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quinta-feira, 28 de julho de 2022

'O Paraná nas relações internacionais do Brasil e o papel do poder judiciário estadual', Paulo Roberto de Almeida e Paulo Fernando Pinheiro Machado

 O trabalho mais recente publicado, em colaboração com o amigo e colega Paulo Fernando Pinheiro Machado.

'O Paraná nas relações internacionais do Brasil e o papel do poder judiciário estadual', revista Gralha Azul, EJUD-PR, julho 2022,

@academia

https://www.academia.edu/83881540/Parana_Relacoes_Internacionais_PFPM

https://www.academia.edu/83881540/O_Paraná_nas_relações_internacionais_do_Brasil_e_o_papel_do_poder_judiciário_estadual_2022_


O PARANÁ NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL 

 

Paulo Roberto de Almeida[1], Paulo Fernando Pinheiro Machado[2]*

 

 

O presente ensaio visa a analisar o desenvolvimento do papel do estado do Paraná nas relações internacionais do Brasil, singularizando os principais impactos que esse desenvolvimento vem trazendo para o Poder Judiciário local. O Paraná consolidou-se como uma verdadeira potência energética e agrícola em escala global o que levou a abertura de um Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em Curitiba (EREPAR), no final dos anos 1990. Além disso, o ensaio apresenta as principais demandas que vem sendo submetidas ao Poder Judiciário paranaense, como fruto dessa crescente internacionalização do estado: a cooperação judicial internacional cível e criminal, as questões relativas a privilégios e imunidades diplomáticas e consulares e, last but not least, a necessidade de aplicação da lex mercatoria nas cada vez mais sofisticadas litigâncias locais envolvendo o comércio agrícola internacional.

 

Palavras-chave: Diplomacia. Direito Internacional. Paraná.

 

This essay aims to analyse the development of the role of the state of Paraná in Brazil's international relations, highlighting the main impacts that this development has brought to the local Judiciary. Paraná has consolidated itself as a true energy and agricultural powerhouse on a global scale, which led to the opening of a Representative Office of the Ministry of Foreign Affairs in Curitiba (EREPAR), in the late 1990s. In addition, this essay shows the main demands that have been presented to the Judiciary of Paraná, as a result of this growing internationalisation of the state: civil and criminal international judicial cooperation, issues related to diplomatic and consular privileges and immunities and, last but not least, the need to apply lex mercatoria in the increasingly sophisticated local litigations involving international agricultural trade.

 

Keywords: Diplomacy. International Law. Paraná.

 

Introdução

 

            O presente ensaio visa a conduzir uma breve análise do desenvolvido da participação do estado do Paraná no quadro geral das relações internacionais do Brasil ao longo de nossa história, desde os temos coloniais até o momento atual. Buscar-se-á, ao longo da análise, ressaltar a posição geoestratégica do estado, localizado no heartland da América do Sul, com vocação para ser o hub logístico por excelência do subcontinente. 

            O presente ensaio buscará demonstrar o impacto que a crescente internacionalização do estado vem provocando no Poder Judiciário local, trazendo novas demandas que, por sua, vez exigem um alto grau de domínio, por parte dos juízes, de temas avançados de Direito Internacional Público, como os mecanismos de cooperação judiciária de que o Brasil é parte, as evoluções no instituto dos privilégios e imunidades diplomáticas e consulares e a necessidade, cada vez mais premente, de aplicação de lex mercatoria nos contenciosos locais envolvendo contratos de exportação de alimentos.

            O Paraná se consolidou como uma potência energética e agrícola global, trazendo novos temas e abordagens para o Poder Judiciário local. O presente ensaio, assim, visa a apresentar, em linhas gerais, o desenvolvimento da internacionalização do estado e os principais temas que esse desenvolvimento tem trazido para o Tribunal de Justiça do Paraná.

 

A importância geopolítica do Paraná no desenvolvimento das relações internacionais do Brasil

 

Não obstante sua posição relativamente excêntrica, no plano dos primeiros três séculos da história nacional, com respeito aos principais eixos das relações internacionais do Brasil, situados, respectivamente, primeiro no Nordeste – as regiões produtoras de açúcar em Pernambuco e na Bahia – depois no Sudeste – Rio de Janeiro e Minas Gerais, na produção e no escoadouro das riquezas minerais, a região na qual se situa o atual estado do Paraná sempre teve um papel importante na projeção geopolítica do Brasil no imenso heartland da América do Sul. A autonomia política do Paraná também é relativamente recente, datando apenas de meados do século XIX – pois que antes estas terras estavam vinculadas à capitania de São Vicente, depois à província de São Paulo –, mas tanto a importância econômica, quanto o papel internacional do Paraná fazem do estado um dos mais importantes eixos de relações internacionais do Brasil contemporâneo. 

O território praticamente não estava incorporado ao Brasil colonial até o Tratado de Madri de 1750, pois que a linha de Tordesilhas vinha se encontrar com as margens do Atlântico pouco abaixo da atual costa paranaense, na região de Laguna, em Santa Catarina. Deve-se, aliás, ao gênio do avô da diplomacia brasileira, o diplomata português nascido em Santos, Alexandre de Gusmão, a integração destas terras à então colônia portuguesa da América do Sul, pela via do princípio jurídico do uti possidetis, por obra dos desbravadores dos sertões saídos da pobre localidade de São Paulo, os paulistas caçadores de índios, mais tarde conhecidos na historiografia ufanista da maior metrópole brasileira como bandeirantes. Foram eles que devassaram estas terras até o leito do Paraná e mais longe ainda, em direção das regiões meridionais – se possível até o Prata, eterno sonho geopolítico português, de garantir o acesso às terras do coração da América do Sul pelas diferentes vias fluviais a partir de Sacramento – e subindo pelas bacias hidrográficas do Amazonas, permitindo a Alexandre de Gusmão, nos mapas e na prática, conformar o atual mapa do Brasil contemporâneo quase que inteiramente, pendentes poucas porções de territórios adicionais que seriam negociadas, na passagem dos séculos XIX e XX, pelo pai da diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco. Foi Juca Paranhos quem garantiu que o Rio Grande não se desgarrasse do restante do imenso território brasileiro na arbitragem da questão de Palmas em face das demandas da República Argentina, pois do contrário Santa Catarina seria apenas um minúsculo elo entre a rebelde República Farroupilha das Regências e o Brasil, a partir do Paraná justamente.

Mas foi o mais importante ciclo da história econômica brasileira, o do café, a partir do Vale do Paraíba e do interior do estado de São Paulo, junto com a imigração maciça de agricultores europeus, os dois mais importantes processos que fizeram do Paraná um estado crucial na modernização agrícola e na construção do moderno agronegócio que colocou o Brasil na vanguarda do suprimento alimentar no mundo. Até a primeira metade do século XX, justamente, o Brasil tinha uma agricultura atrasada, aquela que tinha motivado as crônicas de Monteiro Lobato sobre o matuto do interior, o Jeca Tatu, ademais de sua famosa frase sobre as saúvas como os principais inimigos do país. A modernização agrícola do Brasil, antes de ser estimulada cientificamente pela Embrapa, foi obra das unidades de agricultura familiar dos estados do sul, que depois avançariam sobre as terras do Mato Grosso e do cerrado central, modernos bandeirantes que completaram a “marcha para o Oeste” deliberadamente empreendida na era Vargas.

Vem, aliás, da era Vargas, a elevação do Paraná a um novo status geopolítico, o de elo de ligação entre o Paraguai e o Oceano Atlântico, pela via do porto de Paranaguá. Desde a independência, o Império do Brasil tinha se esforçado para resguardar a independência do país mediterrâneo situado ao norte do antigo vice-reinado do Rio da Prata que Buenos Aires se empenhou em novamente submeter assim que foram proclamadas as Repúblicas Unidas do Rio da Prata, visando igualmente o sul da Bolívia e o Uruguai, então incorporado ao Império como “Província Cisplatina”. As tentativas de submeter o Paraguai foram contínuas sob a ditadura de Rosas – que chegou a patrocinar a “clausura de los rios”, um imenso problema ao acesso pelo Brasil de suas províncias do interior – e até mesmo ao final da guerra do Paraguai, quando a República Argentina finalmente emerge como poder nacional. O Império foi o primeiro Estado a reconhecer a independência da jovem República do Paraguai, uma das primeiras a se desligar da tutela espanhola (e napoleônica) sobre as diversas partes de seu império colonial sul-americano, e assim continuou procedendo durante praticamente os primeiros cem anos da turbulenta república oligárquica e caudilhesca. 

