Desta vez, a acusação não vem de um transfuga do Estado venezuelano, como os dois juízes que se autoexilaram, por medo de serem eliminados pelos narcotraficantes de alto escalão no governo venezuelano, mas do ex-presidente colombiano Alvaro Uribe, que levou uma guerra implacável contra as Farc-narcotraficantes, acusando diversas vezes o governo chavista de cumplicidade com os terroristas narcotraficantes.
Uma herança pesada, sem dúvida, para o governante que suceder a Chávez, pois terá a hostilidade de certos círculos militares.
Infolatam
Madrid, 24 maio 2012
(Especial para Infolatam, por Luis Esteban González Manrique).- O ex-presidente colombiano
Álvaro Uribe acusou via
Twitter Hugo Chávez de converter seu país em um “paraíso do narcotráfico e refúgio de terroristas”, depois da recente morte de 12 militares colombianos em um ataque das FARC na zona rural de Guajira, fronteira com a Venezuela. Segundo o comandante do Exército colombiano, o general
Sergio Mantilla, entre 70 e 80 guerrilheiros que participaram do golpe teriam cruzado a fronteira venezuelana antes e após o ataque.
As acusações de conivência das autoridades venezuelanas com o narcotráfico e as FARC nao são novas, mas fizeram-se mais insistentes depois das recentes denúncias de dois juízes do
Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano que fugiram do país. Segundo o ex-magistrado do TSJ,
Luis Velásquez Alvaray, que se exilou na Costa Rica em 2006 depois de ser acusado de corrupção, entre os “generais favoritos” de Chávez há vários narcotraficantes que integram o poderoso “
Cartel de los Soles”.
aponte
Eladio Aponte
Por sua vez,
Eladio Aponte, outro ex-membro do TSJ, fez cargos similares contra as cúpulas militar e judicial venezuelanas depois de prestar-se a colaborar com a DEA, a agência de antidrogas dos EUA, desde o Panamá, onde se refugiou depois de ser demitido de seu cargo em meio a revelações sobre seus nexos com o narcotráfico. Também um empresário venezuelano de origem síria,
Walid Makled, que enriqueceu pelos contratos de moradias do Estado e hoje é processado por narcotráfico e assassinato na Venezuela após ser extraditado em 2010 a esse país pelo governo colombiano, revelou em uma entrevista que teve mais de 40 de altos oficiais do exército venezuelano em sua folha de pagamento e aos que pagava um milhão de dólares mensais por sua “proteção”.
Sobre
Makled pesa a acusação de fornecer os insumos químicos que alimentam os laboratórios de cocaína das
FARC na selva colombiana e de ter introduzido toneladas de cocaína nos EUA. Abandonado em uma cela em uma prisão colombiana, ante sua iminente deportação à Venezuela, Makled falou com
El Nacional (10-10-2010) ao sentir-se traído pelos militares de alta patente, deputados e magistrados do TSJ e dirigentes do Partido Socialista Unificado da Venezuela que, segundo ele, protegiam suas operações. “Tenho vídeos e gravações de conversas telefônicas de todos eles”, assegurou.
Há tempo, tornaram-se habituais no país operações de assassinatos encomendados, ordenados pelos narcotraficantes que se infiltraram às forças de segurança. Mas, ninguém acredita que Aponte ou Velásquez estivessem fora desse jogo.
Segundo diversas versões da imprensa venezuelana, quando estavam em exercício, seu primeiro cliente era o governo, que os usava para perseguir inimigos políticos, contra os quais forjavam sentenças condenatórias e negando-lhes os direitos que tinham para se defender.
Segundo escreveu
Moisés Naím no último número de
Foreign Affairs, o que acontece Venezuela faz parte de um fenômeno global mais amplo: a penetração do crime organizado nos aparelhos estatais, o que tem provocado o aparecimento de “Estados mafiosos”, nos quais os sindicatos do crime terminam se comportando como apêndices dos governos, gozando da ajuda de juízes, espiões, generais, ministros, policiais e diplomatas.
