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terça-feira, 2 de agosto de 2022

Apogeu e demolição da Política Externa, livro de Paulo Roberto de Almeida, por Ruben Maciel Franklin

Resenha de livro: 

Paulo Roberto de Almeida: 

Apogeu e demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira

Curitiba: Appris, 2021, 292p.

Ruben Maciel Franklin

 

Introdução 

 

Lançado em 2021, o livro Apogeu e demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira, do sociólogo e diplomata Paulo Roberto de Almeida, se propõe a elucidar os problemas centrais que percorreram as Relações Internacionais do Brasil nas últimas três décadas. Abrange, então, um período que vai desde a estabilização democrática, em meados dos anos 1990, até a implementação hodierna do programa fundamentalista e ideológico de Jair Messias Bolsonaro. 

O “apogeu”, para o autor, significou uma maior visibilidade de atuação do Itamaraty - o think tank do Ministérios das Relações Exteriores (MRE) -, a partir de relações consensuais e relativamente coordenadas entre os chefes de Estado e diplomatas. Tal situação havia adquirido ânimo com a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002), e se manteve, mesmo com alguns reveses, nas orientações do Governo Lula (2003 – 2010) até o encerramento do lulopetismo, quando do impeachment de Dilma Rousseff e a breve promoção do vice-presidente Michel Temer. A partir de 2019, contudo, após o triunfo da candidatura de Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República, a Política Externa brasileira conheceria seus anos de “demolição”, sendo submetida a uma reformulação com base em teorias da conspiração que enxergavam o globalismo, o comunismo e o “marxismo cultural” como grandes inimigos do mundo ocidental, numa assimilação esquizofrênica dos slogans de Donald Trump e da extrema-direita estadunidense.

É verdade que o autor se concentra no tempo presente, o que lhe coloca diante das armadilhas de interpretar os eventos no “calor da hora”, quando as ações dos sujeitos históricos se mostram dúbias e atravessadas pelas motivações políticas e ideológicas de sua época. Por outro lado, ele também é bastante arguto em considerar as múltiplas e contraditórias relações temporais que influenciaram os itinerários da nossa diplomacia. Para ele,a compreensão do que significou (e do que significa) a ruptura bolsonarista só é possível mediante uma investigação que situe os conceitos fundamentais e as bases operacionais da diplomacia brasileira nos últimos dois séculos, isto é, a partir das experiências próprias dosurgimento da diplomacia profissional e do Estado independente pós-1822.

O autor

Paulo Roberto de Almeida é Licenciado em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1975), possui Mestrado em Planejamento Econômico e Economia Internacional (Universidade de Antuérpia, 1977) e Doutorado em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1984). Entre os anos de 1996 e 1997, elaborou tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco(IRBr), do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Diplomata de carreira, concursado em 1977, o autorexerceu diversos cargos na Secretaria de Estado do MRE e em embaixadas do Brasil no exterior, sendo ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999- 2003) e Assessor Especial do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2003  2007)Entre agosto de 201e março de 2019, exerceu o cargo dediretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre Gusmão, órgão vinculado ao Itamaraty.

Econjunto com a carreira diplomática, ele acumulou vasta experiência na pesquisa e docência universitárias, destacando-se o período em que foi orientador no Mestrado em Diplomacia dIRBr, entre 2004 e 2009, e professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação em Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub), de 2004 a 2021.Desde o início dos anos 1990, publicou dezenas de livros e artigos em que investiga os mais diferentes objetos na disciplina das Relações Internacionais do Brasil: historiografia, integração regional e diplomacia econômica, além da produção de ensaios sobre história das ideias políticas. Seu livro Apogeu e demolição da Política Externa encerra um conjunto de cinco obras que ele denominou de ciclo bolsolavistaMiséria da diplomacia (2019), Uma certa ideia do Itamarat(2020), O Itamaraty num labirinto de sombras (2020) e O Itamaraty sequestrado (2021). Nestas, o autor avalia o processo deideologização da política externa a partir da eleição de Jair M. Bolsonaro, bem como suas implicações negativas para a identidade e performance do país nos foros multilaterais.

É importante frisarmos proeminência que o autor adquiriu no campo da historiografia brasileira das relações internacionais, sendo nome recorrente nas ementas de disciplinas universitárias, ao lado de outros intelectuaiscontemporâneos, tais como: Paulo F. Vizentini, Norman B. dos Santos e Henrique A. OliveiraSeu livro Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalizaçãolançado em 1998, é uma das poucas interpretações que realiza uma síntese histórica das relações internacionais do Brasil de modo a situar as linhas gerais de atuação da diplomacia e sua relevância nos projetos de formação da nação.

O(s) Contexto(s)

A publicação de Apogeu e demolição da Política Externa deve ser encarada como um projeto intelectual que reúne dimensões científicaspolíticas e ideológicasÉimpossível menosprezarmos o lugar social de seu autor, que é um diplomata de carreira, com décadas de experiência tanto no MRE quanto na docência universitária. É a partir desse lugar que ele investe contra as deformações da diplomacia brasileira inauguradas pelo governo de Jair M. Bolsonaro, sendo uma testemunha imediata das transformações ocorridas dentro do Itamaraty, assim como um investigador que procurasistematizar essa conjuntura de turbulências com relativograu de distanciamentoA tensão dialética entre subjetividade e objetividade está no escopo da obrae o autor nunca deixa que a sua defesa da tradição diplomática (isonomia, hierarquização, profissionalização) se reduza aterreno metafísicoAs feições da diplomacia bolsonarista são descobertas no campo teórico-metodológico das Ciências Sociais, pelo qual temos acesso aos modelos descritivos, comparativos e explicativos que apresentam os condicionantes históricos e as ações políticas que vieram a estabeleceo apogeu e demolição da política externa.

A polarização ideológicasobretudo, nas últimasdécadastrouxe implicações indeléveis sobre o papel das relações exteriores no tocante ao desenvolvimento social e econômico do país. A diplomacia se transformou numaplataforma de luta política no interior de uma democracia representativa e pluripartidaristaisto é, uma arena de embates sobre as alternativas e/ou caminhos de inserçãodo Brasil no capitalismo internacional. Quanto isso, o autor deixa entrever uma diplomacia que foiconstantemente sacrificada em prol de interesses ideológicos ou personalistas de algum presidente. ANova República, a partir dos anos 1980, fora gerida por uma diplomacia presidencial que oscilou entre abertura econômica e nacionalismo, o pragmatismo (FHC) o personalismo (Lula); não obstante, esse tipo de negociação se justificasse pela busca permanente dos interesses nacionaisNesse ínterimo livro averígua como a ascensão de uma nova direita, radical e sectaristacriouuma atmosfera favorável para o êxito eleitoral de Jair M. Bolsonaro e, consequentemente, de validação das teorias conspiratórias (marxismo cultural, anticomunismo e globalismo) que viriam demolir os pilares do Itamaraty.

