comunicado que la Argentina "ha ingresado en un procedimiento de revisión y ha recibido recomendaciones para fortalecer el sistema de control y sanción de lavado".

El informe resultó mucho más duro de lo previsto por los funcionarios argentinos, que habían viajado a París -donde el plenario debatirá hasta hoy- con la esperanza de morigerar algunos de sus contenidos más negativos. Pero lejos de mejorar algunas calificaciones, el GAFI ratificó todas las notas de la misión de expertos internacionales que vino al país entre 2009 y principios de 2010, y que LA NACION anticipó en abril pasado. Incluso empeoró una de las evaluaciones.

Como adelantó LA NACION el domingo, el reclamo "involucra a los poderes Ejecutivo, Legislativo y Judicial, a los gobiernos provinciales, los entes reguladores y al sistema financiero público y privado", según reconoció Alak.

Durante el debate en París del "caso argentino", la discusión abordó incluso ejes inesperados para la Casa Rosada. Entre otros, se aludió al reciente asilo político otorgado al guerrillero Galvarino Apablaza como prueba de la discutible cooperación de la Argentina en la lucha contra el terrorismo internacional, otro eje bajo la órbita del GAFI.

"Los argentinos se hundieron solos", graficó una fuente. "La decisión del asilo fue muy criticada porque resultó poco inteligente. Al menos podrían haber esperado dos o tres semanas más y comunicarla después del plenario del GAFI", argumentó.

En el informe final sobre la Argentina, que podría difundirse hoy, se alude a otro frente abierto de la clase política y empresaria local: la corrupción. Apoyado en informes de organismos internacionales, como la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE), la evaluación remarca la impunidad existente en este tipo de delitos.

Tras la aprobación del reporte, el debate en París pasó a centrarse sobre qué medidas adoptar con la Argentina, con dos vertientes. La primera, someter sin más demoras al país al Grupo de Revisión de Cooperación Internacional ("ICRG", en inglés) que podía desembocar en breve en su ingreso en la "lista gris".

La segunda opción -la que terminó por aprobarse-, consistió en darle plazo hasta febrero próximo para que el Estado argentino demuestre su voluntad de cambio y, si no, someterlo entonces a ese proceso más intenso y duro de revisión del ICRG.
"Con urgencia"

A cambio de adoptar el camino más largo, sin embargo, el coordinador nacional de la Argentina ante el GAFI, Alejandro Strega, aceptó que se envíe una carta a Buenos Aires -en rigor, un emplazamiento formal para ese proceso de revisión-, para que el Gobierno ajuste "con urgencia" el sistema local a las 49 recomendaciones del Grupo.

Ese acoplamiento de la Argentina a las exigencias del GAFI, sin embargo, representará un desafío mayúsculo para el país. Entre otros motivos, porque deberían negociarse y aprobarse en el Congreso varios proyectos de ley, por ejemplo, de reorganización de la polémica Unidad de Información Financiera (UIF).

Tanto Strega como el actual titular de la UIF, José Sbattella, sólo obtuvieron un pequeño logro: al analizar el cumplimiento de la "recomendación 29", la misión estimó que la UIF carece de facultades legales para llevar adelante inspecciones. Ante el planteo de que eso podría sustentar las impugnaciones de bancos u otros sujetos bajo revisión, el plenario aceptó cambiarla por una expresión más ambigua, sin concluir si la Unidad cuenta con esa facultad.

El saldo final, sin embargo, resultó peor, para la delegación argentina. Al llegar a París, el borrador sobre el país registraba dos recomendaciones como "cumplidas", dos "mayormente cumplidas", 22 "parcialmente cumplidas" y las 20 restantes "no cumplidas", según consta en el informe que obtuvo LA NACION. Pero tras el debate, el plenario bajó la calificación en la "recomendación N° 10", que aborda la "guarda de documentación". Pasó de "mayormente cumplida" a sólo "parcialmente cumplida".

"La Argentina quedó ahora como el país con peores calificaciones entre todos los miembros del GAFI", destacó el ex coordinador nacional, Juan Félix Marteau. "Esta es otra oportunidad perdida porque durante la gestión de Néstor Kirchner se había fijado una «agenda nacional» que ahora le reclaman al país. Se tiraron por la borda dos años", lamentó.

CONSECUENCIAS
* Revisión . El Grupo de Acción Financiera Internacional (GAFI) le dio un ultimátum a la Argentina para que en 100 días demuestre su voluntad en la lucha contra el lavado de dinero.

* Proceso . El Gobierno tendrá hasta febrero para encuadrarse en las recomendaciones del organismo internacional. En caso de no cumplir, podría ser considerado un país de riesgo.

* Qué es GAFI . Es un organismo intergubernamental establecido en 1989 por el G-7 (las naciones más poderosas en términos económicos). Su propósito es el desarrollo y la promoción de políticas, en los niveles nacional e internacional, para combatir el lavado de dinero y el financiamiento del terrorismo. La sede del organismo está en París, donde se conoció ayer la advertencia sobre la Argentina.

EN NUMEROS:
49: Recomendaciones deben cumplir los países del GAFI.
42: Son las que incumplió, total o parcialmente, la Argentina.

Interrupcao eleitoral (17): O Manifesto da desonestidade intelectual - Guilherme Fiuza

Eu retiraria o "intelectual": acho que não cabe tal adjetivo para uma assemblagem de militantes de uma causa que tem tudo de política, exclusivamente política, e da mais baixa extração.
Intelectual tem a ver com coisas do espírito, com o uso da capacidade de pensar, de argumentar racionalmente, de guiar-se pela lógica, pela verdade dos fatos.
Tudo isso está em total contradição com o que ocorreu no Rio de Janeiro, nesse encontro patético, se não fosse simplesmente ridículo.
Paulo Roberto de Almeida

O Manifesto da desonestidade intelectual
Guilherme Fiuza
revista Época, 22.10.2010

A burguesia culpada ataca novamente. O manifesto de intelectuais a favor da candidatura Dilma – aquele que incluiu a assinatura do diretor de Tropa de elitecontra a vontade dele – resume o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o país está dividido entre ricos e pobres, conforme a mitologia criada por Lula desde seu primeiro discurso presidencial. Faz de conta que os avanços sociais vão acabar se a oposição vencer. Faz de conta que a vida do povo melhorou porque Lula é pobre.

