sábado, 12 de julho de 2025

A “era das incertezas certas” no Brasil, riscos para as empresas - Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi (Linkedin), comentário PRA

A “era das incertezas certas” no Brasil, riscos para as empresas - Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi (Linkedin), comentário PRA

O Prof. Celso Grisi resumiu com especial acuidade osprincipais fatores de risco derivados da situação econômica do Brasil, mas principalmente resultante das politicas macro e setoriais do atual governo Lula. Confirma-se, assim, a condição do Brasil como país vocacionado, pela incompetência de suas elites econômicas e politicas, para o baixo crescimento, para a inflação resiliente, para os juros altos, para o agravamento dos desequilíbrios fiscais, e, portanto, para o aumento do endividamento público e privado e o aumento dos riscos sistêmicos, até nova crise nas transações externas.

Querem um cenário pior? A continuidade da polarização política e aumento das tensões sociais geradas pelo virtual estrangulamento geral das despesas públicas em setores cruciais para a população, como saúde, segurança civica (a externa já é o caso) e educação, com algum aporte estrangeiro na infraestrutura física. Grato ao professor Celso Grisi por resumir tão bem os fatores de risco no Brasil, que são TODOS de governança, nenhum trazido de fora, todos made in Brazil.  PRA

===========

Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi, via Linkedin:

Vamos falar de certezas (3)

Em meio a tantas incertezas, os planejamentos empresariais devem ter presentes algumas certezas. Vamos enumerá-las?

 1.⁠ ⁠O atual governo não fará cortes expressivos em suas despesas.

 2.⁠ ⁠O quadro fiscal não passará por ajustes

 3.⁠ ⁠Benefícios sociais não serão reduzidos, ao contrário, serão ampliados

 4.⁠ ⁠Reformas e mesmo as  micro reformas internas serão postergadas

 5.⁠ ⁠Expansões monetárias tornarão a inflação resiliente.

 6.⁠ ⁠Um crescimento mais forte da economia ficará dependente dos investimentos estrangeiros.

 7.⁠ ⁠Os confrontos com o legislativo serão evitados, mesmo assim isso não se traduzirá em apoio ao atual governo

 8.⁠ ⁠O governo buscará por medidas que tragam novos benefícios ao dia a dia do eleitor (desenrola rural, ampliação do programa Farmácia Popular, Gás para todos)

 9.⁠ ⁠As Limitações políticas e o desejo de preservar apoios, diante de um cenário de baixa popularidade, imobilizam medidas estruturantes

10.⁠ ⁠O desembarque de políticos do navio do Presidente será ainda maior, ampliando a imobilização de novos avanços.

Oportuno será preparar aempresa para esse cenário.




Uma pequena grande história do Brasil contemporâneo- Arnaldo Barbosa Brandão

 A HISTÓRIA DO BRASIL (que não está nos livros)

Do a.b.b.

Onde eu parei mesmo? Ah, foi em Getúlio. Houve uns 5 Getúlios. O jovem que se vestia como um lorde e usava aqueles sapatos de duas cores e terno branco e que pegava as gaúchas. O político preferido do Borges de Medeiros(governador do Rio Grande), com quem aprendeu todas as artimanhas pra se manter no poder por anos e anos. O Getúlio que chegou nos braços do povo ao poder em 1930 e que governou cem certa flexibilidade. O ditador que governou com mão de ferro o país, de 1937 até 46 e o presidente eleito em 1950 que enfrentou uma oposição feroz do udenismo com Carlos Lacerda à frente, e que acabou suicidando-se em 1954. Talvez, sabendo do que ocorreu entre 30 e 55, fique mais fácil para os mais jovens entenderem porque houve o golpe ou revolução de 64, sei lá. Pois é, quando eu era jovem achava que foi golpe, agora, sei lá. Vou ficar com o que disse FHC quando era sociólogo em 1972: “O golpe de 64 acabou por ter consequências revolucionárias no plano econômico”. Não foi só o Jango. É que os militares (nem todos), não perceberam que os tempos eram outros e o Brasil, bem, o Brasil tinha estado na 2ª Guerra e houve o governo JK ( 50 anos em 5 não digo, mas 10 em 5, quem sabe). Bem que fiquei tentado, mas não há como fazer comparações entre a ditadura de Getúlio e a dos militares em 64. Mundos diferentes, Getúlio mudou o Brasil e JK ajudou. Os militares pós-64 também mudaram o Brasil. Sem eles não haveria Brasília, que JK deixou 5% pronta e eles completaram, nem Petrobrás, que Getúlio criou e não se interessou (perguntou aos gringos se queriam o petróleo), nem EMPRAPA, que Rockefeller criou com o nome de Ceres e que viabilizou a soja e o milho no cerrado, e de quebra o gado. Nem haveria as estradas que JK começou e eles esticaram, nem energia elétrica (Itaipu), nem as universidades. Sem eles estaríamos no escuro, depois dos militares não me lembro de nada que alguém tenha feito (infra-estrutura), nem os portos, nem o FGTS(invenção do Roberto Campos). Pensando bem, até o Lula é criação dos militares, que desejavam uma esquerda desvinculada do comunismo que dominavam os sindicatos. O fato é que nos governos militares teve de tudo, mas dá pra separar o trigo. Castelo era feio como uma trombada  de trem, mas era trigo, Geisel se escondia atrás dos óculos escuros, falava pouco, mas era trigo, Golbery era trigo, sem eles estaríamos numa enrascada política e econômica. Glauber percebeu isso antes de todos. Bem, depois dos militares, veio o Sarney que fez o Plano Cruzado 1, 2 e não deu em nada, depois Collor que fez merda, depois Itamar que conta, fez o Plano Real, depois FHC que deu uma estabilizada na economia e na política, depois veio o Lula e sua gente: fez-nos lembrar que havia pobreza no país, e também lembrou-nos que o sindicalismo continua o mesmo de sempre.  Voltemos a Getúlio. Lembre-se que ele não admitia adversários, já os militares de 64, mais ou menos. Getúlio eliminou logo os dois principais: comunistas e fascistas. Morreu muita gente e muitos foram exilados, a mulher do Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, foi entregue ao Nazistas, Prestes foi preso e torturado. Getúlio enfrentou de cara a “revolução constitucionalista de 32”, na verdade uma contra-revolução. São Paulo (leia-se a elite paulista) rebelou-se. Até o Mario de Andrade lutou por São Paulo, quem diria. Não pegou no fuzil, usava uma caneta, que, às vezes pode ser mais letal. O problema é que São Paulo queria o divórcio (e na certa iria ficar com a casa e os móveis). Lembrem-se que Getúlio prendeu até Graciliano Ramos, foi bom (nada, prisão é péssimo, já fui preso, sei como é), porque daí saiu o “Memórias do Cárcere”. A outra diferença é que Getúlio tinha uma visão mais “compreensiva” das relações sociais e principalmente, trabalhistas. Getúlio, como todos os ditadores, comunicava-se diretamente com as “massas” e centralizava todo o poder. Nomeou interventores para quase todos os estados, a maioria militares, muitos se perpetuaram no poder. Diferente dos militares em 64. Voltando a subir o morro, nesta época também aparecem uns sambas ressaltando a liberdade nas favelas, ao contrário da ordem e das normas mais rígidas no chamado asfalto. Confiram as letras do próprio Herivelto e de outros. Já estamos falando dos anos 50, e eu já residia no Morro da Coroa e via o “pau comer” todos os dias, porque a chamada “malandragem” descia de vez em quando e aprontava alguns roubos e assaltos nos bairros onde as favelas estavam estabelecidas, ou vocês pensam que os tiroteios nas favelas começaram agora. É bem verdade que a arma mais poderosa era o 45, embora meu pai usasse um parabélum. Há alguns estudiosos que tem uma visão romântica dos chamados “malandros”, é porque nunca moraram nas favelas. Nesta época(anos 40 e 50) chegaram os nordestinos (do sertão e adjacências, não do litoral), o que deu uma mistura interessante nos morros, uma argamassa explosiva, a julgar pela reação do meu pai, que detestava candomblé, samba, barulho e outras “pataquadas desses crioulos safados”, como dizia, mas um de seus melhores amigos era negro e veio da Bahia com ele, na quarta classe de um navio. Os nordestinos, em geral, preferiam os subúrbios, foi o período de crescimento dos subúrbios e da Baixada Fluminense e das cidades do ABC em São Paulo. Getúlio, que já era chamado “o pai dos pobres”, cria então, a “polícia especial”, que, como diz o nome, era especial, ou seja, podia fazer qualquer violência que quisesse. Lembro que usavam uns cassetetes de borracha, em substituição aos de madeira, porque doía, mas, não quebrava nada. Foi um grande avanço social. A polícia era a lei e acabou-se, entenderam porque até hoje não temos noção de justiça e morremos de medo da polícia, até hoje não aprendemos na escola que um processo começa com uma investigação policial, acompanhado por um promotor, e que vai para um juiz que manda prender. Aqui os processos começam com a “prisão do meliante para averiguações”. Aprendam mais esta: Só quem pode mandar prender é um juiz, a não ser em flagrante delito, mas até hoje qualquer policial de meia-tigela prende você na rua e tu ficas(atenção revisora, é assim mesmo) mofando dias e dias, se for pobre, meses e meses e até anos. Outro fato importante, é que Getúlio fazia uma diferenciação muito grande entre pobres e trabalhadores. Pobres eles sequer reconhecia, dirigia-se aos “Trabalhadores do Brasil”. E como nas favelas só moravam pobres e alguns poucos “trabalhadores formais”, as favelas sequer eram reconhecidas. Alguns podem pensar: “mas Getúlio era um ignorante”. Não, Getúlio era culto, ele não era do time relativista, mesmo porque, na época quem mandava era o positivismo. Melhor ler o Pedro Demo(Metodologia Científica em Ciências Sociais) pra entender essas questões teóricas, em vez de ficarem se escorando no Google ou perdendo tempo com os filósofos franceses.  Todas essas coisas que estou contando aqui, tiveram e ainda produzem, repercussões sobre o crescimento das favelas, e da criminalidade. Interessante, é que Brizola, um político oriundo do Getulismo, foi um dos primeiros a compreender que as “favelas” não eram só um fato físico, mas também social. E olha que eu não gostei do governo Brizola no Rio, mas isso não é vantagem, não gosto de nenhum governo, e por incrível que pareça, foi o governo que construiu o maior número de viadutos, claro, por influência do Jaime Lerner (linha amarela, linha vermelha), mais ainda, foi um dos primeiros governos que pensou em aproximar ricos de pobres, via transporte coletivo, lembro das madames de Ipanema indignadas por causa de uma linha de ônibus que fazia Ipanema-Metrô. Bem, agora o Metrô chegou a Ipanema, aquilo vai ficar igual churrascaria de subúrbio aos domingos. O jeito é escapar pro Leblon e pra Barra. Voltemos a subir o Morro. Se os morros eram territórios que o governo não reconhecia, e a polícia só aparecia de vez em quando, quem mandava nas favelas? Digamos no dia-a-dia? Os primeiros que se apresentaram com algum programa de governo foram os bicheiros, depois veio a Igreja católica, por causa de Dom Helder, se bem que conheci um padre que tinha “pontos” de jogo. Alguns bicheiros ficaram famosos, caso do Natal da Portela, que começou de baixo como apontador e virou banqueiro, isso com um só braço, imagine se tivesse os dois. Os bicheiros e sua influência sobre as favelas dariam um livros de milhares de páginas, mas não sou eu quem vai escrever, é coisa pra quem? Sociólogos? Conheci poucos que se interessaram, digamos o Carlos Nelson Pereira dos Santos e a Lícia do Prado Valadares, nome bonito? Ela também. Cheguei a namorá-la, mas não deu certo, por minha culpa. Houve também o Artur Rios, e os estrangeiros. O mais importante deles foi, sem dúvida, o (CONTINUA OUTRO DIA).

