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terça-feira, 4 de junho de 2024

Quem compete com o Brasil pela liderança do 'Sul Global'? - Julia Braun (BBC Brasil)

 Quem compete com o Brasil pela liderança do 'Sul Global'?

Julia Braun

 Role, Da BBC Brasil em Londres

 Twitter, @juliatbraun

BBC-Brasil, 28 maio 2024, Atualizado 31 maio 2024

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0kl44720r5o


Em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido apontado como um dos principais candidatos para liderar o chamado 'Sul Global' em sua busca por mais prestígio para países em desenvolvimento, principalmente da América do Sul, África e Ásia. 

Ao longo do segundo semestre de 2023, o Brasil ocupou a presidência temporária do Mercosul. Até novembro deste ano, o país também ocupa a liderança rotativa do G20, grupo que reúne as 19 principais economias do mundo, além da União Europeia e União Africana.


Em 2025, o governo brasileiro ainda assumirá a presidência do Brics e sediará a 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP-30).

Todas essas plataformas são vistas como oportunidades para que o país avance sua agenda — e de seus aliados. 

Essa imagem, entretanto, tem sido desafiada por um cenário internacional marcado por guerras e disputas geopolíticas e um contexto doméstico que requer cada vez mais atenção.

E críticos apontam que posicionamentos recentes de Lula, em especial sobre a guerra na Ucrânia, podem ser travas para a ambição do Brasil em se tornar uma ponte entre os países em desenvolvimento e as superpotências.

Nesse contexto, qual a força do Brasil nessa batalha pela liderança do 'Sul Global'? E quem são os outros concorrentes ao posto de 'capitão' desse grupo tão heterogêneo e etéreo?


O que é o 'Sul Global'?

Apesar do nome, o 'Sul Global' nada tem a ver com uma divisão geográfica, mas sim com as estruturas socioeconômicas, aponta Sara Stevano, professora da Universidade de Londres e economista especializada em desenvolvimento.

Eu consideraria como parte do 'Sul Global' um país que tem uma estrutura econômica típica de contextos pós-coloniais, o que significa que a economia é normalmente baseada na exportação de commodities primárias ou mesmo bens manufaturados considerados de menor valor agregado", diz.

O conceito também inclui as nações consideradas parte da "periferia da economia global" ou que mantêm uma certa dependência em relação aos países do 'Norte Global', em especial, Estados Unidos e Europa. 

"O espaço que os tomadores de decisões políticas têm nos países do 'Sul Global' tende a ser mais estreito do que nos países do 'Norte Global'", afirma Stevano. 

O termo é muito usado no contexto da mobilização de alguns países em torno de preocupações e interesses comuns, especialmente diante da relação com as grandes potências em questões como comércio ou mudanças climáticas. 

Na prática, atualmente tais interesses se manifestam principalmente por meio do Grupo dos 77 (G77) nas Nações Unidas. 

Formado por 134 países, o grupo afirma fornecer os meios "para os países do Sul articularem e promoverem os seus interesses econômicos coletivos e reforçarem a sua capacidade de negociação conjunta em todas as principais questões econômicas internacionais dentro do sistema das Nações Unidas e promover a cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento".

China e Brasil, por exemplo, estão entre os que defendem uma reforma da ONU para aumentar a representatividade e o direito à voz das nações do 'Sul Global'. 

Sara Stevano ressalta, porém, que há diferenças muito grandes entre os países que pertencem ao grupo que não devem ser ignoradas.

Brasil e Moçambique, por exemplo, são ambos considerados parte do 'Sul Global' e possuem economias baseadas na exportação de commodities.

Mas enquanto o Brasil é um ator de influência no grupo, cujo PIB (produto interno bruto) chegou a US$ 2,17 trilhões em 2023, o país africano terminou o ano com US$ 20,8 bilhões, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Há países que estão na periferia da periferia", diz Stevano. 

Da mesma forma, os interesses e as bases das relações cultivadas por cada uma das nações com seus parceiros do Sul — e as potências do Norte — diferem profundamente. 

Essa heterogeneidade está no cerne dos argumentos dos críticos ao termo, que temem que seu uso possa reforçar dicotomias e estereótipos imprecisos e ultrapassados.

Antes do termo 'Sul Global', a expressão '3º Mundo' era usada com frequência. 

O conceito surgiu durante a Guerra Fria e englobava as nações que não pertenciam nem ao chamado '1º Mundo' (nações ocidentais e desenvolvidas) nem ao '2º Mundo' (composto pelas nações socialistas e comunistas).

Outros conceitos, como 'país desenvolvido' ou 'em desenvolvimento', também ganharam mais espaço nas discussões internacionais. 

No entanto, segundo Sara Stevano, são expressões associadas a uma ideia de desenvolvimento linear que raramente é verdadeira. 

"Essa linguagem tem um ponto cego muito significativo, que é o fato de existirem relações de poder em jogo na economia global", diz. "De certa forma, a terminologia 'Sul Global' deixa isso mais claro."

Quais são, então, os países que se destacam no 'Sul Global' — e por quê?


China: força econômica e política

A China, segunda maior economia do mundo, é um caso bastante único — e por isso está no foco de muitos dos críticos da expressão 'Sul Global'.

O país passou por acelerado crescimento econômico a partir da década de 80. Entre 1994 a 2022, teve uma alta média anual de 8,7% no PIB, com um pico em 2007 (+14,2%).

Há quem aponte que não só a posição econômica da China diante da economia global, mas também os níveis de influência geopolítica exercidos pelo país atualmente, são incompatíveis com os conceitos do 'Sul Global'. 

Mas para Nikita Sud, professora da Universidade de Oxford (Reino Unido) e especialista no tema, as experiências passadas com o imperialismo justificam a inclusão no grupo. 

O grande período de influência europeia na China começou com as chamadas Guerras do Ópio entre 1839 e 1860, travadas contra o Império Britânico e motivadas principalmente pelo comércio do ópio. 

"As ideias pregadas (pelo colonialismo) de dominação racial e civilização continuam até hoje. E é por isso que a China se vê como parte do 'Sul Global' apesar de competir economicamente com os EUA atualmente", diz Sud. 

"Mas a política local, a origem do país e a hierarquia baseadas no racismo alinham a China mais com o Sul do que com o Norte."

O próprio governo chinês só passou a falar com mais frequência sobre o assunto e a se definir como parte do grupo recentemente (antes usava o termo "família de países em desenvolvimento").

Em setembro de 2023, durante o discurso anual na Assembleia Geral das Nações Unidas, o vice-presidente chinês, Han Zheng, disse que a China é um membro natural do Sul Global pois "respira o mesmo ar que outros países em desenvolvimento e partilha com eles o mesmo futuro".

Há quem veja nesse posicionamento mais uma estratégia para se opor à "hegemonia do Oeste" e disseminar uma imagem de grandeza. 

"Para concretizar o sonho do presidente Xi de rejuvenescer a grande nação chinesa, a China precisa assumir um papel de liderança no mundo e o Sul Global serve de veículo para isso (...)", afirmou Robin Schindowski, analista do think tank Bruegel, em um artigo de 2023. 

No entanto, segundo o especialista em China, "preocupações internas" do governo Xi também levaram o governante a impulsionar essa agenda. 

"Embora os fatores estratégicos não devam ser negligenciados, as preocupações internas mais humildes desempenham um papel igualmente importante na procura da China por mais oportunidades nas economias emergentes, especificamente os problemas de longa data do país com o excesso de capacidade industrial."

Mas são justamente a força econômica e política da China que colocam o país como uma das lideranças do 'Sul Global'.

Em uma reportagem publicada em abril, a revista inglesa The Economist utilizou um índice produzido pelo Centro Pardee para Futuros Internacionais (PCIF, na sigla em inglês), da Universidade de Denver, nos Estados Unidos, para comparar o nível de influência de alguns países entre os membros do G77.

Os Estados Unidos têm se destacado como o país com maior influência nas nações do grupo desde a década de 1970, mas a China aparece cada vez mais como um rival de peso, de acordo com o levantamento.