Mas foi apenas na era Vargas, nos anos 1930 e 40, que a República dos Estados Unidos do Brasil normaliza e estabiliza suas relações com o Paraguai, e o faz por meio de tratados internacionais que deram ao Paraná um papel estratégico na via alternativa de acesso ao Oceano Atlântico através do território do estado, e do uso soberano de parte do porto de Paranaguá, para usufruto do comércio exterior paraguaio. Foi a partir desse momento, também, que a tríplice fronteira adquiriu uma importância singular – para o bem e para o mal, em vista de todos os tipos de contrabandos – nas relações exteriores do Brasil, especialmente em sua diplomacia regional. Nos anos 1950 e 1960, quando o Brasil estava construindo sua nova matriz energética, baseada na utilização intensiva dos recursos hídricos, a diplomacia brasileira – por acaso guiada, na sua divisão de Fronteiras, pelo grande escritor Guimarães Rosa – soube realçar as virtudes do rio Paraná, contíguo ao Paraguai, para iniciar um novo tipo de relação cooperativa com o país mediterrâneo, associando-o definitivamente ao Brasil e dirimindo uma das últimas pendências limítrofes que tinha permanecido indefinida depois do trabalho do Barão do Rio Branco. 

As poucas nesgas de terras disputadas na margem direita do rio Paraná foram consensualmente “afogadas” no grande lago de Itaipu, depois que, nos anos 1970, um tratado binacional decidiu pela elevação de uma barragem na fronteira comum aos dois países. A contestação argentina quanto à altura das comportas na enorme barragem de Itaipu – a maior do mundo até a construção de Três Gargantas, na China – foi finalmente resolvida pelo acordo tripartite de 1979, que selou o início de uma nova etapa no relacionamento com os dois mais importantes vizinhos do Brasil na bacia do Prata. Foi a partir daí que as medidas de construção de confiança entre os três países permitiram o início do processo de integração, realizado primeiro de forma bilateral entre o Brasil e a Argentina, nos anos 1980, e, a partir do Tratado de Assunção, de 1991, consagrou o formato quadrilateral do Mercosul, a união aduaneira em construção que acaba de completar seu trigésimo aniversário. O estado do Paraná é, de pleno direito, o fiel da balança dos novos arranjos econômicos, geopolíticos e diplomáticos que sepultaram, definitivamente, as velhas disputas hegemônicas entre os dois grandes do Cone Sul para inaugurar uma era de empreendimentos cooperativos que hoje marcam o perfil contemporâneo desse eixo central do Cone Sul latino-americano.

Esse novo perfil foi atentamente acompanhado, estimulado e até guiado pela diplomacia regional do Brasil, sobretudo depois da democratização do Paraguai, em 1989, que acompanhou processos similares nos demais países da região, dando novamente ao estado do Paraná um papel crucial na materialização de diversos projetos de construção da cooperação transfronteiriça e de consolidação da integração regional no âmbito do Mercosul (do qual o Paraguai é o estado depositário). Um escritório do Itamaraty foi criado em Curitiba, o EREPAR, no final dos anos 1990, convertendo-se num dos mais ativos, senão o principal, dos escritórios regionais da Casa de Rio Branco que lidam diretamente com as relações internacionais do Brasil, numa perfeita coordenação entre o ministério em Brasília e o executivo do Paraná.

 

A importância jurídica do EREPAR

 

A abertura do Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Paraná (EREPAR) foi, sem dúvida alguma, um reconhecimento da alta importância geopolítica do Paraná para a condução das relações internacionais do Brasil. Estado-sede da binacional de Itaipu e localizado na tríplice fronteira, o Paraná é ainda o principal receptor de migrantes do leste europeu, o principal exportador mundial de uma série de commodities agrícolas, além de abrigar o porto de Paranaguá, o segundo maior porto exportador de grãos do Brasil e principal porta de entrada de fertilizantes em território nacional. Fazia, desde fins dos anos 1990, jus a uma representação exclusiva do Itamaraty, na sua capital, para tramitar todos os assuntos internacionais de interesse estadual.

A importância prática da presença do EREPAR não deve ser subestimada. Em que pese a densidade da agenda internacional do estado do Paraná, a Constituição Federal, em seu art. 84, VII, reserva a condução das relações internacionais à competência privativa do Presidente da República, que, por força do art. 76 da Constituição, a exerce auxiliado pelo Ministro das Relações Exteriores. Ou seja, as autoridades estaduais não têm competência para manter relações com Estados estrangeiros, devendo tramitar os assuntos de seu interesse sempre pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE). Daí a importância fundamental de o Paraná contar com um Escritório da SERE em Curitiba. Não são todos os estados da Federação, frise-se, que gozam desse privilégio.

Vale notar, igualmente, que a recíproca é verdadeira no plano externo também, isto é, representantes de Estados soberanos não devem tratar diretamente com autoridades federativas, devendo sempre comunicarem-se com elas por intermédio da SERE. É o que impõe a regra do art. 41(2) da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, promulgada pelo Decreto 56.435/1965:

 

Todos os assuntos oficiais que o Estado acreditante confiar à Missão para serem tratados com o Estado acreditado, deverão sê-lo com o Ministério das Relações Exteriores, ou por seu intermédio, ou com outro Ministério em que se tenha convindo.

 

É sempre importante ter em mente a diferença entre a autonomia interna e soberania no plano do Direito das Gentes. Os entes federados possuem autonomia para atuar dentro da esfera de competência a eles reservada pelo texto constitucional, mas não possuem soberania, isto é, a capacidade jurídica de Direito Internacional Público. No plano internacional, somente a União Federal possui soberania, respondendo pelos entes federados.[3] No plano internacional figura a chamada “doutrina da uma só voz”, segundo a qual o Estado atua como entidade unitária, reconhecendo-se a penas a voz do seu Chefe de Estado.[4]

Vale notar que a questão da possibilidade jurídica de um ente federativo celebrar contrato ou convênio com entidade de direito público internacional já foi submetida diversas vezes à Consultoria Jurídica do Itamaraty. Em 1999, por exemplo, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro submeteu consulta acerca da possibilidade de a municipalidade celebrar convênio com o Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (Habitat). O então Consultor Jurídico do Itamaraty, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, concluiu pela negativa, apoiando-se em clássico parecer de seu antecessor, Levi Carneiro, que considerava inconcusso que

 

um Estado Federado não possa agir nas órbitas internacionais, não possa assumir compromissos de feição internacional; não possa tratar e obrigar-se com uma organização internacional. [...] Se assim não fosse, o Estado Federado poderia tratar com uma organização internacional, a que o Governo Federal fosse estranho, ou até infenso. Ficaria quebrada, em face das nações estrangeiras, a unidade nacional, que, nessas relações, o regime federativo mantém plenamente. (...) Somente a União, portanto – e não qualquer Estado Federado – pode manter relações de qualquer espécie, contratuais ou não, com alguma organização internacional.[5]

 

            Isso não significa, como o próprio Consultor Jurídico do Itamaraty assinala em seu parecer, que Estados e Municípios não tenham uma agenda internacional própria e crescente. Justamente para auxiliar na condução dessa agenda o Itamaraty coloca em prática uma diplomacia federativa, de que o EREPAR é um exemplo, para manter um diálogo constante e profícuo com os entes federados.

            Passaremos a analisar, então, alguns aspectos dessa crescente agenda internacional do estado do Paraná, com maior impacto no cotidiano do Poder Judiciário local, que vem sendo progressivamente chamado a se pronunciar em questões que envolvem aspectos internacionais e de Direito das Gentes. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná possui uma importância fundamental no endereçamento das questões de cunho internacional apresentadas, que, com a crescente relevância geopolítica do estado na condução da diplomacia brasileira, certamente virá a assumir progressiva importância nos próximos anos.

 

A Tríplice Fronteira – cooperação judiciária internacional

 

            Conforme ressaltado acima, o Paraná se singulariza entre os estados da federação por abrigar a tríplice fronteira, com o Paraguai e a Argentina, na região de Foz do Iguaçu. Trata-se de uma região fronteiriça de alta movimentação de pessoas, além de se estruturar em uma área de conexão estratégica entre as zonas produtoras de commodities dos três países e os canais de escoação rodoferroviários que as ligam até o porto de Paranaguá. Some-se a isso o fato de Foz do Iguaçu ser o segundo destino turístico em território nacional, com expectativa de receber cerca de 1.8 bilhão de visitantes até 2030.[6] Também é digno de nota o recém anunciado projeto de construção de um novo museu internacional na cidade, em parceria com o Centro Georges Pompidou, iniciativa essa que contou com amplo apoio do EREPAR.[7] O novo museu internacional deverá intensificar ainda mais o fluxo de pessoas na região da tríplice fronteira.