Fausto Godoy sobre as relações estratégicas entre o Brasil e a Índia (e um pouco da China também)

 O BRASIL, A ÍNDIA, E A NOSSA “PARCERIA ESTRATÉGICA”


Numa demonstração da falta de sintonia com a política internacional contemporânea relativa à Ásia, passou sem ênfase, e praticamente despecebida da nossa imprensa o que para mim foi o principal resultado da reunião do BRICS que acaba de acontecer no Rio de Janeiro: a presença do Primeiro-Ministro indiano, Narendra Modi, emprestou relevo especial a um evento de certa forma esvaziado pela ausência de dois dos principais membros do grupo, o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. Ao término do evento, o PM indiano realizou, em 08 deste mês, uma “visita de Estado” ao nosso país. 

Para melhor entender este cenário é necessário primeiramente reiterar a diferença que existe entre uma visita de Estado e uma visita oficial, mais comum. Diferentemente do que seria esta última, o nível concedido à de Narendra Modi é o mais alto no protocolo da diplomacia: o “hóspede” foi a Índia, como Estado. Neste contexto, as decisões e os entendimentos alcançados vinculam antes os Estados que os governos, o que tem muito significado em termos políticos.  

O Comunicado Conjunto da visita resume os principais acordos a que chegaram. Eles estão elencados na “Declaração Conjunta”, que tem por título “Índia e Brasil, Duas Grandes Nações com Elevados Propósitos” (cf. o “site” do Itamaraty). Segundo seu enunciado “...a visita transcorreu em espírito de amizade e confiança, valores que há quase oito décadas constituem o alicerce da relação Brasil–Índia”... Mais importante, ainda, o documento recapitula que “a relação fora elevada ao patamar de Parceria Estratégica em 2006”. Como se sabe, uma parceria estratégica é mais vinculante que uma “simples” parceria: seus membros se comprometem a alcançar com maior empenho objetivos comuns, através de sinergias, com benefícios mútuos. 


Foram elencados no documento os cinco pilares prioritários que orientarão as relações na próxima década: 1) Defesa e Segurança; 2) Segurança Alimentar e Nutricional; 3) Transição Energética e Mudança do Clima; 4) Transformação Digital e Tecnologias Emergentes; e 5) Parcerias Industriais em Áreas Estratégicas; todos eles consentâneos com as realidades compartilhadas por ambos. A este respeito, comparando-se com os desafios enfrentados pela China de Xi Jinping, é possível concluir que os perfis de Brasil e Índia são muito mais assemelhados.


Por exemplo, a China anunciou ter erradicado a pobreza absoluta - num país de mais de 1,4 bilhão de habitantes - já no final de 2020. Índia e Brasil ainda estão longe de atingir este objetivo, o que os assemelha na comunidade de objetivos e de esforços nesse sentido. Outro exemplo: na década de  1980 até o início da década de 1990, o Produto Interno Bruto (PIB)  do Brasil era superior ao da China... Atualmente, o PIB do gigante asiático -, o segundo maior do planeta em termos de Produto Interno Bruto - é dez vezes maior que o do Brasil. A Índia, de sua parte, foi um dos países que mais cresceram no ano passado, e o aumento registrado do seu PIB neste primeiro trimestre de 2025 foi de 7,4%. Acrescente-se a isto o fato de que a idade media de sua população de mais de 1,4 bilhão de indivíduos é de 28.8 anos; destes 40% têm menos de 25 anos ! Imaginemos o que significa isto em termos de desafios, e de oportunidades para o país... e para a expansão do nosso intercâmbio..

A este respeito, embora o comércio entre Brasil e China tenha crescido significativamente nos últimos anos, tornando-a o nosso principal parceiro comercial, a relação é assimétrica, impulsionada sobretudo pelas exportações de commodities, do nosso lado, em contraponto com as nossas importações  de produtos industrializados, de tecnologia e da indústria de transformação, principalmente,, cristalizando uma interdependência assimétrica. No que respeita à Índia, o relacionamento ainda está muito aquém das possibilidades. A este propósito, um estudo da “ApexBrasil” identificou várias oportunidades para nossos produtos no mercado indiano. Estas oportunidades abrangem setores estratégicos, como combustíveis minerais, matérias-primas, máquinas e equipamentos de transporte, produtos químicos, artigos manufaturados e alimentos. Ainda a propósito, em 2023 as nossas exportações para ela somaram em  US$ 4,7 bilhões, contra US$ 104 bilhões para a China!... Diante deste quadro e do porte dessas economias, fica evidente que há espaço para diversificarmos e incrementarmos  substancialmente o nosso intercâmbio, com ambas, aliás... Ou seja, há muito espaço, sobretudo diante da perspectiva de que estes dois países serão as molas motoras no século XXI... no que acredito piamente!


Ainda cumprindo a agenda da reunião, os dois líderes “reiteraram seu compromisso com uma reforma abrangente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, inclusive com sua ampliação nas categorias de membros permanentes e não permanentes...” E, neste contexto, “...reiteraram o apoio mútuo às candidaturas de seus países a assentos permanentes num Conselho de Segurança ampliado e reafirmaram a intenção de continuar a trabalhar em boa coordenação em questões relacionadas à reforma do Conselho de Segurança", sublinha o documento.


No que respeita à situação no Oriente Médio “... eles expressaram preocupação com a recente escalada da situação de insegurança e reiteraram como única alternativa o diálogo e a diplomacia para abordar e resolver os múltiplos conflitos na região”... e “enfatizaram a importância de uma solução negociada de dois Estados que leve ao estabelecimento de um Estado palestino soberano, viável e independente, vivendo em paz e segurança com Israel”.


Outras áreas de importância tratadas pelos dois governantes foram a espacial e a cooperação marítima e oceânica. Conforme o documento “...os líderes reconheceram a importância de intensificar a cooperação em áreas estratégicas, com destaque para os usos pacíficos do espaço exterior. Ambos os lados comprometeram-se a explorar novas oportunidades de colaboração entre suas respectivas agências espaciais, inclusive nas áreas de design e desenvolvimento de satélites, veículos lançadores, lançamentos comerciais e estações de controle, além de pesquisa, desenvolvimento e capacitação técnica”. Cabe relembrar, a propósito, que em 2023 a Índia realizou um pouso histórico  da sua espaçonave Chandrayaan-3 na lua, com isto tornando-se o quarto país a alcançar tal façanha. Esta é certamente uma das áreas promissoras da Parceria Estratégica, pois abrange setores de tecnologia de ponta, nos quais a Índia se sobressai. Cabe, porém, relembrar que nós já temos um acordo de construção de satélites com a China, o “China and Brazil Earth Research Satelites”/CBERS, que monitora a Amazônia.


Ambicioso?...


Eu tive a chance de servir na Índia em duas oportunidades na minha carreira: primeiramente, na nossa Embaixada em Nova Delhi, em 1984/87, e posteriormente, em 2009/10, como Cônsul-Geral em Mumbai. Servi também, em Pequim, em 1994/7. Vivi, acredito, experiências em ambos países que me permitem tentar fazer uma análise tão isenta quanto meu possível do papel que China e Índia se encaminham a desempenhar mutuamente, e no mundo globalizado que se configura.