Esse processo tem convertido o crime multinacional em um assunto de segurança internacional porque as máfias, nesta nova fase de seu desenvolvimento global, contam com a proteção legal e as mordomias diplomáticas que antes só desfrutavam os Estados. Naím cita como um exemplo paradigmático dessa metástase do câncer criminal, o caso de
Jackie Selebi, o comissário da
Polícia Nacional da África do Sul que foi nomeado em 2006 presidente da
Interpol, um cargo desde o qual defendeu o fortalecimento da cooperação das autoridades policiais mundiais para combater o crime transnacional. Em 2010 Selebi foi condenado a 15 anos de prisão em seu país por aceitar um suborno de 156.000 dólares de narcotraficantes.
Outro caso notório de corrupção nas altas esferas é o do general boliviano
René Sanabria, ex-diretor da agência antidrogas desse país, detido ano passado no Panamá por agentes federais dos EUA, acusado de ter planejado o embarque de centenas de quilos de cocaína a Miami. Sanabria foi condenado a 14 anos de prisão na Flórida depois de declarar-se culpado das acusações contra ele.
Em seu comparecimento ante a comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, Douglas Farah, pesquisador sobre crime e terrorismo do
International Assesment and Strategic Center, sustentou que as organizações criminosas e as terroristas utilizam os “mesmo canais, as mesmas estruturas ilícitas e exploram as mesmas debilidades dos Estados”. Essas organizações, segundo Farah, estão convergindo em “entidades híbridas” como as
FARC.
A Venezuela aparece vinculada a muitos desses casos, especialmente depois que em 2005 o governo de Chávez expulsasse a DEA. Segundo o Escritório da
ONU contra as
Drogas e o Crime (UNODC), a Venezuela fornece hoje ao menos a metade da cocaína que chega à Europa. O governo de Caracas assegura que está apreendendo mais drogas do que nunca antes e que desde 2005 extraditou aos EUA 69 grandes “chefes” do narcotráfico.
No entanto, seus próprios dados mostram uma queda de 50% na cocaína apreendida entre 2005 e 2010. Segundo a DEA, 90% dos aviões que levam cocaína colombiana decolam da Venezuela. Os grupos criminosos estão especialmente ativos no Estado de Apresse, utilizado como a zona de aterrissagem e saída dos aviões que partem carregados de cocaína rumo a América Central, o Caribe, EUA e África Ocidental, desde onde se dirigem a Europa. Os carregamentos de droga lançados do ar no Caribe são recolhidos por lanchas rápidas que as levam ao Haiti, Honduras e Guatemala em trânsito ao México e EUA. Entre 2006 e 2008, a metade das embarcações capturadas com cocaína no Atlântico pelo serviço de guarda-costas norte-americano tinha partido da Venezuela, frente aos 5% da Colômbia.
As evidências contra os ‘narco-gerais’
Um relatório do departamento do Tesouro de 2008 acusou os generais
Henry Rangel Silva, nomeado ministro a princípios deste ano, e
Hugo Carvajal Barrios, diretor da contra inteligência militar, e
Ramón Rodríguez Chacín, ex-ministro de Justiça e do Interior de Chávez, de estarem envolvidos no narcotráfico e de serem as conexões do governo com as FARC.
Traficantes venezuelanos foram presos no México, Espanha, Holanda, República Dominicana, Grenada, Santa Lucía e países africanos como Ghana e Guiné-Bissau. A ofensiva do governo de Bogotá contra suas operações obrigaram os narcotraficantes colombianos a utilizar o território da Venezuela, aproveitando a porosidade de uma fronteira a mais de 2.000 quilômetros para atingir os mercados dos EUA e Europa.