            A pujança da região da Tríplice Fronteira, aliada à sua localização geoestratégica, como seria natural, tem o condão de gerar um fluxo continuado e exponencialmente crescente de demandas judiciais, em particular com aspectos internacionais. Assim, o Poder Judiciário do Paraná é frequentemente chamado a pronunciar-se sobre e a operar com os mecanismos de cooperação jurídica internacional dos quais o Brasil faz parte, tanto na área cível como na área penal.

            Os pedidos de cooperação jurídica internacional são bastante amplos e variados, envolvendo desde pedidos de informações até tramitação de documentos, cartas rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras e, em ponto mais extremo, pedidos de extradição. Os mecanismos de cooperação jurídica internacional fundamentam-se precipuamente em tratados bilaterais e multilaterais ratificados pelo Brasil. Na operacionalização prática desses mecanismos, é importante atentar para o fato que, via de regra, cada qual estabelece uma autoridade nacional competente para a tramitação, que pode ser tanto o Ministério das Relações Exteriores, quanto, em alguns casos, o Ministério da Justiça. Para se evitar demoras e necessidade de repetição de procedimentos, é muito importante que a autoridade judiciária verifique previamente qual a autoridade nacional competente para cada pedido concreto.

            Outro aspecto que é de fundamental importância ter sempre em vista é o de que a cooperação jurídica internacional tem o seu fundamento em um princípio geral de direito, o da reciprocidade. Isso quer dizer que, em face de cada pedido, o juiz deverá fazer uma análise preliminar, com base no direito brasileiro, para auferir se a questão em tela se coaduna com a legislação pátria e se há equivalência na legislação e no tratamento da matéria pela autoridade estrangeira, isto é, se há, de fato, reciprocidade real na questão. O ponto de partida, do ponto de vista do juiz brasileiro, deverá sempre ser o do respeito e o da preponderância do nosso direito pátrio. O princípio da reciprocidade se verifica, com especial importância, nos casos penais, em particular nos de extradição, nos quais impera a doutrina da dupla-incriminação, isto é, a matéria objeto do pedido deve ser considerada ilícita da mesma forma nos dois ordenamentos jurídicos envolvidos.

 

Privilégios e imunidades diplomáticas e consulares

 

Outra gama de assuntos que a importante presença internacional do Paraná traz para o seu Poder Judiciário é a necessidade de apreciação de casos e questões que envolvam exceções à jurisdição estatal. O estado do Paraná conta com um corpo consular significativo, com presença bastante ativa de consulados de carreira e de consulados honorários, além de ser destino de visitas frequentes de autoridades diplomáticas e de Chefes de Estados estrangeiros, em particular dos países do Mercosul.

Essa intensa atividade internacional demanda que os juízes tenham pleno domínio da área do direito internacional público que trata dos privilégios e imunidades. Grosso modo, há três grandes categorias de exceção à jurisdição estatal: as imunidades estatais, as imunidades diplomáticas e as imunidades consulares.

Com relação às primeiras, as imunidades estatais ou soberanas, elas se referem às prerrogativas dos Estados diretamente enquanto pessoas jurídicas de direito internacional público. Note-se que a matéria é regulada pelo costume internacional e não por tratados. Nesse sentido, pela operação do princípio geral de direito do par in parem non habet judicium, isto é, o de que entre pares não há jurisdição, reconhecia-se como absoluta a imunidade dos Estados estrangeiros perante tribunais domésticos. A partir da segunda metade do século XX, contudo, iniciou-se uma flexibilização desse conceito, passando a imunidade soberana a ser não mais absoluta, mas relativa. Passou-se a fazer uma distinção entre acta jure imperii e acta jure gestionis, isto é, entre atos soberanos e atos administrativos, não estando os últimos cobertos pela imunidade estatal. 

Essa evolução do instituto no direito internacional levou a abertura de uma série de procedimentos judiciais contra Estados estrangeiros, ao redor do mundo, notadamente em questões imobiliárias e trabalhistas. Recentemente, contudo, o Poder Judiciário inglês proferiu uma decisão, em duas causas trabalhistas conexas, que parecem operar uma reversão nesse desenvolvimento da relativização da imunidade soberana que, pela aplicação do princípio da reciprocidade, deverá ter impacto nas decisões dos tribunais brasileiros também.[8] É de suma importância que os juízes acompanhem de perto a evolução do assunto.

Já as imunidades diplomáticas e consulares, por sua vez, não dizem respeito às prerrogativas do Estado soberano diretamente, mas as dos representantes dele. Aqui a matéria é regulada por tratados internacionais, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e a Convenção de Viena sore Relações Consulares (1963). É muito importante os juízes conhecerem a fundo essas convenções, que estabelecem regimes e imunidades totalmente distintos para autoridades diplomáticas e para autoridades consulares.

Com relação às autoridades consulares, em particular, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963) estabelece dois sub-regimes distintos, um para os cônsules de carreira e outro para os cônsules honorários. Os consulados honorários, em particular, possuem um regime de prerrogativas muito restrito, reservado somente a atos oficiais. Essa é uma distinção importante para os juízes terem presente. Vale à pena, aqui, reproduzir as considerações do diplomata e professor Guido Soares sobre a questão:

 

Imunidades ainda menos extensas são atribuídas aos cônsules honorários: as imunidades unicamente se referem a atos no exercício de sua função oficial e, quanto a deveres de prestar depoimentos, existem regras mínimas que protegem unicamente a independência e autonomia das referidas funções. Destaque-se o dispositivo da Convenção de Viena que expressamente declara não serem concedidos quaisquer privilégios ou imunidades aos membros da família de funcionário de repartição consular dirigida por funcionário consular honorário (parágrafo 3º, do art. 58, “Disposições Gerais Relativas às Facilidades, Privilégios e Imunidades”, inscrito no Capítulo III da Convenção de Viena de 1963, que estabelece o regime jurídico aplicável a essas pessoas).[9]

 

            Vale notar que, em caso de dúvida do Poder Judiciário estadual acerca de eventual prerrogativa alegada, pode ser feita uma consulta à Coordenação-Geral de Privilégios e Imunidades do Itamaraty, via o EREPAR.

 

Regime Jurídico Internacional do Agronegócio – lex mercatoria.

 

            Uma terceira categoria de demandas que vem crescentemente sendo apresentada para o Poder Judiciário paranaense diz respeito às questões relacionadas com o comércio agrícola internacional. Trata-se de demandas novas, de uma caracterização mais sutil, que pedem um nível de sofisticação elevado do Poder Judiciário no seu encaminhamento. Aqui está-se a operar na zona de confluência entre o direito internacional público, o direito interno brasileiro e o direito internacional privado. 

            Não se pode perder de vista que o estado do Paraná se consolidou como uma potência agrícola mundial. Sete das dez maiores cooperativas agrícolas da América Latina tem sede no estado e suas exportações agrícolas correspondem a nada menos do que cerca de 5% das exportações totais do Brasil. Além disso, o porto de Paranaguá, como ressaltado acima, é o segundo maior porto exportador de grãos do país e a principal entrada de fertilizantes em território nacional. O Paraná é sem sombra de dúvida uma potência agroexportadora global.

            Com a eclosão do conflito no leste europeu no início de 2022 e a consequente desarticulação das cadeias globais de fornecimento, em especial de hidrocarbonetos e de trigo, uma possibilidade real de crise alimentar global se afigura no horizonte. Nesse cenário, é bastante provável que os produtores de alimentos do estado do Paraná sejam pressionados a priorizar o abastecimento do mercado externo em detrimento do mercado interno, causando uma espiral inflacionária na economia brasileira com potencial falta de alimentos em nosso país.

            Essas pressões causadas pela desarticulação das cadeias globais de alimentos naturalmente se traduzirão em uma onda de contenciosos contratuais, a ser despejada principalmente no Poder Judiciário paranaense. É muito importante, nesse sentido, que os juízes estejam sensibilizados para a questão da geopolítica global dos alimentos e que também estejam preparados para julgar com base em elementos internacionais, de lex mercatoria, que muitas vezes se apresenta como um regime especial, a variar as orientações do regime geral do direito civil e comercial interno.[10]

            Tratam-se, em especial, de contenciosos comerciais oriundos de contratos de compra e venda típicos, celebrados em mercados com tradições, especificidades e regras consuetudinárias muito sólidas, que muitas vezes são ignoradas pelos juízes no momento de decisão. Esse desconhecimento da lex mercatoria e a falta do seu reconhecimento como fonte do direito pátrio normalmente se dá em detrimento do produtor e das cooperativas paranaenses, que se veem tolhidas de sua capacidade de negociação, em mercados nos quais, por exemplo, são costumeiras as quebras contratuais para arbitragem de preços, prática conhecida no mercado como “washout” de contratos.[11] Os mercados internacionais de commodities são regidos por regras consuetudinárias milenares, sob a égide do direito inglês, que não reconhece, por exemplo, nem o dever de boa-fé nas negociações contratuais nem a possibilidade de se apor uma cláusula penal à avença. É de sua importância que os juízes conheçam esses detalhes de lex mercatoria, sob pena de se constituir um regime comercial brasileiro dissociado da prática milenar internacional, isolando ainda mais o nosso país, com enormes custos para os produtores e para os consumidores brasileiros.