 Arrisco a pensar que as relações entre os dois gigantes se tornarão cada vez mais complexas em razão da disputa - “à la asiática” - pela liderança regional (e mundial, para alguns)...Parceiros e molas motoras no BRICS, são ao mesmo tempo antagonistas na disputa por protagonismo na Ásia. Por exemplo, confrontam-se na região das fronteiras que herdaram do colonialismo britânico nos cimos dos Himalaias, que já se deterioraram em várias guerras fronteiriças. Igualmente, competem por supremacia na região do sudeste asiático; a China através da iniciativa da “Nova Rota da Seda/BRI” e a Índia no projeto “Act East” - a “menina dos olhos de Modi” – pelo qual ela pretende tornar-se o principal parceiro econômico-comercial da vizinhança do sudeste asiático . 


Neste cenário, a pergunta que se coloca é para qual destino se encaminham essas relações: para uma convivência negociada, ainda que cada vez mais difícil, seguindo o  modelo asiático, ou a uma disputa acirrada e beligerante, com a República Popular buscando preservar a dianteira que logrou e a Índia jogando as cartas da sua crescente afluência, da sua população jovem, numerosa e cada vez mais afluente e “tecnologizada”?...


Cenário complexo...


E nós, onde ficamos nós, brasileiros, neste “Brave New World” do Ocidente estiolado e sem rumo do imperialismo “à la Trump”, e de uma Ásia cada vez mais afluente...e influente? Mais uma vez me vêm à lembrança as lições do nosso saudoso Chanceler Azeredo da Silveira: a “receita” é buscar, de forma autônoma, soberana e com discernimento político, os espaços que mais nos interessem,  beneficiando-nos inclusive das oportunidades que a disputa entre as duas superpotências asiáticas nos venham a abrir...


Cinismo... ou “real politik”?...


To be continued...

DIÁRIO DE BORDO: uma história universal entre Oriente e Ocidente - Fausto Godoy

 O Diário de Bordo de Fausto Godoy, uma fabulosa travessia nas grandes correntes de encontros e desencontros entre o Oriente (que ele conhece muito bem) e o Ocidente (por “defeito” de nascença), e um plaidoyer pela convivência harmoniosa.

Uma pequena grande história das relações, das interações, desencontros, dominação e oposição, nas trajetórias respectivas do Oriente e Ocidente, por um grande conhecedor prático, pelo estudo e pela convivência direta, por um fino conhecedor, e compendiador excepcional das virtudes, defeitos, contribuições e desafios de dois universos nas antioodas, que se conheceram, se retrairam, se relacionaram, prla cooperação e pela dominação, Fausto Godoy. PRA

DIÁRIO  DE  BORDO

Estou rascunhando um livro sobre as minhas andanças nestes 80 anos de vida, 40 de Itamaraty e quase 10 como professor universitário. É muita história, pelo que sou muito grato à Vida... Preparei uma introdução, em que tento explicar a minha visão sobre a Ásia, com base nas minhas experiências nos onze países em que servi durante quase dezesseis anos, e sobre o que penso das relações Ocidente/Oriente. Resolvi resumir tanto quanto possível neste texto algumas das reflexões e das conclusões a que cheguei. Por isto ele é longo, pelo que me desculpo antecipadamente perante os amigos que terão a paciência de chegarem até o final...mas não posso fazer de outra forma. Além de prolixo, vivi muito... Aqui vai o seu resumo:

“Está sendo muito complexa a aceitação pelo Ocidente de que a dinâmica do mundo mudou e que é necessário convivermos com paradigmas novos e distintos nas relações internacionais: a Ásia tornou-se fator decisivo na economia e na política globais; e sua presença, crescente e irreversível, instiga sentimentos ambíguos: de um lado, respeito pelo despertar de um gigante de História muito antiga e, de outro, apreensão pelas consequências que este protagonismo crescente possa causar. 

Mais que tudo, evidencia o nosso despreparo para lidar com esta realidade. Acostumado a exportar seus valores e a impor seus conceitos civilizatórios como verdades absolutas e perenes sobre esta mais da metade da raça humana, o Ocidente não tem sabido lidar com o novo fenômeno de que não serão mais possíveis situações como as Guerras do Ópio, promovidas pelos ingleses para impor à China o consumo da droga a fim de equilibrar uma balança comercial bilateral deficitária para a Grã-Bretanha; ou a abertura forçada do Japão Tokugawa às potências ocidentais; ou, ainda, o fim melancólico do Raj britânico e a independência arbitrária e intempestiva da Índia e do Paquistão, com as sequelas que deslanchou. Ainda pior, instituir uma ordem “à la Ocidental” a um Oriente cada vez mais assertivo da sua identidade e crescente poder. Os conflitos atuais – a guerra da Ucrânia, o conflito Israel-Hamas/Palestina, a guerra Israel-Irã, os talibãs no Afeganistão, etc. – evidenciam cada vez mais a incapacidade – e o profundo dilema que assola o Ocidente em lidar com uma “outra História”, que não entende e, de certa forma, lhe escapa.

De sua parte, antes de emergirem como elemento maior nas relações internacionais, os países asiáticos, assim como as ex-colônias europeias em todo o mundo, tiveram que absorver o impacto e administrar o legado da independência que tão traumaticamente alcançaram ao longo do século XX, sobretudo as fronteiras forjadas de forma artificial e arbitrária pelos colonizadores. O país que se tornaria o Laos, por exemplo, resultou de uma solução de conveniência para os colonizadores franceses no processo traumático da chamada “Guerra da Indochina”, que durou quase dez anos, causou perto de quatrocentas mil mortes e resultou na independência conturbada de três países - Vietnã, Laos e Camboja, abrindo ainda espaço para a Guerra do Vietnã, de trágica memória, sobretudo para os americanos que se envolveram no conflito. No final, a maioria da população de etnia lao tornou-se tailandesa e as fronteiras étnicas não se encaixam nas fronteiras políticas, com as consequências agudas que decorrem desta indefinição. Processo semelhante ocorreu na Malásia e na Indonésia: a população do norte da ilha de Sumatra foi repartida pelos holandeses ao largo do estreito de Malaca: parte tornou-se malaia e parte indonésia. Índia e Paquistão até hoje não solucionaram a questão da Caxemira, que está na raiz do recrudescimento do fundamentalismo islâmico e de sua cria: o extremismo talibã e seus desdobramentos. As cento e trinta e cinco etnias de Myanmar se recusam a aceitar a supremacia de qualquer uma delas no país definido arbitrariamente pelos colonizadores ingleses como Birmânia, e os “rohingyas” muçulmanos que foram deslocados arbitrariamente para servirem como “coolies” nas plantações de chá da região majoritariamente budista vivem hoje a tragédia de uma verdadeira “limpeza étnica”, que os tornou apátridas. Bem-vindos ao mundo westfaliano... 

As guerras do Vietnã nos confrontos da Guerra Fria, e as do Iraque e do Afeganistão, mais recentemente, assim como as tragédias na Líbia, na Síria, na Palestina, e agora a guerra entre Israel e Irã, demonstram o quanto as potências centrais do Ocidente são incapazes de entender e conviver com o “diferente” e com a penosa realidade de ter de compartilhar conceitos e valores que não lhes são próprios. Na contracorrente, tampouco têm sabido lidar com a “invasão” dos seus territórios por imigrantes e refugiados que buscam escapar de vicissitudes econômicas, muitas das quais herdadas do período em que foram colônias.

A “contaminação” entre culturas, ou, melhor, a introversão de referenciais culturais “estrangeiros” no quotidiano do indivíduo urbano contemporâneo, seja no Ocidente, seja no Oriente, obriga a que revisemos percepções e valores, senão os assimilando – o sushi nas churrascarias, o yoga nas academias, neste lado do planeta, ou a bolsa Louis Vuitton, no Japão, ou na China, o Mc Donald´s e os “jeans” em todo o planeta - como verdadeiro código interplanetário. Impõe-se a obrigação de convivermos com estas realidades irrefutáveis, e para os mais generosos e intelectualmente motivados, assimilá-las. Não somos mais ilhas, ou, melhor, os continentes/ilhas estão agora integrados no continente global... Bem-vindos todos à Pangeia restaurada...

Porém isto não quer absolutamente dizer que perdemos referenciais e valores próprios, mas sim que os globalizamos sempre quando exista comunicabilidade entre eles. Outros, porém, permanecem intocáveis, posto que constituem os alicerces das nossas genéticas culturais. Parecem-me que são “espaços inegociáveis”.

Talvez o mais fundamental desses valores e um dos principais diferenciais entre as duas grandes geografias mundiais seja a inserção do ser humano na sociedade: para o Ocidente o indivíduo constitui o seu cerne e alicerce. Tal é a mensagem da “Declaração dos Direitos do Homem”, corolário da Revolução Francesa, ou da Declaração da Independência norte-americana (...“nós consideramos como verdade auto-evidente que todos os homens nascem iguais, que eles são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre estes a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”...). Confúcio, nos Analectos, diria quase o oposto: “o filósofo Yu disse:...a  submissão filial e fraternal, não é ela a raiz de todas as ações benévolas?”. Para o asiático confucionista a virtude maior reside em servir à sociedade, em ser um elo para o seu funcionamento. O indivíduo somente se realiza no contexto social: o bom cidadão é aquele que obedece aos mais velhos e ao superior. Citando, ainda, Confúcio, nos Analectos (1:6):  “...o Mestre disse, o jovem deve ser um bom filho no lar e um indivíduo obediente fora dele, frugal nas palavras porém confiável no que diz, e deverá amar o povo,  no geral, porém cultivar a amizade dos companheiros... Em contrapartida, o ser superior deve ser merecedor desse respeito: “se o indivíduo for pessoalmente correto, então haverá obediência sem necessidade de ordens; mas se ele não for correto pessoalmente, não haverá obediência ainda que haja ordens”  (Analectos, 13:16).