Segundo o Índice Formal de Capacidade de Influência Bilateral (FBIC) do PCIF, a influência chinesa começou a crescer a partir dos anos 2000 e deve ultrapassar a americana nas próximas décadas. 

Ainda de acordo com o índice, a "capacidade de influência" da China sobre o G77 é aproximadamente o dobro da exercida pela França, o terceiro país mais influente entre o grupo, e cerca de três vezes a do Reino Unido, da Índia ou dos Emirados Árabes Unidos. 

O índice é calculado com base em dados que abrangem as dimensões econômica, política e de segurança da influência bilateral formal. Isso inclui interações como intercâmbio diplomático, transferências de armas e comércio de mercadorias, mas não ações menos transparentes, como o financiamento de atores não estatais ou tentativas de interferir em eleições.

Os dados do FBIC apontam maior influência chinesa em 31 países do G77, com destaque para Paquistão, Bangladesh, Rússia e outros Estados do Sudeste Asiático. 

Outro foco da influência chinesa é a África. 

A China apoiou vários movimentos de independência africanos durante a Guerra Fria e, atualmente, a presença da potência asiática no continente se manifesta principalmente por meio de investimentos externos diretos, ajuda financeira, projetos de infraestrutura e empréstimos. 

Em 2013, a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) da China foi lançada por Xi Jinping, apresentando a ambição de revigorar a antiga rota comercial da seda ao longo de parte da costa da África Oriental. 

Teoricamente, isso deveria ter concentrado o investimento chinês na África Oriental, mas muitos outros Estados africanos também procuraram oportunidades através da BRI, fazendo com que a iniciativa se expandisse rapidamente.

Desde então, a BRI assistiu à construção de inúmeros projetos de infraestruturas em toda a Ásia e África, financiados por empréstimos chineses.

O projeto também chegou a países latino americanos: atualmente, 22 nações da América Latina e Caribe fazem parte da BRI.

O comércio entre a China e os países latino-americanos, aliás, bateu um recorde histórico em 2023.

A troca de mercadorias entre a região e o gigante asiático ultrapassou US$ 480 bilhões, segundo cálculos da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, com base em dados da Administração Aduaneira da República Popular da China (AGA, na sigla em inglês).

A balança comercial foi relativamente equilibrada, com um ligeiro superávit favorável à América Latina, de US$ 2 bilhões.

O novo recorde no comércio de mercadorias com a China constitui mais um passo em uma tendência ascendente que tem sido registrada ao longo deste século. 

O intercâmbio bilateral do país asiático com a América Latina e o Caribe (ALC) mal girava em torno de US$ 14 bilhões no ano 2000, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

A China também assinou nos últimos anos tratados de livre comércio com Chile, Costa Rica, Equador, Nicarágua e Peru, e já negocia com outras nações da região. 


Índia e a 'ponte entre o Sul e o Ocidente'

No bloco informal, a Índia é a grande concorrente da China e aparece no Índice Formal de Capacidade de Influência Bilateral (FBIC) como o país mais influente para seis nações do G77 — entre elas, vizinhos como Sri Lanka e Butão. 

Mas assim como Pequim, Nova Déli também tem buscado expandir sua influência para além de seus arredores, com foco especial na África. 

O número de embaixadas indianas no continente passou de 25 para 43 entre 2012 e 2022, segundo a The Economist.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirma ainda que o país é o quarto maior parceiro comercial africano e a quinta maior fonte de investimento direto estrangeiro na região.

O país também se destaca na área da tecnologia, com importação de sistemas e plataformas digitais, incluindo tecnologias de identidade biométrica.

Segundo um relatório do Centro de Investigação Econômica e Empresarial (CEBR, na sigla em inglês), uma empresa de consultoria com sede em Londres, a Índia deverá manter um forte crescimento de cerca de 6,5% ao ano entre 2024 e 2028, e tornar-se a terceira maior economia do mundo até 2032, ultrapassando o Japão e a Alemanha.

Apesar da ascensão meteórica de sua economia, a Índiacontinua a se classificar como parte do 'Sul Global' e impulsiona sua posição de liderança no bloco informal. 

O país organizou e presidiu em 2023 dois encontros da cúpula Voz do Sul Global, criada por Modi para realizar encontros online sobre desenvolvimento financeiro, crise climática e outros temas de interesse.

A abordagem indiana, porém, é distinta da chinesa. 

Enquanto Pequim se projeta como uma alternativa clara aos Estados Unidos, Nova Déli busca angariar influência se posicionando como um intermediário ou uma ponte entre seus aliados do Sul e o Ocidente.

O governo Modi mantém uma relação especialmente próxima com os EUA, mas, ao mesmo tempo, adota posições bastante pragmáticas em política externa, se recusando, por exemplo, a condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia

"Só porque o país se identifica com o 'Sul Global' e é conveniente formar um bloco de aliados para negociar, por exemplo, questões climáticas, não significa que na hora de fazer comércio, atrair investimentos ou contrair empréstimos, ele não possa procurar um país do Norte", diz Nikita Sud.

Quando se trata da defesa por reformas no sistema internacional, a posição indiana também reflete sua postura pragmática. 

Na última reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em outubro passado, China e Índia tomaram posições opostas na discussão sobre a reforma das instituições financeiras multilaterais e as cotas de voto dos países-membros no FMI. 

Enquanto o governo indiano apoiou a proposta dos EUA para um aumento "equiproporcional" das cotas de contribuição financeira sem alteração no poder de voto dos países-membros, a China defendeu um aumento de ambas as cotas como forma de refletir a crescente participação dos países em desenvolvimento na economia global.

Em tese, as cotas dos países no FMI estão relacionadas à participação de cada um deles na economia mundial. Essas cotas determinam, entre outros fatores, o poder de voto dos países dentro do organismo internacional e a possibilidade de acesso a financiamentos de emergência.

Atualmente, China e Índia possuem, respectivamente, 6,4% e 2,75%. O Brasil detém 2,32% das cotas. Os Estados Unidos têm 17,43% das cotas, enquanto Alemanha e Reino Unido detêm 5,59% e 4,23%, respectivamente.


Brasil e as agendas prioritárias de Lula

Para muitos analistas, o Brasil também é um candidato forte ao posto de "líder" do 'Sul Global'.

A ideia foi bastante debatida durante os dois primeiros governos do presidente Lula, que sempre teve essa como uma de suas agendas prioritárias em termos de política externa. 

Com a volta do petista para um terceiro mandato, o país voltou a ser apontado pela imprensa internacional como uma voz nesse debate. 

"Lula está se autodenominando o novo líder do Sul Global – e desviando a atenção do Ocidente", diz uma matéria de abril do jornal britânico The Guardian.

A reportagem afirma que 2024 será um teste para a ambição do presidente, já que o Brasil está na presidência rotativa do G20 e sediará a reunião de cúpula do grupo em novembro (além da COP30 em 2025).

Um dos pontos principais da política de Lula para o 'Sul Global' é a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a criação de assentos permanentes para nações em desenvolvimento, além de equilíbrio do poder de veto.

Em uma entrevista no início do mês, Lula advogou por uma ampla reforma nos organismos financeiros multilaterais, como o FMI. E que os países que têm grandes dívidas externas possam pagar apenas parte delas, usando o restante em investimentos em suas infraestruturas nacionais.

"Uma coisa que queremos defender (no G20) é a mudança no sistema financeiro, criado após a Segunda Guerra. Aquelas instituições não funcionam mais. Elas sufocam os países", afirmou o presidente.

O petista também defende que os países mais ricos e desenvolvidos colaborem mais e financeiramente com os países pobres na luta contra o aquecimento global e desmatamento. 

Essa ideia é apoiada por outras nações do 'Sul Global', mas tem encontrado obstáculos nas últimas negociações. 

Os países industrializados têm se mostrado relutantes em se comprometer financeiramente, preocupados especialmente com a possibilidade de serem responsabilizados legalmente pelos impactos da mudança climática no processo.