 

Conclusões

 

            Analisamos, no presente ensaio, a importância geoestratégica do estado do Paraná no quadro geral da inserção internacional do Brasil desde o descobrimento. Verificou-se uma internacionalização crescente do estado a partir dos anos 1960, que culminou hoje com o estado tendo se consolidado como uma verdadeira potência energética e agrícola em escala global. 

O crescente protagonismo internacional do Paraná levou a abertura de um Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em Curitiba (EREPAR), no final dos anos 1990, um claro sinal da importância do estado para a diplomacia brasileira. Ressaltou-se a importância de o estado contar com uma representação do MRE local, para cuidar dos assuntos internacionais de seu interesse, uma vez que por força tanto da Constituição Federal quando da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, entidades federativas possuem autonomia interna, porém não soberania no plano do Direito das Gentes, não podendo, portanto, conduzir relações com Estados estrangeiros.

Além disso, analisou-se no presente ensaio as principais demandas que vem sendo apresentadas ao Poder Judiciário paranaense, como fruto dessa crescente internacionalização do estado. Identificou-se três principais áreas de atuação judiciária: a cooperação judicial internacional cível e criminal, as questões relativas a privilégios e imunidades diplomáticas e consulares e, last but not least, a necessidade de aplicação da lex mercatoria nas cada vez mais sofisticadas litigâncias envolvendo o comércio agrícola internacional.

Os autores encerram louvando as iniciativas do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que vem demonstrando particular sensibilidade com a capacitação e a sofisticação dos seus servidores para bem atenderem às demandas judiciais de um estado que se consolidou como uma verdadeira potência exportadora mundial.

 

Referências

 

AMARANTE, Leonor. “O Beubourg de Iguaçu”, Arte!Brasileiros, 27 jun. 2022. Disponível em <https://artebrasileiros.com.br/arte/instituicao/foz-do-iguacu-arte-pompidou/> Acesso em 22 jul. 2022.

 

CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (org.). Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty. Vol. IX (1990-2000). Brasília: FUNAG, 2009. pp. 227-231. Disponível em < https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-356-pareceres_dos_consultores_juridicos_do_itamaraty_volume_ix_1990_2000_> acesso em 21 jul. 2022.

 

GOLDMAN, Berthold. “Frontières du Droit et Lex Mercatoria”, in Doutrinas Essenciais de Direito Internacional, vol. 5, fev. 2012, pp. 43-61. Disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5061226/mod_resource/content/1/goldman_frontieres.pdf> Acesso em 22 jul. 2022.  

 

PAGNO, Thaynara. “Foz do Iguaçu é o 2º destino turístico mais procurado por brasileiros”, 100 Fronteiras, 04. abr. 2021. Disponível em <https://100fronteiras.com/foz-do-iguacu/noticia/foz-do-iguacu-e-o-2o-destino-turistico-mais-procurado-por-brasileiros/> Acesso em 22 jul. 2022.

 

PINHEIRO MACHADO, Paulo Fernando. “A disputa entre Maduro e Guaidó no Judiciário britânico”, Diários de um Diplomata, Jota, 18 fev. 2022. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/disputa-maduro-guaido-judiciario-britanico-18022022> acesso em 21 jul. 2022.

 

______. “Correção de rumos no desenvolvimento da imunidade estatal.”, Diários de um Diplomata, Jota, 17 jul. 2022. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/correcao-de-rumos-no-desenvolvimento-da-imunidade-estatal-17072022> acesso em 22 jul. 2022.

 

______. “O washout nos contratos internacionais de commodities.”, Diários de um Diplomata, Jota, 06 ago. 2021. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-washout-nos-contratos-internacionais-de-commodities-06082021> acesso em 22 jul. 2022.

            

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso elementar. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

 

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002.

 

23 de julho de 2022.

 

Paulo Roberto de Almeida

LATTES: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2332-6233

E-MAIL: pralmeida@me.com

WhatsApp: (61) 91769412

 

Paulo Fernando Pinheiro Machado

LATTES: http://lattes.cnpq.br/0206572442832157

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0403-565X

E-MAIL: pf.pinheiromachado@gmail.com

WhatsApp: (41) 998224351

 

 

 



[1] Diplomata, professor. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Livre de Bruxelas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2332-6233 Email:pralmeida@me.com

[2] Diplomata, jurista, jornalista. Mestre em Direito pela Universidade de Londres. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0206572442832157. Orcid:https://orcid.org/0000-0003-0403-565X Email: pf.pinheiromachado@gmail.com

* As opiniões expressas no presente artigo são de caráter exclusivamente pessoal, não se confundindo, necessariamente, com a de qualquer instituição a que porventura os autores se filiem.

 

[3] REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso elementar. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 283-4.

[4] PINHEIRO MACHADO, Paulo Fernando. “A disputa entre Maduro e Guaidó no Judiciário britânico”, Diários de um Diplomata, Jota, 18 fev. 2022. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/disputa-maduro-guaido-judiciario-britanico-18022022> acesso em 21 jul. 2022.

[5] “Impossibilidade jurídica de o Município celebrar contrato/convênio com Pessoa de Direito Internacional. Consulta do Município do Rio de Janeiro”, in CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (org.). Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty. Vol. IX (1990-2000).Brasília: FUNAG, 2009. pp. 227-231. Disponível em < https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-356-pareceres_dos_consultores_juridicos_do_itamaraty_volume_ix_1990_2000_> acesso em 21 jul. 2022.

[6] PAGNO, Thaynara. “Foz do Iguaçu é o 2º destino turístico mais procurado por brasileiros”, 100 Fronteiras, 04. abr. 2021. Disponível em <https://100fronteiras.com/foz-do-iguacu/noticia/foz-do-iguacu-e-o-2o-destino-turistico-mais-procurado-por-brasileiros/> Acesso em 22 jul. 2022.

[7] AMARANTE, Leonor. “O Beubourg de Iguaçu”, Arte!Brasileiros, 27 jun. 2022. Disponível em <https://artebrasileiros.com.br/arte/instituicao/foz-do-iguacu-arte-pompidou/> Acesso em 22 jul. 2022.

[8] PINHEIRO MACHADO, Paulo Fernando. “Correção de rumos no desenvolvimento da imunidade estatal.”, Diários de um Diplomata, Jota, 17 jul. 2022. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/correcao-de-rumos-no-desenvolvimento-da-imunidade-estatal-17072022> acesso em 22 jul. 2022.

[9] SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 273.

[10] GOLDMAN, Berthold. “Frontières du Droit et Lex Mercatoria”, in Doutrinas Essenciais de Direito Internacional, vol. 5, fev. 2012, pp. 43-61. Disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5061226/mod_resource/content/1/goldman_frontieres.pdf> Acesso em 22 jul. 2022.  

[11] PINHEIRO MACHADO, Paulo Fernando. “O washout nos contratos internacionais de commodities.”, Diários de um Diplomata, Jota, 06 ago. 2021. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-washout-nos-contratos-internacionais-de-commodities-06082021> acesso em 22 jul. 2022.

 




Rússia e Ucrânia trocam ataques, e guerra entra em nova fase - Igor Gielow (FSP)

 Independentemente das idas e vindas das tropas no terreno, os massacres da Rússia contra a população civil continuam, até aqui impunemente.

Rússia e Ucrânia trocam ataques, e guerra entra em nova fase

Kiev ensaia contraofensiva no sul; Moscou pressiona a leste e intensifica bombardeios

FSP, 28.jul.2022 às 9h05
Igor Gielow

Após uma pausa tática relativa, a Guerra da Ucrânia entrou em sua terceira grande fase. Kiev ampliou os movimentos de sua primeira contraofensiva, enquanto Moscou retomou o avanço no leste e intensificou bastante seus ataques com mísseis nesta quinta (28), 155º dia da invasão russa do vizinho.

Não se via tanta dinâmica no campo de batalha desde que a Rússia encerrou a conquista de Lugansk, uma das duas províncias que compõem o Donbass, o leste russófono do país, há pouco mais de três semanas. De lá para cá, obviamente a guerra seguiu, mas com ações pontuais.