Já o hindu tem uma visão quase diametralmente distinta: concentrado em suas encarnações futuras a caminho da transcendência (moksha), o indivíduo deve ocupar-se sobretudo do seu dharma,  sua lei/missão pessoal, e do seu kharma  que definiu a sua encarnação presente, fruto de suas vidas passadas, e o dirige para a próxima, que será melhor, ou pior, como resultado das suas ações que o seu livre-arbítrio indicará...É, aliás, o que ensina o Bhagavad Gita.

O Islã prega, de sua parte, a existência de um Deus único e absoluto, que revelou a Maomé, o seu Profeta, a sua lei, o Al Corão.  O significado do próprio termo “islã” – submissão – revela a relação entre o Criador e a criatura. Entretanto, contaminados pelo fanatismo religioso, os países islâmicos enfrentam desafios gigantescos para evitar que a paixão e a militância da fé termine por comprometer a própria sobrevivência do Estado. Fruto dela, o Afeganistão, que se confronta com uma comoção civil interminável, viveu o dilema de aceitar a presença de tropas estrangeiras, soviéticas e ocidentais, em seu território que em última instância se revelaram mais nefastas que eficazes. Outro não foi o desfecho trágico da desocupação das tropas americanas e a retomada do poder pelos talibãs. Esta verdadeira “cruzada” entre um islã deturpado por uma sociedade patriarcal anacrônica, para alguns, e o vagido de uma sociedade mais liberal, herdada da presença do Ocidente nestes últimos vinte anos, transborda para o vizinho Paquistão e tem poucas chances de chegar a um final feliz no curto, ou sequer médio, prazos. 

Estes conflitos vazaram as fronteiras territoriais e hoje envolvem praticamente todo o planeta. E os refugiados do Oriente e  da África, principalmente, que “invadem” a Europa na busca de uma vida mais pacífica encontram crescente resistência de seus anfitriões islamofóbicos. 

Será, em última instância, que esses valores perdurarão numa Ásia cada vez mais imbricada com o Ocidente... e vice-versa? Seria, por acaso, relevante que eles prevalecessem na forma em que estão? Quão “inegociáveis” serão eles?... 

O espraiamento do terrorismo para o Ocidente - as torres gêmeas de Nova York; a estação de Atocha, em Madri; os atentados na França; o “Boko Haram”, na Nigéria; as invasões do Iraque e da Síria; o retorno dos talibãs ao poder no Afeganistão; o conflito entre Israel e os militantes do Hamas na faixa de Gaza, e agora seu confronto com o Irã xiita, etc. - demonstram que estamos todos vulneráveis. Não podemos mais ignorar a questão; temos de nos posicionar, sob pena de sermos suas vítimas – próximas ou distantes. Mas qual é a melhor postura? A arrogância das potências centrais que buscam impor suas políticas... a agressividade bélica das tropas estrangeiras pela Ásia afora... as guerras que destampam a ameaça de um holocausto nuclear e causam o êxodo de milhares de indivíduos pelo Ocidente afora?... A busca de uma “contemporização” que abrirá ainda maiores espaços para a militância?... 

A resposta é certamente difícil e nunca deixará de ser incompleta. Não obstante demasiado complexo, o “dilema” precisa ser enfrentado se quisermos encontrar um mínimo de convivência entre os indivíduos e os povos no planeta cada vez mais globalizado. Nesse quadro, talvez a melhor solução seja buscar entender o fenômeno sem “parti pris”, sem “verdades absolutas”, hierarquia de conceitos ou imposição de valores, abrindo espaço para o diálogo construtivo. Temos que escapar do “absoluto” nos nossos julgamentos e convivermos com o “relativo” das múltiplas realidades: nada é “negro” e nada é “branco” nas relações entre os Estados e os indivíduos. Temos que atuar na gama do “cinza” da negociação, que deixa espaço para o entendimento e a humanidade.  

Impossível...Devaneio?... Haveria outra saída para a Pangeia globalizada?... Não é projeto fácil, contaminado que está pela intransigência contrária à discussão isenta e pelo fanatismo dogmático de abandonar posições rígidas. Daí a necessidade cada vez maior de buscarmos as raízes do problema, que, para mim, estão na impermeabilidade dos indivíduos e das instituições em conviver com a alteridade”... 


 To be continued...

Uma breve história do autoritarismo russo - Volodymyr Kukharenko (X)

 A Lesson from the Russian history 

Volodymyr Kukharenko

Why Russian society often appears passive and submissive to authority. Why do they have no voice? Some attribute it to fear or systemic repression — and that’s partly true. But a deeper question is: how did it get this way?

2/ The truth lies in centuries of historical development. Unlike Western Europe, which gradually evolved through stages of agriculture, industrialization, and the rise of individual rights, large parts of Russia were geographically isolated and politically centralized.

3/ As a result, many democratic and humanistic ideals never took root.

4/ For example, on the territory of modern Ukraine, there were advanced cultures like Trypillia thousands of years ago, and later, European values were shared through the Scythian and Sarmatian kingdoms, early urbanization, and even early democratic practices.

5/ Meanwhile, much of northern Russia remained tribal or under Mongol influence for centuries longer.

6/ Peter the First only introduced forks and beard shaving to his nobility in the 18th century — a symbol of how late certain societal norms arrived.

7/ Institutions like universities, parliaments, and constitutional rule came to Ukraine and Europe far earlier than to Moscow-centric Russia.

8/ Some values, such as the rule of law, individual rights, and open societies, emerge only through time, experience, and painful transformation.

9/ Societies that haven’t passed through those stages often see things like kindness or transparency not as virtues, but as weaknesses.

10/ This doesn’t mean individuals can’t change; a small percentage of Russians do oppose the current regime, but they are exceptions, and the system and society treat them as deviations. Understanding this historical mindset helps explain why systemic change is so difficult.

11/ Modern behavior is rooted in historical experience. And unless there is a societal reckoning, some worldviews remain centuries behind — no matter how modern they may appear on the surface.

Author: Volodymyr Kukharenko



sexta-feira, 11 de julho de 2025

Não há alternativa ao multilatraelismo - artigo de Luiz Inácio Lula da Silva

 Artigo do presidente Lula publicado 10/07/2025 nos jornais Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Reino Unido), Der Spiegel (Alemanha), Corriere Della Sera (Itália), Yomiuri Shimbun (Japão), China Daily (China), Clarín (Argentina) e La Jornada (México.

NÃO HÁ ALTERNATIVA AO MULTILATERALISMO
Luiz Inácio Lula da Silva

O ano de 2025 deveria ser um momento de celebração dedicado às oito décadas de existência da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas pode entrar para a história como o ano em que a ordem internacional construída a partir de 1945 desmoronou.

As rachaduras já estavam visíveis. Desde a invasão do Iraque e do Afeganistão, a intervenção na Líbia e a guerra na Ucrânia, alguns membros permanentes do Conselho de Segurança banalizaram o uso ilegal da força. A omissão frente ao genocídio em Gaza é a negação dos valores mais basilares da humanidade. A incapacidade de superar diferenças fomenta nova escalada da violência no Oriente Médio, cujo capítulo mais recente inclui o ataque ao Irã.

A lei do mais forte também ameaça o sistema multilateral de comércio. Tarifaços desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação. A Organização Mundial do Comércio foi esvaziada e ninguém se recorda da Rodada de Desenvolvimento de Doha.

O colapso financeiro de 2008 evidenciou o fracasso da globalização neoliberal, mas o mundo permaneceu preso ao receituário da austeridade. A opção de socorrer super-ricos e grandes corporações às custas de cidadãos comuns e pequenos negócios aprofundou desigualdades. Nos últimos 10 anos, os US$ 33,9 trilhões acumulados pelo 1% mais rico do planeta é equivalente a 22 vezes os recursos necessários para erradicar a pobreza no mundo.

O estrangulamento da capacidade de ação do Estado redundou no descrédito das instituições. A insatisfação tornou-se terreno fértil para as narrativas extremistas que ameaçam a democracia e fomentam o ódio como projeto político.
Muitos países cortaram programas de cooperação em vez de redobrar esforços para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Os recursos são insuficientes, seu custo é elevado, o acesso é burocrático e as condições impostas não respeitam as realidades locais.

Não se trata de fazer caridade, mas de corrigir disparidades que têm raízes em séculos de exploração, ingerência e violência contra povos da América Latina e do Caribe, da África e da Ásia. Em um mundo com um PIB combinado de mais de 100 trilhões de dólares, é inaceitável que mais de 700 milhões de pessoas continuem passando fome e vivam sem eletricidade e água.

Os países ricos são os maiores responsáveis históricos pelas emissões de carbono, mas serão os mais pobres quem mais sofrerão com a mudança do clima. O ano de 2024 foi o mais quente da história, mostrando que a realidade está se movendo mais rápido do que o Acordo de Paris. As obrigações vinculantes do Protocolo de Quioto foram substituídas por compromissos voluntários e as promessas de financiamento assumidas na COP15 de Copenhague, que prenunciavam cem bilhões de dólares anuais, nunca se concretizaram. O recente aumento de gastos militares anunciado pela OTAN torna essa possibilidade ainda mais remota.

Os ataques às instituições internacionais ignoram os benefícios concretos trazidos pelo sistema multilateral à vida das pessoas. Se hoje a varíola está erradicada, a camada de ozônio está preservada e os direitos dos trabalhadores ainda estão assegurados em boa parte do mundo, é graças ao esforço dessas instituições.