Tem-se em vista, igualmente, a dinâmica de interação entre política interna e política externa, ocasião em que o autor desenvolve uma crítica mordaz ao negacionismo e revisionismo históricotáticas bolsonaristas que incidiram na desconstrução da imagem positiva do Brasil noexterior. A relativização da pandemia covid-19, a recusa da política ambiental e o desrespeito aos direitos dasminorias sociais (indígenas, quilombolas, mulheres, negros, LGBTQI+ etc.) implodiram o protagonismo da nação nos fóruns internacionais, transformando-a num pária diplomáticoÉ daí que Paulo Roberto de Almeida se ocupa de um novo planejamento estratégico para oMRE, almeja uma diplomacia profissional de caráter intelectualhierárquico e consultivo, imagina uma reviravolta na ideologização interna/externa e um conjunto de medidas outras no plano multilateral e de integração regional que reinventasse a projeção internacional do Brasil. 

A obra e comentários à mesma

Dos seis capítulos que compõem o livro, cinco deles analisam as diferentes conjunturas históricas da Política Externa brasileira. Eles possuem uma estrutura mais ou menos similar, embora com temáticas específicas (historiografia, periodização histórica, processos decisórios, diplomacia presidencial e profissionalização). Num primeiro momento, o autor se atém ao elitismo intelectual e aristocrático dos regimes monárquicos, depois passa um olhar sobre a orientação hierárquico-comercialista da República Velha (1889 – 1930), para, então, destacar o personalismo e a busca pela autonomia erguidas no varguismo (1930 - 1945). Mais adiante, ele desenvolve o significado de soberania, alinhamento, autonomia e/ou independência nacionais a partir do pragmatismo assumido pela Ditatura Militar (1964 – 1985), que, a despeito, abriria o horizonte para o status de profissionalização e unificação dos processos decisórios nos anos de redemocratização. 

Uma vez expostos as oportunidades e os obstáculos encontrados pela diplomacia brasileira naquela que seria sua tarefa máxima, a contínua modernização econômica, encontramos um sexto e último capítulo que mapeia as ações a serem executadas no intuito de reconstrução do papel do Itamaraty. É importante frisarmos a importância do sexto capítulo no quadro geral do livro, pois este funciona como uma agenda programática que informa alternativas para a superação daquilo que Paulo Roberto de Almeida chama de “antidiplomacia”, ou de “diplomacia bolsolavista”, isto é, as práticas megalomaníacas implementadas pela chancelaria de Bolsonaro (inspiradas nas ideais de Olavo de Carvalho) que contrariavam uma longa tradição de deferência ao Direito Internacional, de busca pelos interesses nacionais e de não-intervenção em assuntos externos. Sendo assim, obtemos um exame sucinto dos princípios que deveriam orientar as relações do Brasil no capitalismo globalizado, tais como multilateralismo, bilateralismo e regionalismo, além de proposições relativas às políticas públicas (meio ambiente, educação, renda social, combate à corrupção) a serem negociadas no âmbito de uma Política Externa que fosse conduzida como parte integrante de um projeto maisamplo de desenvolvimento nacional.

Quanto a isso, enxergamos igualmente uma ênfase sobre as “grandes linhas de atuação” da Política Externa, algo que percorre a obra como um todo. A começar pelo primeiro capítulo, intitulado “Relações Internacionais do Brasil: uma síntese historiográfica”, no qual o autor analisa um conjunto de obras que, desde meados do século XIX, interpretaram os contornos da história do Brasil tendo como medida o lugar de destaque assumido pelas Relações Internacionais. Nesse ponto, o autor demarca os pontos de inflexão de uma historiografia brasileira da Relações Internacionais, optando por uma breve análise daquelas obras que ele considera como sendo as “leituras panorâmicas” ou “sínteses históricas” de uma diplomacia com feições nacionais. 

Sua periodização se detém inicialmente na “fase historicista”, cujo principal nome é Francisco A. de Varnhagen, o qual elabora a uma leitura positivista e triunfalista do Brasil que é abraçada, posteriormente, pelos manuais escolares de João Ribeiro e de Oliveira Lima. Na sequência, uma “fase cientificista” seria protagonizada por Pandiá Calógeras, que, entre 1927 e 1933, publicaria os três volumes da História da Política Exterior do Império. Somente no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, como resultado das aulas ministradas no Instituto Rio Branco (IRBr), Delgado de Carvalho (1959) e Hélio Vianna (1961) publicariam seus manuais didáticos de história diplomática, num momento em que a diplomacia começaria a angariar algum espaço nas universidades. À revelia de sua metodologia linear, cronológica e descritivados eventos, ou seja, uma história essencialmente política, Paulo Roberto de Almeida assinala que “uma das características detectadas nesses trabalhos acadêmicos [“fase academicista”] foi o objetivo de identificar as grandes linhas da política externa brasileira, que teriam influenciado ou permitido (ou não) o atingimento da autonomia nacional” (ALMEIDA, 2021, p. 57). 

A historiografia, grosso modo, evidenciaria uma atuação propositiva e relativamente autônoma do Brasil cenário global. As leituras sobre o processo de independência, a descrição do funcionamento dos tratados comerciais e das questões em torno do tráfico atlântico, assim como das negociações relativas às fronteiras e circulação no Rio da Prata durante o século XIX, podem ser vistas como os primeiros ensaios de projeção da nação recém-independente. Uma disposição político-ideológica que fora acompanhada pelo historiador José Honório Rodrigues em suas notas de aula para o IRBr, datadas de 1946 a 1956, mas publicadas somente em meados dos anos 1990, como Uma história diplomática do Brasil. De acordo com Paulo Roberto de Almeida, os novos e originais manuais de História Diplomática, de Amado Cervo & Clodoaldo Bueno (1992) e Rubens Ricupero (2017), surgiriam apenas nos anos 1990, acompanhando as exigências do crescimento da área no ensino superior e agora sob a chancela teórico-metodológica do estruturalismo (“as forças profundas”), do desenvolvimentismo e da percepção de uma identidadenacional. Em resumo, um exame da historiografia seria a chave para compreendermos os objetivos permanentes (e nunca inteiramente alcançados) da política externa brasileira, “(...) como sendo a afirmação e a consolidação da independência nacional, bem como a busca do desenvolvimento econômico” (ALMEIDA, 2021, p. 57).