Agora, a Ucrânia trabalha para isolar as forças russas em Kherson, a primeira grande cidade conquistada por Moscou, logo no começo da guerra. Porto ao sul do país, ela é a capital da província homônima, cujo controle russo estabeleceu uma ponte entre o Donbass e a Crimeia, anexada por Vladimir Putin em 2014.

É uma corrida contra o tempo, segundo as Forças Armadas ucranianas, que registram reforços russos chegando à região. Nesta semana, Kiev intensificou as ações contra a principal ponte que liga a cidade ao resto da província, separada pelo rio Dnieper. Aqui entra ao mesmo tempo um dilema estratégico e uma limitação tática.

A ponte em questão, Antonivski, tem 1 km de extensão. Ela teve a pista danificada com o uso de artilharia de longo alcance ocidental doada aos ucranianos —pela precisão da ofensiva, provavelmente por munição com guiagem de GPS Excalibur, disparada por obuseiros, não os famosos mísseis do sistema Himars.

Os russos dizem ter estabelecido pontões e uma travessia com balsa como alternativa, mas estão vulneráveis em Kherson, sob risco de ficarem isolados. Perder a cidade seria uma derrota estratégica importante para a pretensão agora explícita de Moscou de conquistar o sul do vizinho.

Como de costume na guerra de narrativas, fontes ocidentais dão a situação russa como perdida. A pasta da Defesa britânica diz que Moscou perdeu o ímpeto no sul de forma definitiva, o que por ora é exagero.

Entra então o dilema para Kiev: se quiser retomar Kherson, terá de bombardeá-la de forma intensiva. Meramente isolar os russos não sugere que eles sairão de lá. Só que a cidade segue habitada por seus cidadãos: antes da guerra, eram 283 mil moradores por lá.

Essa é a limitação tática das armas ocidentais. Elas deram uma capacidade operacional nova para os ucranianos, atingindo depósitos de munição e posições russas a até 70 km de distância, mas são inúteis para ocupar uma cidade, exceto se usadas para destruí-la antes. Mesmo a recusa até aqui em explodir de vez a ponte Antonivski ou a outra que fica mais acima no mesmo rio passa por essa lógica.

Há dúvidas também sobre a força do Exército ucraniano para montar uma contraofensiva em solo, dado que recebeu poucos blindados e tanques em comparação com as perdas que teve até aqui. As próximas semanas dirão a real condição da contraofensiva.

Os russos, por sua vez, desde o fim de semana retomaram a pressão sobre a porção remanescente sob controle de Kiev no Donbass, na província de Donetsk. Desde 2014, quando a Crimeia foi anexada em retaliação pela derrubada do governo pró-russo da Ucrânia, a área entrou em guerra civil e estava dividida entre ucranianos e separatistas apoiados por Moscou.

Essas tropas pró-Rússia participam de um ataque contra Adviivka, a linha de frente congelada em Donetsk, junto à capital homônima da província. Segundo afirmou no Telegram Igor Girkin, ex-comandante militar da região e hoje crítico da condução da guerra, o assalto direto tem tudo para dar errado.

Avaliação semelhante faz o Instituto para Estudos da Guerra, de Washington. O centro diz acreditar que a Rússia só tem força para essa ação e outra, por ora bem-sucedida, que tomou a usina termelétrica de Vuhleriska, na fronteira entre Donetsk e Lugansk. Com efeito, ali foram empregadas pela primeira vez numa ação de relevo o grupo mercenário russo Wagner, não tropas regulares.

Seja como for, os russos amplificaram seus ataques aéreos nesta quinta, o que pode ser uma tática diversionista para retirar empenho ucraniano no sul ou prenúncio de uma retomada da campanha mais sustentada. No domingo (24), o chanceler Serguei Lavrov disse com todas as letras que o objetivo, afinal, é derrubar o que chamou de "regime inaceitável" de Volodimir Zelenski.

Da Crimeia, foram lançados mísseis que destruíram uma base militar próxima de Kiev, em Liotij. De acordo com Oleksii Gromov, do Estado-Maior ucraniano, houve diversas baixas. Mais significativo ainda, de bases russas na Belarus foram lançados 25 mísseis contra posições na região de Tchernihiv, palco de sangrentas batalhas no começo do conflito.

Gromov avalia a situação em Donetsk como "bastante difícil, mas ainda sob controle". Os Estados Unidos já prometeram enviar mais sistemas de mísseis Himars —até aqui, são 12 entregues aos ucranianos—, e outros países da Otan, a aliança militar do Ocidente, seguem pingando armamentos aqui e ali para Kiev.

Grosso modo, a Guerra da Ucrânia pode ser dividida entre uma primeira fase, na qual Putin tentou tomar Kiev com um ataque com múltiplas frentes e pouco foco de poder de fogo. Enfrentou assim resistência ucraniana e fracassou. Dali o conflito mudou-se para sua origem, o Donbass, onde em abril os russos iniciaram sua nova campanha, mais bem-sucedida até aqui, apesar de dúvidas sobre a capacidade de tomada de toda a província de Donetsk. Ainda inconclusa, essa segunda fase é sobreposta pela terceira.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/07/russia-e-ucrania-trocam-ataques-e-guerra-entra-em-nova-fase.shtml


Elio Gaspari recomenda liquidar a fatura no 1o. turno (O Globo)

 Papo reto

Elio Gaspari
O Globo, 24/07/2022

Didaticamente o porquê tudo ser resolvido no 1o turno. 

A eleição para a Presidência da República este ano tem um componente diferente. É a civilização contra a barbárie, estes 3 últimos anos têm sido terríveis para qualquer pessoa com o mínimo de bom senso, e isso não se aplica a ser de direita ou de esquerda. Isso se aplica a ser civilizado. Eu adoraria estar num processo eleitoral "normal" para escolher entre aquele que eu acredito plenamente no seu projeto de governo e os outros. 

Mas, infelizmente, a barbárie instalada neste país nos últimos 3 anos faz com que a escolha definitiva seja logo no primeiro turno. 

São 33 milhões de brasileiros passando fome, são mais de 60 milhões em insegurança alimentar média e leve, são milhões de desalentados, inflação de dois dígitos, o país sucateado, o "orçamento secreto" (a corrupção oficializada) fazendo a festa de deputados que eram "antissistema" (sabe-se lá o que isso é na cabeça dessa gente tosca), a Educação sem um projeto definido, a Saúde pessimamente administrada como nunca aconteceu, o Meio Ambiente destruído, até o Itamaraty conseguiu ficar desmoralizado na atual gestão.  

Isso sem falar no aumento do número de feminicídios, crimes homofóbicos, racismo escancarado, misoginia e agora até crimes por motivação política escancarados. 

A barbárie não pode vencer, a barbárie não pode sequer ter a chance de um segundo turno. Sei que para muitos votar no Lula seja difícil, mas temos que ver as composições políticas e extremamente pragmáticas ele está fazendo. Não haverá muita possibilidade de uma reviravolta, Lula já foi presidente por duas vezes, a sordidez e a perversidade não fazem parte de seu perfil.  

A "Marcha para Jesus", ontem, no ES, que tinha uma arma como símbolo mostra exatamente o que esse governo é. Nunca a fé foi tão perversamente explorada.  

Repetir que as coisas estão mal no mundo inteiro e no Brasil não seria diferente revela uma incapacidade de reflexão sobre o todo assustadora, a total falta de conhecimento sobre o processo histórico, a eliminação da capacidade de observação, é a barbárie fazendo o seu papel, minando pouco a pouco o que resta do civilizatório.  

Não é histeria, não é messianismo, é pragmatismo. Eu não vou dar chance para a barbárie.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Embaixada da China no Brasil reage à campanha dos EUA contra seu relacionamento na AL

 Nota da Embaixada da China no Brasil sobre comentários infundados de um alto funcionário estadunidense


A nota diz que a China defende o multilateralismo e advoga a democracia e o Estado de Direito nas relações internacionais

POR DIPLOMACIA BUSINESS
JULHO 27, 2022

Em discurso durante a 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas – CMDA, realizada no dia 26 de julho em Brasília, o Secretário de Defesa dos Estados Unidos Lloyd Austin III acusou a China de “minar a ordem internacional estável, aberta e baseada em regras” no hemisfério Ocidental.

Trata-se de uma declaração que desconsidera os fatos e está repleta da mentalidade da Guerra Fria e de preconceitos ideológicos. O gesto revela, mais uma vez, as intenções sinistras de certas forças nos EUA que visam cercear o desenvolvimento da China, prejudicar as relações China-América Latina e manter sua hegemonia no mundo. Manifestamos veemente objeção a esta atitude.