Em tempos de crescente polarização, expressões como “desglobalização” se tornaram corriqueiras. Mas é impossível “desplanetizar” nossa vida em comum. Não existem muros altos o bastante para manter ilhas de paz e prosperidade cercadas de violência e miséria.

O mundo de hoje é muito diferente do de 1945. Novas forças emergiram e novos desafios se impuseram. Se as organizações internacionais parecem ineficazes, é porque sua estrutura não reflete a atualidade. Ações unilaterais e excludentes são agravadas pelo vácuo de liderança coletiva. A solução para a crise do multilateralismo não é abandoná-lo, mas refundá-lo sob bases mais justas e inclusivas.

É este entendimento que o Brasil – cuja vocação sempre será a de contribuir pela colaboração entre as nações – mostrou na presidência no G20, no ano passado, e segue mostrando nas presidências do BRICS e da COP30, neste ano: o de que é possível encontrar convergências mesmo em cenários adversos.

É urgente insistir na diplomacia e refundar as estruturas de um verdadeiro multilateralismo, capaz de atender aos clamores de uma humanidade que teme pelo seu futuro. Apenas assim deixaremos de assistir, passivos, ao aumento da desigualdade, à insensatez das guerras e à própria destruição de nosso planeta.

Fábrica de golpistas à margem do Estado Democrático de Direito - Eugênio Bucci (OESP), sobre livro de Carlos Fico - Marcelo Guterman

 O economista Marcelo Guterman discorda do historiador Carlos Fico e do jornalista Eugenio Bucci quanto às propensões golpistas ou democráticas dos militares. Todos eles têm razão, examinando-se o caso de cada um dos golpes, tentados e bem sucedidos. PRA


Fábrica de golpistas à margem do Estado Democrático de Direito
MARCELO GUTERMAN
JUN 26

Dessa vez, o professor Eugênio Bucci extrapolou até para os seus elásticos padrões. Sua tese: todo militar é golpista.

O articulista baseia-se em um livro que defende que os militares estiveram por trás de todos os golpes e tentativas de virada de mesa na história brasileira, e nunca foram punidos por isso. (Curioso alguém de esquerda defendendo punição para crimes, vê-se que depende de quem é o criminoso. Fecha parênteses).

A lista do autor do livro inclui os golpes liderados por Getúlio Vargas, de onde se depreende que Getúlio nada mais era do que uma marionete nas mãos dos militares. Não é uma imagem muito lisonjeira para a esquerda. Além disso, por que punir somente os militares, no caso? Outra curiosidade: o autor cita “golpes bem sucedidos em 1954 e 1955”, quando Getúlio se suicida e temos a eleição de JK. Curioso caso de golpe seguido de eleições democráticas. Mas sabe como é, se a história não confirma a tese, que se dane a história.

Mas Bucci guarda o cream de la cream para o final de seu artigo. Segundo o professor da ECA, o problema estaria nas escolas de formação de oficiais, de onde sairiam golpistas em potencial. E propõe que essas escolas não fiquem sob a responsabilidade dos quartéis, mas do Estado Democrático de Direito. Ulalá! Quer dizer então que os quartéis brasileiros estão e agem fora do Estado Democrático de Direito? Formam uma espécie de Estado paralelo, fora do alcance das leis brasileiras? Difícil imaginar uma leitura mais assombrosa de uma instituição brasileira que existe e funciona dentro dos marcos constitucionais. Obviamente, o todo não pode ser tomado pela ação de alguns.

Sugiro o inverso: que os militares assumam o ensino na ECA e, de resto, em todas as universidades públicas. Afinal, é daí que surgem os radicais que impedem o livre exercício da liberdade de expressão dentro das universidades, e de onde saem os militantes que vão agredir direitos em invasões de terras e depredação de edifícios públicos. Nada mais contra o Estado Democrático de Direito.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

Obviedades nem sempre tão óbvias - Paulo Roberto de Almeida

 Obviedades nem sempre tão óbvias


        A propaganda do governo federal “A força do agro vem da gente”, bonita, certeira, correta, é Eugênio Gudin puro: as vantagens comparativas, competitivas, naturais e adquiridas, do Brasil vêm da agricultura, mais tecnologia. 
Mas isso foi o que o economista neoclássico proclamou durante décadas e que agora vem sendo realizado pela força dos fatos e da gente brasileira, todos os novos bandeirantes espalhados por todas as regiões do Brasil, do Sul ao cerrado central e nas demais áreas devotadas ao que a “força da gente” produziu de mais dinâmico na economia brasileira.
        Por ser tão óbvio, pode ser que agora os economistas desenvolvimentistas e seus patrocinadores políticos em determinados partidos se convençam de que falta aplicar todas as demais receitas de Eugênio Gudin: sólidas políticas macroeconômicas e setoriais, responsabilidade fiscal, abertura econômica e liberalização comercial, educação de alta qualidade, Integração à economia mundial. 

Paulo Roberto de Almeida
Uberaba, 11/07/2025

Bandeirantes e pioneiros? Atropelados pelos idiotas - Paulo Roberto de Almeida

Bandeirantes e pioneiros? Já passou o tempo

        Viana Moog produziu um livro interessante sobre a formação histórica das sociedades brasileira e americana que demonstrou como se poderia criar duas sociedades vibrantes com base em duas trajetórias diferentes, mas convergentes no sentido de se alcançar algum progresso social, político e econômico com base em sistemas relativamente abertos à oportunidades individuais, os EUA bem mais do que o sistema centralizador brasileiro.

        Acredito que essa fase já passou, pois os medíocres também chegaram ao topo do sistema, os moroons na versão americana, os idiotas na modalidade brasileira.

        Trump é o protótipo do imbecil elevado à suprema governança de um país capitalista e democrático pela realização da fatalidade nefasta antecipada por Nelson Rodrigues: os imbecis vão prevalecer pelo número.

        Bolsonaro é um exemplo esquizofrênico de como imbecis podem ser guindados à suprema governança de um país manifestamente oligárquico em função de uma crise política temporária na qual os arautos de uma ordem disciplinar hierárquica, os militares, prevaleceram por uma última vez. 

        Democracias falhando, aqui e lá, por causa da ascensão dos idiotas. Dá para superar, contudo, mas vai demorar um pouco. Não é um remédio, mas pode ser uma consolação.

Paulo Roberto de Almeida

Uberaba, 11/07/2025


Democracy vs Dictatorship: some examples in differing historical contexts - Paulo Roberto de Almeida

Democracy vs Dictatorship: some examples in differing historical contexts

        Democracy is always a complicated and fragile construction, but combined with a market economy it is the most suitable project when we think of the well being of individuals. Perhaps Great Britain and the United States are the most successful examples of the kind, or at least the most durable, with some actual stress in the later case.

        Dictatorship, in whatever form, is the most destructive undertaking in the realm of social organization, as it corrodes the free will of individuals seeking a self control over the riches they produce. State control of private property is a self-killing of economic progress and social justice.

        Think about two of the most corrupt and perverted dictatorships actually in place in the world: Russia and Venezuela. The economic distortions and repressive public policies built by Putinism and Chavism are so strong that will take decades to rebuild a functional economic system and a normal political structure, responding to the free will of the individuals in economy and politics.

        Trump is a candidate for building a dictatorship in a country traditionally democratic in the political realm and a market economy in the productive sector. He will not succeed in destroying both structures becoming a kind of Putin or a Chávez. He will be ultimately expelled by the free will of the American citizens.

        China is a different kind of social and political organization: never knew a democratic system, but is building a market economy with sufficient success to enrich people and eliminate most extreme forms of social misery and pervasive poverty.

        Brazil is also a different species in the political and economic realms: always an oligarchic and unequal social structure, with a low quality and fragile democratic system, and with a market economy largely dominated by State control over its functionning. 

        But Brazil, despite some authoritarian temptations, will endure as a political democracy with some disfunctional aspects in its realization, together with a less dynamic economy as the result of a less productive and innovative capitalism due to the heavy hand of the State over social structures, especially Education. The preservation of patrimonialistic and oligarchic features in Brazilian political organization explains its highly unequal income distribution, which is destined to endure.

Paulo Roberto de Almeida 

Uberaba, July 11, 2025


quinta-feira, 10 de julho de 2025

Entrevista com José Maihub - Paulo Roberto de Almeida


 Entrevista com José Maihub

Entrevista conduzida em 2/07/2025, 14h30 - 17h30

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Abaixo as questões selecionadas para esta entrevista gravada e exibida online, a partir de 11/07/2025:
URL: https://www.youtube.com/watch?v=lonmB0ZTvr4

Questões pessoais:
1) Poderia compartilhar conosco o que despertou, em sua trajetória pessoal e intelectual, o interesse pelos estudos sobre comércio internacional e pelas relações exteriores do Brasil?

2) Quais são, em sua formação e atuação diplomática, as principais influências intelectuais no campo das relações internacionais e da economia política?

Questões introdutórias as releituras dos clássicos do Embaixador Paulo Roberto de Almeida:
3) Qual é, a seu ver, a relevância hermenêutica de revisitarmos os clássicos do pensamento para iluminar os desafios contemporâneos, sem, contudo, incorrer no risco metodológico do anacronismo?

4) Quais seriam, em sua perspectiva, as diferenças mais substanciais entre a sua releitura e a obra clássica Capitalismo e Liberdade, de Milton Friedman?

5) Em Capitalismo e Liberdade, Friedman concebe a liberdade para além da sua dimensão meramente política. Poderia elucidar como se estrutura essa concepção dual de liberdade no pensamento de Friedman e como ela se articula com a realidade institucional e econômica brasileira?