A obra em questão, Apogeu e demolição da Política Externa, poderia muito bem ser incluída nesse rol historiográfico. Em seu segundo capítulo, “As Relações Internacionais do Brasil em perspectiva histórica”, o autor esboça as linhas de continuidade e ruptura da diplomacia brasileira num exercício de periodização que se inicia no Império (1822 – 1889) e alcança a “antidiplomacia” bolsonarista. Ele percorre algumas etapas cruciais de evolução das Relações Internacionais, sempre colocando em relevo a condição inegociável de autonomia e reciprocidade no que se refere as escolhas estratégicas dos agentes e instituições no sentido de construção da Nação. Exemplo significativo seria o da Era Vargas, no qual a atuação engenhosa de Oswaldo Aranha garantiria a aliança com os Estados Unidos no contexto de Segunda Guerra (1939 – 1945) e, com isso, os subsídios necessários para a implementação de uma base siderúrgica. Até mesmo durante o Regime Militar, de viés autoritário e tecnocrata, houve um expediente de não alinhamento aos interesses imperialistas estadunidenses e manutenção de uma margem de liberdade para busca de novos mercados, além de elevada autonomia para o crescimento da diplomacia profissional.

A transição para o regime democrático em meados dos anos 1980, recebendo o legado terceiro-mundista e desenvolvimentista acalentando pelos militares, bem como o endividamento externo advindo das aventuras do “Brasil Grande Potência”, teve que ser amparada por uma diplomacia presidencial que se propusesse a inserir o país num plano mundial caracterizado pelo desaparecimento da URSS e expansão do capitalismo globalizado. Paulo Roberto de Almeida afirma que, entre 1985 e 2002, os chefes de Estado (Sarney, Collor e Franco), em especial,Fernando Henrique Cardoso, acionaram o staff diplomático para avançarem nos objetivos de abertura econômica e estabilização financeira. Daí saíra a criação de uma nova moeda, o Plano Real, além do ímpeto pelas negociações inter-regionais e busca pela integração na América do Sul (MERCOSUL). 

Essa diplomacia presidencial teria sua culminância na presidência de Lula, o qual, a partir de 2003, inaugurou uma espécie de diplomacia às avessas, onde as decisões partiam do chefe de governo na direção dos secretários e diplomatas. Altos investimentos publicitários na figura do Presidente, seguindo-se de visitas aos líderes de países vizinhos ou das grandes potências, trouxeram uma “roupagem personalista” no exercício diplomático. Um tipo de diplomacia cujas metas se confundiam com a plataforma ideológica do Partido dos Trabalhadores (PT), isso em seu apoio aos candidatos progressistas na América Latina e a abertura de embaixadas em países africanos e asiáticos, o que, em teoria, criaria um ambiente de relações amistosas no âmbito do Sul Global. O lulopetismo, de tal modo, cultivou suas próprias antinomias em matéria de Política Externa: foi personalista, mas intensificou as relações bilaterais e multilaterais; projetou uma dinâmica de interação Sul-Sul, sem que isso fosse revertido em saltos mais significativos na integração regional ou redefinição do lugar periférico ocupado pelo Brasil nos organismos internacionais. 

É preciso ressaltar que o Itamaraty, nesse período, se mantivera como lugar de razoabilidade, resguardando seus matizes de multilateralismo e isonomia nos processos decisórios. Algo que foi preconizado no curto intervalo de tempo em que Michel Temer esteve à frente do governo, quando parecia que a Casa finalmente retornaria aos seuspadrões tradicionais de disciplina e hierarquização. Não obstante, a corrida eleitoral de 2018 e sua manifesta polarização entre esquerda e direita, colocaria as Relações Internacionais no “olho do furacão”. A vitória de um candidato de extrema-direita, Jair Messias Bolsonaro, sem que apresentasse qualquer programa relativo à Política Externa, colocaria em xeque as raízes históricas e fundacionais da diplomacia nacional.

Inicia-se, então, o que Paulo Roberto de Almeida anuncia como a “diplomacia bizarra” de Bolsonaro, com a adoção de métodos e discursos “nunca antes” vistos em matéria de defesa dos interesses nacionais. Primeiramente, o diplomata recai sobre o inútil programa de Política Externa apresentando junto ao TSE, o qual se parecia mais com um panfleto partidário baseado em abstrações teóricas e revanchismos ideológicos. A ideia era romper com os princípios de cooperação e de não-intervenção, anulando os conceitos de multilateralismo e universalismo do Itamaraty ao sugerir uma subserviência inédita aos Estados Unidos, naquele momento representando pela figura de Donald Trump. Na prática, os primeiros anos de governo Bolsonaro reduziram o Brasil à condição de “pária internacional”. Além da descortesia do Presidente com os líderes estrangeiros (França, Alemanha, Chile) e do crasso louvor às ditaduras, o que se viu foi um negacionismo em questões extremamente relevantes da política exterior, como Meio Ambiente, Direitos Humanos, e, sobretudo, na ausência de mecanismo de combate à pandemicovid-19.

No terceiro capítulo, “Processos decisórios na história da Política Externa brasileira”, obtemos um quadro geral de como o fundamentalismo olavista (“o bolsolavismo”) demoliu a estrutura orgânica – formalizada, hierarquizada, burocratizada – do MRE. Na contramão de reconhecida profissionalização dos “negócios do exterior” que, desde o final do século XIX, se pautava na seleção e formação de diplomatas, aspecto que se consolidou quando da criação do IRBr, em 1945, Bolsonaro iniciou uma reformulação drástica nos quadros decisórios do Itamaraty no sentido de atender às demandas de sua “franja lunática”.

A ausência de qualquer sinal aparente de processo decisório no governo de Bolsonaro – que, na verdade, representa um amálgama altamente diversificado de grupos de influência, sem qualquer qualificação intelectual reconhecida, com grande ênfase em círculos conservadores ou de extrema-direita, quando não reacionários e saudosistas da ditadura militar – pode ser aferida antes mesmo do início do seu governo, quando o candidato e membros da sua esfera familiar começaram a anunciar as grandes linhas de um governo que já prometia, de imediato, estremecer as bases tradicionais de funcionamento das políticas públicas, em particular da política externa. Com efeito, desde vários meses antes de sua eventual eleição já se sabia que o candidato, deum anticomunismo primário que faria corar os generais mais comprometidos com a ditadura militar, exibia, em qualquer ordem que se queira destacar, as seguintes “peculiaridades”: notória ojeriza à China comunista; uma especial admiração por Israel e pelos Estados Unidos (mas em especial pelo presidente Trump); que ele odiava o “marxismo cultural” das universidades brasileiras, o “politicamente correto” dos círculos progressistas, intelectuaise da esquerda em geral; que ele detestava todas as medidas em favor de minorias – sua homofobia foi várias vezes ressaltada, por ninguém menos do que ele mesmo –, com ênfase nos direitos indígenas, das mulheres, de eventuais contraventores (naquela visão fascista de que “bandido bom é bandido morto”); que desprezava qualquer compromisso com políticas de sustentabilidade (um conceito para ele não só inexistente, como sobretudo impertinente); que pretendia retomar a exploração de áreas protegidas; que pretendia abolir determinadas medidas protetivas no campo da fiscalização dessas áreas; que estimulava abertamente o armamentismo, os infratores de normas legais (tráfico, caça e pesca etc.) e várias outras coisas mais, num catálogo bastante amplo de “inovações” conceituais e práticas(ALMEIDA, 2021, p. 143 e 144)