Firme no caminho do desenvolvimento pacífico e nos princípios de coexistência harmoniosa e cooperação de ganhos mútuos, a China sempre trabalha para construir a paz mundial, impulsionar o desenvolvimento global e defender a ordem internacional. A parceria entre a China e os países da América Latina, como parceria entre nações em desenvolvimento, segue os ideais de igualdade, respeito, benefício recíproco, abertura e transparência. Essa parceria baseia-se na escolha soberana e voluntária de ambos os lados, promovendo efetivamente o desenvolvimento de cada país envolvido e trazendo maior bem- estar aos povos. A China nunca interferiu nos assuntos internos dos países latino-americanos, jamais ditou seu relacionamento a partir de considerações geopolíticas, nem buscou criar esferas de influência ou participar de supostos “jogos estratégicos”.

No entanto, são os EUA que, insistindo no monroísmo, impõem seus próprios interesses às nações da América Latina, interferindo arbitrariamente nas parcerias internacionais fora da região. Esse comportamento já motivou a oposição generalizada dos países da região. É hora de cessar essas ações hegemônicas e dar aos países o devido respeito.

A China defende o multilateralismo e advoga a democracia e o Estado de Direito nas relações internacionais. Salvaguarda o sistema internacional centrado na ONU e a ordem global fundamentada no direito internacional, e repudia o unilateralismo e atos de bullying. A dita “ordem baseada em regras” apregoada pelos políticos norte-americanos, na verdade, nada mais é que promover o confronto de blocos e os jogos geopolíticos, sustentar o poder e a hegemonia dos EUA e criar grupos excludentes com vieses ideológicos. Essa retórica é impopular e certamente não terá sucesso. Exortamos o lado americano a levar em conta a opinião pública da China, da América Latina e da comunidade internacional, abandonar o pensamento de soma zero da Guerra Fria e retornar ao caminho certo de defesa da equidade e da justiça internacionais.

A América Latina, com sua pujança e dinamismo, compartilha os mesmos interesses com a China na busca da parceria de benefício mútuo e do progresso comum, assim como aspirações semelhantes em uma nova conjuntura internacional e respostas a desafios globais. A China mantém uma política externa coerente dedicada a consolidar e desenvolver as relações com a América Latina em uma perspectiva estratégica e de longo prazo. A China continuará trabalhando com o Brasil e os demais países amigos latino-americanos, para aumentar a confiança mútua, ampliar a cooperação, levar adiante as relações bilaterais e injetar novo vigor nessa parceria.

Brasília, 26 de julho de 2022

Embaixada da China no Brasil

https://www.diplomaciabusiness.com/nota-da-embaixada-da-china-no-brasil-sobre-comentarios-infundados-de-um-alto-funcionario-estadunidense/

Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! - Faculdade de Direito da USP

Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

Assinaturas, neste link: 

https://direito.usp.br/noticia/3f8d6ff58f38-carta-as-brasileiras-e-aos-brasileiros-em-defesa-do-estado-democratico-de-direito

https://direito.usp.br/pca/arquivos/cbd5c0152b4a_subscritores-da-carta-27-07.pdf


terça-feira, 26 de julho de 2022

A Otan e o Brasil - Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo

 

 

A Otan e o Brasil

Não está claro quais são as obrigações que decorrem da atual situação do País, convidado para ser parceiro estratégico do tratado.

Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo 

26 de julho de 2022 | 03h00 

Por inspiração dos EUA, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em 1949 como parte de uma rede de defesa do Ocidente, no início da guerra fria com a URSS. Em 1955, surgiu o Pacto de Varsóvia, que, comandado pela URSS para se contrapor à Otan, foi extinto com o fim da União Soviética. Ao longo de sete décadas a Otan atravessou várias fases e implementou diversos conceitos estratégicos, passando de uma aliança militar dissuasória, destinada à defesa coletiva territorial, para um instrumento político-militar, voltado para a defesa dos interesses dos países-membros além de seus limites originais. A expansão da Otan nos anos recentes – ao contrário das conversações mantidas pelo secretário de Estado James Baker e pelo primeiro-ministro Helmut Kohl, da Alemanha, com Mikhail Gorbachev em 1991, quando do desaparecimento da URSS – coloca desafios para todos os países, agravados a partir da guerra da Rússia contra a Ucrânia. 

A inclusão de novos membros a partir de 1997, a intervenção na Iugoslávia em 1999, a inclusão da Suécia e da Finlândia e a redefinição de sua estratégia em junho de 2022 evidenciam a expansão dos limites de atuação da Otan e a ampliação de seus interesses, vistos como ameaçados, o que já vem acarretando um aumento das despesas militares de todos os países-membros e a mudança da política de Defesa da Alemanha, depois de quase 70 anos. 

Cabe mencionar algumas decisões tomadas pela Otan que afetam ou podem afetar interesses brasileiros, a começar pela diretriz estratégica de 2010, seguida de decisões recentes tomadas na reunião de alto nível de Madri, em junho de 2022. 

Na definição do Conceito Estratégico da Otan em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como área geoestratégica prioritária, o que não exclui totalmente a possibilidade da atuação da organização “onde possível e quando necessário”, caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com a incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégico da organização. O Brasil sempre deixou clara sua reserva no tocante às iniciativas que incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul, como área de atuação da Otan. O sul do Atlântico é área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. A Política Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritárias para a defesa nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul, mais a África Ocidental e Meridional. 

Na reunião de cúpula em Madri, em junho passado, os países-membros, na maior revisão estratégica dos últimos 30 anos, redefiniram a estratégia da Otan e declararam a Rússia como sendo a ameaça mais direta e significativa à paz e à segurança. E incluíram a China como um desafio aos interesses de seus membros, além de terem dado prioridade a novas questões, como a de mudança de clima. A redução das emissões de gás de efeito estufa passou a ser um objetivo que estará presente em todas as tarefas essenciais da Otan, por meio de suas estruturas políticas e militares. 

A inclusão da China como um desafio justificou o convite, pela primeira vez na História, do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia para participar do encontro e assinar dois acordos sobre defesa cibernética e segurança marítima. A esse importante desenvolvimento junte-se o pacto estratégico entre os EUA, Reino Unido e Austrália para a aquisição de submarinos, inclusive nucleares, e o acordo entre os EUA, Índia, Emirados Árabes Unidos e Israel (I2U2) para mostrar presença no Mar do Sul da China e na defesa de Taiwan. Na prática, com esse novo conceito estratégico, a Otan ampliou ainda mais sua expansão e retomou a doutrina da guerra fria, que, para muitos setores dos EUA e da Europa, nunca havia desaparecido. 

A nova guerra fria, agora contra a China e a Rússia, poderá levar a uma nova divisão do mundo entre o Ocidente e a Eurásia. 

Qual a repercussão deste novo quadro geopolítico para o Brasil? Nos últimos anos, o Brasil vem sendo associado à Otan, com a designação, pelo presidente Donald Trump no início do atual governo brasileiro, como um aliado prioritário dos EUA extra-Otan, e, posteriormente, convidado para ser parceiro estratégico do tratado, podendo ter acesso aos seus equipamentos militares de forma preferencial e tornar o País elegível para maiores oportunidades de intercâmbio, assistência militar, treinamentos conjuntos e participação em projetos. 

Não está claro quais são as obrigações que decorrem dessa situação nem se houve entendimentos posteriores do governo brasileiro com as autoridades da Otan. Não há informação sobre se a nova política de segurança em relação à mudança de clima voltará sua atenção também para a Amazônia, nem se a Otan reagirá em relação ao transporte de combustível no Atlântico Sul para o submarino nuclear brasileiro em exame na Agência Internacional de Energia Atômica. Fica a questão, ainda, se a Otan ou os EUA (na próxima visita do secretário de Defesa ao Brasil) vão reagir ao anunciado exercício naval de Rússia, China e Irã na América Latina e no Caribe, com base na Venezuela, em agosto. 

PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

 

 

China diz estar aberta à 'cooperação' com o Mercosul - France Presse

 Não é bem o Brasil que é contra um acordo de livre comércio entre a China e o Mercosul, e sim a CNI, a FIESP, as associações setoriais de produtores, que são protecionistas desde a pré-história...

China diz estar aberta à 'cooperação' com o Mercosul

Governo chinês negocia tratado de livre comércio com Uruguai nesta terça-feira (26) e diz que está disposta a fazer o mesmo com todo o bloco sul-americano interessados. Governo uruguaio precisa de aval dos países membros para fechar acordo.