A elite envergonhada se sente nobre quando bajula o povão. Não contem para ninguém que os avanços sociais começaram no governo de um sociólogo, porque isso vai estragar todo o heroísmo da esquerda festiva. Ela estava feliz em sua jornada nostálgica no Teatro Casa Grande, onde aconteciam as históricas reuniões de resistência à ditadura. Não perturbem Chico Buarque, Leonardo Boff e demais artífices do manifesto dos intelectuais em seu doce sonho de altruísmo. Deixem-nos curtir seu abraço metafórico ao operariado.

O único problema desse abraço é a metáfora em si. Ela se chama Dilma Rousseff e está prestes a virar abóbora. A fada que a transformou em encarnação da esperança popular deve estar exausta. O encanto começa a se dissipar, e a donzela começa a rosnar mensagens constrangedoras, com o rosto novamente crispado, masculinizado, hostil. A mamãe dos brasileiros está se desmanchando ao vivo. Os intelectuais e artistas de esquerda precisam fazer alguma coisa, porque o estoque de licenças poéticas do plano Dilma está no fim. Talvez pudessem importar um lote novo da Venezuela.

Após sua participação no debate presidencial da TV Bandeirantes, Dilma foi entrevistada ao vivo, ainda no estúdio. O repórter perguntou-lhe o que ela quis dizer com a acusação de que seu adversário pretende privatizar o pré-sal. Dilma mostrou então todo o seu preparo como candidata a Vanusa. Seu raciocínio saltou das profundezas oceânicas para os hospitais públicos, emendando num salto espetacular para as salas de aula do Brasil carente. Com os olhos vagando pelo nada, talvez em busca do sentido da vida, Dilma começava a dissertar sobre segurança pública quando foi salva pelo repórter da Band. Ele livrou-a de seu próprio labirinto mental da única forma possível: encerrou a entrevista.

Como nem tudo na vida é propaganda eleitoral gratuita, a musa dos intelectuais de esquerda logo apareceria de novo sem as fadas do marketing. Dessa vez, cercada por microfones, explicou que o maior acesso da população aos telefones nada tinha a ver com a privatização da telefonia. “O pobre passou a ter telefone porque passou a ter renda. Não por causa da privatização”, afirmou, categórica.

A elite envergonhada se sente nobre quando bajula o povão, num doce sonho de altruísmo

O eleitor não deve se zangar só porque a afirmação contraria a história. O fato de que a abertura da telefonia ao capital privado melhorou a vida do povo precisa mesmo ser esquecido. Para piorar, isso aconteceu no governo do sociólogo, ou seja, destoa completamente da apoteose operária que está levando o Brasil ao paraíso. Não vamos estragar o enredo. Até porque, se o aumento da felicidade per capita não puder ser atribuído à bondade estatal de Lula e Dilma, como os intelectuais progressistas vão fazer para se reunir no Teatro Casa Grande, lançar manifestos e se sentir importantes? Sinceridade tem limite.

Vamos deixar isso tudo combinado, antes que o encanto acabe. Os planos do PT para controlar a informação não existem. É pura invenção da imprensa burguesa, que não quer a ascensão popular, como alerta o manifesto dos intelectuais. O povo está com Dilma, e portanto a verdade também. O resto é despeito dessa elite egoísta que não gosta de pobre.

O diretor José Padilha mandou tirar seu nome do manifesto. No mínimo, deve ser um privatista. Mas aqui é a terra do filho do Brasil. Privatização, só na Casa Civil. Rumo ao Oscar.

Mapas historicos, na ponta do mouse...

Para quem, como eu, gosta de mapas antigos, este é um dos sites (o outro é, obviamente o da Library of Congress):

Biblioteca Digital de Cartografia Histórica da USP

A Biblioteca Digital de Cartografia Histórica reúne a coleção de mapas impressos do antigo Banco Santos - atualmente sob custodia do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), conforme determinação da Justiça Federal. Além de disponibilizar os mapas em alta resolução, o site oferece informações cartobibliográficas, biográficas, dados de natureza técnica e editorial; assim como verbetes explicativos que procuram contextualizar o processo de produção, circulação e apropriação das imagens cartográficas.

A concepção da Biblioteca Digital foi desenvolvida pela equipe do Laboratório de Estudos de Cartografia Histórica (LECH), da Cátedra Jaime Cortesão, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP), e executada pelo Centro de Informática de São Carlos (CISC/USP), com o apoio da FAPESP (Projeto Temático Dimensões do Império Português). A equipe do IEB realizou a digitalização dos mapas, sendo também responsável pela conservação dos mesmos.

Noticias do capitalismo americano...

Para quem acha que o Estado burguês salva todo e qualquer capitalista de derrocadas eventuais:

From the Editors of American Banker
Seven Banks Fail, Bringing Failures for Year to 139

Tally is just one away from final 2009 count
Seven banks failed Friday, bringing the total number of failures this year to within one of the number of failures in all of 2009.
So far 139 banks have failed in 2010. Friday's failures are expected to cost the deposit insurance fund a collective $478 million.

E ja que estamos falando do "elemento", seus dez piores momentos - Ordem Livre

Claro: são apenas dez de maneira a fazer um número redondo, pois uma pesquisa rápida nos arquivos da imprensa, em oito anos de logorréia irreprimível, revelaria muito mais do que dez piores momentos; provavelmente mais de cem momentos deploráveis, de envergonhar qualquer cidadão com dois neurônios no cérebro, o cérebro no crâneo, e este posto numa cabeça normalmente constituída em cima dos ombros...
Só eu sou capaz de lembrar de vinte outros momentos lamentáveis para o pudor nacional. Acredito que cada um dos meus leitores também teria registro de algumas frases (des)memoráveis...
O "nunca antes", nunca antes se aplicou tão bem a um personagem...
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Ver no link as ilustrações pertinentes.