Já no terreno da Política Externa, 

(...) também se sabia que o presidente e seu chanceler designado pretendiam dar combate direto à “esquerdalha” latino-americana, escorraçar o Foro de São Paulo do continente – sob recomendação do seu guru sempre elogiado, o sofista expatriado na Virgínia – e pretendiam fazer aliança com outros líderes de direita da região e fora dela. A violação dos processos decisórios típicos do Itamaraty teve início ainda antes da assunção do governo, quando um grupo de neófitos e amadores, acompanhados por não mais do que três diplomatas engajados na nova equipe, conduziu à mais radical reforma da estrutura e dos procedimentos no Itamaraty, sem qualquer consulta à Casa, a qual “desabou” sobre a instituição nos primeiros dias do bizarro governo: para sinalizar “mudança radical”, todos os nomes de todas as unidades do organograma do Itamaraty foram alterados (em alguns casos com substitutivos absolutamente ridículos, abusando do conceito de soberania, por exemplo), o que poderia representar, talvez, uma mera mudança cosmética, mas que na prática significou a alteração de vínculos de subordinação e uma pequena revolução na estrutura do processo decisório, justamente. Divisões foram extintas, outras criadas, ao sabor das alucinações da pequena patota que trabalhou clandestinamente, ou pelo menos em segredo, no âmbito da equipe de transição: todos os relatórios sobre o “estado da arte” da agenda diplomática em curso foram prestados pelo governo Temer e pelo Itamaraty do ministro Aloysio Nunes, mas supõe-se que pouco foi utilizado naquelas poucas semanas febris (ALMEIDA, 2021, p. 144).

 

De algum modo, Jair Messias Bolsonaro pode ser encaixado no conceito de “diplomacia presidencial”, que éo mote central do quarto capítulo, “A política da Política Externa: as várias diplomacias presidenciais”. O que lhe diferencia do protagonismo de outros presidentes na história da República (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Ernesto Geisel, José Sarney, Fernando H. Cardoso e Lula), é a completa inversão da tendência de autonomização e busca do universalismo nos acordos geopolíticos. Enquanto os governos anteriores investiram sua personalidade na defesa de um projeto demodernização econômica e ampliação da rede de negócios internacionais, o radicalismo de Bolsonaro tendia a fazer do país uma extensão da política exterior dos Estados Unidos. Em resumo, o personalismo autoritário bolsonarista erigiu uma Política Externa publicista, ideologista, conspiratória, reducionista, subserviente e amadora. Nas palavras de Paulo Roberto de Almeida (2021, p. 195), “se existe alguma liderança presidencial, é no sentido da destruição, da demolição das políticas e das instituições existentes, com arremedos de ações disparatadas em seu lugar”.

Balanço 

A “antidiplomacia” a que o autor faz alusão se justifica pelo isolacionismo a que o Brasil foi submetido no que concerne aos principais debates internacionais sobre educação, meio ambiente, aquecimento global, direitos humanos e políticas sociais voltadas para às minorias (negros, indígenas, mulheres etc.). A postura negacionista com relação a essas pautas, somando-se a constante atmosfera de animosidade e de ruptura com os governos progressistas sul-americanos, trouxe enormes prejuízos à imagem do Brasil. A curto prazo, os surtos ideológicos do Presidente inviabilizaram acordos vantajosos entre Mercosul e União Europeia, reduziram a potencial de comercialização de gêneros alimentícios com a China, entre outros parceiros dito “comunistas”, além de ter impulsionado a crise de uma economia já duramente atingida pela pandemia.

Os “anos Bolsonaro” talvez sejam aqueles que melhor representam “O outro lado da glória: o reverso da diplomacia brasileira”, que é justamente o objeto de análise do quinto capítulo. Em duzentos anos de História Diplomática, é certo que o Brasil conheceu uma série de reveses: os tratados comerciais com a Inglaterra no início do século XIX, as etapas de alinhamento americanista no Império e na Primeira República, o endividamento externo do nacional-desenvolvimentismo (de JK aos militares), e, sem dúvida, os avanços e recuos ideológicos das várias diplomacias presidenciais. Todavia, seguindo a trilha do autor de Apogeu e demolição..., nenhum dos fracassos demarcados anteriormente se compara a total deformação das Relações Internacionais do tempo presente. Sua frente capital, a aversão ao “globalismo” (numa leitura superficial sobre ideologia de gênero, multilateralismo, ambientalismo, “marxismo cultural” etc.), visto como um dos pilares de destruição do ocidentalismo, significara uma derrapagem nos julgamentos racionais que nortearam a tradicional diplomacia brasileira. Desse modo, somente um “planejamento estratégico” poderia restaurar as funções de representação, comunicação e negociação do Itamaraty, no sentido de acentuar a inserção internacional do país. A superação desses anos de espetáculo obscurantista teria que vir pela adesão ao Direito Internacional, a construção de parcerias heterogêneas (regionais, continentais e intercontinentais), a previsão de entrada em blocos estratégicos, uma abertura econômica gradual e, por fim, um compromisso com os valores que regem as constituições democráticas. 

Segundo Paulo Roberto de Almeida, a diplomacia não pode alcançatais objetivos isoladamente. Ela é uma das ferramentas subsidiárias que pode influir (ou não) em programas políticos e/ou escolhas vantajosas aos níveismicro e macro. Sua contribuição na elaboração de umprojeto de desenvolvimento social e econômico depende das articulações entre governantes, instituições, sociedade civil e elites locais, observando-se, então, as condiçõesobjetivas de inserção da nação num sistema capitalistaglobal e em contínua transformação. 

 

 

Ruben Maciel Franklin

Universidade da Integração da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), Ceará, Brasil

Bolseiro de estágio de Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, CEIS20, FLUC

rubenmaciel@unilab.edu.br

http://lattes.cnpq.br/7015182150922669

 

 

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Eleições 2022: existem chances, ainda, para Bolsonaro? - UOL notícias

Apenas atualizando as informações... 