Por France Presse
26/07/2022 08h56  Atualizado há 3 horas

O diretor-geral para América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores da China, Cai Wei, afirmou nesta segunda-feira (25) que Pequim está aberta à "cooperação" com "o Mercosul em seu conjunto".

Wei está em Montevidéu, onde negocia um tratado de livre-comércio (TLC) com o Uruguai.

"A parte chinesa está aberta à cooperação tanto com o Mercosul em conjunto como com o país-membro particular [o Uruguai]", assinalou o chefe de uma delegação oficial chinesa que se reuniu com integrantes do governo do presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, incluindo o chanceler, Francisco Bustillo, e a ministra da Economia, Azucena Arbeleche.

"A China é uma firme defensora do livre-comércio" e está "disposta a negociar e a firmar TLCs com todos os países interessados", assinalou o funcionário chinês, segundo a tradução oficial de sua declaração à imprensa publicada em vídeo no site da Presidência uruguaia.

O Uruguai iniciou tratativas para um tratado de livre-comércio com a China depois que ambos os países realizaram um estudo de viabilidade de um acordo com essas características, que gerou polêmica no Mercosul, o bloco econômico sul-americano que também reúne Argentina, Brasil e Paraguai.

O Mercosul não permite que um de seus membros negocie acordos comerciais sem a anuência dos demais, mas o Uruguai, que há quase duas décadas pede uma flexibilização dessa decisão adotada pelo grupo, resolveu tratar individualmente com a China.

Na última cúpula do Mercosul, celebrada na semana passada em Assunção, no Paraguai, o presidente argentino, Alberto Fernández, um dos principais críticos da iniciativa uruguaia, propôs que o acordo com a China fosse negociado por todo o grupo em conjunto.

Por sua vez, Lacalle Pou argumentou, durante o encontro de presidentes, que também era o desejo do Uruguai a incorporação dos demais países do bloco às negociações com o gigante asiático em etapas posteriores.

"Esperamos e prevemos que, em algum momento, o restante dos países-membros [do Mercosul] se juntará às negociações" com a China, reiterou Bustillo nesta segunda, em imagens emitidas por meios locais.

"Esperamos que as partes do Mercosul possam negociar de maneira amistosa entre si, a fim de criar um ambiente melhor para a cooperação de livre-comércio sino-uruguaia", assinalou, por sua vez, o líder da delegação chinesa.

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/07/26/china-diz-estar-aberta-a-cooperacao-com-mercosul.ghtml


Por que Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda para Rússia na guerra - Leandro Prazeres (BBC News Brasil)

 Por que Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda para Rússia na guerra


Leandro Prazeres
Da BBC News Brasil em Brasília
Há 9 horas

Um relatório divulgado pelo Centro de Contenção de Desinformação do governo da Ucrânia apontou o ex-presidente e pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como uma das personalidades internacionais que disseminariam informações em consonância com a propaganda russa sobre a guerra com a Ucrânia, que começou em fevereiro após a Rússia invadir partes do país vizinho.

O relatório foi divulgado no Brasil pelo jornal Folha de S. Paulo na segunda-feira (25/7). Lula é o único brasileiro da lista que contém diversos políticos e intelectuais de diversos outros países como Estados Unidos, da Europa, África e Ásia.

O relatório cita duas supostas afirmações atribuída ao ex-presidente. A primeira é a de que ele teria dito que a Rússia deveria "encabeçar uma nova ordem mundial" e que "Zelensky é tão culpado pela guerra quanto Putin".

A BBC News Brasil não localizou citações de Lula defendendo que a Rússia deveria "encabeçar" uma nova ordem mundial. Por outro lado, o ex-presidente fez, recentemente, críticas à atuação do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na condução da crise com a Rússia.

Em entrevista à revista Time publicada em maio deste ano, Lula disse que Zelensky seria tão responsável pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.

"Às vezes, fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", afirmou o ex-presidente.

Especialistas em relações internacionais ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que as declarações de Lula podem não ser as únicas explicações por trás da inclusão do petista na lista.

Entre os motivos apontados por elas estão o temor pela Ucrânia de um eventual novo governo petista se reaproximar da Rússia e a suposta ligação de setores do governo ucraniano com facções de extrema-direita. Isso, segundo elas, explicaria a não-inclusão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que, assim como Lula, também fez declarações críticas a Zelensky nos últimos meses.

"O povo [ucraniano] confiou num comediante o destino de uma nação. Ele [Volodymyr Zelensky] tem que ter equilíbrio para tratar dessa situação aí", disse Bolsonaro em fevereiro.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à embaixada da Ucrânia e à assessoria de imprensa do ex-presidente Lula. Nenhum dos dois enviou respostas.

Aproximação com a Rússia
A doutora em estudos estratégicos internacionais e diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), Larlecianne Piccolli, avalia que inclusão do nome de Lula na lista possa ter a ver com o histórico das relações entre o Brasil e a Rússia durante os governos do PT, especialmente, durante os governos do ex-presidente Lula, entre 2003 e 2010.

Segundo a especialista, naquele período, o governo brasileiro defendeu uma ordem internacional multipolar como uma alternativa à hegemonia norte-americana.

Uma das formas encontradas para isso foi o incentivo à formação de blocos como os BRICS, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por essa lógica, um novo governo do petista poderia enfraquecer os esforços feitos pela Ucrânia para isolar a Rússia no cenário internacional.

"Me parece que a Ucrânia pode estar olhando para o futuro e vendo o que um eventual novo governo de Lula pode significar em termos de fortalecimento da Rússia. Acho que eles estão vendo a liderança de Lula nas pesquisas e avaliando quais os impactos disso para a Ucrânia", assinala.

Para a doutora em Relações Internacionais e professora da Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, a atual posição do presidente Jair Bolsonaro em relação ao conflito é considerada menos relevante que uma eventual reaproximação do Brasil com a Rússia em um novo governo petista.

Sob Bolsonaro, o governo brasileiro condenou as agressões russas à Ucrânia em reuniões na Organização das Nações Unida (ONU), mas o país não aderiu as sanções econômicas aplicadas por países como os Estados Unidos e da Europa.

Bolsonaro diz que seu governo é "neutro" em relação ao conflito, apesar de, poucos dias antes da invasão russa, ter feito uma visita a Putin na qual elogiou o presidente russo e o chamou de um "homem de paz".

"No governo de Bolsonaro, o Brasil adotou noções pró-Ocidente que são interessantes hoje à Ucrânia. Um eventual governo Lula não teria essa mesma visão e isso pode estar preocupando os ucranianos", diz Mariana Kalil.

Ligações com a extrema-direita
Mariana Kalil também destaca uma outra razão pela qual os ucranianos teriam incluído o nome de Lula: a ligação de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita.

Segundo ela, isso explicaria por que Lula foi mencionado enquanto Bolsonaro, que se assume como político de direita e que também já fez declarações críticas a Zelensky, não foi incluído.

"Esse movimento [inclusão do nome de Lula] faz sentido quando sabemos que existe uma inserção de Zelensky dentro da extrema-direita global. Assim, faria sentido o governo mencionar Lula, que é um político de esquerda, e não Bolsonaro", opina a especialista.

A lista ucraniana não cita, porém, apenas políticos e intelectuais de esquerda. Ela cita, por exemplo, a líder do partido de direita radical Rassemblement National (Reunião Nacional), a francesa Marine Le Pen. Ela ficou conhecida por defender pautas anti-imigração na França e na Europa.

As ligações entre o governo ucraniano e movimentos de extrema-direita são frequentemente citadas pelo governo russo como um dos motivos que levou à invasão da Ucrânia pelos militares do país.

O tema é considerado sensível. A Rússia, por exemplo, disse que um dos objetivos de sua invasão à Ucrânia era "desnazificar" o país. O presidente Zelensky, no entanto, é judeu.

Em entrevista à BBC News Brasil em março, o professor aposentado de História da Universidade de Alberta, no Canadá, John-Paul Himka, disse que os níveis de tolerância política com a movimentos de extrema direita na Ucrânia são semelhantes aos encontrados em outros países do mundo.

"Temos de olhar o contexto global mais amplo da tolerância da Ucrânia em relação à extrema direita. Eu vivo no Canadá. Recentemente, os postos de fronteira e a capital foram cercados pelo movimento de extrema direita dos comboios", disse o especialista.

Larlecianne Piccolli, porém, concorda com Mariana Kalil.

"É de conhecimento público que há laços de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita. Se você soma isso a um possível temor sobre o que podem representar as eleições no Brasil para a estratégia ucraniana, é possível entender melhor o que pode ter motivado a entrada de Lula nessa lista e a ausência de Bolsonaro", diz Larlecianne.