Os 10 piores momentos de Lula
Ordem Livre, 21 de Outubro de 2010

O governo Lula não foi a sovietização do Brasil como temiam os pessimistas de direita. Tampouco transformou o país no jardim do éden que vislumbram os otimistas de esquerda. Foi um governo que, de acordo com a visão liberal, se enquadrou no padrão de políticos à procura da maximização do seu poder, combinando a distribuição de privilégios para grupos de interesse, corrupção para os aliados, empregos para os amigos, moderação macroeconômica para inglês ver, e acenos ideológicos para as tradicionais bases petistas.

Desse emaranhado, destacamos 10 momentos em que Lula abusou da presidência para golpear (ao menos verbalmente) os valores da democracia liberal.

Confiram abaixo os 10 piores momentos do presidente Lula:

10 – Larry Rohter
Ninguém pode dizer que tomei uma decisão de governo porque bebi ou não bebi”. (13/05/2004)

Viver sob o estado de direito significa ter a certeza de que você não será vítima das arbitrariedades do poder político. Larry Rohter descobriu logo que estava vivendo na verdade sob o estado do direito de ser manso ou ficar quieto. Quando sugeriu que o presidente abusava de uma branquinha, Rohter correu o risco de ser deportado.
Foi um momento grave para um líder e seus auxiliares que, embebidos nos milhões de votos conquistados em 2002, ainda se familiarizavam com o poder (exagerado) do Executivo.
Diferentemente do que fizeram com os parlamentares que discordavam da direção do partido, como os que votaram pela eleição de Tancredo Neves, pelo menos dessa vez, o PT não conseguiu usar uma expulsão para calar vozes dissonantes.

9 – Conselho Federal de Jornalismo

Vocês são um bando de covardes mesmo, hein? Vocês não tiveram coragem de defender o Conselho Nacional de Jornalista”. (06/08/2004)

Planejado para “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício do jornalismo, o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) proposto pelo governo regulamentaria uma profissão da qual a plena e irrestrita liberdade deve ser a base.
Por mais que se esconda atrás de eufemismos, a proposta do governo traria apenas consequências indesejadas para aqueles que prezam pela democracia e a liberdade de expressão.
A orientação, ficalização e a disciplinamento de uma ação que anteriormente era realizada livremente só poderá resultar na limitação dos agentes. No caso do jornalismo, em coerção e censura.

8 – Cuba

Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos Direitos Humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”. (10/03/2010)

As pessoas tendem a acreditar que aprendemos a partir de nossas experiências. Lula foi perseguido e preso por uma ditadura, mas parece não ter aprendido que a liberdade é um valor que não deve ser relativizado. O Brasil costuma manter silêncio sobre violações de liberdades e direitos humanos em outros países. Quando o presidente Lula quebra esse silêncio, em vez de condenar moralmente as atividades da ditadura castrista, prefere justificá-las.
A comparação entre a prisão de dissidentes do regime assassino de Cuba e presos comuns em São Paulo não é apenas um desastre cognitivo. Não é praxe diplomática. É condescendência às violações das liberdades individuais na ilha da família Castro.

7- Hugo Chávez

Eu não sei se a América Latina teve um presidente com as experiências democráticas colocadas em prática na Venezuela”. (30/09/2005)

É certo que Lula não se referia à tentativa de golpe militar orquestrado por Chávez em 1992, contra o presidente Carlos Andrés Pérez, como sendo uma experiência democrática do coronel venezuelano. Lula também não se referia à constante repressão – com uso da força – às manifestações oposicionistas ou ao fechamento de estações de rádio e televisão menos simpáticas ao governo socialista de Chávez.
Talvez Lula tenha se referido às repetidas reeleições e referendos vencidos por Chávez. No entanto, esse argumento dificilmente se sustentaria em um sistema baseado no estado de direito, fundamentado numa constituição democrática e em um processo eleitoral de regras claras.
Chávez e seu governo manipulam os distritos eleitorais para garantir a seu partido a maioria na Assembléia Nacional venezuelana mesmo sem obter a maioria dos votos nacionais. Reescrevem a constituição para que as regras do jogo eleitoral estejam em seu favor e permitam a reeleição sem limite de mandatos. A intolerância chavista à dissidência e à contestação jamais garantirão a Chávez uma vaga no clube da democracia nem mesmo nessa fábrica de ditadores que é a América Latina.

6- Eleições no Irã

Eu não conheço ninguém, além da oposição, que tenha discordado da eleição no Irã. Não tem número, não tem prova. Por enquanto, é apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos”. (16/06/2009)

O mundo reagiu às acusações de fraudes iranianas com indignação revolucionária. Governos exigiram recontagem dos votos, estrangeiros ofereceram solidariedade para com os dissidentes. O impacto foi tanto que, por alguns dias, estávamos todos fixados no que acontecia no Irã, e #iranelection estava fixado no topo dos Trending Topics do Twitter.
A repressão venceu a ousadia. O governo bloqueou a conectividade dos cidadãos erguendo uma firewall maior que a chinesa. Atirou nos manifestantes. Em meio a tudo isso, o presidente Lula tratou essa série de assassinatos e repressão política com a naturalidade de quem acompanha uma série de TV ou um jogo de futebol (em que seu time não está jogando, diga-se).