6) Quais são, a seu ver, os principais benefícios e as limitações na relação entre liberdade econômica e instituições governamentais, conforme delineadas por Friedman? Em que medida esse modelo é aplicável — ou não — ao contexto brasileiro?

7) Na sua visão, quais seriam as principais incongruências das interpretações clássicas de liberalismo no cenário brasileiro, em especial no contexto do regime monárquico unitário do século XIX?

8) O senhor considera que a forte presença do estatismo na vida econômica e social brasileira tem raízes estruturais ligadas à herança ibérica? Se sim, de que modo isso se manifesta historicamente?

9) Poderia citar episódios emblemáticos de insucesso da intervenção estatal no Brasil que evidenciam a importância da separação entre competência técnica e decisão política no processo de formulação de políticas públicas?

10) Qual é, em sua opinião, o papel histórico e intelectual de Roberto Campos na consolidação do pensamento liberal no Brasil, especialmente no que se refere às relações entre economia e leis para o desenvolvimento nacional?

11) Em A miséria da diplomacia brasileira, o senhor critica o enfraquecimento técnico e o predomínio de um cunho ideológico na condução da política externa nacional. Em sua visão, essa “miséria” ainda persiste nos dias de hoje? Quais seriam os principais sinais desse problema no cenário atual?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de julho 2025.
Postado no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=lonmB0ZTvr4

Clóvis Moura e a América Latina - Gabriel dos Santos Rocha (Blog da Boitempo)

Clóvis Moura e a América Latina

Por Gabriel dos Santos Rocha
Blog da Boitempo, 10/07/2027

.. A emancipação dos subalternos foi um interesse constante que perpassou toda a obra e o engajamento político de Clóvis Moura...

"O ano de 2025 marca o centenário de nascimento de Clóvis Moura (1925-2003). O crescente interesse por sua obra neste primeiro quarto do século XXI mostra a atualidade de seu pensamento. Isso se deve não apenas à genialidade do autor, mas também aos principais problemas por ele pautados, os quais continuam na ordem do dia, a exemplo da exploração da classe trabalhadora pelo capital e do racismo como ideologia de dominação no capitalismo."
Publicado em 10/07/2025