Em um artigo publicado no final de 2023, os pesquisadores Christopher S. Chivvis e Beatrix Geaghan‑Breiner, do think tank Fundo Carnegie para a Paz Internacional, afirmaram que apesar da tradição brasileira de independência e não-alinhamento em termos de política externa, a autonomia do país se fortalece à medida que o impasse entre EUA e a China se amplia e o peso político e econômico da nação cresce.

"O Brasil quer evitar uma ordem mundial estruturada apenas pela competição entre grandes potências e, em vez disso, espera uma ordem multipolar onde os Estados do seu tamanho tenham mais voz nas instituições internacionais e maior influência em geral. Na opinião do Brasil, o surgimento de novas potências, especialmente a China, promete uma era de 'multipolaridade benigna', na qual o poder do Ocidente será reduzido e a influência das nações em ascensão será reforçada", argumentaram os pesquisadores. 

Mas para Laura Trajber Waisbich, diretora do programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, falta ao Brasil protagonismo e capacidade de liderança em algumas áreas.

"O Brasil tem capacidade de liderar em algumas agendas, mas em outras não", diz a especialista. "E em quais áreas apostar deve ser uma decisão estratégica e pragmática".

Para Waisbich, o país se destaca quando o assunto é a agenda ambiental e a reforma das organizações ambientais, dois temas que fazem parte do programa de política externa brasileiro há anos. Por outro lado, quando assuntos de segurança com menor proximidade ao Brasil estão em discussão, o país pode escorregar ao tentar se colocar como protagonista.

"Existe capacidade de liderança, de articulação e de ser uma fonte de inspiração para discussões sobre problemas globais, mas [o Brasil] não deveria ter a pretensão de ser um modelo ou líder para tudo", diz. 

Leonardo Ramos, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), explica que o desafio de Lula em avançar com a agenda relativa ao Sul é maior hoje do que no passado.

"O mundo mudou e muitas questões delicadas surgiram desde a última presidência do Lula, como as tensões entre Estados Unidos e China, a guerra na Ucrânia, o conflito em Gaza e a ascensão da nova direita", diz.

Segundo o especialista, em alguns momentos a política externa obriga os países a se alinharem ou condenarem um dos lados envolvidos nos confrontos, causando constrangimentos e prejudicando a ideia de não alinhamento defendida por muitas das nações do Sul.

"E as próprias tensões domésticas e a polarização extrema têm ocupado mais a atenção hoje do que no passado. Com tudo isso, ele tinha mais margem de manobra e respaldo interno."

Para Nikita Sud, nos últimos meses, dois países chamaram a atenção por seu posicionamento mais assertivo do que o normal frente à guerra em Gaza: Brasil e África do Sul.

Enquanto o governo sul-africano apresentou uma acusação de genocídio contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), a diplomacia brasileira tem sido bastante crítica à atuação de Israel no enclave palestino e chegou a votar a favor de uma resolução da ONU que conclama o fim da venda e transferência de armamentos aos israelenses.

Segundo a professora da Universidade de Oxford, por terem se posicionado de forma distinta daquela incentivada pelos Estados Unidos, as nações se projetaram como "vozes" mais relevantes na disputa pela liderança de uma nova ordem global, apesar de terem sido alvo de muitas críticas.

Mas para o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ex-ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington e ex-assessor especial do núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, os posicionamentos pouco neutros do Brasil têm justamente o efeito contrário e prejudicam sua busca por liderança. 

Segundo Almeida, o governo do presidente Lula tem investido em uma política externa excessivamente "partidária e personalista" que causa fricções com as grandes potências do Ocidente.

O diplomata cita, em especial, a posição em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Apesar de defender uma mediação pela paz, o presidente brasileiro fez declarações que foram entendidas como uma forma de apoio brando à Rússia. 

Em janeiro de 2023, durante visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil, Lula chegou a dizer que a Rússia estava errada em invadir a Ucrânia, mas também sinalizou para culpa do próprio país invadido. “Continuo achando que quando um não quer, dois não brigam”, afirmou. Em maio do ano passado, ao participar do G-7, no entanto, Lula disse que condenava a violação da integridade territorial da Ucrânia.

"A insistência do Brasil em considerar todas as partes legítimas e a falta de neutralidade recente têm minado a posição do Brasil como líder", diz Almeida. 

Ainda segundo Paulo Roberto de Almeida, a busca por uma maior cooperação com outros países em desenvolvimento não deve vir em detrimento da relação com Estados Unidos e Europa - algo que tem acontecido, segundo ele.

"Essa aproximação de Lula com os países proponentes de uma nova ordem global tem causado alguns problemas com os tradicionais parceiros do Brasil no Ocidente, Estados Unidos e Europa Ocidental basicamente."

Laura Trajber Waisbich, de Oxford, discorda. "Não precisa ser um ou outro", diz. "Às vezes pode haver uma decepção ou um desacordo mútuo, mas na minha percepção é um desacordo que afeta apenas partes da relação bilateral, não o todo."

Segundo a especialista, países como Reino Unido, EUA, Japão e Noruega, por exemplo, têm demonstrado confiança em relação à liderança do Brasil na área ambiental, apesar de tomarem posições distintas em relação a temas como a guerra na Ucrânia. 

Para além da política externa, o cenário econômico mundial mudou profundamente desde os primeiros governos de Lula. 

Entre 2002 e 2010, o PIB brasileiro teve um crescimento médio de 4,1%, ancorado, sobretudo, no crescimento das exportações de matérias-primas e commodities do Brasil para nações em vertiginoso crescimento, como a China.

Já em 2023, Lula assumiu em um momento de crescimento menor, inflação persistente e contas públicas afetadas pela pandemia de covid-19.

Ao mesmo tempo, há sinais de que o legado construído pelo atual presidente e pelo Brasil de forma geral ainda garante uma boa posição, segundo analistas. 

"O Lula foi o único chefe de Estado de país emergente que participou das reuniões de cúpula do G77, do G20 e do Brics ano passado, certamente já pensando em reforçar essa posição de liderança", diz Leonardo Ramos, professor da PUC-Minas. 

Os dados do índice elaborado pelos pesquisadores da Universidade de Denver mostram que o Brasil é o campeão de influência em três países do G77: Bolívia, Paraguai e Uruguai. O cálculo considera o ano de 2022 como referência.

O Brasil foi o país com maior influência sobre a Argentina até 1997, segundo o FBIC, mas ficou atrás dos Estados Unidos nos últimos anos. 


África do Sul: 'líder moral'

Correndo nas margens da disputa, está mais um dos membros "mais antigos" dos Brics, a África do Sul. 

O país se juntou em 2011 ao grupo que começou com Brasil, Rússia, Índia e China em 2008, mas é atualmente considerado um dos integrantes mais antigos, já que Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita foram convidados a aderir ao bloco.

A aliança, aliás, tem papel central no avanço da ideia do 'Sul Global' atualmente. 

A própria expansão do grupo após a 15ª Cúpula do Brics, em 2023, foi considerada um enorme passo para que o 'Sul Global' tome o centro do palco da política global.

O presidente da África do Sul e anfitrião daquela reunião de cúpula, Cyril Ramaphosa, disse à imprensa que uma ampliação ainda maior é esperada para os próximos anos.

Segundo ele, os Brics "embarcaram em um novo capítulo no seu esforço para construir um mundo que seja mais justo, honesto, inclusivo e próspero".

Sob a liderança de Ramaphosa, a segunda maior economia da África (atrás apenas da Nigéria, segundo dados de abril de 2024 do FMI) tem expandido sua força de liderança. 

Para Anthoni van Nieuwkerk, professor da Universidade da África do Sul, o presidente "está restaurando a posição e o papel do país como líder moral global".

"As mensagens e o tom usado por Ramaphosa sugerem um líder assertivo do Sul que compreende como o mundo funciona. Ele não tem medo de desafiar a narrativa dominante e está preparado para colocar sobre a mesa as exigências do Sul Global", afirmou, em um artigo publicado no portal The Conversation em dezembro de 2023.