5- Crise Financeira

O que aconteceu com o famoso mercado onipotente? Quando o mercado teve uma dor de barriga, (…) quem é que eles chamaram para salva-lo? O Estado que eles negaram durante 20 anos”. (04/12/2008)

Nenhuma economia atual é totalmente livre nem totalmente estatizada. Impera em todos os países do mundo o intervencionismo, uma mistura de estado e mercado na economia. No entanto, sempre que o intervencionismo entra em crise, a culpa cai sobre o mercado. Ao Estado só cabe o papel de salvador da pátria. Quando defende essa dicotomia falsa, o presidente Lula colabora para que o desenvolvimento econômico brasileiro continue engatinhando. A evidência é clara: quanto mais estado, menor crescimento econômico.
A grande recessão de 2008 foi resultado de bancos centrais do mundo inteiro adotando políticas de crédito barato, o que descola o investimento privado da poupança real, e leva investidores a financiar projetos que só existem por causa dos juros artificiais do governo. Isso quando o governo não favorece certos projetos deliberadamente, como as políticas imobiliárias americanas.
O livre mercado, por definição, nega a intervenção do estado. Mas quem foi que disse que o mercado brasileiro quer ser livre? Pelo contrário, o Brasil tem uma tradição de chocadeira protecionista. As empresas escolhidas pelo governo são amamentadas com o crédito do BNDES, protegidas da competição externa por meio de tarifas e da interna por políticas de antitruste. Se enfraquecerem, levam uma injeção de subsídio e se quebrarem suas dívidas serão relativizadas. Em seus momentos de recaída, Lula dispara brados socialistas que, se levados a sério, só serviriam para aumentar o número de brasileiros dependentes do bolsa-família.

4- Zelaya

A comunidade internacional exige que José Manuel Zelaya reassuma imediatamente a presidência de seu país e deve estar atenta à inviolabilidade da missão diplomática brasileira na capital hondurenha”.(29/09/2009)

Por alguns meses Honduras esteve a beira de um colapso institucional. Se dependesse exclusivamente dele, Lula daria o empurrão. Manuel Zelaya estava seguindo o business plan chavista para a anexação de Honduras ao projeto bolivariano quando foi condenado pela suprema corte hondurenha. Pode-se discordar sobre a legalidade de sua deportação. Mas a deposição de um presidente que quisesse alterar a constituição para se manter no poder estava prevista na constituição.
De qualquer maneira, o governo brasileiro, que supostamente preza pela não-intervenção, fez mais do que qualquer outro para determinar o destino do povo hondurenho. Ao aceitar que a embaixada brasileira hospedasse Zelaya, e ao se manifestar veementemente contra novas eleições, Lula advogou a restauração de um presidente que tentou, ele próprio, um golpe contra a constituição de seu próprio país.

3- O ataque à imprensa

Enquanto a classe política não perder o medo da imprensa, a gente não vai ter liberdade de imprensa neste País. A covardia é muito grande”. (18/10/2010)

Quando a imprensa perde o medo do governo há liberdade. Quando o governo perde o medo da imprensa há tirania. Lula atacou diversas vezes os meios de comunicação brasileiro por faltarem com o sagrado dever de serem simpáticos ao governo.
Em retaliação, jornais e revistas de grande circulação atacaram de volta ao presidente. Seria uma briga interessante de acompanhar se não tivesse uma assimetria cruel: os jornalistas contam com a força das palavras e os políticos contam com a força da lei.
Em um momento em que o Brasil se desvencilha de uma lei de imprensa caquética, toda a atenção deve ser mantida contra novas tentativas de reconstruir a censura por meio de eufemismos como “controle social” e “democratização da mídia”.

2- Mensalão

Isso me cheira a folclore dentro do Congresso Nacional”. (07/11/2005)

O Supremo Tribunal Federal discordou da afirmação do presidente, e indiciou mais de 40 pessoas. Quase toda a cúpula do PT caiu, num estrago que culminou na cassação do ex-presidente do partido e então ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu.
O escândalo atingiu toda a base do governo, do PT ao PR, passando pelo PTB e o PMDB. Atingiu também publicitários, banqueiros e empresários.
O governo reagiu e a declaração do presidente reflete uma das estratégias utilizadas pelo PT e seus aliados para negar a existência do esquema de corrupção. No fim, se agarraram a tese de que ao invés se serem utilizados para a compra de votos dos parlamentares, os fundos seriam apenas recursos de campanha não contabilizados, ou o não menos ilegal, Caixa 2.

1- PNDH-3

Eu estava dizendo: a gente sofreria menos, se a gente transformasse os nossos companheiros em heróis, não apenas em perseguidos, mas em heróis. (…) O Franklin Martins participou do sequestro de um embaixador americano exatamente para que a gente tivesse mais liberdade.” (21/12/2009)

Nenhuma legislação recente ameaçou as liberdades e direitos individuais dos brasileiros com a ousadia do Plano Nacional de Direitos Humanos – 3, assinado pelo presidente Lula. Seu mecanismo de inversão não se limitava a tratar criminosos socialistas como heróis democráticos: essencialmente qualificava uma série de abusos contra a humanidade como direitos humanos.
Suas 25 diretrizes incluíam o controle político da imprensa, a adoção de uma cartilha ideológica para as escolas, a criação de um “júri comunitário” destinado a decidir sobre direitos de propriedade nas cidades e no campo, a unificação das forças policiais sob uma coordenação nacional, a restatização de empresas privatizadas e a instituição de referendos que abririam as comportas para que mais insanidades autoritárias pudessem passar.
Felizmente, o PNDH-3 não passou, e o legado de Lula ficou livre deste germe totalitário no miolo democracia brasileira. Mas o sistema imunológico nacional ainda não foi vacinado das tentações autoritárias que representam o PNDH-3. Vigiar e resistir ainda é necessário.

Bonus round:
Balas paulistinha

Eu achava que a gente não deveria judiar do próprio corpo para contestar, sabe, a nossa prisão. Mas aí a maioria deliberou fazer greve de fome, vamos fazer greve de fome. Eu tinha um monte de bala Paulistinha, e eu escondi embaixo do travesseiro, na expectativa de que eu pudesse de noite chupar uma balinha… E ai o meu companheiro Djalma de Souza Bom descobriu e deu descarga nas minhas balas todas e eu fiquei sem bala.”

Circunferência da Terra
Essa questão do clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo. Se o mundo fosse quadrado, sabe, ou retangular, e se a gente soubesse que nosso território está a 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores… ótimo… vai ficar só lá, sabe? Mas como o mundo gira e a gente também passa lá embaixo onde tá mais poluído, a responsabilidade é de todos…

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Bonus PRA:
Na mesma ocasião em que o "elemento" ficou preso, e burlou a "greve da fome" montada politicamente, e contornada fraudulentamente, o personagem em questão tentou abusar de um jovem, detido em outras circunstâncias, mas infelizmente (para ele) encarcerado com "harassers" decididos, o que não se sabe bem como terminou. Existem declarações a respeito, em tom jocoso, do próprio personagem principal, o que é revelador de seu caráter. Haja estômago...