A dois meses da eleição, Bolsonaro ainda tem chances de vencer?

UOL Notícias. 1/08/2022

A exatos dois meses das eleições, a pergunta que os brasileiros mais repetem é: ainda dá para Jair Bolsonaro (PL) vencer nas urnas? Formulada de outro modo, ela seria: Lula (PT) já pode se considerar eleito? A julgar pelo comportamento do próprio presidente, que insiste em tumultuar o processo eleitoral, muito provavelmente em busca de pretextos para virar a mesa em caso de derrota, as respostas são desfavoráveis para o atual mandatário.

Conforme mostra o Agregador de Pesquisas do UOL, Bolsonaro come poeira atrás de Lula, rodada após rodada dos mais importantes levantamentos. Ou seja, o prazo para uma reação vai se encurtando e, como consequência, aumentando a expectativa para a fase decisiva da campanha, que começa oficialmente nos próximos dias.

Segundo pesquisadores, políticos, estudiosos do comportamento do eleitor e especialistas em marketing eleitoral, ainda é cedo para decretar que a eleição está decidida, mas Bolsonaro terá de fazer uma campanha quase irretocável porque, além da desvantagem nas pesquisas, também perde para o petista nas articulações para a formação dos palanques nos estados.

A favor do presidente, no entanto, muitos apontam a enorme resiliência dele. Mesmo sob forte reação da sociedade civil, com a Carta pela Democracia, a seus ataques às instituições, ao sistema eleitoral e à democracia, ele vem demonstrando estabilidade nas pesquisas. Abaixo, os principais fatores que deixam a disputa aberta neste início de campanha e como eles podem alterar o cenário atual:

  • 1) É preciso esperar os possíveis (e prováveis) efeitos do pacote de bondades de Bolsonaro entre os brasileiros de baixa renda. O Auxílio Brasil de R$ 600,00 começa a ser pago a partir do próximo dia 9. Portanto, somente em meados deste mês as pesquisas começarão a captar eventuais efeitos da transferência direta de dinheiro no humor dos eleitores. Se a medida tiver o efeito que o governo federal espera, Bolsonaro poderá tirar votos diretamente de Lula em parcelas do eleitorado historicamente próximas do PT, os mais pobres e os nordestinos.
  • 2) Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa Datafolha, voltou a crescer entre os evangélicos, grupo que foi muito importante para sua eleição em 2018. O presidente deve intensificar ainda mais sua abordagem a essa faixa do eleitorado, com discurso conservador e ajuda de sua mulher, Michelle. Se a chamada guerra cultural dos bolsonaristas, calcada da dicotomia do bem contra o mal, voltar a surtir efeito, ele pode ganhar nacos importantes de apoio nesse segmento.
  • 3) Ainda que Lula esteja muito avançado nas articulações nos Estados, a dinâmica da disputa pode empurrar candidatos importantes para a órbita de Bolsonaro. Ou seja, onde o PT tiver candidatos fortes aos governos, é muito provável que seus adversários se aproximem do presidente, o que poderia equilibrar o jogo.
  • 4) A disputa em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, está indefinida, mas o candidato de Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), segue com chances de ir para o segundo turno. Em 2018, São Paulo foi decisivo na vitória do presidente. Com a ajuda de Tarcísio ou até mesmo de Rodrigo Garcia (PSDB), Bolsonaro pode se aproximar ou até mesmo superar Lula no estado, onde o PT lidera a corrida pelo Palácio dos Bandeirantes com Fernando Haddad.
  • 5) Em qualquer eleição, o horário gratuito de rádio e de televisão é considerado um fator decisivo. Até agora, há muita divergência no marketing da campanha do presidente, a cargo do PL. Porém, não é possível descartar que Duda Lima, o marqueteiro de Bolsonaro, consiga acertar a mão com uma campanha que aumente a rejeição de Lula e diminua a do presidente.
  • 6) Bolsonaro já está investindo pesado em aumentar a rejeição de Lula. Apesar de o discurso contra a corrupção não ser preponderante como era em 2018, ainda há parcelas importantes do eleitorado, especialmente nos grandes centros urbanos, sensíveis a ele. No geral, se conseguir ressuscitar o sentimento antipetista que arrastou parte do país entre 2016 e 2018, Bolsonaro pode, por inércia, ser o beneficiário desses votos de quem rejeita o ex-presidente e o PT acima de tudo.
  • 7) Em um movimento perigoso e de viés golpista, Bolsonaro está transformando o feriado cívico do 7 de Setembro em ato de campanha e de ataque à democracia e às eleições. Se conseguir um grande engajamento de seus eleitores, pode transformar sua bandeira em pauta eleitoral e obrigar os adversários e jogar em seu campo. Ou seja, tirar o foco do debate sobre seu governo, sobre a pandemia e a economia e transformá-lo em guerra ideológica e cultural.
  • 8) Os debates eleitorais são decisivos em todas as eleições, especialmente para quem está atrás nas pesquisas. O consórcio de veículos de imprensa, que inclui UOL, Folha de S.Paulo, G1, O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor, promoverá no dia 14 de setembro, em pool, um debate entre candidatos à Presidência da República.
  • 9) Ciro Gomes (PDT) continua ajudando indiretamente Bolsonaro ao criticar Lula sem dó nem piedade. Ao fim e ao cabo, o pedetista é um importante aliado do presidente na tarefa de aumentar a rejeição do petista. Se fizer esse jogo até o final da eleição, poderá evitar um voto útil ou estratégico de seus eleitores em Lula.

Se fizer tudo isso dar certo de maneira impecável, Bolsonaro deverá levar a eleição para o segundo turno, a fase decisiva em que os tempos de televisão e rádio são divididos ao meio entre os candidatos e a polarização, já muito estabelecida neste momento, deverá se intensificar ainda mais, o que pode favorecer as estratégias radicas e truculentas do presidente.

Não é uma missão simples. Até porque, Bolsonaro não joga sozinho, pelo contrário. Contra ele, há um adversário experiente, de um partido estruturado e que começa a encaixar seu discurso de que as eleições serão um plebiscito entre quem quer democracia e que não quer, como Lula disse em recente entrevista ao UOL.

Existe essa coisa de “capitalismo global”? Livro de Jeffry Frieden sobre Global Capitalism

 Acho que ainda é cedo demais para essa realida diáfana, e talvez nunca venha a existir…

Jeffry A. Frieden: Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century, and Its Stumbles in the Twenty-first  


Vou procurar esse livro, mas sempre tenho uma reação “braudeliana” quando alguém fala de “capitalismo global”, algo que não existe. 