Essa ideia foi reforçada especialmente pela apresentação da denúncia à Corte Internacional de Justiça em Haia contra Israel e pelo posicionamento da diplomacia sul-africana frente ao conflito na Ucrânia. 

Segundo Van Nieuwkerk, quando se trata da guerra travada no Leste Europeu, a África do Sul é especialmente motivada a advogar pela paz diante das consequências econômicas do confronto na África, que já sofre com a insegurança alimentar e energética.

Ramaphosa liderou uma missão de paz africana para o confronto, que apesar de ter fracassado em seus esforços de negociação, foi interpretada como um sinal da busca por liderança regional e global do presidente sul-africano, diz. 

Ao lado do Brasil, a África do Sul também é uma voz importante nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre agricultura e um intermediário entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.


Rússia: o debate sobre o 'R' dos Brics

Em agosto de 2023, durante o Fórum Empresarial do Brics em Joanesburgo, na África do Sul, o presidente Lula destacou a importância do bloco para o avanço dos países em desenvolvimento, classificando o grupo como a "força motriz" do 'Sul Global'. 

Mas há grande discussão em torno do papel do 'R' dos Brics entre os países em desenvolvimento.

Apesar de sua clara oposição às potências do Ocidente, há quem questione a inclusão da Rússia entre os países do 'Sul Global'.

"Assim como a China, a Rússia se encaixava nas leituras de potência média ou potência emergente quando esses conceitos se popularizaram. Mas vai ficando cada vez mais claro que são potências 'reemergentes' — foram grandes no passado, tiveram problemas e depois voltaram a crescer", diz Leonardo Ramos, da PUC-Minas.

O especialista ressalta, porém, que enquanto a China se alinhou mais ao 'Sul Global' por muitos anos — por sua política de não interferência —, a tensão da Rússia com o chamado "mundo Ocidental" sempre foi mais inflamada. 

Ao mesmo tempo, o governo russo parece interessado em promover a ideia de uma aliança contra o 'Norte Global' e usar alianças com o Sul a seu favor. 

"A Rússia vem se engajando de maneira explícita com alguns países do Sul Global nas últimas décadas, de forma a tentar desempenhar algum papel importante para que esses países votem com a Rússia em fóruns internacionais", diz Ramos. 

Em fevereiro, Moscou organizou o primeiro "Fórum pela Liberdade das Nações", com 400 delegados de 60 nações, para reunir os países do 'Sul Global' contra o que chamou de "neocolonialismo Ocidental".

No ano anterior, sediou uma reunião de cúpula entre Rússia e África, durante a qual o presidente Vladimir Putin anunciou o cancelamento de mais de US$ 20 bilhões em dívidas históricas de nações africanas, segundo a agência de notícias estatal Tass. 

O governo russo também fez lobby pela expansão dos Brics e enviou o ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, em várias viagens pelo 'Sul Global'.

Mas quando o tema é o confronto com a Ucrânia, o alinhamento absoluto não é a realidade.

China, Índia e Brasil adotaram uma posição mais neutra. Mas outros integrantes do 'Sul Global' têm demonstrado inclinação maior a apoiar o lado ucraniano, especialmente em votações nas Nações Unidas. 

Ainda assim, segundo o professor da PUC-Minas, os países do sul não deixam de ter um papel importante na política externa russa por representarem uma alternativa para importações e exportações em um momento de tensão e sanções internacionais. 

Os dados compilados pelo Índice Formal de Capacidade de Influência Bilateral (FBIC) também mostram um crescimento da influência de Moscou sob o G77 nas últimas décadas, com previsão de expansão ainda maior até 2035.

 

A busca desenfreada da diplomacia de Lula por protagonismo revelou-se uma ilusão - Sergio FLorêncio (Estadão)

Artigo do embaixador Sergio Florêncio, do Portal da revista Interesse Nacional  

Estadão

Internacional

Opinião

A busca desenfreada da diplomacia de Lula por protagonismo revelou-se uma ilusão

Apostas do PT em política externa têm mais erros que acerto nos mandatos de Lula e Dilma e leva a uma diplomacia errática

Por Sergio Florêncio

O Estado de S. Paulo, 27/05/2024 | 20h00


Na América do Sul somos o “país más grande do mundo”. Nossa diplomacia era conhecida pelo infalível slogan “Itamaraty no improvisa”. Várias vezes, ao dizer que era brasileiro, ouvi essa frase de nossos vizinhos. “O Brasil não é um país. É um continente, uma civilização”. Nossa música, a mais sedutora (a bossa nova) e a mais alegre (o samba). Nossa agroindústria é uma das maiores e mais competitivas. Somos a 9ª economia do mundo. Um país com esse perfil tem tudo para ser uma grande potência. O que falta para atingir esse almejado status? Na avaliação do ex-chanceler Celso Amorim, falta apenas superar o “complexo de vira-lata” (marca por ele atribuída à Política Externa Brasileira (PEB) de Fernando Henrique Cardoso) e projetar para o mundo uma “diplomacia ativa e altiva (atributos da PEB de Lula e Dilma). Será verdade?


O Brasil tem uma história singular e a política externa foi um dos pilares fundamentais dessa construção: no século 19 fomos a única monarquia do continente; aquela ilha de estabilidade num mar de rebeliões que dilacerava a América Latina; uma extensa unidade territorial conquistada não nos campos de batalha, mas sim nas mesas de negociação. A grande figura da diplomacia – o Barão do Rio Branco – suplanta em popularidade o patrono do Exército – Duque de Caxias. Sua morte levou multidões às ruas, causou comoção nacional e fato inédito naquele ano de 1912 – o adiamento do carnaval.

Essas verdades inegáveis construíram o mito da grandeza do Brasil. Mas também esconderam as verdades de nossas fragilidades: o último a abolir a escravidão; o país que mais recebeu escravizados nas Américas; dezenas de rebeliões reprimidas na Regência e na República; o fim da monarquia proclamado por um golpe militar; uma longa república oligárquica; sete golpes de Estado militares; os maiores índices de desigualdade no mundo; um sistema político disfuncional; e, finalmente, uma democracia – mas tutelada pelos militares.

Esses traços de nossa história estão na origem de uma política externa pautada por destacada projeção regional e por considerável influência junto aos países em desenvolvimento. Essas duas vertentes foram preservadas graças a uma diplomacia profissional, orientada pelos paradigmas da autonomia e do desenvolvimento, e, com raras exceções, distanciada de partidos políticos e de alinhamento com as superpotências.


Distorções na diplomacia

O governo de Jair Bolsonaro, além das comprovadas ameaças à democracia, provocou a demolição dos princípios básicos de nossa diplomacia. Diante desse desastre, a vitória de Lula foi saudada, nacional e internacionalmente, com visível alívio e esperança. Entretanto, a política externa do atual governo tem provocado ampla frustração de expectativas, ao romper tanto com a tradição de distanciamento em relação às superpotências, como com o pragmatismo apartidário.

Essas duas distorções ficam particularmente visíveis no foco central da atual política externa: a aspiração de alcançar o status de grande potência e, em consequência, o abandono da condição de potência média, regional, com interesses globais.

Para parte importante da literatura especializada, um país que ambiciona atingir o status de grande potência é naturalmente levado a escolher lados. No caso brasileiro, isso se traduz no abandono do padrão histórico de distanciamento e na identificação com uma das superpotências – a China.

O Brasil tem inegáveis vantagens comparativas em termos de soft power. Entretanto, como lembra Buarque, embora o soft power seja ingrediente importante na política das grandes potências, nenhum país atingiu tal condição apenas com esse atributo e destituído de hard power.


Busca por protagonismo

A política externa brasileira nos governos Lula e Dilma, seja nos momentos de visível êxito, seja nos casos de marcantes fracassos, sempre preservou um padrão paradigmático que assumiu centralidade ainda maior na atual gestão de Lula III – a busca de protagonismo e projeção internacional, destinada a assegurar ao país o status de grande potência.