Interrupcao eleitoral (16): "MacunaiLula", um chefe de faccao sem nenhum carater...

Quanto ao caráter do "elemento", não sou eu quem diz, é o Estadão, que aliás chegou tarde a essa conclusão...
Quanto à paráfrase à la Mário de Andrade, bem, ela pode ser debitada a mim mesmo (com muito gosto, aliás...)
Paulo Roberto de Almeida

Uma questão de caráter
Editorial - O Estado de S.Paulo
22 de outubro de 2010

Na reta final do segundo turno da eleição presidencial a baixaria se generaliza. É impossível determinar até que ponto o lamentável rebaixamento do nível do que deveria ser um debate político esclarecedor deve-se à ação direta dos comandos das campanhas.

Certamente, boa parte dessa guerra suja pode ser debitada à iniciativa irresponsável de militantes extremamente agressivos, de ambos os lados, que, principalmente pela internet, lançam mão das mais torpes mentiras para atacar os adversários. Mas há também o horário gratuito na mídia eletrônica, que nos últimos dias vem sendo usado cada vez mais para veicular ataques e acusações. E assim, tudo considerado, não há como eximir de culpa os responsáveis pela condução das campanhas. É tudo muito lamentável e a constatação a que se acaba chegando, com benevolência, é a de que este é, infelizmente, o tributo que se paga à imaturidade política e à fragilidade dos valores democráticos da sociedade brasileira - problemas que muitos julgavam já superados. Somos, portanto, todos responsáveis.

A responsabilidade, porém, deve ser atribuída com peso proporcional à importância de cada um dos atores da cena política. E é aí que assoma o triste papel que vem desempenhando - na verdade, desde sempre - o presidente da República. Lula, que é, reconhecidamente, quem dá o tom da campanha da candidata do PT, não hesita em partir para a agressão sempre que se vê contrariado. E não mede palavras quando parte para o ataque. Nada mais natural, portanto, que seu exemplo de agressividade seja seguido pelos militantes petistas. Até com agressão física, como a que ocorreu em Campo Grande, no Rio de Janeiro, contra o candidato tucano José Serra.

Depois do susto do primeiro turno, o homem que se considera o inventor do Brasil resolveu partir para o tudo ou nada contra aqueles que elegeu como seus principais inimigos: a oposição e a imprensa. Na verdade, ele gosta de achar que uma e outra são a mesma coisa, mas isso faz parte da tática de confundir para dominar.

Na entrega dos prêmios "As empresas mais admiradas do Brasil", ao qual compareceu a convite da revista semanal promotora do evento, Lula pontificou: "Enquanto a classe política não perder o medo da imprensa, a gente não vai ter liberdade de imprensa neste país. A covardia é muito grande." Pouco lisonjeiro para a "classe política", certamente. Mas qual será o significado real dessa exortação? Mais uma ameaça à imprensa que não lhe rende loas? De fato, Lula tem uma visão muito peculiar de qual deva ser o papel dos veículos de comunicação. Foto e exaltação a Dilma Rousseff na capa do jornal da CUT pode. Crítica ao PT na capa da revista Veja é "acinte à democracia e uma hipocrisia". A indignação do presidente parece resultar de que boa parte dos jornais, revistas, rádios e televisões se nega a atender ao pouco que ele pede: "A única coisa que quero que digam é a verdade. Sejam contra ou a favor, mas digam a verdade." Mas, quando cada um tem a sua própria verdade, Lula quer que fiquemos sempre com a dele.

Por exemplo, em comício realizado dias atrás em Goiânia, ao lado de sua escolhida para governar o Brasil, Lula ensinou: "Política a gente não pode fazer com ódio, com agressão. Ninguém aguenta mentira. Não tem nada pior do que um político mau caráter, alguém que não colocou um trilho na ferrovia dizer que ele fez a ferrovia", disse, referindo-se ao candidato ao governo de Goiás Marconi Perillo.

Claro que não se dá conta de que, partindo para a xingação pura e simples, está liberando os seus "balilas" do Rio de Janeiro para a agressão física. Em caso algum se pode admitir que um presidente da República insulte adversários políticos do alto de um palanque eleitoral. No caso de Lula, porém, a coisa é mais grave, considerando-se que se cercando das companhias de que se cercou para constituir maioria no Congresso, que autoridade moral tem para acusar alguém de mau-caratismo?

Como cidadão, Luiz Inácio Lula da Silva tem o direito de tomar partido no processo de sua sucessão - até inventando, como fez, a candidata. Como presidente, tem o dever de se comportar com a dignidade e a moderação que seu cargo exige. Não faz isso, por uma questão de caráter.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Segunda carta aos leitores do blog Diplomatizzando

Segunda carta aos leitores do blog Diplomatizzando
Paulo Roberto de Almeida
(Kyoto, 22.10.2010)

Aproximadamente um mês atrás, elaborei uma “carta” aos seguidores e leitores deste blog Diplomatizzando, “conversando” um pouco sobre o espírito do blog, seus objetivos e as responsabilidades e princípios deste autor (ver neste link). A ocasião tinha sido dada pela ultrapassagem da marca de 200 seguidores, o que me motivou a iniciar um diálogo com os leitores e comentaristas, ciente de que algo eu devia (e devo) a tantos curiosos e interessados num simples trabalho de compilação de matérias diversas sobre temas internacionalistas e algumas observações minhas sobre os temas focados nesses postos um tanto anárquicos.
O que eu lhes devo, exatamente? Talvez nada de muito específico, pois imagino que as motivações desses leitores e visitantes ocasionais possam ser muito diversificadas, embora os temas sejam situados num mesmo universo de temas internacionais e de política externa do Brasil. Suponho também que a maior parte dos visitantes e seguidores seja composta de interessados na carreira diplomática, e reconheço que o blog não tem se dedicado muito aos aspectos “didáticos”, digamos assim, da preparação para o concurso de ingresso na carreira. Mas tento permanecer no âmbito mais vasto da cultura geral que, de certa forma, integra uma formação humanista de maior escopo intelectual, essencial na vida de todo diplomata.
Desta vez não tenho um tema específico a discutir – embora não me faltem assuntos, a começar pela conjuntura eleitoral – mas desejo refletir um pouco do que recebi de um ou dois leitores novos, isto é, pessoas não habituadas a frequentar o blog, mas que o descobriram e resolveram partilhar comigo suas primeiras impressões. Transcrevo em primeiro lugar mensagem da Rayane Siqueira, que me escreveu o seguinte:

On Oct 21, 2010, at 10:47 AM, Ray Siqueira wrote:
Boa Noite,
Há alguns dias soube da existência do seu blog Diplomatizzando, o que me ocorreu num momento bastante oportuno, afinal essa eleição é a primeira da qual participo, e estava, e ainda estou, ávida por informações fidedignas sobre o que realmente acontece no Brasil - e no mundo. Apesar de ainda não ser obrigada a votar, creio que esse é um dever que não posso prevaricar. Nunca quis ser aquele tipo de eleitor alienado, aquele que, na verdade, não tem a mínima noção do que realmente está acontecendo, um mero "papagaio de televisão". Entretanto, a dificuldade de se obter informações não-manipuladas ou não-simplistas é incrível. Foi nesse contexto que tomei conhecimento do seu blog. Inicialmente, fui atraída devido às minhas aspirações à diplomacia. Hoje, o seu blog se tornou minha fonte de informação sobre o Brasil, em todos os âmbitos. Fiquei abismada com a quantidade de ideias errôneas , baseadas no senso comum, que me foram passadas ao longo dos meus 17 anos. Impressionou-me também como, em poucos dias, o meu conhecimento e o meu senso crítico aumentaram, claro que ainda estou muito longe do que almejo, mas foi um começo espetacular. Por isso, gostaria de vir agradecer ao senhor por desprender, todos os dias, um tempo para compartilhar seu conhecimento, pelo menos uma parte dele, que é importantíssimo para mim e ,ouso afirmar com convicção, para muitas pessoas. Tenho certeza de que o senhor já ouviu, ou leu, nesse caso, diversas e diversas vezes essas mesmas palavras. Mesmo assim eu precisava agradecer
.”

A Rayane se refere em seguida a um jogo eletrônico que encontrou navegando por site identificados (e provavelmente a serviço) da candidata oficial, cujo objetivo, descreve ela, “é chegar ao Palácio do Planalto , recolhendo estrelinhas do PT e urnas eletrônicas, fugindo dos tucanos e dos Serras (que parecem uns zumbis cabeçudos)”, sendo que o “ataque especial”, algo do tipo como uma “arma secreta”, é o presidente Lula (eu até diria que é a única “arma” de que dispõe a candidata, pois não lhe conheço outros méritos ao se apresentar aos eleitores, senão como “criatura eleitoral” desse que passa por ser presidente).
Não vou fazer, nem ela pretende que se faça, propaganda em torno desse joguinho emblemático do fundamentalismo sectário que vigora nesses meios, mas a Rayane revela sua “indignação”. Permito-me, a esse respeito, apenas repetir suas palavras em relação ao “jogo”: “Creio que, ‘nunca antes na história desse país’, foi lançado algo tão sórdido”, na categoria dos “artifícios usados em propaganda eleitoral”.

Finalmente, a Rayane termina assim sua mensagem:
Enfim, não sei se o senhor terá tempo de ler meu e-mail, compreendo perfeitamente caso não puder, mas se ler, saiba que é de um valor imensurável para mim. Sempre admirei pessoas inteligentes e mais ainda as sábias, considero que ambas as qualidades se apliquem ao senhor. Tenho profundo respeito pela sua pessoa e pelo seu trabalho, espero um dia ingressar na mesma carreira. Mais uma vez, muito obrigada.
Atenciosamente,
Rayane Siqueira
.”

Escrevi a ela para agradecer, mas no mesmo momento entrava nova mensagem de um leitor, do Ceará, que escreveu-me em separado para agradecer algum material que correspondeu às suas expectativas:
Mais uma vez, comunico-me com o senhor, desta vez, para agradecer o post, sobre privatizações e política econômica do FHC,o qual havia pedido anteriormente,não sei se foi intencional, mas muito obrigado.
E tornar conhecido ao senhor, o meu agradecimento por todos os posts, os quais são de extrema serventia, a mim e diversas outras pessoas, que buscam entendimento. Já passei o endereço do seu blog à varias pessoas, que buscam ,como eu, informações críveis a respeito da real atualidade brasileira.
E digo, de forma pessoal, que estou inclinado a prestar vestibular para economia e não mais para direito, após diversas leituras em seus blogs. Sempre tive a intenção de fazer ambos, porém os nosso amados governantes me ‘proibiram’ de fazer duas universidades públicas, pois ,assim, estaria tirando a vaga de outras pessoas, o que é ridículo.
Bastante agradecido


Tenho tido várias mensagens desse gênero, mas não gostaria de transformar esta oportunidade de diálogo em uma janela para o narcisismo bloguístico, ou qualquer outro.
Numa próxima carta vou retomar de maneira mais substantiva, comentando sobre o sentido da produção em função das necessidades dos leitores.
O abraço do

Paulo Roberto de Almeida (Kyoto, 22.10.2010)

Contando visitas, paginas vistas, volumetria, apenas

Toda sexta-feira, um serviço contratado gratuitamente comparece na minha caixa de entrada para informar sobre as visitas e páginas vistas neste blog. Nem tenho a quem agradecer, apenas registro, apago, e sigo adiante.
Um último balanço que eu havia feito, creio ter sido por ocasião das primeiras 120.000 visitas em sete ou oito meses, não tenho certeza, e ao ter constatado a marca de 200 seguidores do blog.
Permito-me novamente registrar o último relatório recebido, nesta sexta-feira 22 de outubro.