Em entrevista à TV Globo veiculada nesta semana, Zelensky negou a existência de grupos de extrema direita atuando no leste da Ucrânia contra a invasão russa.

Apesar das declarações, há evidências de que grupos de extrema direita como o Batalhão Azov, que luta contra a ocupação russa desde a invasão da Crimeia, em 2014, mantém relações com o governo ucraniano.

Mariana Kalil diz que inclusão do nome de Lula nessa lista acontece, ainda, em meio à proximidade de um exercício militar que será realizado pela Rússia, China e Irã na Venezuela, previsto para agosto deste ano.

"No Brasil, um dos argumentos usados pela direita radical contra a esquerda é o suposto risco de venezuelização do país. Considerando o contexto do exercício militar, ligar o nome de Lula à Rússia pode ressuscitar esse tema", assinala a especialista.

Recado a americanos
Mariana Kalil aponta um terceiro motivo para a inclusão de Lula na lista de supostos disseminadores de propaganda russa: pressão sobre os americanos.

Segundo ela, à medida em que a Ucrânia veria um governo petista mais próximo da Rússia que o de Bolsonaro, a menção a Lula teria o objetivo de pressionar os americanos sobre o que pode acontecer no Brasil a partir de 2023.

"Acho que eles querem dizer o seguinte: 'Americanos, olhem para o que pode acontecer no Brasil. Isso não será bom para nós'", conclui a especialista.

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62301305

Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda da Rússia na guerra - Igor Gielow (FSP)

 Independentemente do presidente de honra do PT – candidato nas eleições de outubro de 2022, e provável próximo presidente do Brasil – ter dito ou não que o presidente da Ucrânia Volodimyr Zelensky é "ão culpado quanto Putin pela guerra" – SIC três vezes – o fato é que o Brasil de Bolsonaro tem sido leniente, senão conivente com a Rússia, e objetivamente solidário com Putin na sua guerra de agressão contra o povo da Ucrânia, e que, MAIS IMPORTANTE, Lula se prepara para REFORÇAR os laços com o BRICS e os Brics, numa perspectiva em que o dirigente russo pode ser acusado de CRIMES DE GUERRA, CONTRA A PAZ E A HUMANIDADE. 

Ou seja, o Brasil, com uma política externa que sempre se pautou PELA DEFESA DA CARTA DA ONU e dos princípios mais elementares do DIREITO INTERNACIONAL, se prepara para continuar, reafirmar e talvez até reforçar seus laços diplomáticos e de cooperação com um país que VIOLOU A CARTA DA ONU e que viola repetidamente as LEIS DA GUERRA, cometendo CRIMES EM SÉRIE. Não sei o que seria maior ruptura com padrões, princípios e valores de nossa diplomacia, e até da CONSTITUIÇÃO, para maior VERGONHA da diplomacia profissional.

Até quando?

Paulo Roberto de Almeida

Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda da Rússia na guerra

Ex-presidente, que condenou a invasão, afirmou que Zelenski também é culpado no conflito

    São Paulo

    O governo da Ucrânia incluiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT para tentar voltar ao cargo em outubro, numa lista de "oradores que promovem narrativas de propaganda russa".

    A acusação foi publicada no site do Centro para Contenção de Desinformação, uma entidade criada pelo presidente Volodimir Zelenski no ano passado que integra a guerra informativa entre Rússia e Ucrânia pela ótica do que Kiev considera fake news e manipulações do Kremlin.

    Lula e Putin no Kremlin durante visita do ex-presidente ao russo em 2005
    Lula e Putin no Kremlin durante visita do ex-presidente ao russo em 2005 - Eduardo Knapp - 18.out.05/Folhapress

    Lula é o único brasileiro numa relação de 78 pessoas, 30 das quais americanas. Está lá por dois motivos, segundo o centro: disse que a Rússia deveria liderar uma nova ordem mundial e que Zelenski é tão culpado pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.

    Não há registro sobre o petista ter dito a primeira assertiva. Nos seus oito anos de mandato (2003-10), Lula promoveu uma política externa voltada para relações Sul-Sul, na qual a Rússia estava inserida como membro fundador do Brics, bloco político-econômico que une Brasil, China, Índia e África do Sul também.

    Em inúmeras ocasiões o então presidente e membros do seu governo enalteceram a ideia de uma alternativa à diplomacia dominada pelos EUA e pela Europa, o que é bastante diferente de dizer que a Rússia deveria dominar o sistema internacional.

    Já a segunda frase está na polêmica entrevista concedida por Lula à revista americana Time, publicada em maio. Nela, afirmou: ​"Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado".

    Jair Bolsonaro em viagem à Rússia

    A assessoria de Lula disse que não comentaria o caso, mas lembrou que o petista condenou a invasão da Ucrânia. Considera as críticas à fala de Lula uma questão de "má vontade". Mesmo entre aliados do petista, houve a leitura de que, independentemente do mérito da opinião, ela poderia ter sido amainada, já que Kiev foi o objeto da agressão de Moscou.Mas não houve a usual exploração por parte de seu maior rival, o presidente Jair Bolsonaro (PL), por um motivo simples:o mandatário concorda com o antecessor.

    Esta é a segunda interação entre o conflito no Leste Europeu e a eleição brasileira. Na semana passada, Zelenski concedeu entrevista à TV Globo e criticou a posição de neutralidade advogada por Bolsonaro. O Brasil condenou a invasão em uma resolução na ONU, mas não aderiu às sanções contra Moscou.

    O fez por interesses econômicos: quis manter o fluxo de fertilizantes russos para o agronegócio brasileiro e, agora, busca negociar diesel com desconto para aliviar a crise inflacionária dos combustíveis.

    O caminho, criticado por Zelenski, que vê na relativização das relações com Moscou algo equivalente à tentativa de apaziguar Adolf Hitler feita pelo Ocidente antes da Segunda Guerra, não é uma exclusividade brasileira. A China e a Índia, não por acaso membros do Brics, aumentaram brutalmente a importação de hidrocarbonetos russos, gerando críticas de que ajudam a financiar a guerra de forma indireta. Além disso, o Itamaraty historicamente advoga por soluções de conflitos negociadas, evitando tomar partido.

    A lista do centro ucraniano não tem efeito prático. Nela, diplomaticamente, não há chefes de Estado: Bolsonaro, que visitou Putin e lhe prestou solidariedade uma semana antes da guerra, não aparece.

    Candidatos a presidente, contudo, estão lá. Além de Lula, dois derrotados do pleito francês deste ano figuram: Marine Le Pen e Eric Zemmour são criticados por posições pró-Moscou. A França, liderada por Emmanuel Macron, é frequentemente alvo em Kiev por suas posições menos agressivas em relação a Putin. Talvez não por acaso, é o segundo país com mais nomes no índex, 12.

    A publicação, feita em 14 de julho, foi destacada pelo site britânico UnHerd nesta segunda (25). Há lá políticos, jornalistas, cientistas políticos e analistas que deram opiniões consideradas pró-Rússia.

    A publicação ouviu algumas pessoas lá listadas, como o cientista político americano John Mearshimer, um advogado da chamada linha realista das relações internacionais que sempre apontou a atitude do Ocidente em relação à Rússia como parte das raízes do conflito.

    "Quando não conseguem derrubar seus argumentos com fatos e lógica, eles difamam. Eu argumento que é claro, pela evidência disponível, que a Rússia invadiu a Ucrânia porque os EUA e seus aliados europeus estavam determinados em fazer do país um baluarte ocidental", afirmou.

    Este é um ponto central geopolítico para entender a crise desde que Putin anexou a Crimeia, em 2014, mas a mera discussão foi proscrita em parte do Ocidente porque acaba se assemelhando a uma justificativa para a guerra. O que não é: entender razões, ou problematizar o senso comum, não implica endosso.

    Outro nome na lista, o jornalista americano Glenn Greenwald, acusou no Twitter o governo da Ucrânia de macarthismo —referência à caça às bruxas contra supostos comunistas na década de 1950 nos Estados Unidos sob a inspiração do então senador Joseph McCarthy.

    Ele lembra que Zelenski opera uma censura pesada ao trabalho jornalístico dentro da Ucrânia, suprimiu a oposição e viu presos rivais desde que exerce o poder sob a sombra das bombas de Putin.

    Não que a situação seja muito melhor do outro lado das trincheiras. Putin, que já havia suprimido na prática o dissenso político na Rússia nos últimos dois anos, instalou um controle informativo e de censura militar duro em seu país. A mídia independente foi virtualmente extinta e quem for acusado de divulgar fake news sobre a guerra, que nem assim pode ser chamada, arrisca-se a pegar 15 de cadeia.