O propósito deste artigo é examinar seis temas concretos em que a política externa dos citados governos assumiu posições com resultados relevantes para o país. Dois temas aqui focalizados tiveram, em nossa avaliação, resultados positivos, e quatro outros, negativos. A parte final do artigo examina a posição da política externa em relação a duas instituições – Brics e OCDE. Essa postura é considerada reveladora da aderência ao paradigma da busca do status de grande potência, no primeiro caso, e do abandono do paradigma do desenvolvimento, no segundo.


Assento permanente no Conselho de Segurança

Uma vertente importante dessa busca de status e reconhecimento como grande potência é a aspiração a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Essa pretensão é justa, legítima e histórica – remonta à nossa aspiração, nos anos 1920, de ingressar no Conselho Executivo da Liga das Nações (semelhante ao CSNU).

O argumento central para uma cadeira permanente no CSNU é plenamente justificável – seu atual formato reflete a realidade de poder do pós-guerra, e não a atual. Dele estão ausentes a terceira maior economia – o Japão, o país mais populoso do mundo – a Índia, a grande potência europeia – a Alemanha, e a maior economia da América Latina – o Brasil.

Entretanto, uma aspiração legítima nem sempre é uma política correta. Esse é o caso da prioridade excessivamente alta ao ingresso como membro permanente do CSNU. Excessiva porque, embora legítima, é uma pretensão inalcançável no curto e médio prazos. A razão mais óbvia é que todos os pretendentes acima citados, contam com a contundente oposição de vizinhos também aspirantes a integrar o CSNU ou de seus atuais membros. Excessiva também porque essa aspiração tem determinado distorções em temas relevantes. Por exemplo, na política brasileira de direitos humanos. Embora de forma velada, no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, o Brasil evita votar de forma divergente de Índia, Rússia e China, ou seja, um alinhamento com os países do Brics.

Além dos argumentos anteriores, obter um assento permanente no CSNU depende do reconhecimento atribuído ao Brasil pelos países com status mais elevado na comunidade internacional. 

A percepção externa sobre o Brasil, entretanto, indica que o país está longe de ser aceito como grande potência, e que deu passos para trás nesse processo nos últimos anos


A ascensão econômica do Brasil

Em lugar de priorizar a busca de status e reconhecimento internacional por meio do protagonismo e do reconhecimento internacional, o caminho mais recomendável consiste em medidas destinadas a promover reformas na economia e no sistema político que possam contribuir para o hard power do país.

A percepção da comunidade de política externa (CPE) das grandes potências é que a melhor forma de um Estado como o Brasil (que não tem muito poder militar) atingir o nível de prestígio equivalente ao delas seria focar no desenvolvimento econômico

Em grande medida, esse foi o padrão do primeiro mandato de Lula e da metade do segundo, que deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique, ao aprofundar, ampliar as políticas sociais e se beneficiar do boom dascommodities, tendo como corolário expressivo crescimento econômico e efetivas políticas sociais.

Nesse contexto, a busca de projeção internacional do país – consistente com a transformação interna e um quadro externo favorável – teve sólidos resultados concretos. O país se projetou como uma das grandes economias emergentes, teve relevante papel na recuperação da economia internacional pós crise financeira de 2008, juntamente com China e Índia, reconhecido na cúpula de presidentes do G-20, que reuniu, entre outros, Obama e Lula.


O Brasil e as missões de paz da ONU

A crescente participação nas Operações de Manutenção de Paz da ONU trouxe relevante contribuição. Sobretudo a liderança brasileira da missão de paz no Haiti (Minustah), entre 2004 e 2017, foi reconhecida como um êxito diplomático para o país.

O país tem longo histórico nessas operações, que remonta à distante crise do Canal de Suez, em 1956, quando participou da Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF). O Brasil já participou de cerca de 50 missões da ONU, seja missões de manutenção da paz, seja missões políticas especiais, com o envolvimento de aproximadamente 60 mil militares e policiais. Por ocasião do trágico terremoto de 2010 no Haiti, com o terrível saldo de 230 mil mortos, 18 brasileiros integrantes da missão brasileira naquele país perderam a vida, inclusive Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Criança.

Conforme ressaltado por Miguel Mikelli Ribeiro:

“Dentre os países do Sul Global, o Brasil tem um histórico importante de envolvimento em CMTs (Conflict Management Tools). O país é um exemplo de contribuidor frequente em operações de paz, inclusive liderando por mais de dez anos a missão de paz no Haiti.” “Mesmo que o Brasil não tenha uma capacidade militar expressiva, em comparação com as potências ocidentais, ele busca construir credenciais na agenda de paz e segurança”


O Brasil e o acordo nuclear fracassado no Irã

Em contraste com essas duas histórias de sucesso, a iniciativa turco-brasileira, objeto da Declaração de Teerã de 2010, firmada por Lula, Ahmadinejad e Erdogan, foi um exemplo claro de busca de protagonismo destituída de cálculo realista da política de poder.

Era compreensível o envolvimento da Turquia – país com significativo peso político no Oriente Médio e com interesse em ser admitido na União Europeia. Muito incompreensível era a participação do Brasil, sem importância expressiva na região, o que levou muitos países a interpretá-la apenas como uma irrefletida busca de protagonismo a qualquer preço.

A rapidez da rejeição dos P5+1( membros permanentes do CSNU mais a Alemanha) à Declaração de Teerã reflete o óbvio – as grandes potências não querem perder seu monopólio de decisão em questões de segurança e estratégia. O previsível fracasso ficou claro na contundente derrota de Brasil e Turquia na votação da questão no Conselho de Segurança da ONU. Mais óbvio ainda ficou o malogro em virtude do longo processo negociador do Acordo sobre o Programa Nuclear Iraniano, concluído, com a liderança de Obama, apenas em 2015.

Três anos depois, o Acordo – passo muito importante para reduzir a tensão regional – foi revogado por Trump, com consequências desoladoras para o Oriente Médio e para o Irã. Esses acontecimentos deixam claro o que era óbvio já em 2010 – dois países médios e desnuclearizados, Brasil e Turquia, nunca poderiam resolver a complexa questão do programa nuclear iraniano. As utopias têm um preço alto na história.

Essa avaliação negativa da Iniciativa turco-brasileira sobre o Programa Nuclear Iraniano é compartilhada por Mikelli Ribeiro.

“Os dois primeiros mandatos do presidente Lula foram marcados por uma busca de elevação do status brasileiro por diversos meios. …Dois exemplos, inclusive por resultados diversos, são ilustrativos nesse sentido: a participação na Minustah e a tentativa de um acordo nuclear entre Irã e o Ocidente. No primeiro caso, o Brasil liderou a missão de paz no Haiti por 13 anos (2004-20017). O saldo da participação brasileira é visto como positivo pela própria diplomacia. … Por outro lado, o governo Lula também procurou costurar um acordo com o Irã e o Ocidente para resolver o impasse sobre o programa nuclear daquele país. O resultado desse acordo foi a Declaração de Teerã. … Nesse caso, contudo, o resultado foi diverso. As grandes potências rejeitaram o acordo final, culminando com um saldo diplomático negativo para o país”.


A guerra na Ucrânia e a ambiguidade de Lula

Essa retrospectiva de sucessos e fracassos de nossa política externa criou expectativas de aprendizado com os erros do passado e, assim, de uma diplomacia esclarecida no atual governo Lula. Infelizmente esse não foi o caso.

As ambiguidades em nosso posicionamento com relação à guerra da Ucrânia, com as declarações do presidente agravando esse quadro, deixam claro que a busca de protagonismo está acima da defesa do interesse nacional. Essa atitude refletiu uma sobrevalorização da capacidade de uma potência média como o Brasil influenciar o rumo de uma guerra que pode selar o destino da segurança na Europa e no mundo. Ao se posicionar em diversos momentos mais favorável à potência invasora e mais crítico do Ocidente, Lula não contribuiu para elevar a credibilidade do Brasil junto à União Europeia e aos EUA, mas sim para consolidar seus laços com o Brics.