Diplomatizzando

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Vale algum comentário, talvez...

Interrupcao eleitoral (15): temos um "elemento" na presidencia...

O termo "elemento" afigura-se, provavelmente, insultuoso, mas é como o próprio dito cujo parece considerar seus adversários políticos, que ele vê como inimigos pessoais, como obstáculos a seu projeto de poder e que teriam de ser eliminados de uma forma ou de outra.
Nunca antes neste país tivemos alguém que nos envergonhasse tanto no exercício do mais alto cargo disto que deveria ser uma república, mas que está se transformando num mero território de mafiosos...
Limito-me a transcrever, e a agregar alguns negritos aqui e ali.
Ainda vou escrever a respeito. Sem comentários...
Paulo Roberto de Almeida

Perda de parâmetros. Ou: Este colunista dá uma ordem a Lula em nome da Constituição de que ambos somos súditos
Reinaldo Azevedo, 22.10.2010

Há uma perda generalizada de parâmetros, de referência, de noção do certo e do errado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com seu cesarismo tosco, com sua rusticidade estudada e cínica, com sua violência retórica muito além do que seria cabível a um chefe de governo, reduz a política a um confronto de gangues de rua, e vença aquele que conseguir eliminar o inimigo! Ao fim de seus oito anos de mandato, ao contrário do que dizem os áulicos e os candidatos a tanto, o jogo político de tornou menos civilizado, o estado está mais partidarizado, as instituições obedecem menos ao que prescreve a letra da lei e mais ao que determinam as injunções dos grupos de pressão.

É verdade a máxima de que o poder tende a corromper o caráter das pessoas e dos partidos. E a democracia é mesmo um sistema imperfeito, daí que o zelo para preservá-lo tenha de ser permanente; daí que o esforço para corrigir seus defeitos tenha de ser contínuo. Há instrumentos para impedir que o sistema democrático se desvie de seu curso, e — atenção! — a eleição, com a possibilidade de alternância de poder, é um deles. Alternância que pode não acontecer se o povo assim decidir — mas forçoso é que todos os contendores sigam as regras do jogo. E Lula não as segue. Utiliza as prerrogativas de chefe de governo e chefe de estado, que conquistou nas urnas, para se comportar como o chefe de uma facção e, no que concerne aos lamentáveis episódios do Rio, chefe de um bando.

É forçoso lembrar que a entrevista destrambelhada, desrespeitosa, em que aviltou José Serra — nada menos do que o candidato da oposição à Presidência, com possibilidade mesmo de se eleger presidente — foi concedida na condição de presidente da República, não de simples militante partidário. E que se note: jamais um chefe da nação será apenas o membro de um partido. Mas Lula já não quer ser nem mesmo um hipócrita decoroso. Esta certo de que não mais é mais necessário representar o papel que constitucionalmente lhe cabe — e que ele despreza: o de grande magistrado da nação.

Sim, um presidente, em última instância, é o grande árbitro da nação, e dele se espera que seja equânime, mesmo quando seus adversários políticos representam um dos lados da contenda; afinal, ele é presidente também daqueles que não votaram nele e que lutam, de acordo com as regras, para sucedê-lo — e não para substituí-lo.

Mas quê!!! Esse é o entendimento, com efeito, que os democratas têm do regime. Lula, em que pese a sua falta de preparo teórico e vínculo intelectual mais profundo com a esquerda, ganhou corpo numa outra cultura política. Por mais que seu governo seja, evidentemente, o de um país capitalista, ordenado segundo as leis do mercado, sua visão de mundo é herdeira do socialismo, da crença de que um partido detém o espírito e a forma do futuro, de que afrontá-lo consiste numa regressão do processo histórico — e não é só por malandragem publicitária que ameaçam o eleitorado com o retrocesso se o adversário vencer a disputa. Essa convicção autoritária se deixou temperar por todas as benesses e facilidades do poder, de sorte que, hoje, já não se distinguem o assaltante dos cofres públicos do grupo de assalto à democracia. Eles se misturaram; formam uma coisa só.

A entrevista em que Lula acusa Serra de mentir foi desmoralizada pelos fatos. Já sabemos disso. Mas quero chamar a atenção de vocês para a linguagem empregada pelo presidente, para os temos a que recorre para se referir ao candidato da oposição: “esse cidadão” e “esse homem” — já havia antes se referido a Geraldo Alckmin como “esse sujeito”. As pessoas perdem o nome, tornam-se um todo anônimo que tem de ser esmagado. Mais um pouco, diria “esse elemento”. Não expressou uma só palavra de censura à ação de seus correligionários, de sua tropa de assalto, nada! Lula fazia, assim, do agressor a vítima e da vítima o agressor, recorrendo à metáfora futebolística a que reduz todos os conflitos, internos ou externos.

Mas não está só - A imprensa áulica
Mas não é só ele que perdeu os parâmetros — ou que faz questão de não tê-los por método e escolha consciente. Amplos setores da imprensa hoje o seguem nesse desvario: os comprados porque comprados, e isso os define; os tocados pela ideologia porque supõem que, de algum modo, estariam mesmo em confronto duas visões de mundo: uma mais “progressista”, o PT, e outra mais “conservadora”, o PSDB, clivagem que não resistiria a um exame raso dos fatos. Qualquer pessoa intelectualmente honesta seria obrigada a admitir que, em muitos aspectos, o candidato tucano está à esquerda do ajuntamento que Dilma Rousseff representa hoje.

E, nesse ponto, um caçador de contradições inexistentes tenderia a me indagar, tentando alguma ironia: “Mas, então, você deveria se entusiasmar com Dilma”. Tolice! A questão, como tenho escrito aqui tantas vezes, diz respeito à DEMOCRACIA. Da velha esquerda, o PT conserva um valor intocado: o ódio ao regime democrático — e o esforço consecutivo para solapá-lo, agora pela via legal. Afinal, eu sou aquele que sempre desconfiou do caráter desses caras, mas que nunca disse que eles são burros.