O que existe são gradações diferenciadas da economia de mercado, jamais universal, pois que fragmentada pela infinita variações de capitalismos específicos, geralmente nacionais, mas alguns transnacionais. 

O de maior sucesso relativo no momento presente é esse “com características chinesas”, que alguns pretendem que seja o “socialismo do século XXI”, mas que nada mais é do que uma variante da economia de mercado, no caso dirigida por um partido leninista, outra variante da autocracia política.

domingo, 31 de julho de 2022

Hitler e seus Comediantes, pelo jornalista José Jobim (1934): reedição pela Topboks (2022).

 Um livro praticamente desaparecido dos sebos, desde suas duas edições de 1934, e que constitui um primeiro testemunho, por um brasileiro, sobre o regime nazista em ascensão: 

Hitler e seus Comediantes (RJ: Cruzeiro do Sul, 1934).

Alguns anos depois, o político e jornalista Lindolfo Collor, faria também seus relatos, mas para o final da década, no limiar da nova guerra global. 

Hitler e seus comediantes

(Rio de Janeiro: Topbooks, 2022)

Apresentação da Editora:

Jornalista e diplomata, o autor trabalhou como repórter para vários órgãos de imprensa e entre 1930 e 1936 foi enviado especial de O Jornal à Ásia, África e Europa.

Na Alemanha, impressionou-se com a ascensão meteórica de Hitler e fez anotações importantes para uma grande reportagem, que pretendia publicar na imprensa carioca. Mas, ao voltar ao Rio com essa intenção, nenhum jornal quis se ariscar. Então transformou o excelente material num livro, que teve duas edições em 1934, virou raridade e só agora, quase nove décadas depois, retorna às livrarias. 

Nele, José Jobim fala de tudo que viu, dos discursos inflamados de Hitler e das muitas pessoas que lhe contaram histórias dramáticas. Sua carreira diplomática teve início em 1938, e no Itamaraty, entre outros postos, serviu no Paraguai, durante o início das negociações para a criação da Hidrelétrica de Itaipu, e como embaixador na Argélia, Vaticano e Marrocos, aposentando-se em 1975. 

Em 22 de março de 1979, aos 69 anos, saiu de casa para visitar um amigo e não mais retornou. Encontrado morto dois dias depois, a polícia tratou o caso como suicídio, mas na verdade ele fora sequestrado e assassinado pela ditadura empresarial-militar por estar escrevendo um livro onde denunciaria um esquema de corrupção no financiamento e construção da Itaipu Binacional. 

Depois de anos de luta de sua família, em 2018 se deu o reconhecimento de que José Jobim havia sido vítima da violência do Estado brasileiro. Sua certidão de óbito foi corrigida.

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Ele tinha publicado, no mesmo ano, seu livro imediatamente anterior, que tratou do caso de Portugal sob o Estado Novo: 

A Verdade sobre Salazar: entrevistas concedidas em Paris pelo Sr. Affonso Costa (RJ: Calvino Filho, 1934).

Também registrei as investigações sobre a sua morte, bem como a homenagem que lhe foi prestada pela turma que se formou no Instituto Rio Branco em 2021 em pelo menos quatro postagens de meu blog: 

José Jobim: o embaixador que sabia demais - André Bernardo 

A ferida aberta do Itamaraty : José Jobim, patrono da turma de 2021 - Ricardo Lessa (Piauí)

Cold Case no Itamaraty: a estranha morte do embaixador Jobim em 1979 - Hellen Guimarães (revista Epoca)

Nova turma do Instituto Rio Branco homenageia embaixador morto pela ditadura - Eliane Oliveira (Globo)


Pedro, o libertador? Em parte, e não sozinho. Harmoniosa separação? Nem tanto...

 

Os baianos, e outros do NE, certamente não concordariam com essa "harmoniosa separação", pois que pessoas morreram resistindo às tentativas de manutenção do status colonial que tropas portuguesas pretendiam manter. A luta armada não foi só em prol da defesa da legitimidade da coroa portuguesa para sua filha Maria da Gloria, contra seu irmão absolutista D. Miguel. 

O Conselho de Minerva deveria ter mais cuidado ao redigir seu anúncio.

Paulo Roberto de Almeida

A armadilha do falso conservadorismo - Editoral Estadão

Roger Scruton, autor de Como Ser um Conservador, poderia assinar este editorial do Estadão. Grato ao embaixador Flavio Perri por te-lo transcrito.

Paulo Roberto de Almeida 


A armadilha do falso conservadorismo

O Estado de S. Paulo, Editorial, 31 de julho de 2022 


No Brasil não há um partido verdadeiramente conservador, mas há cidadãos conservadores genuínos. E estes devem ter coragem de denunciar impostores que falam em seu nome:

Na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, presidente americano de inquestionáveis credenciais conservadoras, a deputada Liz Cheney fez em junho passado uma apaixonada defesa de seu partido, o Republicano, e dos valores conservadores que a agremiação historicamente representa – em especial o respeito às leis e à Constituição. 

“Sou uma republicana conservadora. Acredito profundamente no governo limitado, nos baixos impostos, na defesa nacional. Acredito na família como centro de nossa comunidade e de nossas vidas. Acredito que essas sejam as políticas certas para nossa nação”, discursou Liz Cheney, para, em seguida, referindo-se ao ex-presidente Donald Trump, fazer um grave alerta: “Neste momento, estamos enfrentando uma ameaça interna como jamais tivemos em nossa história. Essa ameaça é um ex-presidente que está tentando destruir os fundamentos de nossa República Constitucional”.

Essa ameaça, enfatizou Liz Cheney, só é possível porque há republicanos que apoiam Trump mesmo diante de seu evidente ataque à democracia americana. “Nenhum partido, nenhuma nação consegue defender uma República Constitucional se aceitar um líder que decidiu deflagrar uma guerra contra o império da lei, contra o processo democrático e contra a transição pacífica de poder”, discursou a deputada republicana.

Em resumo, nessas poucas palavras, Liz Cheney, que integra a comissão parlamentar que está desnudando a tentativa de golpe de Trump depois das eleições em 2020, fez um apaixonado chamamento a seus correligionários conservadores para que caiam em si e deixem de sustentar o discurso anticonservador e reacionário do ex-presidente.

É um chamamento que se deve fazer aqui no Brasil também. 

O presidente Jair Bolsonaro, que faz praça de sua truculência antidemocrática e de seu amor à ditadura militar, chegou ao poder dizendo-se “conservador”, e não poucos genuínos conservadores aceitaram essa impostura em nome da necessidade de impedir que o PT, com seus gritos de guerra contra a propriedade, o capital e o livre mercado, retomasse a Presidência. 