Clóvis Moura foi um intelectual polígrafo: jornalista, poeta, crítico literário, historiador e sociólogo. Sua produção nas ciências humanas é sobretudo ensaística, teórica e metodologicamente orientada pelo marxismo. Seus principais trabalhos estão nos campos da história e da sociologia. No entanto, o autor também dialogou bastante com a antropologia e a economia política. Embora tenha escrito sobre assuntos variados, Moura é conhecido por seus estudos sobre o negro na história do Brasil. Esse certamente foi o tema ao qual mais se dedicou. Ao longo de quase cinco décadas, produziu uma obra voltada amplamente para os períodos escravista e pós-abolição, conferindo centralidade às insurreições negras contra a escravidão no passado, à luta antirracista no presente, sem perder de vista a relação entre escravidão, capitalismo e racismo. Moura foi também um militante comunista e antirracista que tomou partido na busca por uma transformação radical da realidade brasileira. Sua obra aventava a revolução socialista.
Destacam-se na produção de Clóvis Moura os estudos sobre os quilombos, guerrilhas e insurreições negras no escravismo, tema central no conjunto de sua obra desde Rebeliões da Senzala, seu livro de estreia e com maior número de edições — atualmente seis, sendo quatro publicadas durante a vida do autor. Trata-se de um ensaio histórico que aborda as insurreições negras como um elemento sistêmico e dinâmico do escravismo colonial. Para Moura, tais lutas expressavam a contradição entre senhores (escravocratas) e escravizados, as “classes” fundamentais do Brasil escravista (Colônia e Império). Amparado em fontes primárias e na até então escassa bibliografia sobre o tema, Rebeliões da Senzala interpreta a luta de classes no Brasil a partir da dialética do senhor e do escravizado, perspectiva pouco explorada até os anos 1960, mesmo entre marxistas.
Apesar do relativo silêncio sobre sua obra por parte da academia, há um crescente interesse por Clóvis Moura nas duas últimas décadas, a exemplo de dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos acadêmicos, reedições de livros do autor — com destaque para o trabalho da editora Dandara – que vêm enfatizando outras de suas contribuições, a saber: o papel do racismo na estratificação social brasileira e a luta antirracista encabeçada pelo associativismo negro nas diferentes fases do Brasil República, além da crítica ao quietismo de setores da academia diante de problemas fundamentais da sociedade etc. Tais temas aparecem marcadamente na produção de Moura a partir dos anos 1970, período no qual passou a colaborar ativamente com o movimento negro, aprofundou conexões com intelectuais e instituições de outros países e teve alguma aproximação com a academia.
Um tema ainda pouco estudado, com raríssimas e louváveis exceções, é a relação do autor com a América Latina. Dentre as exceções, destacamos o livro Racismo e luta de classes na América Latina, de Cristiane Sabino de Souza, que, embora não seja um trabalho sobre Clóvis Moura, utiliza amplamente a produção do autor para analisar a relação entre o racismo e a superexploração da força de trabalho no capitalismo dependente, posição na qual se localizam o Brasil e os demais países latino-americanos no capitalismo mundial. Destacase também um artigo de Patrick Oliveira, de 2023, que revisita os escritos de Moura sobre a América Latina localizando as contribuições do autor para o pensamento marxista sobre a escravidão, além de refletir, também, sobre as lutas políticas dos trabalhadores em países de capitalismo dependente Embora tenhamos essas importantes contribuições, ainda há muito a ser estudado sobre o tema.
A América Latina é pouco presente nas publicações de Clóvis Moura. Mas isso não significa que o continente tenha sido ignorado ou desconsiderado por ele. Ao contrário, apesar de o próprio Moura ter escrito pouco sobre o assunto — no que tange ao conjunto de sua obra —, a América Latina foi um tema de seu interesse, estando presente também em suas referências políticas e literárias. Além disso, a correspondência com outros autores e instituições latino-americanas nos revela sua rede internacional de sociabilidade intelectual e política. É o que buscaremos demonstrar neste artigo.
Literatura e revolução
A relação de Moura com a América Latina se evidencia mais a partir dos anos 1970, quando a agenda intelectual do autor se tornou mais dinâmica com os convites de instituições acadêmicas e centros de pesquisa para ministrar cursos, palestras e participar de eventos, em âmbito nacional e internacional. A repercussão da segunda edição de Rebeliões da Senzala (1972) pode ter contribuído na dinamização dessa agenda, uma vez que, diferentemente da primeira, teve maior circulação e passou a ser citada por outros autores. Além de Nelson Werneck Sodré, José Honório Rodrigues, Luiz Luna e outros no Brasil, o livro foi referenciado pelo historiador estadunidense Eugene Genovese como uma valiosa contribuição em From Rebellion to Tevolution [Da rebelião à revolução]. Dentre os eventos internacionais que Moura participou na década de 1970, estão o Colóquio sobre a Negritude e América Latina (Senegal, 1974), o Encontro Anual da Latin American Studies Association (Estados Unidos, 1977), e os I e II Congresso de Cultura Negra das Américas que ocorreram, respectivamente, na Colômbia (1977) e no Panamá (1980).
No entanto, ainda que a América Latina tenha se tornado mais evidente na trajetória de Moura naquela década, o autor começou a se relacionar muito antes com produções intelectuais latino-americanas que fizeram parte de sua formação. Moura foi um intelectual formado na militância comunista, e atuou na política cultural do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A literatura, uma de suas áreas de atuação, foi um elo importante com a América Latina. Nesse campo, destaca- -se como referência o poeta e comunista chileno Pablo Neruda. Em 1949, em atividade no PCB na Bahia, por recomendação de seu amigo Darwin Brandão Moura tentou publicar um “Poema de solidariedade a Pablo Neruda” na revista Correio das Artes, editada por Edson Regis. Porém, naquele contexto de ilegalidade do partido e de perseguições aos comunistas, a publicação do poema foi negada.
A homenagem ao poeta chileno continha um teor político que incomodaria as autoridades. Assim como no Brasil de Dutra, o comunismo era perseguido no Chile de González Videla (1946-1952). Em 1948, um mandado de prisão chegou a ser emitido contra Neruda que, após passar meses escondido, teve que fugir para a Argentina. No referido poema, Moura escreveu:
[…] o teu perfil chileno entre índios sem terra
entre mães assassinadas,
himens partidos
massacre de grevistas
assombra a tirania
e afugenta a noite.
O poeta chileno voltaria a ser homenageado anos após sua morte em “Soneto Funeral a Neruda”, publicado em Manequins Corcundas, um dos livros de poesia de Moura.
Ainda atuando na política cultural pecebista, nos anos 1950 Moura se mudou para São Paulo e passou a colaborar com a Fundamentos: Revista de Cultura Moderna, editada entre 1948 e 1955. O periódico teve entre seus editores e colaboradores Afonso Schmidt, Artur Neves, Vilanova Artigas, Caio Prado Jr., Astrojildo Pereira, entre outros. Moura participou do Conselho de Redação da Fundamentos, além de publicar poemas e artigos. Dentre eles está um texto em homenagem ao centenário de José Martí, poeta, ensaísta e líder da independência cubana que se tornou símbolo de luta para os revolucionários latino-americanos. Em tal texto, Moura fez uma apreciação da obra poética de Martí, além de recuperar aspectos dos ensaios políticos do líder cubano, destacando elementos caros aos comunistas, como a luta anti-imperialista e anticolonial, a soberania e a autodeterminação dos povos, como vemos no excerto a seguir:
“O pensamento político de Martí, da forma como foi enunciado na época pelo seu autor, ainda é para todos nós, povos americanos, um grande manancial de experiências, não só pela sua profundeza teórica que muitas vezes chega a surpreender, como pela sua atualidade. Uma das facetas mais atuais do seu pensamento é, sem nenhuma sombra de dúvida aquela que se refere às ameaças frontais do imperialismo ianque à independência e segurança dos povos semicoloniais e dependentes. Sua posição, nesse particular, foi sempre incontestavelmente clara e os escritos que deixou sobre o assunto poderiam formar uma antologia atualíssima em muitos aspectos.”
No entanto, o texto não menciona o levante do Quartel Moncada ocorrido em 26 de julho de 1953 e liderado por Fidel Castro. Não era possível prever que em poucos anos aquele fato desencadearia uma revolução triunfante em 1959 e levaria Cuba ao socialismo. Contudo, anos depois Moura dedicaria algumas páginas a Cuba no seu livro de 1977 O negro: de bom escravo a mau cidadão? Em um capítulo intitulado “Dos palenques à independência”, o autor abordou o peso da escravidão na ilha e destacou a importância dos palenques (equivalentes aos quilombos no Brasil) e cimarrones (como eram chamados os escravizados rebeldes) no processo emancipatório de Cuba no fim do século XIX.
Moura considerou que, após a abolição da escravidão e a independência, o negro cubano foi lançado à marginalização e à miserabilidade em um “sistema de compressão social que objetivava satisfazer as expectativas de lucro máximo das grandes haciendas controladas pelos monopólios internacionais”. O autor também demonstrou esperança com a Revolução Cubana, afirmando que somente em 1959 abriram-se “perspectivas para a reintegração do negro na sociedade, em termos e nível de igualdade com as demais classes, camadas e segmentos sociais”. Moura via em Cuba o primeiro grande laboratório onde o modelo de uma “democracia racial” na América Latina estava sendo criado.
Intercâmbio intelectual
O interesse de Moura pela América Latina também pode ser notado no intercâmbio intelectual com autores e instituições de diferentes países latino-americanos a partir dos anos 1960, como nos revela sua correspondência. O escritor argentino Mario Marcilese escreveu uma carta a Moura no dia 1o de setembro de 1964 solicitando-lhe informações biográficas. Embora estivesse escrevendo a um brasileiro, o argentino afirmava que vinha se dedicando ao trabalho de conhecer e divulgar a vida e a obra de escritores hispano-americanos frente ao problema de “a América desconhecer sua literatura e seus autores”. Marcilese não mencionou como tinha obtido o contato de Moura, mas afirmou conhecer “tudo o que se dizia sobre sua pessoa e sua obra”, e disse que gostaria de saber o que o próprio Moura teria a dizer de si mesmo além de pedir-lhe para enviar livros de sua autoria.
Em linhas gerais, essa carta de Marcilese se refere à literatura, o que nos leva a inferir que ele tinha informações sobre as atividades literárias de Moura Em nenhum momento o remetente tocou em temas como história, sociologia e política. Em outras duas cartas que enviou a ele em 1965, uma de 24 de março e outra de 30 de agosto, Marcilese sinalizou que o autor pretendia publicar uma antologia literária latino-americana, e mostram que Moura lhe enviou as informações e os livros solicitados. Em 26 de agosto de 1970, contudo, o escritor argentino comunicou que a referida antologia estava em preparação, mas que a literatura brasileira ficaria de fora por ele próprio não dominar o idioma.
Além da literatura, temas relacionados à história, à sociologia e à política da América Latina também aparecem na correspondência de Moura. Em 1964, o autor solicitou à Unesco fontes e bibliografia de pesquisas sociológicas acerca da vida rural, urbanização, migrações e outros temas relacionados ao continente. A resposta da instituição veio em uma carta de 9 de setembro daquele mesmo ano, assinada por W. Thomas Shepard, do Departamento de Ciências Sociais, que indicava: 1) o envio de um folheto informando as publicações da Unesco acerca dos temas solicitados e as instruções para obtê-las; 2) um informe das principais atividades da Unesco no campo das ciências sociais sobre problemas contemporâneos da América Latina, com estatísticas e outras informações. Shepard também sugeriu que Moura procurasse o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, na Avenida Presidente Vargas, n. 62, 5º andar, no Rio de Janeiro, onde conseguiria mais informações sobre as atividades da Unesco.
Em 1o de setembro de 1964, Manuel Diégues Júnior, diretor do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, respondeu a uma carta de Moura do dia 27 de agosto daquele ano:
“Quanto aos diversos pontos abordados em sua carta, podemos informar:
a) o preço de assinatura da revista América Latina é de C$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) pagáveis mediante ordem de pagamento em nome do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, Av. Pasteur, 431; Rio de Janeiro – ZC-82, ou através [de] cheque nominativo pagável nesta Cidade;
b) a revista América Latina que era anteriormente intitulada Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais começou a ser editada em 1958. A partir de 1962 passou a chamar-se América Latina, com nova apresentação gráfica. De 1958 a 1961, todos os números se acham esgotados. De 1962 até a presente data possuímos disponibilidades, e o preço para números atrasados é o mesmo do corrente ano, C$ 2.000,00 por ano (4 números por ano) […].”
Em outra carta de 14 de dezembro de 1964, Manuel Diégues Júnior confirmou o recebimento de C$ 3.900,00 (três mil e novecentos cruzeiros) e o envio, pelos correios, das publicações solicitadas por Moura. O remetente ainda lamentou o atraso no atendimento ao pedido de Moura em 4 de setembro daquele mesmo ano.
Outra carta em papel timbrado da Unesco assinada por A. Marin, datada em 16 de novembro de 1964, faz referência a livros solicitados por Moura. Eles seriam enviados para a Fundação Getulio Vargas, que seria o agente depositário daquela compra, e com quem Moura deveria liquidar a fatura do material adquirido. Os títulos das obras estão em espanhol, resumidos, e a carta não menciona os autores. Os exemplares enviados foram: Aspectos Sociales […] Vol. II; Aportaciones positivas de los inmigrantes; Migración Internacional y desarrollo económico; La Ciencia económica y la acción. Além desses, o remetente também menciona títulos solicitados por Moura que estavam esgotados, como Aspectos Sociales […] Vol. I; El Movimiento Ecuménico y la Cuestión Racial; Les Elites de Couleurs dans une ville Bresilienne e La Iglesia Católica y la Cuestión Racial. Por fim, o remetente indica o endereço de duas editoras para Moura adquir outros dois títulos solicitados: El Racismo ante la Ciencia Moderna (Ediciones Liber) e Sociedad y Educación en América Latina (Editorial Universitaria de Buenos Aires).
No dia 31 de julho de 1970, Graziella Corvalán, representante da Revista Paraguaya de Sociología do Centro Paraguayo de Estudios Sociologicos, respondeu a uma carta de Moura agradecendo o interesse do autor naquele periódico e informando o preço da assinatura anual a US$ 3.50. Corvalán também agradeceu o envio do livro Rebeliões da Senzala, porém, acusou não tê-lo recebido. Aliás, o não recebimento — ou o atraso no recebimento — de livros e periódicos enviados pelo correio aparece na correspondência de Moura com outros interlocutores — às vezes ele próprio recebia com atraso, às vezes não recebia materiais que lhe eram enviados.
Em 5 de agosto de 1970, Alfredo Poviña, do Departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Cordoba, agradeceu os comentários de Moura a seu livro Historia de la Sociología Latinoamericana em uma carta na qual também lhe indicou a leitura de uma outra obra, Nueva História de la Sociología Latinoamericana, e afirmou que enviaria outros trabalhos de sua autoria na área de sociologia.
No dia 17 de setembro de 1970, José Trueba Davalos, do Instituto Mexicano de Estudios Sociales, agradeceu o envio de um livro de Moura (não mencionou o título), e afirmou estar enviando um folheto com informações sobre o instituto e uma lista de publicações.
O intercâmbio intelectual latino-americano também ocorria por meio de convites para Moura colaborar com publicações e participar de eventos. Em 8 de abril de 1970, um interlocutor do México que assina como Pablo se referiu a Moura como “estimado amigo”, além de mencionar Nicomedes, amigo em comum entre ambos que, naquele momento, tinha poemas traduzidos no Senegal. Pablo participava do conselho editorial de uma revista de sociologia da Universidade Central do Equador e propôs que Moura se tornasse um correspondente do periódico no Brasil, enviando informações sobre as ciências sociais no país, resenhas de livros, congressos, seminários, bem como estabelecendo intercâmbio com revistas brasileiras similares. O remetente também convidou Moura para colaborar em uma publicação coletiva que seria organizada no México com o tema “Autoritarismo e Estado na América Latina”. Não sabemos se esse trabalho chegou a se concretizar, mas sabemos que anos depois, em 1976, Moura teve um livro publicado pela editora mexicana Ediciones Siglo XXI, o Sociología de la Práxis, depois publicado no Brasil pela editora Ciências Humanas com o título A sociologia posta em questão (1978).
Produção sobre a América Latina
Como vimos, a correspondência com intelectuais, editores e instituições nos mostra o interesse de Moura em estudar a América Latina, além de revelar uma rede internacional de sociabilidade do autor. Cabe ressaltar que, em tal contexto, Moura produziu seu principal texto sobre o processo histórico-social latino-americano, “O negro na emancipação da América Latina”, originalmente concebido como uma comunicação no Colóquio sobre Negritude e América Latina ocorrido em Dakar entre os dias 7 e 12 de janeiro de 1974. O convite para esse evento veio do próprio presidente do Senegal, Leopold Sédar Senghor, e do reitor da Universidade de Dakar, Seydou Madani Sy, possivelmente intermediado por René Durand, professor daquela instituição com quem Moura vinha se correspondendo. No colóquio também estiveram outros intelectuais latino-americanos, como Nicomedes Santa Cruz (Peru) e Manuel Zapata Olivella (Colômbia), com os quais Moura manteria amizade e se corresponderia durante anos.
No evento, Moura versou sobre o protagonismo negro nas lutas contra a escravidão na América Latina e a participação negra nos processos emancipatórios de diferentes nações do continente onde houve escravização de africanos, a exemplo do Peru, Colômbia, Venezuela, Haiti, Cuba e outros. Embora o foco principal do texto seja o papel das lutas contra a escravidão nos processos de independência, Moura também considerou problemas contemporâneos comuns aos países latino-americanos:
“Procuraremos abordar uma série de fatos e processos que demonstraram como, ontem como hoje, de diversas formas e em níveis mais ou menos profundos, o negro atuou e continua atuando como força social dinâmica e muitas vezes radical na América Latina. Ontem visando modificar o sistema colonial escravista e atualmente procurando destruir os entraves, obstáculos e limitações da situação de dependência em que se encontram os seus respectivos países. Procura abrir o leque das alternativas no rumo da emancipação continental, única forma que vê para solucionar o seu problema que é cumulativo: como negro, que tem de lutar contra o preconceito de cor, e como pobre, que tem de lutar contra proletarização, a miséria e a marginalização.”
A partir das discussões no Colóquio em Dakar, Moura escreveu posteriormente o texto “Os dilemas da negritude”, no qual polemiza, junto do antropólogo brasileiro Renê Ribeiro e o espanhol German de Granda, participantes do evento que “estavam à direita da negritude”, confundindo o termo com um “possível estereótipo de que deveria ser elucidado e desmascarado”. Polemizou também o conceito de negritude que orientava o Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento nos anos 1950 e, segundo Moura, restringia-se a “uma intelectualidade negra pequeno burguesa”. Contudo, Moura não refutava aprioristicamente o conceito de negritude. Defendia-o como “generalização das contradições criadas em uma sociedade opressiva, e unidade entre teoria e prática no sentido de desalienar não apenas as populações negras, mas todos aqueles estratos populacionais que se sentem oprimidos ou marginalizados pelo sistema dominante em qualquer parte”.
Após o colóquio em Dakar, Moura manteve por longos anos extensa correspondência com o escritor afro-colombiano Manuel Zapata Olivella, que organizaria os I e II Congresso de Cultura Negra das Américas. O I Congresso ocorreu em Cali, Colômbia, em 1977. Moura, na ocasião à frente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas, ficou encarregado de coordenar a delegação brasileira para o evento. Assim, convidou alguns intelectuais para participar no evento, dentre os quais a historiadora Beatriz Nascimento, o sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira, a historiadora Marina Sena, a jornalista Mirna Grzich, entre outros. Entre os convidados também estava o fundador e diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP), Fernando A. Albuquerque Mourão.
Fernando Mourão era docente da USP e participou do monitoramento de atividades que a ditadura considerava “subversivas”, incluindo eventos organizados pelo movimento negro ou por intelectuais vinculados à luta antirracista. Suas atividades como informante da ditadura ocorreram principalmente no meio acadêmico. Mourão repassou as informações (inclusive a carta de Clóvis Moura) sobre o I Congresso de Cultura Negra das Américas à Assessoria de Segurança e Informação da USP – órgão que monitorava estudantes, docentes e funcionários da USP. A delação resultou no impedimento de Moura e quase toda a delegação brasileira de participar do evento.
Nesse período, havia no Brasil a cobrança de um depósito compulsório para viagens ao exterior. Poucos dias antes do evento, o MEC vetou a isenção do depósito. Além do próprio Clóvis Moura, quase toda a delegação brasileira perdeu o congresso. Só viajaram para Cali: a jornalista Mirna Grzich, financiada pela revista Visão, a historiadora Marina Sena, financiada pelo governo de Minas Gerais e Eduardo de Oliveira, que valeu-se de um empréstimo bancário pessoal e de uma bolsa da Fundação Ford.
O II Congresso de Cultura Negra das Américas ocorreu no Panamá, em 1980. No entanto, dessa vez, Moura conseguiu participar. Sua comunicação para o evento, “Escravismo, Colonialismo, Imperialismo e Racismo”, foi posteriormente publicada no livro Brasil: as raízes do protesto negroxxxiv. No mesmo livro, publicou também seu texto de comunicação no Encontro da Latin American Studies Association, ocorrido em Huston, nos Estados Unidos, em 1977, o qual se intitulava “Contribuição do negro às artes no Brasil”.
Conclusões
O ano de 2025 marca o centenário de nascimento de Clóvis Moura (1925-2003). O crescente interesse por sua obra neste primeiro quarto do século XXI mostra a atualidade de seu pensamento. Isso se deve não apenas à genialidade do autor, mas também aos principais problemas por ele pautados, os quais continuam na ordem do dia, a exemplo da exploração da classe trabalhadora pelo capital e do racismo como ideologia de dominação no capitalismo. O Brasil foi o principal objeto de estudos de Moura, bem como seu espaço de atuação política. Contudo, recuperar o intercâmbio do autor com a América Latina nos possibilita ver a dimensão internacionalista de sua formação e de sua trajetória intelectual e política. A relação entre racismo e capitalismo dependente — problema crucial nas análises do autor sobre o Brasil contemporâneo — também ocorre nos países latino-americanos marcados pelo passado colonialista e escravista do antigo regime, assim como nos países africanos e asiáticos subjugados pelo neocolonialismo nos séculos XIX e XX.
Como tentamos demonstrar neste artigo, a América Latina foi um tema de interesse de Moura, ainda que não tenha sido o foco principal de sua obra. O autor não apenas buscou referências e fontes de estudo, como também estabeleceu uma rede internacional de sociabilidade intelectual e militante no continente. Talvez possamos dizer o mesmo em relação à África, considerando que o autor não apenas participou do Colóquio sobre Negritude e América Latina no Senegal, como também se correspondeu com intelectuais e lideranças africanas.
Portanto, Moura estudou a realidade brasileira sem perder de vista a dimensão internacional do capitalismo, buscando compreender também a situação de outros países da periferia do sistema nos quais se situam majoritariamente povos racializados, e no qual também ocorre historicamente a relação entre racismo, dominação política e exploração da força de trabalho. O referido ensaio do autor, “O negro na emancipação da América Latina”, versa sobre a realidade de países nos quais a dependência econômica externa, a segregação social interna e a autocracia como técnica política das classes dominantes são elementos de longa duração, assim como também são as variadas formas de rebeldia dos subalternos, desde os quilombos e palenques do passado aos movimentos de trabalhadores do campo e das cidades no presente. Cabe ressaltar que tal ensaio foi apresentado por Moura em Dakar, em 1974, em um contexto de lutas sociais candentes no Terceiro Mundo: a independência das colônias portuguesas em África, o triunfo do Vietnã contra os Estados Unidos, as lutas contra as ditaduras em vários países da América Latina etc. A emancipação dos subalternos foi um interesse constante que perpassou toda a obra e o engajamento político de Clóvis Moura.
* Este artigo foi originalmente publicado na edição de número 44 da revista Margem Esquerda, publicação semestral da Boitempo.
***
Gabriel dos Santos Rocha é doutorando em História Econômica, mestre em História Social e graduado em História pela Universidade de São Paulo.