A tacanhice ideológica é um mal, no mais das vezes, incurável. Quem faz as suas escolhas pensando não na preservação dos valores da democracia, consubstanciados nas leis e nas instituições, mas no “avanço da luta dos oprimidos” está pronto, a qualquer momento, para conceder com a transgressão institucional se considerar que a tal “justiça das ruas” está sendo feita. E a nossa imprensa está coalhada dessa boçalidade. Há mais esquerdistas na Folha, no Estadão, no Globo, na Globo e na VEJA do que no PT, que sabe instrumentalizar a favor da consolidação do seu poder esse pendor juvenil (não importa a idade do coroa…) para essa noção muito particular de justiça que abastarda as leis. Curiosamente, essa cultura antiestablishment é, hoje, expressão de um arraigado governismo porque, afinal de contas, na comparação, o PT estaria mais próximo dos idéias de justiça social. Dados empíricos podem comprovar o contrário. Mas e daí? Esse é um mal permanente, sem cura.

E não é o mal maior. O governo Lula conseguiu, como nunca antes na história destepaiz, comprar veículos inteiros — jornais, portais, revistas —, de porteira fechada, com todas as alimárias que lá iam. Assiste-se a um verdadeiro show de horrores. O objetivo não é mais a notícia, o fato, tenha-se dele a leitura que for, mas a fofoca, a difamação, a versão que interessa ao partido, a luta política. E o fazem, naturalmente, sem admitir a escolha política. O caso da agressão sofrida por Serra evidenciou com clareza esse desastre moral: mesmo depois de comprovado que o episódio não se resumia a uma “bolinha de papel”, insistia-se na hipótese delinqüente. Houve até quem chamasse a reportagem de “a versão do Jornal Nacional”, como se, no caso, pudesse haver duas verdades.

É compreensível que alguém indague: “Quem é você para falar?” Como escrevi no post em que anunciei que este blog caminha para 5 milhões de páginas visitadas neste mês de outubro, eu tenho lado — expus os valores desse lado. MAS NÃO PRECISO DA MENTIRA PARA DEFENDÊ-LOS, NÃO! Mais ainda: jamais chamei de “notícia” as minhas opiniões. Rejeito a trapaça. Por isso tantos vêm aqui — até os que me detestam. Os petistas, que me lêem obsessivamente — a turma deles é muito ruim, beirando o analfabetismo —, podem falar o diabo a meu respeito, adjetivos nem sempre afetuosos, mas jamais poderão dizer: “Olhem como ele nos atribui o que não fizemos!” Nunca! Eu sempre lhes atribuo o que fizeram; eles se sentem devidamente caracterizados aqui. Só não tenho deles a opinião que têm de si mesmos.

Luta pelo estado, não pelo mercado
Fosse a convicção a mover esses veículos a que me refiro, vá lá. Mas não é! Tampouco se trata de uma luta para conquistar o “outro”: “Ah, se A e B dizem isso, então vamos dizer aquilo para falar com o outro leitor, o outro telespectador, o outro ouvinte, o outro internauta”. Não assistimos a uma luta pelo mercado senão a uma LUTA PELO ESTADO, por seus recursos, pela verba publicitária do governo federal e das estatais. Apostam alto no cavalo que lhes parece vencedor porque contam, depois, dividir o butim. Se não podem enfrentar a concorrência para conquistar os leitores ou telespectadores, vale enfrentar a verdade com a mentira para conquistar o caixa do governo. Estou nessa profissão há um bom tempo já. Nunca assisti a nada parecido.

Questão errada
Tentou-se deslocar o debate para o objeto que teria atingido a cabeça de José Serra, e se questionou se, afinal de contas, a agressão teria sido forte o bastante para levá-lo ao médico, como se o ato, em si, o verdadeiro assalto que petistas tentaram promover na caminhada tucana, fosse uma prática aceitável, corriqueira, adequada às normas da disputa democrática. O fato de que aquela gente lincharia o adversário se tivesse oportunidade não contou de nenhuma maneira. Não se tocou no assunto.

E, quando a questão foi tratada, caminhou-se pelas veredas do obscurantismo. Discordo, por exemplo, severamente de Janio de Freitas, colunista da Folha. Daria para ir de A a Z, sem ficar uma só letrinha pelo caminho. Mas não imaginava ler um texto seu como o de ontem, em que sugere que os tucanos estavam no lugar errado — deveriam era caminhar na beira da praia, sugeriu — e que o elemento de perturbação, sabe-se lá por quê , era Índio da Costa, vice de José Serra. Janio perguntou à vítima do estupro por que ela estava usando minissaia. Quem escrevia ali? Nem mesmo era ele. Tratava-se de um preconceito bem mais antigo do que o próprio colunista.

Encerrando
Perda de parâmetros. Esse é o nome do nosso mal. Aos poucos, como sociedade, vão desaparecendo as noções do que pode e do que não pode. Há dias, na solenidade promovida por um desses panfletos comprados com dinheiro público, Lula conclamou os políticos a enfrentar a imprensa — mais ou menos como os petistas do Ceará, protegidos por Cid Gomes, já querem fazer, silenciando-o. Não se referia, evidentemente, a esta na qual ele passa hoje as esporas (olhem a metáfora rural deste caipira, hehe…), mas àquela outra que tem valores, que não abre mão da democracia, do estado de direito, da Constituição e das leis; àquela que lhe diz com clareza: um presidente da República tem de atuar dentro de seus limites.

Não sei quem vai ganhar as eleições. Corisco nem se entrega nem se assusta com números. Para Corisco, número não é categoria de pensamento nem pode constituir, sozinho, uma moral ou plasmar uma ética. Vença quem vença, Corisco anuncia: estará na Resistência em nome daqueles valores de que não abre mão: democracia, estado de direito, liberdade de expressão, economia de mercado. Por isso Corisco, como cidadão, ordena, em nome da Constituição de que os dois somos súditos:

Peça desculpas ao país e ao candidato de oposição, senhor presidente da República! É a oposição que legitima a democracia, meu senhor! Afinal, nas ditaduras também é permitido concordar. Aprenda ao menos isso. Nem que seja a última coisa. Nem que seja a primeira!