Todavia, se houve quem comprasse de boa-fé a falácia de Bolsonaro em 2018, agora, ao final de seu mandato, já não há mais qualquer dúvida de que o presidente não é liberal nem, muito menos, conservador. Bolsonaro é apenas um oportunista reacionário com evidente inclinação para o autoritarismo.

A fim de evitar que os verdadeiros conservadores caiam novamente na armadilha que o agora incumbente tenta rearmar, é preciso relembrar quais são, de fato, as ideias e os valores que o conservadorismo encerra e por que alguém como Jair Bolsonaro é a sua perfeita negação.

Ser conservador é rejeitar as transformações radicais do Estado e da sociedade, preservando as tradições construídas pela sociedade ao longo do tempo e repelindo as rupturas. Em outras palavras: ser conservador é curvar-se ao império das leis e ao Estado Democrático de Direito, é defender a estabilidade e a independência de instituições democráticas, é rejeitar governantes que incentivam a cizânia e a violência. Ora, isso é tudo o que Jair Bolsonaro, definitivamente, não representa. A desordem que ele instila vai na direção contrária do conservadorismo. Bolsonaro personifica o caos.

Por isso, é preciso que os conservadores brasileiros rejeitem o bolsonarismo como representante de seus valores. É preciso resgatar o verdadeiro conservadorismo, desvinculando-o urgentemente de Bolsonaro, líder desse simulacro mambembe de conservadorismo que, como toda farsa, faz o oposto do que apregoa – em vez de respeito pelas instituições democráticas, golpismo; em vez de reverência às leis e à Constituição, valorização de delinquentes; em vez de ordem, confusão.

Nos Estados Unidos, a deputada Liz Cheney teve coragem de liderar a luta para resgatar o Partido Republicano das garras de Trump. Aqui não temos um partido conservador nos moldes do Republicano, mas certamente há um conservadorismo a ser defendido da razia bolsonarista. Se os conservadores de verdade não querem ser confundidos com Bolsonaro e seu conservadorismo de fancaria, é hora de se manifestarem.


A economia socialmente regressiva do degenerado moral - Ricardo Bergamini

 Ricardo Bergamini fuzila a economia socialmente regressiva do desgoverno do degenerado moral:

A aberração da concentração de renda entre os indivíduos

A parcela dos 10% com os menores rendimentos da população detinham 0,7% da massa, vis-à-vis 42,7% dos 10% com os maiores rendimentos em 2021. Além disso, cabe destacar que este último grupo possuía uma parcela da massa de rendimento maior que a dos 80% da população com os menores rendimentos (41,4%). Contudo, entre 2020 e 2021, o grupo dos 10% com maiores rendimentos ganhou participação na massa de rendimento domiciliar per capita (1,1 ponto percentual), enquanto os décimos de menor rendimento tiveram variação negativa.

Prezados Senhores

Bolsonaro, de forma cristã, aprovou o Auxílio Brasil que concede R$ 600,00 mensais aos milhões de brasileiros miseráveis, que detém apenas 0,7% da renda nacional.

Ao mesmo tempo, nos porões do palácio, faz um pacto com o demônio para que os bancos sequestrem 47,47% ao ano (3,29% ao mês) de juros da falsa caridade concedida de R$ 600,00.

Finalmente acusa os bancos de lutarem contra o seu plano de golpe por vingança da austeridade fiscal do governo. 

Se Deus não estiver morto, alguém vai se foder muito nesse governo de milicianos.

O que é o Empréstimo Auxílio Brasil? 

O Empréstimo Auxílio Brasil é um novo tipo de crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil. O valor do empréstimo comprometerá até 40% do benefício, descontado diretamente da folha de pagamento do segurado. 

E na meutudo você poderá solicitar o seu Empréstimo Auxílio Brasil com a menor taxa do mercado, a partir de 3,29% a.m! 

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Ricardo Bergamini”

“ O Brasil é um país que está embrutecendo.” - Maud Chirio (Journal du Dimanche)

 Brasil e suas violências

José Horta Manzano

Chumbo Gordo, 27/07/2022


…“O Brasil não é um país sob um regime ditatorial. É um regime baseado na desconstrução do Estado, que permite que a violência social floresça e seja incentivada na sociedade.”…


É interessante notar que um observador afastado, independente e não envolvido emocionalmente com nosso país consegue ter uma visão desapaixonada do drama que enreda o povo brasileiro. Para nós outros, que estamos envolvidos emocionalmente, é praticamente impossível fazer um julgamento neutro e imparcial.


O JDD (Journal du Dimanche) é um jornal semanal francês. Seu forte são entrevistas e artigos de fundo. A mais recente edição traz uma entrevista de Maud Chirio, historiadora francesa especializada em analisar a realidade brasileira.


Ela começa discorrendo sobre o aumento da violência:

“É violência urbana, mas há também uma explosão de violência feminicida, homofóbica e transfóbica e um aumento da violência política.”


E dá sua avaliação do momento político:

“O Brasil não é um país sob um regime ditatorial. É um regime baseado na desconstrução do Estado, que permite que a violência social floresça e seja incentivada na sociedade.”


E prossegue:

“Se Jair Bolsonaro for reeleito, o que é extremamente improvável, ou se ele manipular ou pressionar as eleições, estaremos em um ponto de inflexão. O Brasil poderia sair completamente do caminho democrático.”


Até chegar à impiedosa conclusão de sua análise:

 “O Brasil é um país que está embrutecendo.”


É de arrepiar. E pensar que o capitão imagina poder contar suas lorotas aos quatro ventos sem que ninguém se dê conta da feia realidade. Temos um bobão no Planalto. Um bobão perigoso.

____________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

sábado, 30 de julho de 2022

China: um universo à parte, sem qualquer possibilidade imitativa - livro sobre o "socialismo chinês"


 Um livro que tem recebido boa acolhida no Brasil é este sobre a China, do qual reproduzo mais abaixo o Press Release da Editora (na verdade feito pelos autores, que se pretendem “não ideológicos”).

 

Considero que ele possui a mesma incompreensão básica do famoso livro de Giovanni Arrighi sobre a China: Adam Smith vai a Pequim. O livro é interessante, mas o título é exatamente o contrário do que pretende. Não foi Adam Smith que foi a Pequim, mas a China que foi para a Escócia. 

Da mesma forma, não existe nenhum socialismo do século XXI, apenas o velho e duro capitalismo, com as deformações de um regime político ditatorial. Nada que o capitalismo não possa absorver.

Na verdade, falar de capitalismo nesse caso é um erro, como ensinava Fernand Braudel. O que se trata é de uma economia de mercado, em seus diferentes formatos.