Opinião: Uma avaliação dos nossos riscos - William Waack O Estado de S. Paulo

Opinião
William Waack
Uma avaliação dos nossos riscos
A direita brasileira identificada com Trump vai sofrer graves danos eleitorais
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que o presidente dos EUA dá ao Brasil é simplesmente burrice
O Estado de S. Paulo, 09/07/2025
Atualização: 10/07/2025 | 10h01

O ataque do presidente americano ao Brasil não tem paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato, escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os fracos — como o Brasil — que se virem.
A última vez em que um presidente americano agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter a meados da década de setenta. As semelhanças são remotas dada a brutalidade — e a irracionalidade ideológica — exibida por Trump neste momento.
Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por conta de violações de direitos humanos e o acordo nuclear que o Brasil assinara com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil acabou fazendo um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e posturas prejudiciais aos próprios interesses da super potência que Trump vem exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e capacidade de ação americana.
Os danos comerciais ao Brasil são consideráveis mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump demonstrou a falta de consistência habitual — é algo que pode ser eventualmente “negociado”. O problema muito mais grave é político e terá impacto também no contexto eleitoral doméstico brasileiro.
Como aconteceu em países como Canadá, Austrália, México e, até certo ponto Alemanha, a interferência política de Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Ou seja, Trump desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que aderiu ao fã clube de Trump.
É claro que esse é um problema do capitão e sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da cadeia — onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário do exemplo da esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a Casa Branca.
O Brasil é uma potência menor, com escassa capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e Estados Unidos permanecem.
Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos dias.

Opinião por William Waack
Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN
https://www.estadao.com.br/politica/william-waack/a-direita-brasileira-identificada-com-trump-vai-sofrer-graves-danos-eleitorais/?j=2132572&sfmc_sub=761468549&l=8503_HTML&u=65252480&mid=534001280&jb=3005&utm_medium=newsletter&utm_source=salesforce&utm_campaign=conectado&utm_term=20250710&utm_content=

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...