A diplomacia brasileira diante da guerra na Ucrânia reedita o desafio encarado pelo país 80 anos antes, na Segunda Guerra Mundial. Entretanto, ao contrário dos expressivos êxitos colhidos pela equidistância pragmática de Vargas, a atual reviravolta na PEB – ao abandonar o princípio da não intervenção e se inclinar em favor do invasor – tem o potencial de comprometer a exitosa trajetória diplomática brasileira.

Essa visão encontra respaldo na análise de Mikelli Ribeiro:

“Lula propôs a formação de um grupo de países pela paz … O presidente, no entanto, passou a oscilar entre posicionamentos que sugeriam neutralidade e outros que tendiam a ser vistos como mais condescendentes com a Rússia, indicando uma suposta responsabilidade compartilhada entre russos e ucranianos pelo conflito. Esse tipo de fala teve forte repercussão negativa no mundo ocidental, fazendo com que, por vezes, o presidente tivesse que reajustar os posicionamentos” (6).


Uma diplomacia presidencial impulsiva: A guerra Israel x Hamas

O Itamaraty atuou de forma correta na guerra entre Hamas e Israel, com propostas construtivas durante a presidência brasileira do CSNU. Apesar desse perfil, nossa política externa ficou marcada pela ambivalência, em função do recorrente contraste entre uma postura institucional equilibrada e declarações do presidente Lula geradoras de descrédito e desconfiança.

Na retórica presidencial era evidente a assimetria entre, de um lado, o reconhecimento dos bárbaros crimes de guerra israelenses, e, de outro, a falta de condenação, com o devido rigor, das atrocidades cometidas pelo Hamas.

Esse desvirtuamento de pilares da PEB encontrou seu clímax na desproporcional comparação entre a tragédia na Faixa de Gaza e o Holocausto. Essas impertinências verbais do presidente, somadas ao padrão de íntima relação do Brasil com o Irã, mereceram críticas generalizadas e terminaram por dar argumento ao hediondo regime de Netanyahu.

Assim, o gesto de Lula, paradoxalmente, fortaleceu Netanyahu, hostilizado por ampla maioria da população, político autoritário e que tem os dias contados com o fim do conflito. A infeliz declaração de Lula reflete personalismo, busca de protagonismo injustificável e acentua os descaminhos de uma política externa com importante patrimônio de realizações.


A prevalência da ideologia sobre o pragmatismo

Um exame da política externa de Lula III revela a ausência de uma estratégia que permita dar coerência a nossas posições não só no plano global, mas também em nossa região. Esse vácuo se reflete em posturas inexplicáveis da perspectiva do interesse nacional, como a resiliente defesa de regimes autoritários na Venezuela e na Nicarágua. Um corolário desse descaminho de nossa política externa é a incapacidade de contar com apoios regionais para retomar iniciativas anacrônicas como a Unasul e as vigorosas críticas dos mandatários de Uruguai, Paraguai e até mesmo do Chile à proposta brasileira de volta ao passado.

A pretensão de status de grande potência assume diversas outras dimensões e vem condicionando uma busca de protagonismo exagerado, sem prévia estratégia de política externa.

A ruptura de nossa política tradicional de distanciamento em relação às superpotências vem assumindo no governo Lula uma dimensão nova e preocupante – o alinhamento com o Brics e o afastamento da OCDE.

O Brics, nascido como um agrupamento de perfil essencialmente econômico, refletia as aspirações das economias emergentes, onde a influência dos cinco membros se difundia sem grandes disparidades. Entretanto, por seu crescimento exponencial, a China assumiu a hegemonia do Brics. Além disso, a crescente rivalidade com os EUA transformou o agrupamento em vetor muito mais geopolítico do que econômico.

Em contraposição ao Brics, a OCDE é a organização voltada para as melhores práticas, para a boa gestão das políticas públicas e para estratégias de inclusão social. O processo decisório é certamente muito mais horizontal que o do Brics. A expansão da OCDE em direção a novos membros resulta de um longo processo de aprimoramento da governança e de avanço democrático. Em contraste, a recente incorporação de seis membros ao Brics resultou da imposição da China, apesar da relutância inicial de Brasil e Índia. Dos seis novos membros, apenas um tem regime democrático – a Argentina.

Essa opção preferencial do Brasil pelo Brics é mais um ponto de inflexão de nossa política externa em favor de um alinhamento com a China, ou seja, mais uma demonstração de que a busca de status como grande potência exige a escolha de lados – China – e o abandono de nossa tradição de autonomia em relação às superpotências.

Em síntese, a busca por status e prestígio internacional, por meio do envolvimento em numerosas iniciativas e sem uma estratégia definida, tem produzido uma política externa muitas vezes errática, com busca desenfreada por protagonismo e em detrimento do interesse nacional. Nesse sentido, retomando o título desse artigo, a superação do “complexo de vira lata” e a passagem para uma “diplomacia ativa e altiva” não significa evolução de nossa política externa. Ao contrário, talvez represente retrocesso. O primeiro qualificativo – ativa – pode levar ao ativismo, o segundo – altiva – pode conduzir à soberba. Nenhum desses dois padrões são atributos de uma política externa virtuosa.


Opinião por Sergio Florêncio

Ex-embaixador no Irã e na ONU e colunista do portal Interesse Nacional

 

México precisa de uma mudança radical. Claudia Sheinbaum é capaz de fazê-la? - The Economist

 THE ECONOMIST 

México precisa de uma mudança radical. Claudia Sheinbaum é capaz de fazê-la?

Primeira mulher presidente da história do México deve reverter as políticas da era López Obrador

The Economist, 03/06/2024 

 

O resultado da eleição presidencial do México não é surpresa. No entanto, o que vai acontecer a seguir ainda é uma incógnita. Claudia Sheinbaum se tornará a próxima presidente do país, mas está longe de ser claro se ela tem a vontade ou a capacidade de se libertar das políticas ou da influência pessoal de seu padrinho político, o populista Andrés Manuel López Obrador. A luta que se aproxima influenciará o destino dos 126 milhões de pessoas do México, mas também tem implicações enormes para imigração, crime organizado e comércio nos Estados Unidos, seu gigantesco vizinho do norte.

A primeira presidente mulher, e judia, do país difere de seu predecessor em alguns aspectos, mesmo pertencendo ao mesmo partido, o Morena. Cientista climática com doutorado em engenharia ambiental, ela adotou uma abordagem tecnocrática para o crime como prefeita da Cidade do México, e trabalhou com o setor privado. López Obrador, ao contrário, governou por capricho e grandiloquência, criticando empresários e sendo indulgente com interesses estabelecidos. O resultado foi ruim para o México.

Sheinbaum herda três conjuntos de problemas em que ela precisa abandonar o legado de López Obrador. O primeiro é a desordem que causa caos dentro do México e atravessa a sua fronteira norte. López Obrador cooperou com os Estados Unidos nas tentativas de controlar a taxa de migrantes tentando cruzar o país em direção aos EUA, mas, em muitos outros aspectos, falhou.

Sheinbaum precisará reverter sua abordagem permissiva em relação às gangues do México, que se espalharam. Elas não apenas aterrorizam os mexicanos, mas também traficam imigrantes. As gangues também produzem fentanil e o contrabandeiam pela fronteira, contribuindo para os 75.000 americanos mortos pela epidemia de opióides sintéticos no ano passado.

Em segundo lugar, Sheinbaum também deve romper com seu antecessor sobre comércio e investimento. À primeira vista, o México tem muito a comemorar. Impulsionado pelo acordo de livre comércio da América do Norte assinado sob o presidente Donald Trump, conhecido como USMCA, em 2023, o México ultrapassou a China para se tornar o maior parceiro comercial dos Estados Unidos. O investimento direto estrangeiro no México aumentou, beneficiando-se da diversificação das cadeias de suprimentos longe da China.

Mas, olhando mais de perto, a história é de uma oportunidade perdida. O México poderia estar muito melhor. O novo investimento por multinacionais que não estavam ativas no México antes permanece muito baixo. A estratégia energética liderada pelo Estado de López Obrador resultou em energia insuficiente, suja e cara, afastando muitas empresas. Some-se a insegurança e a falta de Estado de direito e o México se torna menos atraente do que poderia ser.