Paulo Roberto de Almeida

 

China: O socialismo do século XXI

 

Resenha da Editora

Escrito para o público geral, o livro China: o socialismo do século XXI é um meticuloso trabalho teórico e estatístico de Elias Jabbour e Alberto Gabriele. A obra analisa a República Popular da China, gigante que se tornou, nas últimas duas décadas, a locomotiva do sistema econômico mundial. Afinal, o que é o socialismo chinês? É possível afirmar que difere do capitalismo tal qual o conhecemos até aqui, embora ainda seja prematuro defini-lo como alternativa consolidada. Com uma postura crítica, os autores não desconsideram a complexidade da China e fogem de preconceitos ideológicos como enquadrar o país como mais um fracasso socialista ou, na via oposta, como um paraíso do comunismo realizado. Oferecem ao leitor uma abordagem materialista, que analisa a peculiaridade das relações de propriedade e das ferramentas de planejamento/projetamento vigentes no país. Tudo isso para apontar seu papel crucial como alternativa realista à anarquia do capital. A obra apresenta um país que conseguiu, durante décadas, alcançar uma das taxas de crescimentos mais estáveis da história, passando de um dos mais pobres do mundo a segunda economia do planeta e que possui vasta base industrial e científica, sem ignorar que o sistema socioeconômico chinês também carrega contradições sérias que precisam ser analisadas e criticadas. Silvio Almeida, que assina a quarta capa, afirma que "o livro de Elias Jabbour e Alberto Gabriele é um trabalho corajoso. E aqui não se trata de exaltar um aspecto moral, externo à obra. A coragem a que me refiro é um atributo essencial às grandes empreitadas intelectuais que objetivam iniciar um debate público e orientado pela ciência em torno de temas fundamentais. É com esse propósito que os autores enfrentam o desafio de analisar a formação econômico-social da China e os sentidos do socialismo. É um livro que tende a tornar-se ponto incontornável nas discussões sobre as singularidades da economia chinesa e, por consequência, das possibilidades de ressignificação do socialismo”. Já Luiz Gonzaga Belluzzo escreve “este livro, magnificamente organizado e escrito por Elias Jabbour e Alberto Gabriele, gratificará o leitor com os sabores incomparáveis da aventura intelectual. Na vida do conhecimento e da compreensão da sociedade e da economia devemos sempre almejar à desconstrução do estabelecido e buscar os desafios do novo que nasce do movimento dos homens e de suas relações. É isso o que nos oferecem Jabbour e Gabriele. A aventura dos autores empenha-se em descobrir no socialismo da China a construção de uma nova formação econômica e social que instiga a perplexidade dos conformistas que não se cansam de indagar: Capitalismo de Estado ou Socialismo de Mercado?”

 

Contracapa

Trecho da orelha “Elias Jabbour e Alberto Gabriele estão entre os mais destacados estudiosos da China contemporânea e dos processos de transformação em curso, que ultrapassam suas fronteiras e abrem as perspectivas de novas formas de existência. Os autores entregam neste livro um rico material analítico e empírico e propõem uma síntese original entre o marxismo, o estruturalismo e o keynesianismo que não pode ser ignorada pelos cientistas sociais”. – Carlos Eduardo Martins


Eleições 2022: programas e propostas dos candidatos que os apresentaram

 Simone Tebet: MDB





Ciro Gomes: PDT




André Janones (terça-feira, 26 de julho):


Corrida para liquidar tudo no 1o turno? (Estadão)

 Bolsonaro, como  inepto que é, ao insistir em atacar o processo eleitoral, pode ter selado o fim de suas aventuras antidemocráticas. A sociedade reagiu, e ele vai ficar sozinho.

Convergência pró-democracia favorece uma solução eleitoral no 1o turno

Matéria do Estadão:


FORMALIZAÇÃO DA CHAPA LULA-ALCKMIN SELA UMA BUSCA FRENÉTICA PELO VOTO ÚTIL CONTRA BOLSONARO 

ESTADÃO, 30/07/2022


Ausente no lançamento oficial de sua própria candidatura pelo PT, o ex-presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA foi a estrela e fez o discurso contundente na convenção do PSB que formalizou, nesta sexta-feira, 29, o nome do ex-tucano e ex-governador de São Paulo GERALDO ALCKMIN como vice em sua chapa, justamente quando a principal estratégia da campanha petista é buscar o voto útil de líderes e eleitores do ex-PSDB de Alckmin e do MDB, Cidadania, Avante, União Brasil e PSD, sem contar o PDT.


Se CIRO GOMES (PDT) é o mais duro na queda, os candidatos do Avante, ANDRÉ JANONES, e do União Brasil, LUCIANO BIVAR, estão com um pé no barco de Lula contra o presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. GILBERTO KASSAB, manda-chuva do PSD, já está nesse barco desde o início, sem alardear, e Lula também tem sólidos apoios no PSDB e no MDB, o que pode deixar o CIDADANIA sem alternativa.


Lula sendo Lula, bradou que os moradores de rua “tratam melhor dos seus cachorros do que o Estado brasileiro cuida deles mesmos”, defendeu “amor, carinho generosidade” e aprofundou as comparações entre ele e Bolsonaro e entre os dois governos, conclamando os aliados a irem para a rua, mas advertindo que não quer uma campanha de ódio e dando uma ordem: “não vamos aceitar provocações”.


Segundo Lula, Bolsonaro não visitou uma só família vítima de covid, um único órfão, assim como não se reuniu com centrais sindicais, reitores, professores. E, apesar de o lançamento ser da chapa Lula-Alckmin, ou Lula-chuchu (apelido do ex-governador), e de ele ter elogiado os empresários que lideram o manifesto pela democracia, com mais de 400 mil assinaturas, Lula deixou claro que vai governar para os pobres e criará um ministério dos Povos Indígenas, com um ministro indígena.


Se Lula foi Lula, Alckmin foi Alckmin: comedido, sem estridência, definiu a convenção como “a confraternização da esperança no futuro” e bradou: “a esperança é Lula!”. Também descarregou as baterias contra o atual presidente, dizendo que “é hora de Bolsonaro ir embora para casa pelo mal que fez ao País” e atribuindo a ele “barbaridades, erros, desastres, mentiras e um plano ardiloso contra a democracia, que fracassou”.


A improvável aliança Lula-Alckmin é o principal movimento político das eleições de 2022 e consolida a determinação de Lula de ampliar

sua campanha para além do PT e das esquerdas e assim garantir desde cedo um grande leque de forças políticas para ter governabilidade e estabilidade em seu eventual governo a partir de 2023.