O relatório do Tesouro assinala que as FARC e os cartéis colombianos tem um incentivo adicional: a colaboração de unidades das forças antinarcóticos, da Guarda Nacional e da polícia. A Venezuela é hoje, ademais, um centro de operações de traficantes de pessoas, lavagem de dinheiro, contrabando de armas e petróleo. O jornalista venezuelano
Manuel Malaver sustenta que o fato de que não tenha estourado na Venezuela uma guerra entre cartéis rivais como no México, é uma demonstração de que os grupos atingiram um ‘modus vivendi’ com as forças de segurança, que arbitram seus conflitos.
Segundo relatórios de inteligência e da
UNODC, a cocaína cruza o Atlântico desde Venezuela à África em aviões de carga e barcos mercantes até aeroportos e portos como Dakar (Senegal) e Accra (Ghana), onde os carregamentos são divididos e transportados à Europa por velhas rotas de contrabando terrestres e marítimas.
Na África ocidental, países inteiros caíram nas mãos dos cartéis. O valor da cocaína que transita por países como Guiné-Bissau com direção à Europa multiplica várias vezes o tamanho de sua economia. Essa região inclui 10 dos 20 países mais pobres o mundo, o que os faz especialmente vulneráveis ao poder corrupto do crime organizado multinacional. A UNODC estimou que só em 2006 cerca de 40 toneladas de cocaína, com um valor de mercado de 1,8 bilhões de dólares, transitaram pela região.
Segundo
Antonio Mazziteli, ex-diretor da
UNODC, o governo da Guiné-Bissau “vendeu” em 2009 o acesso a várias das 90 ilhas do arquipélago de Bijagós aos narcotraficantes para que as utilizassem como trampolim de seus embarques para Europa. No dia 1 de março de 2009, o chefe do exército desse país, general
Batista Thagme Na Waie, morreu em uma explosão e horas depois, o presidente
Joao Bernardo Vieria foi assassinado por soldados do exército. Provavelmente ambos os crimes foram cometidos por militares comprados pelo narcotráfico. Nenhum desses dois crimes foi resolvido.
Em novembro de 2008, um Boeing 727 que decolou da Venezuela carregado de cocaína aterrissou em um deserto no norte de Malí. Após descarregá-lo, seus tripulantes atearam fogo para apagar vestígios. Em abril desse ano, as autoridades de Serra Leoa extraditaram aos EUA seis homens -dois deles venezuelanos- por utilizar aviões para transportar drogas.
Brian Lattel, ex-especialista da CIA em Cuba, acha que os vínculos da ilha com o narcotráfico terminaram em fracasso, quando
Fidel Castro, a se ver descoberto pela DEA, ordenou o fuzilamento do general
Arnaldo Ochoa e do
coronel Tony da Guarda para salvaguardar o prestígio do regime. A escritora venezuelana
Elizabeth Burgos sustenta, por sua vez, que o “mecanismo mimético” que Chávez estabeleceu com Cuba, levou seu governo a imitar o sistema castrista e as variações que este foi incorporando durante meio século, sobretudo seu envolvimento no tráfico de drogas, que abria a Cuba a possibilidade de encher o vazio deixado pela suspensão dos subsídios soviéticos.
Burgos diz que escutou mencionar pela primeira vez essa estratégia aos servidores públicos cubana no Chile durante o período da Unidade Popular, sob o pretexto de que essa atividade se justificava pelo confronto com o imperialismo, dado que os EUA era o primeiro consumidor e, portanto, a primeira vítima do vício.
Ao reconhecer as
FARC como “exército beligerante” Chávez deu o primeiro passo para a aceitação do narcotráfico como “arma contra o imperialismo”, com o que converteu à bacia de Orinocona estrada fluvial da cocaína produzida na Colômbia, materializando o sonho de utilizar a droga como “arma revolucionária”. Inclusive os analistas mais benevolentes com Chávez, acham que o líder bolivariano prefere olhar ao outro lado por sua necessidade do apoio da cúpula militar.
Traduzido por Infolatam