Além disso, um desentendimento comercial pode estar se formando com os Estados Unidos, especialmente se Donald Trump retornar à Casa Branca. Autoridades em Washington cada vez mais se preocupam com empresas chinesas se mudando para o México para driblar tarifas. Isso pode chegar a um ponto crítico em 2026, quando os Estados Unidos, Canadá e México terão que revisar o acordo USMCA.

Sheinbaum precisará mostrar que é receptiva aos negócios, mas rigorosa com as empresas chinesas que contornam as regras do USMCA e hábil em desarmar a iminente disputa comercial com os EUA. E ela deve enfrentar os problemas que afastam novos investidores.

O último erro que Sheinbaum deve reverter é o ataque de López Obrador à democracia. Ele enfraqueceu as instituições cuidadosamente construídas no México desde 2000, quando o poder presidencial mudou de mãos pela primeira vez. Sheinbaum deve enfatizar a independência de instituições-chave, como o órgão eleitoral e a agência de liberdade de informação, e recusar-se a avançar as mudanças constitucionais propostas, incluindo para eleger juízes. Trump provavelmente não se importará muito com isso, mas Biden pode, e os investidores se importam.

A lista de tarefas de Sheinbaum é clara: combater a desordem, impulsionar o comércio e o investimento e fortalecer a democracia. Mas ela está realmente à altura? Um temor é que, apesar de suas credenciais tecnocráticas e estilo, ela seja uma prisioneira da agenda de López Obrador. Intelectualmente, ela é nacionalista e de esquerda. Ela é protegida de Obrador e, ao longo de sua carreira política de três décadas, manteve-se próxima a ele. Durante a campanha, ela falou mais sobre continuidade de política e proteção de seu legado do que sobre suas próprias propostas.

Mesmo que Sheinbaum queira mudar de curso, ela terá o poder para fazer isso? López Obrador afirma que está retornando a “La Chingada”, seu rancho (um nome interessante: no México, enviar alguém para “la chingada” significa enviar alguém para o inferno). Mas é difícil imaginar essa figura obsessiva e egomaníaca deixando o palco.

Em vez disso, ele pode continuar a exercer influência sobre o Morena, que parece ter ganhado uma maioria simples no Congresso e possivelmente a maioria de dois terços necessária para mudanças constitucionais. Muitos políticos e funcionários em todo o México devem sua posição a Obrador - assim como, em grande medida, Sheinbaum deve.

Forças externas podem empurrar Sheinbaum na direção certa: ela enfrenta severas restrições fiscais que podem forçá-la a domar o tamanho do Estado. Ela não pode competir com o carisma de López Obrador e, portanto, pode ter que apelar ao público com base em resultados.

Ainda assim, um enorme teste está à frente: para saber se o México pode cumprir seu potencial e se a fronteira dos Estados Unidos continuará a ser uma fonte de instabilidade, será preciso observar se Sheinbaum pode se libertar da sombra de seu mentor.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

The True Believer, by Eric Hoffer (Amazon)

Um livro que eu recomendo: 



The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements 

(Perennial Classics) Paperback – January 19, 2010 


“Its theme is political fanaticism, with which it deals severely and brilliantly.” —New Yorker

The famous bestseller with “concise insight into what drives the mind of the fanatic and the dynamics of a mass movement” (Wall St. Journal) by the legendary San Francisco longshoreman.

A stevedore on the San Francisco docks in the 1940s, Eric Hoffer wrote philosophical treatises in his spare time while living in the railroad yards. The True Believer—the first and most famous of his books—was made into a bestseller when President Eisenhower cited it during one of the earliest television press conferences.

Called a “brilliant and original inquiry” and “a genuine contribution to our social thought” by Arthur Schlesinger, Jr., this landmark in the field of social psychology is completely relevant and essential for understanding the world today as it delivers a visionary, highly provocative look into the mind of the fanatic and a penetrating study of how an individual becomes one. 

Editorial Reviews 

Review

The True Believer glitters with icy wit. . . bristles with deadly parallels. . . . It is a harsh and potent mental tonic.” — New York Times

“If you want concise insight into what drives the mind of the fanatic and the dynamics of a mass movement at their most primal level, may I suggest an evening with Eric Hoffer.” — John McDonough, Wall St. Journal

“[Hoffer] is a student of extraordinary perception and insight. The range of his reading and research is vast, amazing. He has written one of the most provocative books of our immediate day.” — Christian Science Monitor

“Its theme is political fanaticism, with which it deals severely and brilliantly. . . . It owes its distinction to the fact that Hoffer is a born generalizer, with a mind that inclines to the wry epigram and icy aphorism as naturally as did that of the Duc de La Rochefoucauld.” — The New Yorker

“Hoffer has outlined a remarkably clear and suggestive theory about the kind of social change he sums up as ‘mass movements,’ supplied concrete illustrative materials drawn from a wide historical range, and put them together in a brief, readable, and provocative book.” — New York Herald Tribune

“This brilliant and original inquiry into the nature of mass movements is a genuine contribution to our social thought.” — Arthur Schlesinger, Jr.


Uma amostra do que Trump poderia fazer, se retornar - Editorial Valor Econômico

 Trecho de um Editorial do Valor Econômico:

(3/06/2024)

 O primeiro mandato de Trump pode ter sido uma experiência em moderação se comparado ao que Trump declara que pretende fazer se ganhar um segundo. Ele ameaça nomear um procurador especial para investigar Biden e família e realizar o mesmo contra rivais políticos, remover “marxistas” do Departamento de Educação, mobilizar a Guarda Nacional para intervir nas cidades contra o crime, fazer com que Estados republicanos levem à Justiça mulheres que realizem aborto, revogar ações afirmativas pela equidade de gênero e racial etc.

Com suas indicações, Trump deu à Suprema Corte uma maioria conservadora, que decidiu que o aborto não é mais um direito constitucional. Ela aceitou examinar, e não o fará antes da eleição, a alegação de Trump de que ele não pode ser julgado por atos realizados durante o mandato, um salvo conduto para cometer as ilegalidades que bem desejar.

A volta de Trump seria um pesadelo para aliados e adversários igualmente. Ele promete estabelecer tarifas de 10% sobre todas as importações e aumentá-las para 60% no caso dos produtos oriundos da China. Toda a legislação de proteção ambiental deve ser revista. O multilateralismo, já atacado em seu primeiro governo, sofrerá novos golpes.”


Dica de leitura : "Por que a Democracia Brasileira não Morreu", de Marcus André Melo e Carlos Pereira

 Dica de leitura : "Por que a Democracia Brasileira não Morreu", de Marcus André Melo e Carlos Pereira


Na semana passada, o Congresso impôs uma acachapante derrota de 366 a 137 votos na apreciação do veto do presidente Lula ao projeto que proíbe a “saidinha” de presos. Não foi a primeira vez.

“Como seria possível um líder político dos mais experientes e tido como sagaz na arte de negociar estar sofrendo tantos reveses no Legislativo a ponto de se colocar na posição de refém de exigências das principais lideranças do Congresso e dos seus novos (velhos) aliados do Centrão?”

A pergunta é feita pelos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira no penúltimo capítulo de “Por que a Democracia Brasileira não Morreu?”, que acaba de chegar às livrarias.

O livro promete dar o que falar entre acadêmicos e interessados na política brasileira. Oferece explicações polêmicas para os principais acontecimentos que sacudiram o país na última década, como os protestos de 2013, a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma, a ascensão de Bolsonaro e o retorno de Lula à Presidência.

A resposta para a pergunta-título do livro - e aqui o spoiler não traz nenhum prejuízo ao leitor, pois o maior mérito dos autores reside na argumentação, repleta de referências à bibliografia mais atual - está no tão vilipendiado presidencialismo de coalizão.

Para Marcus Melo e Carlos Pereira, a democracia brasileira não sucumbiu às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro devido ao intricado sistema de freios e contrapesos presentes em nosso sistema político - em outras palavras, porque as instituições funcionaram.

Segundo os autores, Bolsonaro teria sido contido por uma base frágil num Congresso multipartidário, que cobrou alto para não abrir um processo de impeachment contra ele durante a pandemia.

Além disso, todas as investidas bolsonaristas contra o sistema eleitoral teriam sido refutadas por órgãos de controle autônomos, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, seguido pelo Ministério Público, Tribunais de Contas e até mesmo a cúpula das Forças Armadas, sem falar na oposição de alguns governadores e da imprensa.

(Bruno Carazza)


Trump não segue prescrições pós-condenação: pode ser preso - Marty Taylor

 Uma especialista em legislação penal indica o que Trump precisar fazer e que não está fazendo:

“ Following his felony convictions. Donald Trump was required to report to probation services to prepare a post conviction pre sentencing report for Judge Merchan. Trump blew off the requirement and left the courthouse before he visited with his new probation officers. That may have been a big mistake  Judge Merchan depends on the probation report to determine Trump’s sentence. If he cannot follow the rules of probation. Prison may be the necessary sentence. 

         Whether Trump is sentenced to prison, probation or a ‘split sentence’ of prison and probation. Probation services are about to be a big part of Donald Trump’s life. Criminals on probation are supposed to accept their guilt and show some signs of remorse and retribution for their crimes. Trump is not likley to do that. If Trump doesn‘t follow the rules. He can and will be violated and sentenced to prison. 

         As a convicted felon,Trump no longer has the freedoms that are afforded to those of us without a felony conviction. One restriction will be on Trump’s travel. As a convicted felon Trump will need permission to leave his state of residence. His passport will be seized and any foreign travel will be prohibited or greatly restricted by his rules of probation. Not only that but many countries do not allow felons to enter their county.  This conviction will drastically change Trump‘s life. I do not see Trump successfully completing a sentence of probation if that is his sentence.”

Acréscimo:

“ I have been criticized for this post. I wrote the post based on the reporting of a Business insider article. What we do on X is in the moment. And so was this article. The BI reporting said Trump was making a big mistake by not showing up at probation and filling out the probation report for Judge  Merchan. I agree. That was my own opinion. Is that ”misleading”?  I don't think so. 

      I subsequently heard conflicting reports that Trump was and was not told to report.  I welcome that information. But based on what was reported at the time from Business Insider and other reports.  Trump blew off reporting to probation. That was the entire point of this article. No one intentionally lied or was misleading.  I respect my followers and anyone who takes the time to read my posts.  I will always strive for accuracy.  If I am wrong I will admit it but in this case I reported what was known at the time. Trump did not report to probation and that may have very negative( for Trump) impact on his sentencing.”


El largo final de la revolución cubana - Carlos Malamud (Clarin)

 El largo final de la revolución cubana

Carlos Malamud,

Clarin, 2/06/2024

No está claro si el régimen sobrevivirá a esta compleja coyuntura, y, en el caso de hacerlo, cómo será el proceso. Lo que sí se intuye es que, de persistir este empecinamiento, una gran protesta social es bastante probable.

La misma pregunta que Mario Vargas Llosa se hizo al comienzo de Conversación en la catedral, ¿cuándo se jodió el Perú?, se trasladó posteriormente al pasado de muchos países latinoamericanos con el propósito de rastrear el inicio de un profundo malestar.

Pero al replicar la cuestión a Cuba no quiero remontarme a los orígenes de la Revolución Cubana, al momento cuasi mágico en que los barbudos entraron en La Habana y pusieron el país patas arriba, sino de ver su capacidad de supervivencia, partiendo de lo ocurrido en los últimos años, incluyendo el confinamiento infinito vivido durante la pandemia.

A lo largo de todos estos años tanto Fidel Castro como la Revolución fueron enterrados en múltiples ocasiones, pero pese a tanto pronóstico agorero el líder máximo gobernó hasta 2008 y murió a los 90 años (2016). Su hermano y sucesor, Raúl Castro, estuvo a cargo del gobierno hasta 2018 y aún hoy, con 92 años y un delicado estado de salud, mantiene el control de prácticamente todos los resortes del poder.

Incluso, más allá de ciertos vaticinios extremos y con fecha de caducidad, ni la economía se desplomó ni el régimen colapsó. Esto se vio, por ejemplo, durante el llamado “Período especial en tiempos de paz”, tras la desaparición de la Unión Soviética, o cuando dejó de fluir la vital ayuda petrolera venezolana.

¿Es inmortal la Revolución? O, a la vista de las múltiples crisis que golpean a Cuba, es necesario volver a preguntarse hasta cuándo durará el régimen socialista. La elevada inflación pulveriza los salarios y la falta de combustible afecta no solo al transporte, sino también a la producción de energía eléctrica.

La obsolescencia de los equipos de generación y el déficit de repuestos también potencia su desabastecimiento. Teniendo en cuenta la falta de alimentos y medicinas, los problemas con el agua potable, las carencias en educación y salud y la emigración de más de 700.000 cubanos es comprensible que la percepción de fin de ciclo se magnifique.

El empecinamiento de la vieja guardia en aferrarse a la ortodoxia revolucionaria frena las reformas políticas y económicas necesarias para salir de la crisis.

Cualquier mínima apertura, cualquier paso que implique consolidar a los actores económicos no estatales, por no hablar de empoderar a los ciudadanos con derechos políticos y facilidades para participar libremente en la vida pública, individual o colectivamente, es visto con temor desde la cúpula.

La obstinación del gobierno en no avanzar por la senda del deshielo facilitado por la reforma de Obama o la puesta en vigor en 2019 de una nueva Constitución, que decretaba el carácter imperecedero del socialismo, muestran cuán difícil es iniciar desde dentro un proceso de cambio que evite el estallido súbito del sistema. Por supuesto, el relato revolucionario sigue remitiendo a los efectos destructores y retardatarios del bloqueo.

Mientras Fidel y Raúl Castro estuvieron al mando, la mística del 26 de julio operaba como un parapeto frente al descontento político y social. ¿Qué pasará cuando Raúl Castro desaparezca definitivamente de la escena pública?

¿Se mantendrá la deferencia social con el gobierno, tan propia de la sociedad cubana o se repetirán, agravadas, las protestas anti – gubernamentales del 11 de julio de 2021? ¿De ocurrir algo así, qué harán los oficiales y suboficiales de la Fuerza Armada Revolucionaria (FAR) y de la policía, también golpeados por la crisis? ¿Agudizarán la represión o se sumarán a las protestas?

Por si todo esto fuera poco, el país está en bancarrota, con las remesas y el turismo por los suelos. El azúcar, un símbolo tradicional de Cuba y de su identidad, hoy debe ser importada ante una producción insuficiente. La concentración de la economía y de las finanzas en manos de GAESA, el holding empresarial controlado por contados miembros del establishment revolucionario, especialmente vinculados a la familia Castro, complica la gestión de la crisis.

El holding, dirigido por el general Luis Alberto Rodríguez López – Calleja, ex yerno de Raúl Castro, hasta su muerte en 2022, aún no tiene un claro sucesor. Entre 2008 y 2022, de los 108.500 millones de dólares generados por la exportación de servicios médicos, GAESA sólo invirtió en salud 1.750 millones y 24.000 millones fueron a la construcción hotelera. Si bien GAESA se embolsó casi 70.000 millones de dólares, su destino sigue siendo un misterio.

El declive del régimen castrista se acelera. Todo indica que entramos en tiempo de descuento, que el tiempo de las reformas se ha agotado o está en vías de hacerlo, sin contar con la inexistente voluntad transformadora de los altos cargos del gobierno, de las FAR y del Partido Comunista.

No está claro si el régimen sobrevivirá a esta compleja coyuntura, y, en el caso de hacerlo, cómo será el proceso. Lo que sí se intuye es que, de persistir este empecinamiento, sumado a la mala gestión de la crisis, el estallido de una gran protesta social es bastante probable. 

Carlos Malamud es Catedrático de Historia de América de la UNED, investigador principal para América Latina del Real Instituto Elcano, España.